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“O Melhor de La Féria”
“O Melhor de La Féria” é e não é “o melhor de La Féria”. O nome pode enganar um pouco, pois La Féria não é só o encenador de musicais, muito embora tenha sido através deles que adquiriu a celebridade de que hoje desfruta. Mas, para se ser mais rigoroso, este espectáculo que agora estreou no Salão Preto e Prata do Casino do Estoril deveria chamar-se “O Melhor de La Féria – Os Musicais”. Filipe La Féria tem um historial que vai muito para além dos musicais, os seus tempos na Casa da Comédia são recordados com grande interesse, quando ele era um jovem vanguardista que encenava peças como "A Paixão segundo Pier Paolo Pasolini", "A Marquesa de Sade", "Eva Péron", "Savanah Bay”, "A Bela Portuguesa", " Noites de Anto", "A llha do Oriente", de autores como Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Mishima, Agustina Bessa-Luís ou Mário Cláudio. Depois há o seu primeiro grande sucesso popular, de público e de crítica, "What Happened to Madalena Iglésias?". Mesmo após a sua “conversão” ao musical, La Féria assina espectáculos memoráveis que não são musicais, desde "Maria Callas" a “A Casa do Lago”, passando por "Rosa Tatuada", entre outros.
Enfim, Filipe La Féria é mais do que aquilo que se mostra em “O Melhor de La Féria”. Mas, nesta antologia laferiana do musical em Portugal, há algo que perpassa e aí sim, temos o melhor de La Féria. O melhor de La Féria é a sua paixão pelo teatro, pelo espectáculo, pelo palco, pelos actores e o público, por esse momento mágico que acontece sempre que as cortinas se abrem (ou sobem) e o milagre acontece. Este milagre não tem muito a ver até com a qualidade do espectáculo. Acontece numa modesta sociedade recreativa de amadores ou no Scala. Em intensidades diferentes, é certo, mas acontece porque quem gosta de teatro e do espectáculo sente esse mergulhar no puro sortilégio do jogo da transformação, da mentira que passa a verdade, do fascínio do milagre das rosas ou da travessia das águas. Ali, naquele local hipnótico que é o palco, tudo é possível. Todos os sonhos de criança se tornam possíveis, o que aliás marca o início deste espectáculo, onde La Féria, miúdo, brinca aos teatrinhos, para depois se abrir perante si o enorme palco do Casino, onde a sua “feérie” irá acontecer. Podem assacar-se a La Féria alguns defeitos, mas não se lhe pode recusar o seu amor ao teatro. Depois da sua encenação de “As Fúrias”, no Nacional D. Maria II, La Féria passou a ser conhecido, para o bem ou para o mal, como “La Fúria”. Essa “fúria” marca bem a sua personalidade, o seu arrojo, a sua temeridade, a sua megalomania, a forma como se lança nos projectos mais loucos, como sobe ao palco e grita “Viva o Teatro!”. Ele é isso mesmo, um amante agitador, um Dom Quixote teatral. “O Melhor de La Féria” faz justiça à figura.
Agora o espectáculo em si mesmo: como já se disse, inicia-se com La Féria criança a imaginar-se no teatro, passa por La Féria no teatro ao longo de uma vasta carreira como autor de musicais, e termina com La Féria na actualidade, a imaginar novas encenações. Não deixa de ser coerente. “La Fúria” não pára. Desde criança. Hoje ainda mantém o mesmo desejo, o mesmo apetite, a mesma obsessão. Se pudesse, não havia musical que lhe escapasse.
A evocação dessa carreira começa por alguns números de “Passa por mim no Rossio”, e depois desfilam “Maldita Cocaína”, “My Fair Lady”, “Amália”, “A Canção de Lisboa”, “Música no Coração”, “West Side Story”, “Piaf”, “Jesus Cristo Superstar”, “ Um Violino no Telhado”, “A Gaiola das Loucas”, “Fado - História de um Povo”, e uma antevisão de todos os que ele ainda sonha realizar, desde “Chapéu Alto” ou “Serenata à Chuva”, “Sweet Charity” ou “O Feiticeiro de Oz” (que já encenou, e bem), até aqueles que se sabe que andam no seu horizonte próximo, como “Evita” (a sua próxima estreia já anunciada), “O Fantasma da Ópera”, “Man of la Mancha”, “Os Miseráveis”, “Mamma Mia” ou “Hello Dolly”, que lhe serve a preceito como gala de encerramento.
Ao longo de quase duas horas temos um pouco de tudo, para deleite de nostálgicos empedernidos, bons números, encenações criativas, música da melhor, cantores que cumprem galhardamente, coreografias espectaculares, bonito guarda-roupa, cenários discretos, mas quase sempre eficazes (como resulta bem “Piaf” num cenário minimalista), bailarinas, plumas, lantejoulas, luzes, e ainda acrobatas, dependurados do tecto, tal como a cruz de Cristo, como O próprio em arriscada postura. É, portanto, “O Melhor de La Féria” quase em todo o seu esplendor. Há uma ou outra solução que não me parecem as melhores, dispensava bem alguns números de trapézio, por inúteis, mas deixava ficar as belíssimas mariposas que descem do tecto, e quanto à animação dos vídeos, muitas vezes bem conseguida, deixava cair a Maria, de “Música no Coração”, regadeira, a verter águas sobre as verdes montanhas, que me pareceu de muito mau gosto.
De resto, o que poderia ser uma manta de retalhos, acaba por resultar numa bonita evocação de uma carreira, que é simultaneamente uma homenagem a um autor que bem a merece. É Filipe La Féria quem escreve no programa: “Tantas vezes encontro, a um canto de um velho armazém, velhos adereços, peças de guarda-roupa que já tiveram vida sob as luzes brilhantes dos projectores. O Teatro deu-me também Vida. A ele devo o que sou, com toda a sua luz e sombras. Levou-me a sítios inimagináveis, a países para além do arco-íris, fez-me conhecer pessoas inesquecíveis, deu-me momentos de prazer e glória e também de desilusão e dor, e aprendi com ele a compreender melhor o ser humano. É injusto a vida não ser como o teatro: ter tempo para ensaiar e depois para viver”.
Pois é: no teatro ensaia-se a vida, na vida ensaia-se o teatro. Entre o teatro e a vida vamo-nos todos ensaiando, uns aos outros. Essa a grande lição da arte de representar.
O elenco, bem encabeçado por Alexandra e Henrique Feist, conta ainda com a presença de Gonçalo Salgueiro, Paula Sá, Vanessa, F.F., Eva Santiago, Flávio Gil, Elsa Casanova e João Frizza, um corpo de bailado, dois acrobatas e um orquestra privativa.
No Salão Preto e Prata do Casino do Estoril. A partir de 7 de Outubro, de quarta a sábado às 21h30, e ainda sábados e domingos às 17h00.
3 comentários:
Sou um admirador do Filipe La Féria, mas confesso que nem sempre o fui. Só a sua adaptação da 'Maria Callas Masterclass', com a Rita Ribeiro, me fez mudar a opinião. Acho que os portugueses ainda não lhe fizeram a homenagem merecida: sem o La Féria, não teriamos musical no nosso país.
Flávio
www.emma49.blogspot.com
Olá!Será que me podiam facultar o endereço da empresa do Filipe La Féria, ou então o correio electronico para poder entrar em contacto com ele?Ficaria muito agradecido...abraços
storytaila@hotmail.com
Vou dia 01 de Dezembro...espero que seja um bom espectáculo,pelo menos com a qualidade que o La Feria nos habituou !!!
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