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POUR ELLE
Fred Cavayé, em 2008, escreveu (com a colaboração de Guillaume Lemans, o autor da ideia original) e dirigiu “Pour Elle”, um “thriller” que nunca estreou ou foi lançado em DVD em Portugal, e que impressionou vivamente o público de então e os produtores de Hollywood. A história é simples, mas Fred Cavayé envolve-a numa roupagem narrativa interessante, num jogo de flash-backs. O filme começa de forma inquietante: ecrã negro, vozes, gritos, porta de carro que se abre, um corpo, que nunca vemos, lançado para os bancos da retaguarda, depois o rosto do condutor (Vincent Lindon), escoriações e sangue, o carro em correria pela cidade, gemidos no banco traseiro, olhares de esguelha para trás, depois o silêncio e o carro que pára. Uma legenda: três anos antes.
O condutor do carro, sabemos agora, é Julien, casado com Lisa (Diane Kruger) e pai de Óscar, um bebé que come a papa. Ele é professor e Lisa parece ter problemas de relacionamento com a sua chefe, no emprego. O ambiente é, porém, de harmonia.
Súbito, a tempestade. Um toque à porta, a entrada tumultuosa de um grupo de polícias que prende Lisa, acusada de ter assassinado a chefe nessa noite.
Sabe-se depois que Lisa saíra do emprego, depois de uma discussão com a chefe, e descera até a garagem do edifício. Em frente ao seu carro está um extintor de incêndio, que apanha e coloca de lado. Entretanto chocara com o ombro de alguém que lhe deixa uma mancha de sangue no seu casaco. Não repara que ali ao lado se encontra o cadáver da sua chefe. Ao sair da garagem é vista por uma testemunha que descobre a vítima. Estes são os indícios que a incriminam e que os juízes aceitam como verdadeiros. Lisa é condenada a cumprir uma pesada pena de cadeia. Recebe visitas do inconsolável marido e do filho, três anos depois. O recurso é rejeitado, Julien perde a esperança na justiça e resolve organizar a fuga da mulher de uma cadeia de alta segurança. É o que vai fazer e o que o filme acompanha a par e passo.
A realização de Fred Cavayé, um estreante, é boa, sólida, bem ritmada, servida por dois bons actores: Vincent Lindon e Diane Kruger. O clima adensa-se, a inquietação acompanha o correr do tempo. Há bons apontamentos de observação muito cinematográficos. A vida com os pais de Julien ou a procura de companhia por parte de uma mulher que o olha intencionalmente num parque infantil, são dois exemplos. Vincent Lindon e Diane Kruger cumprem eficazmente. Tal como o seu “remake”, o filme levanta alguns problemas de ordem institucional curiosos. Falaremos deles mais adiante.
72 HORAS
Dois anos depois, Paul Haggis, o director de “Colisão” (Crash, 2004) e de “No Vale de Elah” (2007), interessa-se por uma nova versão de “Pour Elle”, a que chamará “The Next Three Days”, com um elenco de que fazem parte Russell Crowe, Elizabeth Banks e Liam Neeson.
Esta trasladação de França para os EUA traz muito pouco de novo, mas será interessante sublinhar alguns aspectos. O filme de Paul Haggis conta com um orçamento consideravelmente mais chorudo, efeitos muito mais espectaculares, actores mais habituados a este tipo de convenção (deve dizer-se que Elizabeth Banks é excelente), e um tipo de narrativa, nervosa e sincopada, que é a matriz do cinema norte-americano de feição industrial (o que não quer dizer que neste contexto não apareçam muitos “autores” que aí se movimentam bem).
Há, curiosamente, momentos na narrativa desta nova versão que quase copiam, plano a plano, o original, como é o caso da sequência inicial. Além da passagem do cenário natural, de França para os EUA, no restante poucas alterações se descobrem no entrecho, a não ser as ditadas pela própria configuração arquitectónica da prisão.
John Brennan (Russell Crowe), o protagonista, é professor, Lara Brennan (Elizabeth Banks), a sua mulher, volta a ser presa, acusada de ter assassinado a chefe, nas mesmas circunstâncias e também condenada a pesada pena numa prisão estatal, donde John Brennan irá tentar organizar a fuga. Nesta versão surge mais elaborada a personagem de Damon Pennington (Liam Neeson), um especialista em fugas que dá algumas dicas preciosas ao principiante, e pouco mais. Há os pais de Brennan e a senhora solitária que acompanha a filha ao jardim infantil. E a perseguição final movimenta muito mais meios. É tudo feito com “savoir fair” e muita experiência técnica, mas nada que torne este filme diferente de dezenas de outros. Paul Haggis em crise de inspiração ou apenas num intervalo de um percurso mais pessoal?
