COMBOIO NOTURNO PARA LISBOA
Antes de mais, devo esclarecer desde
logo que o romance “Comboio Noturno para Lisboa”, de Pascal Mercier, não me
agradou nada. Achei-o empastelado, pretensioso, rico em filosofices baratas,
literatice de trazer por casa. Nunca percebi o sucesso internacional que
alcançou de um dia para o outro, um pouco por todo o lado. Posso estar enganado, mas é o que sinto.
Pascal Mercier é, aliás, o pseudónimo usado pelo suíço, professor de filosofia,
Peter Bieri, nascido em Berna em 1944, mas mais recentemente professor de
Filosofia na Universidade de Berlim. Não faz o meu género, e só o li até final
por respeito para com Lisboa, cenário onde decorre grande parte do seu enredo.
De resto, a justificação que o mesmo dá
para ter escolhido um pseudónimo literário não deixa de ser curiosa:
"Enquanto professor receei colocar a minha reputação académica em causa
quando comecei a escrever ficção. Precisava de me esconder atrás de um
pseudónimo para ter coragem de me libertar na escrita. Só sabia que queria um
nome com sonoridade francesa mas que não fosse extravagante. É uma experiência
fantástica escolher um outro nome porque o kitsch que há em nós surge no seu
máximo. Os primeiros nomes que nos surgem são extraordinários."
Entretanto, soube que o livro iria ser
adaptado por Bille August, cineasta dinamarquês que assinou duas películas
relativamente interessantes, “Pele, o Conquistador” e “As Melhores Intenções”,
tendo-se perdido posteriormente em obras internacionais que nunca me seduziram.
Nem a muito conhecida “A Casa dos Espíritos”, rodada parcialmente em Lisboa, me
entusiasmou. Parece um homem de boas intenções e de causas, gosta muito de
Lisboa, o que só lhe fica bem, mas os seus filmes, quando rodados fora da
Dinamarca natal, assemelham-se a encomendas confeccionadas sem vigor nem alma.
Posto isto, que dizer de “Comboio
Noturno para Lisboa”, que agora estreou?
O romance, para mim, continua a ser
intragável, o filme melhora um pouco o tom geral, mas mantem-se algo
incaracterístico, empastelado, sem brilho.
A história é rápida de se evocar: o
suíço Raimund Gregorius, sombrio professor de filosofia numa escola de Berna,
um dia ao ir para as aulas surpreende uma jovem que parece ir suicidar-se,
lançando-se do alto de uma ponte sobre o rio Aar, que atravessa a cidade.
Salva-a, leva-a para a sua aula, a rapariga pouco depois desaparece, mas deixa um
casaco vermelho e dentro de um bolso um livrinho de um autor português, Amadeu
de Prado. Começa a ler o livrinho, depois de tentar restituir o casaco à jovem
portuguesa desaparecida, e encontra no interior das suas páginas um bilhete de
comboio para Lisboa. Não pensa duas vezes, até porque o comboio vai partir daí
a 15 minutos, e, só com a roupa no pelo, resolve viajar para a capital
portuguesa, em busca de Amadeu. Obviamente que as intenções do autor do romance
são mais complexas. Raimund Gregorius vem em busca de Amadeu de Prado só na
aparência, quem ele procura realmente é a si próprio, a aventura que nunca
viveu. Os escritos de Amadeu são dramaticamente medíocres e enfatuados, mas
generosamente são reduzidos ao mínimo na adaptação cinematográfica. Um ponto a
favor do filme.
Depois, de encontro em encontro, de
entrevista em entrevista, descobre que Amadeu foi médico, resistente à ditadura
salazarista, e que faleceu, vítima de um aneurisma cerebral. Mas vai
encontrando muita gente que lhe fala de Amadeu. Quem interpreta Raimund
Gregorius? Jeremy Irons. Ok. Consegue transformar uma personagem sem densidade,
em alguém que se acompanha com prazer. Outro ponto a favor do filme. Quem são
os actores com quem se cruza em busca de Amadeu? Tom Courtenay, Bruno Ganz,
Charlotte Rampling, Lena Olin, Christopher Lee, os portugueses Nicolau Breyner,
Helena Afonso, Beatriz Batarda, João Lagarto, Joaquim Leitão, Adriano Luz, José
Wallenstein, todos eles muito bem e a merecerem melhor sorte do que aquela que
lhes coube, em pequenas rábulas. Há ainda a referir Mélanie Laurent, bonita e
talentosa. Outro ponto a favor do filme.
