sábado, fevereiro 16, 2013

CINEMA: O MENTOR

 
THE MASTER - O MENTOR

Paul Thomas Anderson é um dos mais interessantes e originais cineastas norte-americanos da actualidade. Não tem uma filmografia muito vasta, apesar de estar no ofício desde 1988, mas, abstraindo as curtas-metragens e os vídeos, assinou “Sydney” (Passado Sangrento, 1996), “Boogie Nights” (Jogos de Prazer, 1997), “Magnolia” (1999), “Punch-Drunk Love” (Embriagado de Amor, 2002), “There Will Be Blood” (Haverá Sangue, 2007) e agora este “The Master” (O Mentor, 2012). Prepara “Inherent Vice”. Não tendo uma filmografia extensa, tem, no entanto, um conjunto de obras particularmente sugestivas, de uma grande coerência estilística e temática, afirmando-se como um cineasta independente que todavia gosta de se integrar no sistema dos estúdios e de Hollywood.
“O Mentor” passa-se nos EUA, nos anos 50, e um dos aspectos a reter desde logo é a forma como o ambiente social nos é restituído, através de uma rigorosa reconstrução que é tanto de cenários e adereços, guarda-roupa e maquilhagem, como sobretudo de tom de época, algo de mais interiorizado e visceral.
Freddie Quell (Joaquim Phoenix) é um marinheiro, veterano de guerra, que regressa à Califórnia, depois de se ter batido no Pacífico. Vamos encontrá-lo em não muito bom estado. Traumatizado, nervoso, alcoólico, violento, de reacções incertas, de uma sexualidade primária e agressiva, Freddie Quell é o resultado óbvio de tempos inseguros. Um dia salta para o interior de um barco que passa pelo rio. Aí se encontra Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), rodeado de um grupo de amigos e fiéis adeptos da sua excêntrica terapia, a que chama “A Causa”. Ele apresenta-se como “romancista, doutor em física nuclear e filosofo teórico”. Dodd adopta Freddie, como marinheiro e como companheiro de experiências terapêuticas. A figura de Dodd foi inspirada no fundador da cientologia, L. Ron Hubbard, e, também segundo declarações do realizador, a personagem de Freddie terá muito a ver com uma certa fase da vida do escritor John Steinbeck. Do convívio entre Freddie e Dodd nascerá o desenrolar de “The Master”, uma fascinante história de atracção e repulsa, de aproximação e afastamento, com Freddie fascinado pelo poder de Dodd, com este seduzido pela rebeldia e desejo de aventura e liberdade de Freddie.
 

Claro que Dodd é um charlatão espiritual, de palavra acolhedora para os mais fracos, mas não nos encontramos no campo de um “O Falso Profeta” (Elmer Gantry, 1960), de Richard Brooks. Os tempos mudaram e os falsos profetas evoluíram. São muito mais complexos, mais instruídos, bem-falantes, não andam por feiras a arregimentar populares, agora concentram a sua atenção em Hollywood e outros centros bem avalizados financeiramente. Mas se existe uma crítica explícita à cientologia e outras seitas idênticas, o que sobressai nesta obra notável são sobretudo as intrincadas relações humanas que se estabelecem entre mestre e discípulos, por onde passam sugestões eróticas indefinidas e relações de poder nunca olhadas de forma simplista.
Freddie, que à partida é um rebelde desadaptado, violento (veja-se a forma como agride um modelo que fotografa num grande armazém) aceita ser o maleável instrumento experimental nas mãos de Dodd, passando a defendê-lo dos detractores com a mesma violência de que sempre dera provas. O mestre é ambicioso, e a ambiguidade da sua postura é desarmante. Julgamo-lo realmente convicto das suas ideias, mas também cioso dos lucros e do prestígio social que acarretam. Percebe-se facilmente que aprecia o convívio com os notáveis (e os milionários) e que nem sequer se importa com os conflitos que provoca com as autoridades. Numa das cenas do filme, Dodd e Freddie são feitos prisioneiros em salas separadas, mas contíguas, e assistimos – num mesmo plano - ao comportamento de ambos, um destruindo toda a cela, num acesso de violência indescritível, o outro em pose majestática, limitando-se a esperar pelo regresso à liberdade que sabe inevitável. Mas, de forma quase imperceptível, um ao outro vão-se contaminando. Dodd acaba por sofrer ataques súbitos de agressividade. Numa outra excelente sequência, passada no deserto, ambos experimentam uma moto, mas Freddie arranca rumo ao horizonte para nele se perder (durante alguns anos, que o filme resolve numa magnifica elipse temporal).
 
