quinta-feira, outubro 10, 2013

CINEMA: POR DETRÁS DO CANDELABRO


POR DETRÁS DO CANDELABRO
Michael Douglas (em cima) e o verdadeiro Liberace (em baixo)

Devo dizer que nunca fui tocado pela arte e o virtuosismo de Liberace. Quando eu era miúdo e ele um ídolo, a sua excentricidade afastava-me desse pianista showman que tinha programa de televisão e tudo e era um dos homens mais ricos do showbiz norte-americano.
Wladziu Valentino Liberace nasceu West Allis, a 16 de Maio de 1919 e viria a falecer, em Palm Springs, a 4 de Fevereiro de 1987, vítima de SIDA. Vinha de uma família de músicos e tudo indicava que se tornaria num pianista clássico. Mas um dia, durante um dos seus primeiros recitais, quando chegou aos encores, em vez de um trecho clássico, optou por algo mais ligeiro e esta escolha iria mudar a sua carreira.
Liberace era um pianista extraordinariamente treinado sob o ponto de vista da escola tradicional do piano, mas que ousou o inesperado: usar toda a sua arte não apenas num repertório clássico, mas também na música popular. Além de tocar, ele cantava e dançava. A sua celebridade cresceu e rapidamente se tornaria o "Liszt de Las Vegas". Nunca interpretava Chopin ou Berlin (ou quem quer que fosse) sem lhes dar um cunho muito pessoal. Aparecia de Rolls Royce em cena, com aparatosas capas, rodeado de corpo de baile, cantava e dançava e era o mais bem pago de todos. A sua fortuna pessoal permitia-lhe coleccionar automóveis de marcas de topo, pianos históricos e mobiliário, além de possuir um guarda-roupa que fazia inveja a qualquer teatro de vaudeville. Tinha um programa de televisão a nível nacional, orgulhava-se dos seus “protegidos” e ostentava trejeitos que denunciavam homossexualidade de que alguns meios de comunicação o acusavam. Ele negou sempre e processou os acusadores. No seu período áureo recebeu mais de cinco milhões de dólares anualmente, o que lhe permitia ter cinco luxuosas mansões. A última aparição pública de Liberace foi em Novembro de 1986, no Radio City Music Hall, em Nova Iorque. Três meses após esta despedida, morria, com 67 anos, por complicações causadas pelo vírus da SIDA, na residência de Palm Springs, na Califórnia.


Um dos seus últimos “protegidos”, Scott Thorson, escreveu uma autobiografia (de colaboração com Alex Thorleifson), a que deu o título “Behind the Candelabra: My Life With Liberace”. Foi esta obra que deu origem ao filme de Steven Soderbergh, tendo sido adaptada a cinema pelo argumentista Richard LaGravenese. Aborda os últimos anos da vida de Liberace e a relação amorosa e sexual que durou seis anos entre Liberace e Scott Thorson. As memórias são evidentemente pessoais e vistas sob a perspectiva de Scott Thorson e o filme assume esta óptica sem nunca a por em causa.
O elenco escolhido é magnífico, sobretudo os protagonistas, Matt Damon na figura algo cinzenta de Scott Thorson, que se confessa bissexual e oscila entre o amante incondicional e o arrivista à procura de riqueza fácil, e Michael Douglas, numa composição absolutamente fabulosa de Liberace, de uma subtileza notável, mesmo nos momentos de maior exuberância. Este ano os Oscars de actores principais não parecem suscitar nenhum suspense. Cate Blanchett, em “Blue Jasmine” e Michael Douglas, em “Por Detrás do Candelabro” arrumam as contam à priori.


Mas, para lá do virtuosismo da interpretação, o filme é ainda magnificamente realizado por um inspirado Steven Soderbergh que encena com brilho esta vida de excessos, recriando a vida íntima de Liberace com pudor, mas não se furtando a cenas que facilmente poderiam cair no ridículo, e que ele segura com mão de mestre, ao mesmo tempo que nos oferece a féerie dos seus concertos e aparições públicas. Distante de início, com a câmara fixa, próximo e hesitante nas sequências finais, rodadas com a câmara à mão, pelo próprio realizador (que, além da realização, assina ainda fotografia e montagem), “Por Detrás do Candelabro” é uma lição de cinema. Curiosamente, este filme não foi produzido por nenhum dos grandes estúdios de cinema americanos, nunca foi estreado em salas nos EUA, tendo sido directamente lançado na televisão por cabo (quem o produziu foi a NBO, que assim permitiu ao realizador concretizar este projecto longamente amadurecido). De resto, Steven Soderbergh, um dos mais interessantes cineastas do actual cinema norte-americano, um homem que tem alternado ao longo da sua filmografia obras de grande público, como “Os Onze do Oceano” e sequelas, e outras de um certo experimentalismo, como “Sexo, Mentiras e Vídeo”, anunciou que o cinema para ele tinha acabado, dadas as condições de produção que existem hoje na América. Ele vai ficar-se pela televisão e pelo vídeo, que lhe oferecem maior liberdade.

POR DETRÁS DO CANDELABRO
Título original: Behind the Candelabra

Realização: Steven Soderbergh (EUA, 2013); Argumento: Richard LaGravenese, segundo obra de Scott Thorson e Alex Thorleifson; Produção: Susan Ekins, Gregory Jacobs, Michael Polaire, Jerry Weintraub; Música: Marvin Hamlisch; Fotografia (cor): Steven Soderbergh (como Peter Andrews); Montagem: Steven Soderbergh (como Mary Ann Bernard); Casting: Carmen Cuba; Design de produção: Howard Cummings; Direcção artística: Patrick M. Sullivan Jr.; Decoração: Barbara Munch; Guarda-roupa: Ellen Mirojnick; Maquilhagem: Christine Beveridge, Kate Biscoe, Stephen Kelley, Marie Larkin, Yvette Stone; Direcção de produção: Julie M. Anderson, David Kirchner, Michael Polaire; Assistentes de realização: Gregory Jacobs, Jody Spilkoman, Lynn Struiksma; Departamento de arte: Nicole Balzarini, Greg Berry, Karen Higgins, Jessica Ripka, Eric Sundahl, Karen Teneyck; Som: Larry Blake; Efeitos especiais:  Josh Hakian, David Waine; Efeitos visuais: Thomas J. Smith; Companhia de produção: HBO Films; Intérpretes: Michael Douglas (Liberace), Matt Damon (Scott Thorson), Dan Aykroyd (Seymour Heller), Rob Lowe (Dr. Jack Startz), Debbie Reynolds (Frances Liberace), Scott Bakula (Bob Black), Tom Papa (Ray Arnett), Nicky Katt (Mr. Y), Cheyenne Jackson (Billy Leatherwood), Paul Reiser (Mr. Felder), Boyd Holbrook (Cary James), David Koechner, Eddie Jemison, Randy Lowell, Tom Roach, Shamus Cooley, John Smutny, Eric Zuckerman,Jane Morris, Garrett M. Brown, Pat Asanti, Casey Kramer, James Kulick, Bruce Ramsay, Paul Witten, Deborah Lacey, Susan Todd, Nicky Katt, Austin Stowell, Francisco San Martin, Anthony Crivello, Mike O'Malley, Kiff VandenHeuvel, Nikea Gamby-Turner, Charlotte Crossley, Josh Meyers, Harvey J. Alperin, Jerry Clarke, Lisa Frantz, Shaun T. Benjamin, John Philip Kavcak, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Audiovisuais; Classificação etária: M / 16 anos; Data da estreia em Portugal: 19 de Setembro de 2013.

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