A VIDA DE PI
Ang Lee nasceu em 1954, em Taiwan, mas vive nos
EUA desde há muito. A sua filmografia agrupa um conjunto de excelentes filmes
que vão de “O Banquete de Casamento” (1993) ou “Comer Beber Homem Mulher”
(1994), até “Sensibilidade e Bom Senso” (1995), “A Tempestade de Gelo” (1997),
“Ride with the Devil” (1999), “O Tigre e o Dragão” (2000), “Hulk” (2003),
“Chosen” (2001), “O Segredo de Brokeback Mountain” (2005), “Sedução,
Conspiração” (2007) até chegar a este recente “A Vida de Pi” (2012), que
recebeu várias nomeações para os Oscars de 2013. Todos os títulos atrás
referidos são particularmente curiosos e denotam sobretudo um intenso interesse
pelo estudo do choque de culturas, de mentalidades, pelo enfrentar de preconceitos,
onde a diferença é olhada de soslaio, por vezes com consequências nefastas.
“A Vida de Pi” parte de um romance de Yann Martel
que continua a ter grande sucesso mundial e que nos fala de uma estranha
aventura, vivida por um indiano, Pi Patel que deve o seu nome ao interesse do
pai pelas piscinas francesas.
O filme inicia-se com um diálogo entre o
protagonista e um escritor que o visita para conhecer essa invulgar viagem que
ocupará o centro do filme. Pi Patel conta-lhe a sua infância passada na India,
onde a família tinha um Zoo, até que um dia o pai resolve partir de barco para
o Canadá, onde pensa vender a arca de Noé que viaja consigo. Mas uma tempestade
tremenda faz naufragar o navio, Pi Patel perde toda a família, consegue içar-se
para um bote, onde anda à deriva no Oceano Pacífico, na companhia de um tigre de
Benguela (de nome Richard Parker!), e inicialmente também uma zebra, uma hiena
e um orangotango, que vão sendo alimento do tigre.
Não vou revelar muito mais sobre a acidentada
jornada marítima, que tem paragem numa fascinante mas feroz ilha povoada por uma
multidão de suricatas e vegetação carnívora, mas gostaria de sublinhar dois ou
três aspectos da obra que me parecem interessantes. Inicialmente, o facto de Pi
Patel ser um coleccionador de religiões, retendo, de cada uma delas, algum
ensinamento e proveito. Isso o irá ajudar a sobreviver e sobretudo a criar um
universo de fantasia (ou de realidade?) que torna “maravilhosa”, isto é
“fantástica”, e muito pouco provável (ou será real?) toda a sua descrição
final, quando é confrontado com dois japoneses de uma companhia de seguros que
querem saber o que aconteceu a Pi e por que razão naufragou o navio.
É neste momento que acontece o diálogo que dá
sentido à obra, depois de Pi narrar uma outra história, alternativa da primeira,
e muito mais prosaica. Pi pergunta então ao escritor qual a sua versão preferida
e qual gostaria de contar no seu romance. Este não hesita e prefere a primeira,
com o mar encrespado, o batel carregado de animais, a tempestade enfurecida, a
ilha que se transforma do dia para a noite… enfim toda a fantasia que dá cor à
vida e lhe retira o colorido quando Pi conta a versão aparentemente mais
realista. A simbologia relembra “O Homem que Matou Liberty Valance” que
afirmava que “quando a lenda é mais forte que a realidade, o jornalista imprime
a lenda”.
“A Vida de Pi” equilibra-se entre o relato de uma
aventura maravilhosa e a receita do livro de ajuda, de como saber viver à
maneira oriental. Percebo quem detesta a obra, mas também compreendo quem a coloca
entre os grandes filmes de 2012. O estilo garrido, colhendo as cores berrantes
da Índia tradicional, e a mensagem de uma espiritualidade simples, pode ser
visto como kitsch para converter almas fracas e espíritos carenciados, um pouco
à maneira de um Paulo Coelho do Hare Krishna, mas não deixa de ser uma aposta
curiosa, transformando a obra numa proposta que pessoalmente não recuso e vou
mesmo ao ponto de aconselhar.
