THE MASTER
- O MENTOR
Paul Thomas Anderson é um dos
mais interessantes e originais cineastas norte-americanos da actualidade. Não
tem uma filmografia muito vasta, apesar de estar no ofício desde 1988, mas,
abstraindo as curtas-metragens e os vídeos, assinou “Sydney” (Passado Sangrento,
1996), “Boogie Nights” (Jogos de Prazer, 1997), “Magnolia” (1999), “Punch-Drunk
Love” (Embriagado de Amor, 2002), “There Will Be Blood” (Haverá Sangue, 2007) e
agora este “The Master” (O Mentor, 2012). Prepara “Inherent Vice”. Não tendo
uma filmografia extensa, tem, no entanto, um conjunto de obras particularmente
sugestivas, de uma grande coerência estilística e temática, afirmando-se como
um cineasta independente que todavia gosta de se integrar no sistema dos
estúdios e de Hollywood.
“O Mentor” passa-se nos EUA, nos
anos 50, e um dos aspectos a reter desde logo é a forma como o ambiente social
nos é restituído, através de uma rigorosa reconstrução que é tanto de cenários
e adereços, guarda-roupa e maquilhagem, como sobretudo de tom de época, algo de
mais interiorizado e visceral.
Freddie Quell (Joaquim Phoenix) é
um marinheiro, veterano de guerra, que regressa à Califórnia, depois de se ter
batido no Pacífico. Vamos encontrá-lo em não muito bom estado. Traumatizado,
nervoso, alcoólico, violento, de reacções incertas, de uma sexualidade primária
e agressiva, Freddie Quell é o resultado óbvio de tempos inseguros. Um dia
salta para o interior de um barco que passa pelo rio. Aí se encontra Lancaster
Dodd (Philip Seymour Hoffman), rodeado de um grupo de amigos e fiéis adeptos da
sua excêntrica terapia, a que chama “A Causa”. Ele apresenta-se como
“romancista, doutor em física nuclear e filosofo teórico”. Dodd adopta Freddie,
como marinheiro e como companheiro de experiências terapêuticas. A figura de Dodd
foi inspirada no fundador da cientologia, L. Ron Hubbard, e, também segundo
declarações do realizador, a personagem de Freddie terá muito a ver com uma
certa fase da vida do escritor John Steinbeck. Do convívio entre Freddie e Dodd
nascerá o desenrolar de “The Master”, uma fascinante história de atracção e
repulsa, de aproximação e afastamento, com Freddie fascinado pelo poder de
Dodd, com este seduzido pela rebeldia e desejo de aventura e liberdade de
Freddie.
Claro que Dodd é um charlatão
espiritual, de palavra acolhedora para os mais fracos, mas não nos encontramos
no campo de um “O Falso Profeta” (Elmer Gantry, 1960), de Richard Brooks. Os
tempos mudaram e os falsos profetas evoluíram. São muito mais complexos, mais
instruídos, bem-falantes, não andam por feiras a arregimentar populares, agora
concentram a sua atenção em Hollywood e outros centros bem avalizados
financeiramente. Mas se existe uma crítica explícita à cientologia e outras
seitas idênticas, o que sobressai nesta obra notável são sobretudo as
intrincadas relações humanas que se estabelecem entre mestre e discípulos, por
onde passam sugestões eróticas indefinidas e relações de poder nunca olhadas de
forma simplista.
Freddie, que à partida é um
rebelde desadaptado, violento (veja-se a forma como agride um modelo que
fotografa num grande armazém) aceita ser o maleável instrumento experimental
nas mãos de Dodd, passando a defendê-lo dos detractores com a mesma violência
de que sempre dera provas. O mestre é ambicioso, e a ambiguidade da sua postura
é desarmante. Julgamo-lo realmente convicto das suas ideias, mas também cioso
dos lucros e do prestígio social que acarretam. Percebe-se facilmente que
aprecia o convívio com os notáveis (e os milionários) e que nem sequer se
importa com os conflitos que provoca com as autoridades. Numa das cenas do
filme, Dodd e Freddie são feitos prisioneiros em salas separadas, mas
contíguas, e assistimos – num mesmo plano - ao comportamento de ambos, um
destruindo toda a cela, num acesso de violência indescritível, o outro em pose
majestática, limitando-se a esperar pelo regresso à liberdade que sabe
inevitável. Mas, de forma quase imperceptível, um ao outro vão-se contaminando.
