O MERCADOR DE VENEZA
de William
SHAKESPEARE
Encenação de
Ricardo PAIS
Muito
interessante a versão de Ricardo Pais de “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare,
espectáculo recriado em Almada, na abertura do seu 29º Festival, com base num
outro, estreado em 2008, no Teatro Nacional São João no Porto. Plasticamente é
um trabalho magnifico, sumptuoso na sua austeridade, todo ele passado num palco
quase nu, com um chão que relembra um estilizado tabuleiro de xadrez, uma parede
de fundo que por vezes se rasga para dar passagem à luz e a algumas figuras, e um
jogo de cordas caídas do tecto que funcionam quase como um labirinto, por vezes
musical. De resto, o que brilha é o guarda-roupa de Bernardo Monteiro, o jogo
de luzes de Francisco Leal, e, sobretudo, o trabalho de actores, com dois notáveis
protagonistas, Albano Jerónimo e João Reis, bem secundados por quase todo o
restante elenco, Sara Carinhas, Pedro Penim, Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo
Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André Albuquerque, Daniel Fialho,
Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana.
A
peça cruza o drama e a comédia, é violentamente anti-semita, imolando em cena
um judeu avaro e ganancioso, que acaba vítima da sua mesquinhez, tal como era
uso e costume no tempo de Shakespeare (1564-1616), e se voltou a tornar moda
neste período anti-Israel. O trabalho de encenação de Ricardo Pais tem aspectos
muito estimulantes, sobretudo na forma como entrelaça os universos de uma Veneza
mercantil e pré-capitalista e de uma Belmonte quase bucólica, mas muito mais
aparente que real. Há como que a introdução de um flashback que recorda do
segundo acto situações do primeiro e, na globalidade, o efeito é inteligente,
eficaz e extremamente sedutor, na sua delicadeza e significado.
Claro
que o aspecto mais oportuno desta revisitação actual de “O Mercador de Veneza” é
constituir uma curiosa reflexão sobre o poder e o dinheiro, as religiões (aqui
a dualidade cristãos-judeus), a diferenciação de classes, mas particularmente sobre
uma realidade bem actual (desde esse tempo): a finança a procurar multiplicar-se,
não pelo trabalho, mas pela usura e a agiotagem.
Encenação de Ricardo Pais; Tradução Daniel Jonas; Versão
livre de Ricardo Pais e Daniel Jonas; Cenografia Pedro Tudela; Figurinos
Bernardo Monteiro; Música Vitor Rua; Desenho de som Francisco Leal; Desenho de
luz Nuno Meira; Assistente de encenação Manuel Tur; Voz e elocução João
Henriques; Intérpretes Albano Jerónimo, João Reis, Sara Carinhas, Pedro Penim,
Lígia Roque, Pedro Frias, Ivo Alexandre, Maria João Pinho, André Gomes, André
Albuquerque, Daniel Fialho, Eduardo Breda e João Farraia Pedro Manana. Repõe no
Teatro Municipal de Almada no início da próxima temporada.
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