sábado, janeiro 07, 2012

TEATRO: DUAS PEÇAS NA "BARRACA"


TEATRO “A BARRACA”
“D. MARIA, A LOUCA”
No Teatro “A Barraca” duas peças em cena com motivos mais do que suficientes para despertarem o interesse dos espectadores. Por razões diferentes, é certo.
Estreada em Junho, para uma curtíssima série de espectáculos, mas reposta em Novembro para a sua carreira regular, “D. Maria, A Louca”, um original do brasileiro António Cunha, fala da rainha portuguesa D. Maria I, a primeira mulher a reinar de facto no trono de Portugal, e que teve, desde sempre, uma valoração muito diversa e contraditória até em relação aos seus reais atributos. Por um lado, há que lhe dar o crédito de uma série de iniciativas altamente meritórias, como a criação da Casa Pia, da Academia das Ciências, da Fábrica das Sedas, da valorização do ensino feminino, impondo-se por um humanismo não muito vulgar na época. Por outro lado, esta filha de D. José I, herdeira de um dos mais invulgares legados da nossa História, assinado em larga medida pelo Marquês de Pombal, que vai dos Távoras ao Terramoto de 1755, passando pela epidemia de varíola que dizimou a população de Portugal e a sua própria família, pelos conflitos com a aristocracia e a igreja, pelos ventos da mudança que advinham da França revolucionária, acabaria louca, refugiada no Brasil, após o exílio da família real portuguesa, que ali procurou refúgio, perante a ameaça das invasões francesas.
D. Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança, que nascera em Lisboa, a 17 de Dezembro de 1734, viria a falecer a 20 de Março de 1816, suicidando-se, atirando-se ao mar no cais da Praça XV, na cidade do Rio de Janeiro. Oscilando entre”A Piedosa” e “A Louca”, D. Maria I é uma personagem certamente fascinante para historiadores, romancistas, dramaturgos ou mesmo cinéfilos. Joaquim Benite já havia encenado uma ópera sobre a mesma figura, no Festival de Almada de 2011.
É no barco que a conduziu a Terras de Vera Cruz que o autor a coloca, por entre momentos de loucura e lucidez, percorrendo mentalmente parte da sua vida e das suas resoluções, habitada por fantasmas e atormentada pelo fervor religioso. A peça não convence muito, é demasiado “poética” e algo arrevesada na sua linguagem, mas permite a Maria do Céu Guerra uma excelente interpretação trágica, mas com os seus laicos de trágica-cómica, sempre comedida e sensível. A encenação da mesma Maria do Céu Guerra é igualmente bastante interessante, económica num cenário bem imaginado por José Costa Reis. Se a peça não me convence muito, tudo o resto é merecedor da melhor atenção.
“D. Maria, a Louca”
Intérpretes: Maria do Céu Guerra, Adérito Lopes; Texto: António Cunha; Encenação: Maria do Céu Guerra; Direcção Plástica, Cenografia e Figurinos: José Costa Reis; Assistência de encenação: Marta Soares; Adereços: Nuno Elias; Desenho de Luz: Luís Viegas; Operação de Luz: Fernando Belo; Sonoplastia e operação: Ricardo Santos; Montagem: Mário Dias; Estreia a 20 de Julho, Teatro Cinearte; De Quinta-feira a Sábado às 21h30; Domingo às 16h30; Na Sala 1 do Teatro Cinearte; M/12.

 “RUMOR”
“Rumor”, de Mário de Carvalho, começa por ser um excelente texto, muito bem escrito, com uma muito boa utilização da palavra como elemento plástico e cénico, o que não é vulgar em textos portugueses. Posso mesmo dizer que “Rumor” é, para mim, um dos melhores textos dramáticos nacionais dos últimos anos.
A forma como Mário de Carvalho aborda o tema é de uma ironia fina que permite ao elenco um trabalho saboroso e divertido, o que beneficia todo o espectáculo. Estamos num terraço de uma cidade abstracta, certamente durante o Império Romano. Várias personagens, bem instaladas na vida, o que ficam a dever ao governador da cidade que os favorece em troca da sua lealdade e de algumas outras cortesias que se preferem não nomear (como as visitas da bela mulher de um comerciante que regularmente passa a noite nos aposentos daquele que não se sabe se está ou não acima ou abaixo dos deuses!), conversam. Descontraidamente, bebem vinho, não tão bom como o que se bebe no palácio, cuja luz irradia pela cidade, e orienta os barcos no mar, mas ainda assim muito bom, muito melhor que a zurrapa que se bebe nas tabernas do povinho, e elogiam a grandeza do governador, homem de muitas virtudes e de uma largueza de vistas excepcionais. Apenas uma nota dissonante: um jovem, cujo pai, prestigiado general, havia sido assassinado às ordens desse mesmo governador.
Mas a harmonia parece grande entre os convivas, até que a luz do palácio esmorece e de todo se apaga. Corre o rumor que o governador morreu. Como? Quem será o sucessor? Alguém amigo do velho general assassinado? Então será melhor dosear as palavras, refrear os elogios, virar o tom da conversa, enfim o governador sempre tinha os seus aspectos menos virtuosos e quem sabe se quem virá aí não será muito melhor. Pode até ser alguém da confiança do filho do general que afinal passa a ser uma personagem muito querida, “vai minha filha, e abraça-o”.
Peça deliciosamente cínica sobre os vira casacas e aqueles que se alapam ao poder para dele retirar dividendos, “Rumor” é um exercício de teatro inteligente, divertido, e contundente. A encenação de Maria do Céu Guerra é muito boa, discreta, subtil, servindo muito bem o texto, o que todo o elenco acompanha com galhardia. Sente-se que os actores, João D’Ávila, Jorge Gomes Ribeiro, Paula Guedes, Rita Fernandes, Ruben Garcia, Sérgio Moras e Vânia Naia, se divertem neste jogo de tapa / destapa e isso acaba por beneficiar o espectáculo.
Vão à “Barraca” ver teatro. O talento e a persistência da Céu Guerra, bem acompanhada pelos cúmplices de aventura, merece-o.
RUMOR
Texto: Mário de Carvalho; Encenação: Maria do Céu Guerra; Direcção Plástica: José Costa Reis; Intérpretes: João D’Ávila, Jorge Gomes Ribeiro, Paula Guedes, Rita Fernandes, Ruben Garcia, Sérgio Moras, Vânia Naia; Assistência de Encenação: Sérgio Moras; Apoio de movimento: Catarina Santana; Apoio musical: Ana Isabel Dias; Aderecista e assistente de cenografia e figurinos: Marta Fernandes da Silva; Desenho de luz: Maria do Céu Guerra / Fernando Belo; Operação de luz e som: Paulo Vargues; Montagem e Carpintaria: Mário Dias: De 5ª a Sábado às 21h30; Domingo às 16h00; Na Sala 2 do Teatro Cinearte; M/12.

1 comentário:

Anónimo disse...

Vi estas duas peças e concordo em
absoluto com a crítica.
É um prazer ver teatro desta
qualidade.
M.Julia