sábado, fevereiro 19, 2011

CINEMA: THE FIGHTER

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THE FIGHTER - ÚLTIMO ROUND
Não vale a pena dizer que este filme não é sobre boxe, porque tem todo o aspecto de o ser. Senão não haveria filmes sobre boxe, pois o boxe cruza-se sempre com outros aspectos da vida, e este desporto (?) funciona muitas vezes como metáfora mais ou menos evidente de outras realidades. A verdade é que há muitos, e quase todos bons e muito bons filmes que têm o boxe como ponto de referência, desde o clássico “Gentleman Jim”, de Raoul Walsh, ao mais recente “Million Dollar Baby”, de Clint Eastwood, passando por “O Touro Enraivecido”, de Martin Scorsese, ou os vários “Rocky”, de John G. Avildsen e Sylvester Stallone. Podem, e devem, citar-se ainda “Um Homem e o seu Destino”, de Ralph Nelson, “A Queda de um Corpo”, ou “O Grande Ídolo”, ambos de Mark Robson, “Nobreza de Campeão”, de Robert Wise, “O Campeão”, de Franco Zeffirelli, “Ali”, de Michael Mann, ou “Cinderella Man”, de Ron Howard. Haveria muitos outros a acrescentar a esta lista que mostra o boxe sob os mais variados ângulos.
Quer se goste ou não deste espectáculo, o boxe é muito cinematográfico e tem servido de base a muito boa gente, realizadores, argumentistas, directores de fotografia e actores, para exporem o seu talento. “The Fighter – Último Round” é apenas mais um exemplo, e nem por isso dos melhores, ainda que mereça alguma atenção.
Como já aconteceu em muitos outros casos, esta é mais uma história real transposta para o cinema. O boxeur em causa é o "Irish" Micky Ward, nascido a 4 de Outubro de 1965, em Lowell, no Massachusetts, que teve vida difícil e um percurso estranho, tão invulgar quanto a sua estratégia nos combates decisivos. Vindo de um bairro suburbano e pobre, habitado por um operariado desqualificado, inscrito numa família sem grandes perspectivas de vida, Micky Ward teve no seu meio-irmão mais velho, Dicky Eklund, o seu ídolo e o seu treinador inspirado.
Dicky poderia ter sido um grande nome no mundo do boxe se o crime e as drogas o não tivessem atirado para trás das grades. Verdade ou lenda, dizia que ganhara ao mítico Sugar Ray Leonard, e servia-se dessa história para inspirar autoridade. Micky sempre o viu como um ganhador, seguiu-lhe as pisadas, e ouviu os seus conselhos, mesmo quando o visitava na prisão, antes de cada novo combate. A técnica prescrita por Dicky era aguentar, aguentar, aguentar e desferir no final um ataque fulminante, quando já ninguém esperava uma reacção sequer daquele bombo da festa. Resultou, até ao cinturão de campeão do mundo de pesos leves. Numa carreira feita de altos e baixos, mais baixos que altos acrescente-se, este combate em Londres, perante um público adverso, foi a sua coroa de glória, que não se viria a repetir, diga-se.
Nada que não se tenha visto e revisto no cinema. A crónica do jovem infeliz que resiste e faz das dificuldades a sua derradeira vitória é tema banal. Trivial também o relato de mais uma luta de David contra Golias, o que fica bem documentado neste filme, no “último round”, quando o arrogante campeão do mundo em título julga levar de vencida, em três tempos, o atrevido pretendente. É mais uma história de perseverança com bom fim. Mais uma tormentosa luta para se impor, perante as dificuldades da vida. Da vida do dia a dia, que as imagens documentam, que fica igualmente simbolizada em cada combate que se trava no ringue, perante os holofotes que iluminam a metáfora e os olhares de quem acompanha o feito.
O que “The Fighter” tem de mais interessante é a descrição desse microcosmo familiar e bairrista, esse Massachusetts sem ponta de romantismo, a família, os amigos, as mulheres sentadas, paradas, a olharem os treinos, a conversarem à porta de casa, as ruas sem graça, a existência cinzenta. A figura da mãe, protectora e exploradora, as sete irmãs que testemunham, quase sem intervir. Depois há o confronto que é também cumplicidade entre os irmãos, que se incentivam e se defrontam, que fazem dos punhos arma de arremesso contra a adversidade.
Nas personagens dos dois irmãos, dois bons actores que se enfrentam igualmente através de processos de representação muito diversos, senão mesmo contraditórios. Mark Wahlberg (Micky Ward) é a serenidade, a calma, a sobriedade de processos, a interiorização das emoções, enquanto Christian Bale (Dicky Eklund) opta pela composição barroca, sobrecarregada de tiques, esforçada, moldada num corpo mortificado, deliberadamente emagrecido para se conter na macilenta figura. Por mim, acho que Wahlberg fica um pouco aquém e que Bale ultrapassa as medidas. Mas a Academia não vai pensar assim. Ela gosta de representações desta fibra e irá reservar a Christian Bale o Óscar de melhor actor num papel coadjuvante. Que ele é um excelente actor já o demonstrou. Noutros filmes. Aqui torna demasiado evidente essa condição. Sem necessidade. Amy Adams, por seu turno, sem alardes de vedetismo, dá-nos uma belíssima composição.
David Owen Russell (que antes assinara obras curiosas, como “Três Reis”, 1999, ou “Os Psico-Detectives”, 2004) oferece em “The Fighter” um bom trabalho que, sem deslumbrar, justifica nota positiva. Sobretudo pela toada quase neo-realista que imprime a uma boa parte da obra. Mais à vontade fora do ringue do que dentro dele, onde as suas imagens perdem no confronto com muitos dos títulos atrás citados, David O. Russell assina uma obra mediana que só está nomeada para vários Oscars porque a produção do ano não foi brilhante, e porque a Academia prefere o estardalhaço ao rigor. Sete nomeações (melhor filme, realizador, argumento original, montagem, actor secundário e actriz secundária, com duas nomeações) para este filme e uma para “Hereafter”, de Clint Easwood (melhores efeitos visuais)?
Anda alguém a gozar com a gente.

