ARGO
“Argo” é um filme curioso sob diversos pontos de vista.
Primeiro, confirma o talento e o acerto de Ben Affleck, que já conhecíamos como
bom actor, mas que se revela igualmente um cineasta de apreciáveis recursos e
um homem preocupado com o seu tempo. A sua carreira como realizador começou com
uma curta-metragem, em 1993, “I Killed My Lesbian Wife, Hung Her On A Meat
Hook, And Now I Have A Three-Picture Deal At Disney”, passando depois por duas
longas, “Vista Pela Última Vez...” (2007) e “A Cidade” (2010), antes de chegar
a “Argo”, que o catapultou para a esfera das nomeações aos Oscars e aos prémios
mais importantes da indústria norte-americana. Para já, foi considerado o
melhor filme do ano e o melhor realizador para associações de críticos tão
prestigiadas como as de Nova Iorque e San Diego e encontra-se nomeado para sete
Oscars e muitas outras atribuições mais ou menos idênticas.
Depois, “Argo” é um filme de difícil concepção, pelo
emaranhado de estilos em que se enreda deliberadamente e donde sai com um
estilo próprio. Na verdade, há em “Argo” um pouco de filme de espionagem,
estilo “Os Três Dias do Condor”, um pouco de comédia satírica sobre o mundo do
cinema e Hollywood, na linha de um “SOB”, um pouco de thriller político, tal
como “Traffic”.
Acrescente-se um dado: partindo de um facto real,
ocorrido há mais de 30 anos, e cujos dados foram recentemente “desclassificados”
(ou seja, abertos à consulta pública), o filme aborda um tema quente da
política internacional e fá-lo de uma forma pouco convencional. Pode dizer-se
que, no final, a obra elogia o trabalho quase invisível da CIA na resolução de
um intrincado drama de política internacional. Mas a verdade é que Bem Affleck
inicia a sua obra com um preâmbulo histórico que deixa muito mal colocada a
posição dos EUA quanto à Pérsia e o seu sucessor Irão. Aí se explica que um
governo legitimamente democrático, chefiado pelo presidente
Mohammad Mosaddeq, tenha sido apeado de Teerão, para se colocar no seu lugar um
corrupto e ocidentalizado Xá Reza Pahlevi, que exerceu uma
violenta ditadura, o que terá estado na origem das revoltas populares e da
subida ao poder do Aiatola Khomeini, com as consequências que todos sabemos.
Terá sido esta interferência inicial dos serviços secretos americanos a
precipitar os acontecimentos, que culminaram com a concessão de asilo político
ao Xá, numa altura em que este se encontrava doente com um cancro e fugido do
seu país, mas muito bem acomodado nas riquezas entretanto depositadas nos
bancos ocidentais.
Os acontecimentos do filme iniciam-se precisamente no dia 4 de Novembro de 1979, quando a revolução iraniana explode nas ruas de Teerão e milhares de iranianos cercam a embaixada americana na cidade e fazem 52 reféns americanos. Acontece que, na barafunda geral, seis outros americanos fugiram pela porta das traseiras e procuraram refúgio na casa do embaixador do Canadá. Serem descobertos e assassinados era uma questão de dias, pelo que a CIA prepara uma acção de resgate, dirigida por um especialista, Tony Mendez (Ben Affleck) que engendra um plano verdadeiramente surrealista (“a melhor má ideia”, como é definida no filme): introduzir-se no Irão como produtor de um filme de ficção científica que Hollywood prepara e sair, dois dias depois, com a sua “equipa de escolha de locais de filmagem” constituída por ele e mais seis elementos devidamente credenciados com falsos passaportes e currículos forjados. Esta a primeira parte do filme.
Para tornar o plano credível aos olhos dos desconfiados e
violentos iranianos, era preciso criar realmente o filme, ou uma forte
aparência de filme. Passa a chamar-se “Argos”, é uma obra de secundaríssimo
plano, para a qual se escreve um medíocre guião, que é apresentado à imprensa,
numa sessão em que os actores lêem o (pavoroso) argumento, fazem-se anúncios de
página no “Variety”, contratam-se técnicos reais (como o caracterizador John
Chambers, que entre muitos outros trabalhara em “Batalha pelo Planeta dos
Macacos” que aparece como inspiração na obra de Affleck) e monta-se a tenda,
antes de Tony Mendez partir para Teerão. Claro que toda esta edificação da
mentira dá pano para mangas no inteligente e sarcástico argumento de Chris
Terrio que, para o escrever, se inspira em artigos do jornalista de
investigação Joshuah Bearman. Mendez vai a Hollywood criar um falso filme e
respondem-lhe que está no sítio certo. A sátira a Hollywood e aos seus muitos
maus filmes é deliciosa, através sobretudo de um diálogo muito saboroso e
actores magníficos, entre os quais cumpre destacar Alan Arkin (o produtor
Lester Siegel) e John Goodman (o maquilhador John Chambers), ambos brilhantes
nas suas composições.
