QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?
NO CINEMA E NO TEATRO
As possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias têm aspectos muito positivos. Mal acabei de ver “Quem tem Medo de Virgínia Woolf’” no Teatro Nacional de D. Maria II, chegado a casa recordei o filme, com o simples gesto de introduzir o DVD no leitor. Algo impensável há anos atrás e que agora permite leituras quase simultâneas, comparações e revisões da matéria dada num ápice. Além de somar às duas horas e meia da peça os 125 minutos do filme. Juro que não foi masoquismo, mas um exercício muito interessante e proveitoso, para perceber estratégias e opções de encenação e realização. E de adaptação.
Claro que é difícil sustentar uma comparação entre a versão portuguesa e a que o filme nos oferece, mas, apesar disso, julgo meritório o esforço de actores e técnicos nacionais. Mas vamos por partes.
“Who's Afraid of Virginia Woolf?”, a peça de Edward Albee, estreou no Billy Rose Theater, na Broadway, no dia 13 de Outubro de 1962, numa encenação de Alan Schneider, com um elenco constituído por Arthur Hill (George), Uta Hagen (Martha), Melinda Dillon (Honey) e George Grizzard (Nick). Esteve em cena durante dois anos, com 664 representações. Durante esse tempo, o elenco foi substituído. Entraram Henderson Forsythe, Eileen Fulton, Mercedes McCambridge e Elaine Stritch. E como a peça era muito longa, com uma duração que quase atingia as três horas, havia um elenco de substituição para algumas récitas, sobretudo matinées: Kate Reid (Martha), Shepperd Strudwick (George), Avra Petrides (Honey) e Bill Berger (Nick).
Um acontecimento para a época, dado que Albee não era um autor conhecido senão dos circuitos off-Broadway, onde já tinha estreado algumas peças em um acto, nomeadamente “The Zoo Story” (1958) ou “The Sandbox” (1959). Mas “Who's Afraid of Virginia Woolf?”, a princípio recebida com alguma relutância, em função sobretudo da sua linguagem desabrida e pouco habitual em palcos, haveria de recolher o Tony de 1963 para a melhor peça do ano e o Prémio do Círculo de Críticos Teatrais de Nova Iorque. Foi seleccionada para o Pulitzer de 63, mas a Universidade de Columbia, que patrocina o prémio, não permitiu que o mesmo fosse atribuído, com a justificação de que a obra continha alusões sexuais e obscenidades.
Como facilmente se percebe “Who's Afraid of Virginia Woolf?” é uma brincadeira que parte da canção do filme de animação de Walt Disney “The Three Little Pigs”, onde aparece a pergunta: "Who's Afraid of the Big Bad Wolf?". Dado que se trata de um peça que decorre em ambientes universitários, o trocadilho literário impunha-se sintoma de um certo snobismo intelectual.
Albee reúne dois casais na sala de estar da casa de um deles. A peça estrutura-se em três actos que o autor identifica: “Act One - "Fun and Games”, “Act Two - "Walpurgisnacht" e “Act Three - "The Exorcism".
A casa é a de George e Martha, que acabam de regressar de uma festa e que convidam para uma longa noitada um casal recém chegado ao campus universitário. George é professor de História numa universidade americana cujo reitor é o pai da sua mulher Martha. Nick e Honey são os debutantes, sendo que ele vem assegurar uma cadeira de biologia. O álcool já correra na festa de onde vêm, e continuará a circular abundantemente durante o resto da vigília. George e Martha gostam de ter plateia para os seus confrontos verbais. Tudo indica que esta é apenas mais uma das sua típicas discussões, onde se agridem sem pudor, onde deixam extravasar toda a sua frustração e tristeza. George sonha com a cátedra de História, mas não a alcança e Martha humilha-o por isso. Nick e Honey são, aparentemente, os cordeirinhos escolhidos para o sacrifício dessa noite. Eles são os espectadores de um “jeu de massacre” impiedoso, e Nick oferece-se mesmo para concretizar a vingança de Martha.