Posto isto, uma pertinente questão se levanta. Se eu tivesse visto estes dois filmes há vinte anos ficaria muito preocupado: uma obra destas é um atentado aos valores da democracia e da justiça, um dos principais pilares dessa própria democracia. Este é um filme em que o protagonista não acredita na justiça e resolve exercê-la por mãos próprias. Defender uma tal posição é dar abertura para o caos social. Cada um por si. Cada um a impor a “sua” justiça. Há alguns anos atrás (lembro-me de “O Justiceiro da Noite”, com Charles Bronson), meio mundo tinha caído em cima destas obras, apelidando-as de tudo e mais alguma coisa. Hoje a indiferença é total. Não é só em Portugal que a justiça está em crise, portanto, para a maioria achar natural que se exerça “justiça pelas próprias mãos”. Inquietante.
POUR ELLE
Título original: “Pour elle” ou "Anything for Her" ou "For Her"
Realização: Fred Cavayé (França, 2008); Argumento: Fred Cavayé, Guillaume Lemans; Produção: Christine De Jekel, Olivier Delbosc, Eric Jehelmann, Marc Missonnier, Fernando Victoria de Lecea; Música: Klaus Badelt; Fotografia (cor): Alain Duplantier; Montagem: Benjamin Weill; Casting: Gigi Akoka; Design de produção: Philippe Chiffre; Decoração: Ariane Audouard; Guarda-roupa: Fabienne Katany; Maquilhagem: Fabienne Robineau; Direcção de Produção: Samuel Amar, Marie-Eve Graviou-Dural; Departamento de arte: Thomas Akoka, Tara Roy; Som: Nicolas Dambroise, Alain Féat; Efeitos especiais: Olivier Marais, Julien Poncet de la Grave ; Efeitos visuais: Alain Carsoux, Brice Colinet, Séverine De Wever, Guillaume Le Gouez, Joel Pinto; Companhias de produção: Fidélité Films, Wild Bunch, TF1 Films Production, Jerico, TPS Star; Intérpretes: Vincent Lindon (Julien), Diane Kruger (Lisa), Lancelot Roch (Oscar), Olivier Marchal (Henri Pasquet), Hammou Graïa (Comandante Susini), Liliane Rovère (Mãe de Julien), Olivier Perrier (Pai de Julien), Moussa Maaskri, Rémi Martin, Thierry Godard, Slimane Hadjar, Dorothée Tavernier, Alaa Safi, Joseph Beddelem, Ivan Franek, Pascal Parmentier, Kader Boukhanef, Odile Roire, Martine Vandeville, Gilles Kneuse, Nathalie Bécue, Frédéric Maranber, Marie-France Santon, Pierre Benoist, Patrick Doud, Diane Stolojan, etc. Duração: 96 minutos; sem distribuição em Portugal; Estreia em França: 3 de Dezembro de 2008.
Classificação: **
72 HORAS
Título original: The Next Three Days
Realização: Paul Haggis (EUA, França, 2010); Argumento: Paul Haggis, segundo argumento de “pour Elle”, de Fred Cavayé e Guillaume Lemans; Produção: Olivier Delbosc, Eugénie Grandval, Paul Haggis, Anthony Katagas, Agnès Mentre, Marc Missonnier, Michael Nozik; Música: Danny Elfman, Alberto Iglesias; Fotografia (cor): Stéphane Fontaine; Montagem: Jo Francis; Casting: Randi Hiller; Design de produção: Laurence Bennett; Direcção artística: Gregory S. Hooper; Decoração: Linda Lee Sutton; Guarda-roupa: Abigail Murray; Maquilhagem: Camille Friend, Melanie Hughes; Direcção de Produção: John Fedynich, Anthony Katagas, Curtis A. Miller, Carl Pedregal, Donna Sloan; Assistentes de realização: Dieter 'Dietman' Busch, Alexander H. Gayner, Craig Haagensen, Susan Ransom-Coyle, Donald Sparks; Departamento de arte: Jenn Albaugh, Eva Kamienska-Carter, Joseph Waterkotte; Som: Lon Bender, Gary A. Hecker; Efeitos especiais: Drew Jiritano; Efeitos visuais: Justin Pascal, Mike Uguccioni, Ashley J. Ward; Companhias de produção: Lionsgate, Fidélité Films, Hwy61; Intérpretes: Russell Crowe (John Brennan), Elizabeth Banks (Lara Brennan), Liam Neeson (Damon Pennington), Michael Buie (Mick Brennan), Moran Atias (Erit), Remy Nozik (Jenna), Helen Carey (Grace Brennan), Brian Dennehy (George Brennan), Toby Green, Tyler Green, Jason Beghe, Aisha Hinds, Ty Simpkins, Veronica Brown, Olivia Wilde, Leslie Merrill, Alissa Haggis, Daniel Stern, James Donis, Rachel Deacon, Glenn Taranto, Derek Cecil, Kaitlyn Wylde, Zachary Sondrini, Lauren Haggis, Jonathan Tucker, Tyrone Giordano, James Ransone, Etta Cox, Barry Bradford, Rick Warner, etc. Duração: 122 minutos; Distribuição em Portugal: EcoFilmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 27 de Janeiro de 2011.
Classificação: **
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