Não será Ang Lee de melhor colheita, mas em tempo
de vacas magras, um tigre de Benguela, ainda por cima chamado Richard Parker,
não deixa de surpreender.
A VIDA DE PI
Título
original: Life of Pi
Realização: Ang Lee (EUA, Taiwan,
2012); Argumento: David Magee, segundo romance de Yann Martel; Produção: Ang Lee,
David Lee, Gil Netter, Pravesh Sahni, David Womark; Música: Mychael Danna;
Fotografia (cor): Claudio Miranda; Montagem: Tim Squyres; Casting: Avy Kaufman;
Design de produção: David Gropman; Direcção artística: Al Hobbs, Ravi
Srivastava, James F. Truesdale, Dan Webster, Decoração: Terry Lewis, Anna
Pinnock; Guarda-roupa: Arjun Bhasin; Maquilhagem: Kirstin Chalmers, Barrie Gower, Fae Hammond;
Direcção de produção: Sandrine Gros d'Aillon, Kaushik Guha, Marc A. Hammer,
Steven Kaminsky, Sanjay Kumar, Michael J. Malone, Sharon Miller; Assistentes de
realização: William M. Connor, Renato De Cotiis, Sarah Hood, Nitya Mehra, Tiya
Tejpal, David Ticotin; Departamento de arte: Sarah Contant, Shemi Dabhade,
Wylie Griffin, Seema Kashyap, Malcolm Roberts, Gurubaksh Singh, Easton Michael
Smith; Som: Shalini Agarwal, John Morris, Philip Stockton; Efeitos especiais:
Jean-Martin Desmarais; Efeitos visuais: Lubo Hristov; Companhias de produção:
Fox 2000 Pictures, Haishang Films, Rhythm and Hues; Intérpretes: Suraj Sharma (Pi Patel), Irrfan Khan (Pi Patel,
adulto), Ayush Tandon (Pi Patel, adolescente), Gautam Belur (Pi Patel,
criança), Adil Hussain (Santosh Patel), Tabu (Gita Patel), Ayan Khan (Ravi
Patel, criança), Mohd Abbas Khaleeli (Ravi Patel, adolescente), Vibish Sivakumar
Ravi Patel (19 anos), Rafe Spall (escritor), Gérard Depardieu (cozinheiro),
James Saito, Jun Naito, Andrea Di Stefano, Shravanthi Sainath, Elie Alouf,
Padmini Ramachandran, T.M. Karthik, Amarendran Ramanan, Hari Mina Bala,
Bo-Chieh Wang, Ko Yi-Cheng, Jian-wei Huang, etc. Duração: 127 minutos;
Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films; Classificação etária: M/12 anos;
Data de estreia em Portugal: 20 de Dezembro de 2012.
2 comentários:
"Peço desculpa" é uma frase que o personagem diz ao longo do filme.
E eu peço desculpa (ou não) por discordar que Ang Lee é menos brilhante em comparação com obras anteriores.
"A vida de Pi" é um filme belíssimo, com imagens dum colorido estonteante e exótico que tocam o surrealismo, com uma magnífica fotografia e efeitos visuais muito criativos e adequadoa à narrativa.
Sem fazer apologias religiosas, penso que numa sociedade que valoriza cada vez mais o ateísmo, este filme vem "desmistificar" essa postura. Pi tem uma fé inabalável, mesmo nas situações mais adversas.
Recorrendo a flash backs, é realmente no final, quando ele conta a fantástica e inacreditável história e depois a história alternativa mais realista, na qual os japonese finalmente acreditam, é que podemos ver quão prosaico e racional é o mundo actual.
Difícil é, depois de ver o filme, voltar à realidade, ao quotidiano duma sociedade capitalista de consumo, individualista e fria, em que a poesia da vida está ausente.
Este é outro filme a que tenho resistido...Um destes dias tentarei vê-lo. Também há uma polémica em torno dele - dizem que o autor do livro que lhe deu origem plagiou de um brasileiro...CGI. Daqui a pouco já não vão ser precisos actores. Eu ando um pouco irritada com o CGI. Dantes o cinema "era feito à mão", agora,em muitos filmes, nada existe fora do ambiente informático. O que vemos não existe. Tenho saudades do cinema mais artesanal!!(Que, felizmente, ainda aí está!!)
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