Na terceira parte da obra, o suspense impera, muito embora todos saibamos que o resultado final foi um happy end. Mas Ben Affleck manipula muito bem os condimentos e obriga o espectador a agarrar-se à cadeira até o avião subir nos céus de Teerão e sair do espaço aéreo iraniano. Segurança e mestria de tom, portanto. No que o realizador conta com uma talentosa equipa técnica que faz valer os seus argumentos na fotografia, na montagem, na direcção artística, etc.
Para lá de Ben Affleck, Alan Arkin e John Goodman, o
elenco já várias vezes premiado na sua globalidade, conta ainda com Bryan
Cranston, Clea DuVall, Kyle Chandler, Zeljko Ivanek, Tate Donovan, Victor
Garber, Bob Gunton, Chris Messina, Philip Baker Hall, Michael Parks e Richard
Kind, muitos dos quais mais conhecidos da televisão do que do cinema.
No genérico final, Ben Affleck contrapõe os actores aos
verdadeiros protagonistas desta gesta e chega mesmo a ouvir-se um discurso de
Carter sobre os acontecimentos, que são atribuídos ao Canadá que fica com os
louros, para assim impedir represálias sobre os demais prisioneiros
norte-americanos no Irão.
ARGO (2012)
Título original:
Argo
Realização: Ben Affleck (EUA, 2012); Argumento: Chris Terrio,
segundo artigos do jornalista Joshuah Bearman ("Escape from Tehran");
Produção: Ben Affleck, Chris Brigham, Chay Carter, George Clooney, Tim
Headington, Grant Heslov, Graham King, David Klawans, Alex Sutherland, Nina
Wolarsky; Música: Alexandre Desplat; Fotografia (cor): Rodrigo Prieto;
Montagem: William Goldenberg; Casting: Lora Kennedy; Design de produção: Sharon
Seymour; Direcçao artistica: Peter Borck, Deniz Göktürk; Decoração: Jan
Pascale; Guarda-roupa: Jacqueline West; Maquilhagem: Donna J. Anderson, Aurora
Bergere, Kate Biscoe, Jamie Kelman, Ebru Kizilta, Kelvin R. Trahan; Direcção de
produção: Tina Anderson, Amy Herman, Zeynep Santiroglu, Katherine Tibbetts;
Assistentes de realização: David J. Webb, Ian Calip, Sinan Cevik, Clark Credle,
Alfonso Gomez-Rejon, Alison C. Rosa, Sunday Stevens, Stephanie Tull, Belkis
Turan; Departamento de arte: Michael Keith Aleshire-Rezendez, Dilek Aydin,
Nicole Balzarini, Andrew Campbell, Eunha Choi, Daniel R. Jennings, Brett
McKenzie, Barbara Mesney, John H. Samson, Gulriz Sansoy; Som: Erik Aadahl,
Ethan Van der Ryn; Efeitos especiais: R. Bruce Steinheimer; Efeitos visuais:
Matt Dessero, Rachel Faith Hanson, Thomas J. Smith, Mark Van Ee; Companhias de
produção: Warner Bros. Pictures, GK Films, Smoke House; Intérpretes: Ben Affleck (Tony Mendez), Bryan Cranston (Jack
O'Donnell), Alan Arkin (Lester Siegel), John Goodman (John Chambers), Victor
Garber (Ken Taylor), Tate Donovan (Bob Anders), Clea DuVall (Cora Lijek), Scoot
McNairy (Joe Stafford), Rory Cochrane (Lee Schatz), Christopher Denham (Mark
Lijek), Kerry Bishé (Kathy Stafford), Kyle Chandler (Hamilton Jordan), Chris
Messina (Malinov), Zeljko Ivanek (Robert Pender), Titus Welliver (Bates), Keith
Szarabajka (Adam Engell), Bob Gunton (Cyrus Vance), Richard Kind (Max Klein),
Richard Dillane, Omid Abtahi, Page Leong, Farshad Farahat, Sheila Vand, Ryan
Ahern, Bill Tangradi, Jamie McShane, Matthew Glave, Roberto Garcia, Christopher
Stanley, Jon Woodward Kirby, Alborz Basiratmand, Ruty Rutenberg, etc. Duração: 120 minutos, Classificação
etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de
Portugal; Estreia em Portugal: 8 de Novembro de 2012.
1 comentário:
O seu blogue parece o meu. Quase não tem comentários, mas a gente não pára de escrever. Eu também vou escrevendo sobre os filmes que vejo e o mais que me apetece. O bichinho já vem de longe, o cinema! Ainda não vi o Lincoln, mas este é o meu filme favorito dos Óscares. Quer ler a minha opinião? Fica aqui!http://palavras-cruzadas.blogspot.pt/2013/01/sobre-ben-affleck-e-argo.html
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