 
A obra oferece um trabalho de actores notável Philip Seymour Hoffman, Joaquin Phoenix, Amy Adams (Mary Sue Dodd, a mulher de Lancaster Dodd) e Laura Dern (Helen) são particularmente de realçar num elenco todo ele muito homogéneo. De referir ainda que “The Master” foi (quase integralmente: 80%) rodado em 70 milímetros (65 milímetros, para ser mais preciso), uma prática muito usual nos anos 60 e 70, sobretudo em filmes históricos, e apresenta imagens magníficas (com a assinatura de Mihai Malaimare Jr), plasticamente deslumbrantes. O que é igualmente uma das características de Paul Thomas Anderson. Também a partitura musical de Jonny Greenwood é de grande qualidade, funcionando admiravelmente ao desenvolver  um clima inquietante (ele já fora o compositor da banda sonora de “Haverá Sangue”, do mesmo  cineasta, e de “Temos de Falar Sobre Kevin”).
“O Mentor” é definitivamente um dos grandes filmes norte-americanos do ano de 2012, senão mesmo “o” grande filme desse ano. Uma injustiça, portanto, não o ver a concorrer às categorias de melhor filme e de melhor realizador nos Oscars.  

THE MASTER - O MENTOR
Título original: The Master
Realização: Paul Thomas Anderson (EUA, 2012); Argumento: Paul Thomas Anderson; Produção: Paul Thomas Anderson, Megan Ellison, Daniel Lupi, Ted Schipper, JoAnne Sellar, Adam Somner; Música: Jonny Greenwood; Fotografia (cor): Mihai Malaimare Jr.; Montagem: Leslie Jones, Peter McNulty; Casting: Cassandra Kulukundis; Design de produção: David Crank, Jack Fisk; Decoração: Amy Wells;  Guarda-roupa: Mark Bridges; Maquilhagem: Aurora Bergere, Kate Biscoe, Miia Kovero; Direcção de produção:  Erica Frauman, Daniel Lupi; Assistentes de realização: Eric Richard Lasko, Adam Somner, Trevor Tavares, Wainani Young-Tomich; Departamento de arte: John P. Goldsmith, Bill Holmquist, Conner McKinley; Som: Christopher Scarabosio; Efeitos especiais: Michael Lantieri; Efeitos visuais: Dan Glass; Compnhias de produçao: The Weinstein Company,  Ghoulardi Film Company, Annapurna Pictures; Intérpretes: Joaquin Phoenix (Freddie Quell), Philip Seymour Hoffman (Lancaster Dodd), Amy Adams (Peggy Dodd), Ambyr Childers (Elizabeth Dodd), Jesse Plemons (Val Dodd), Rami Malek (Clark), Laura Dern (Helen Sullivan), Madisen Beaty (Doris Solstad), Lena Endre (Mrs. Solstad), Kevin J. O'Connor (Bill William), Amy Ferguson (Martha), Joshua Close (Wayne Gregory), Patty McCormack (Mildred Drummond), Fiona Dourif (bailarina), Freddie Quell, Mike Howard, Sarah Shoshana David, Bruce Goodchild, Matt Hering, Dan Anderson, Andrew Koponen, Jeffrey W. Jenkins, Patrick Biggs, Ryan Curtis, Jay Laurence, Abraxas Adams, Tina Bruna, Kevin Hudnell, Hunter Craig, Ryder Craig, Rodion Salnikov, Emily Gilliam, etc. Duração: 144 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/16 anos; Estreia em Portugal: 7 de Fevereiro de 2013.

1 comentário:

Belinha Fernandes disse...

Quero ver este filme. O realizador é bom e o Philip Seymor é um dos meus actores favoritos.