Mike Nichols passou a cinema esta peça em 1966 e escolheu para o reduzido elenco duas excelentes duplas de actors: Elizabeth Taylor (Martha) e Richard Burton (George), George Segal (Nick) e Sandy Dennis (Honey). A escolha de Burton e Taylor não poderia ter sido melhor, dado que a própria vida privada deste casal poderia ter algo a ver com a de George e Martha. De todas as formas, o que prevalece no filme, que consegue uma extraordinária tensão entre as personagens, servido pelo magnífico preto e branco do notável director de fotografia Haskell Wexler, é a oposição entre um casal carregado de passado, de traumas e frustrações, que explode (regularmente?) como forma de exorcizar esses fantasmas, e um novo casal, sem passado visível e nada assegurando que com muito futuro. O peso da representação dos actores é impressionante, tornado particularmente complexa a relação que se estabelece entre eles. Os três “rounds” deste cruel combate que chega a ser quase de vida ou de morte, não se esgotam numa simples definição. George e Martha coabitam odeiam-se mas também se amam. A sequência final é significativa. Eles estão ali para continuarem, para enlaçarem as mãos e, no próximo fim-de-semana, voltarem a envolver-se numa feroz disputa. Com amor e ódio.
Mike Nichols foi muito inteligente na forma como adaptou a peça ao ecrã, com curtas saídas da sala de estar, nunca permitindo que essas “excursões” cortassem a densidade e a tensão psicológica estabelecida entre as personagens.
Esta nova encenação portuguesa não é deslumbrante, mas cumpre eficazmente o regresso da obra às salas portuguesas. Surge depois das encenações de João Vieira, numa produção Vasco Morgado, em 1971, de Fernanda Lapa, no Teatro de Hoje, em 1990, e de Carlos Otero, no TAS, em 2000.
Com um belíssimo cenário de F. Ribeiro e um excelente desenho de luzes de Nuno Meira, este espectáculo do Teatro Nacional de D. Maria II, último da era Diogo Infante, conta com uma encenação sóbria, mas não muito inspirada, de Ana Luísa Guimarães e um elenco esforçado, com Virgílio Castelo e Maria João Luís, no casal que se auto destrói, e Romeu Costa e Sandra Faleiro nos visitantes inexperientes que assistem a um perigosos jogo de revelações, de mentiras e de ilusões perdidas.
“Se existir uma história daqui a alguns anos e eu fizer parte dela, atrevo-me a dizer que “Quem tem medo de Virginia Woolf?” será a peça que melhor se identifica com o meu nome”. Estas foram palavras proferidas por Edward Albee, no programa do espectáculo apresentado em 1996, em Londres. Ela é indiscutivelmente uma das grandes peças de teatro da dramaturgia do século XX. Só por isso valeu a pena a sua releitura pelo TNDM II.
QUEM TEM MEDO DE VIRGINIA WOOLF?
Título original: Who's Afraid of Virginia Woolf?
Realização: Mike Nichols (EUA, 1966); Argumento: Ernest Lehman, segundo peça teatral de Edward Albee; Produção: Ernest Lehman; Música: Alex North; Fotografia (p/b): Haskell Wexler; Montagem: Sam O'Steen; Design de produção: Richard Sylbert; Decoração: George James Hopkins; Guarda-roupa: Irene Sharaff; Maquilhagem: Gordon Bau, Ron Berkeley, Sydney Guilaroff, Jean Burt Reilly; Assistentes de realização: Bud Grace; Departamento de arte: Craig Binkley, Harold Michelson, Joseph Musso; Som: M.A. Merrick; Direcção de Produção: Richard Barr, Doane Harrison, Clinton Wilder; Genérico: Wayne Fitzgerald; Coreógrafo: Herbert Ross; Companhias de produção: Warner Bros. Pictures, Chenault Productions; Intérpretes: Elizabeth Taylor (Martha), Richard Burton (George), George Segal (Nick), Sandy Dennis (Honey), Agnes Flanaganm Frank Flanagan, etc. Duração: 131 minutos; Distribuição em Portugal: Astória Filmes; Classificação etária: M/ 17 anos; Estreia em Portugal: 1967.
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