THE FIGHTER - ÚLTIMO ROUND
Título original: The Fighter
Realização: David O. Russell (EUA, 2010); Argumento: Scott Silver, Paul Tamasy, Eric Johnson, Keith Dorrington; Produção: Darren Aronofsky, Dorothy Aufiero, Keith Dorrington, Ken Halsband, David Hoberman, Eric Johnson, Ryan Kavanaugh, Todd Lieberman, Paul Tamasy, Tucker Tooley, Leslie Varrelman, Mark Wahlberg, Jeff G. Waxman; Música: Michael Brook; Fotografia (cor): Hoyte Van Hoytema; Montagem: Pamela Martin; Casting: Sheila Jaffe; Design de produção: Judy Becker; Direcção artística: Laura Ballinger; Decoração: Gene Serdena; Guarda-roupa: Mark Bridges; Maquilhagem: Donald Mowat, Johnny Villanueva; Direcção de Produção: Ken Halsband, Mark Kamine, Christopher Kulikowski, Andrew Troy; Assistentes de realização: Xanthus Valan, Michele Ziegler; Departamento de arte: Melissa B. Miller, Kevin L. Raper, Kurt Smith; Som: Odin Benitez; Efeitos especiais: Stephen R. Ricci; Efeitos visuais: Tim Carras, Joshua D. Comen; Companhias de produção: Closest to the Hole Productions, Fighter, Mandeville Films, The Park Entertainment, Relativity Media, The Weinstein Company; Intérpretes: Mark Wahlberg (Micky Ward), Christian Bale (Dicky Eklund), Amy Adams (Charlene Fleming), Melissa Leo (Alice Ward), Mickey O'Keefe (ele próprio), Jack McGee (George Ward), Melissa McMeekin, Bianca Hunter, Erica McDermott, Jill Quigg, Dendrie Taylor, Kate B. O'Brien, Jenna Lamia, Frank Renzulli, Paul Campbell, Caitlin Dwyer, Chanty Sok, Ted Arcidi, Ross Bickell, Sean Malone, José Antonio Rivera, Art Ramalho, Sugar Ray Leonard, Jackson Nicoll, Alison Folland, Sean Patrick Doherty, Sue Costello, etc. Duração: 115 minutos; Distribuição em Portugal: Valentim de Carvalho Multimédia; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 10 de Fevereiro de 2011.
Classificação: ***

2 comentários:

Anónimo disse...

Análise pensativa nesta página, reflexôes deste modo dão vida aos que reflectir nesta página .....
Faz mais do teu sítio, aos teus cybernautas.

ana b. disse...

Concordo consigo quanto aos critérios da Academia.
Já no ano do "Gran Torino" (um dos filmes da minha vida) estranhei a sua ausência.
Mas uma coisa é certa: A Academia mantém-se coerente com a sua falta de coerência... Infelizmente!