Depois há Lisboa como cenário
privilegiado desta história. Lisboa muito bonita, fotogénica, um pouco melosa
demais para o meu gosto, mas excelente cartaz internacional, demonstrando que
esta é uma aposta que Portugal deve seguir. Só por si, cinco pontos a favor do
filme.
Finalmente, um aceno de franca simpatia
para os produtores portugueses, nomeadamente Ana Costa e Paulo Trancoso, pela
galhardia com que se bateram, e se batem, pelo bom sucesso deste filme. Dois
pontos a seu favor. Feitas as contas, são dez os pontos, numa escala de 0 a 20.
Claro que estamos a ser nacionalistas, a puxar a brasa à nossa sardinha, mas se
não fosse essa sardinha o cozinhado não merecia muito mais. Dez pontos é como
quem diz: Vá ver que ajuda o país, a cidade de Lisboa merece, e o esforço dos
produtores, técnicos e actores portugueses também. Mas não vá com muitas
expectativas que ultrapassem cenário e actores.
COMBOIO NOTURNO PARA LISBOA
Título original: Night Train to Lisbon ou Comboio Noturno
Para Lisboa
Realização: Bille
August (Alemanha, Suíça, Portugal, 2013); Argumento: Greg Latter, Ulrich
Herrmann, segundo romance de Pascal Mercier; Produção: Kerstin Ramcke, Peter
Reichenbach, Günther Russ, Ana Costa, Michael Lehmann, Benjamin Seikel, Michael
Steiger, Paulo Trancoso; Música: Annette Focks; Fotografia (cor): Filip
Zumbrunn; Montagem: Hansjörg Weißbrich; Casting: Patrícia Vasconcelos, Jeremy
Zimmermann; Design de produção: Augusto Mayer; Decoração: Dominique
Steiner-Studinka; Guarda-roupa: Monika Jacobs; Maquilhagem: Sano De Perpessac,
Linda DeVetta, Jekaterina Oertel; Direcção de produção: Catherine Leroux, Tina
Mersmann, Joana Synek; Assistetes de realização: Guy Travers, Raul Correia,
Sonja Levy, Filipa Ruiz; Departamento de arte: Simon Bang, José Carlos
Vitorino; Som: Rainer Heesch, Stefan Soltau, Björn Wiese; Efeitos visuais:
Andrei Dimitriu, Dirk Frischmuth, Markus 'Maggi' Selchow; Companhias de
produção: Studio Hamburg Filmproduktion, C-Films AG, PalmStar Entertainment,
Efish Entertainment, Cinemate, K5 Film, K5 International, Tele München Fernseh
Produktionsgesellschaft (TMG); Intérpretes:
Jeremy Irons (Raimund Gregorius), Mélanie Laurent (jovem Estefania), Jack
Huston (Amadeu), Martina Gedeck (Mariana), Tom Courtenay (João Eça), August
Diehl (jovem Jorge O'Kelly), Bruno Ganz (Jorge O'Kelly), Lena Olin (Estefania),
Burghart Klaußner (juiz Prado), Nicolau Breyner (Da Silva), Charlotte Rampling
(Adriana de Prado), Helena Afonso (Maria Prado), Beatriz Batarda (jovem
Adriana), Sarah Bühlmann (Catarina Mendes), Raquel Cipriano, Jean-Pierre Cornu,
Maria d'Aires, Marco D'Almeida, Dominique Devenport, Marçal Godinho, Max
Hubacher, João Lagarto, Christopher Lee, Joaquim Leitão, Adriano Luz, Eloy
Monteiro, Hanspeter Müller, Ana Lúcia Palminha, Bruno Salgueiro, Jane Thorne,
Filipe Vargas, Jorge Veríssimo, José Wallenstein, etc. Duração: 110 minutos;
classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo;
Estreia em Portugal: 21 de Março de 2013.
1 comentário:
Parabéns pelo blog.
Encontrei uns artigos do Lauro António sobre o Jerry Lewis, pelo que me lembrei de lhe perguntar se sabe qual o motivo de dois dos seus filmes terem sido rodados parcialmente em Portugal
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