Dodd acaba por sofrer ataques súbitos de agressividade. Numa outra excelente
sequência, passada no deserto, ambos experimentam uma moto, mas Freddie arranca
rumo ao horizonte para nele se perder (durante alguns anos, que o filme resolve
numa magnifica elipse temporal).
A obra oferece um trabalho de
actores notável Philip Seymour Hoffman, Joaquin Phoenix, Amy Adams (Mary Sue
Dodd, a mulher de Lancaster Dodd) e Laura Dern (Helen) são particularmente de
realçar num elenco todo ele muito homogéneo. De referir ainda que “The Master”
foi (quase integralmente: 80%) rodado em 70 milímetros (65 milímetros, para ser
mais preciso), uma prática muito usual nos anos 60 e 70, sobretudo em filmes
históricos, e apresenta imagens magníficas (com a assinatura de Mihai Malaimare Jr), plasticamente deslumbrantes.
O que é igualmente uma das características de Paul Thomas Anderson. Também a
partitura musical de Jonny Greenwood é de grande qualidade, funcionando
admiravelmente ao desenvolver um clima
inquietante (ele já fora o compositor da banda sonora de “Haverá Sangue”, do
mesmo cineasta, e de “Temos de Falar Sobre
Kevin”).
“O Mentor” é definitivamente um
dos grandes filmes norte-americanos do ano de 2012, senão mesmo “o” grande
filme desse ano. Uma injustiça, portanto, não o ver a concorrer às categorias
de melhor filme e de melhor realizador nos Oscars.
THE MASTER -
O MENTOR
Título
original: The Master
Realização: Paul Thomas Anderson
(EUA, 2012); Argumento: Paul Thomas Anderson; Produção: Paul Thomas Anderson,
Megan Ellison, Daniel Lupi, Ted Schipper, JoAnne Sellar, Adam Somner; Música:
Jonny Greenwood; Fotografia (cor): Mihai Malaimare Jr.; Montagem: Leslie Jones,
Peter McNulty; Casting: Cassandra Kulukundis; Design de produção: David Crank,
Jack Fisk; Decoração: Amy Wells;
Guarda-roupa: Mark Bridges; Maquilhagem: Aurora Bergere, Kate Biscoe,
Miia Kovero; Direcção de produção: Erica
Frauman, Daniel Lupi; Assistentes de realização: Eric Richard Lasko, Adam
Somner, Trevor Tavares, Wainani Young-Tomich; Departamento de arte: John P.
Goldsmith, Bill Holmquist, Conner McKinley; Som: Christopher Scarabosio;
Efeitos especiais: Michael Lantieri; Efeitos visuais: Dan Glass; Compnhias de
produçao: The Weinstein Company,
Ghoulardi Film Company, Annapurna Pictures; Intérpretes: Joaquin Phoenix (Freddie Quell), Philip Seymour
Hoffman (Lancaster Dodd), Amy Adams (Peggy Dodd), Ambyr Childers (Elizabeth
Dodd), Jesse Plemons (Val Dodd), Rami Malek (Clark), Laura Dern (Helen
Sullivan), Madisen Beaty (Doris Solstad), Lena Endre (Mrs. Solstad), Kevin J.
O'Connor (Bill William), Amy Ferguson (Martha), Joshua Close (Wayne Gregory),
Patty McCormack (Mildred Drummond), Fiona Dourif (bailarina), Freddie Quell,
Mike Howard, Sarah Shoshana David, Bruce Goodchild, Matt Hering, Dan Anderson,
Andrew Koponen, Jeffrey W. Jenkins, Patrick Biggs, Ryan Curtis, Jay Laurence,
Abraxas Adams, Tina Bruna, Kevin Hudnell, Hunter Craig, Ryder Craig, Rodion Salnikov,
Emily Gilliam, etc. Duração: 144
minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária:
M/16 anos; Estreia em Portugal: 7 de Fevereiro de 2013.
1 comentário:
Quero ver este filme. O realizador é bom e o Philip Seymor é um dos meus actores favoritos.
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