POR
DETRÁS DO CANDELABRO
Michael Douglas (em cima) e o verdadeiro Liberace (em baixo)
Devo dizer que nunca fui tocado pela
arte e o virtuosismo de Liberace. Quando eu era miúdo e ele um ídolo, a sua
excentricidade afastava-me desse pianista showman que tinha programa de
televisão e tudo e era um dos homens mais ricos do showbiz norte-americano.
Wladziu Valentino Liberace nasceu West
Allis, a 16 de Maio de 1919 e viria a falecer, em Palm Springs, a 4 de
Fevereiro de 1987, vítima de SIDA. Vinha de uma família de músicos e tudo
indicava que se tornaria num pianista clássico. Mas um dia, durante um dos seus
primeiros recitais, quando chegou aos encores, em vez de um trecho clássico,
optou por algo mais ligeiro e esta escolha iria mudar a sua carreira.
Liberace era um pianista
extraordinariamente treinado sob o ponto de vista da escola tradicional do
piano, mas que ousou o inesperado: usar toda a sua arte não apenas num repertório
clássico, mas também na música popular. Além de tocar, ele cantava e dançava. A
sua celebridade cresceu e rapidamente se tornaria o "Liszt de Las
Vegas". Nunca interpretava Chopin ou Berlin (ou quem quer que fosse) sem
lhes dar um cunho muito pessoal. Aparecia de Rolls Royce em cena, com
aparatosas capas, rodeado de corpo de baile, cantava e dançava e era o mais bem
pago de todos. A sua fortuna pessoal permitia-lhe coleccionar automóveis de
marcas de topo, pianos históricos e mobiliário, além de possuir um guarda-roupa
que fazia inveja a qualquer teatro de vaudeville. Tinha um programa de
televisão a nível nacional, orgulhava-se dos seus “protegidos” e ostentava
trejeitos que denunciavam homossexualidade de que alguns meios de comunicação o
acusavam. Ele negou sempre e processou os acusadores. No seu período áureo
recebeu mais de cinco milhões de dólares anualmente, o que lhe permitia ter cinco
luxuosas mansões. A última aparição pública de Liberace foi em Novembro de
1986, no Radio City Music Hall, em Nova Iorque. Três meses após esta despedida,
morria, com 67 anos, por complicações causadas pelo vírus da SIDA, na residência
de Palm Springs, na Califórnia.
Um dos seus últimos “protegidos”,
Scott Thorson, escreveu uma autobiografia (de colaboração com Alex
Thorleifson), a que deu o título “Behind the Candelabra: My Life With
Liberace”. Foi esta obra que deu origem ao filme de Steven Soderbergh, tendo sido adaptada a cinema
pelo argumentista Richard LaGravenese. Aborda os últimos anos da vida de
Liberace e a relação amorosa e sexual que durou seis anos entre Liberace e
Scott Thorson. As memórias são evidentemente pessoais e vistas sob a
perspectiva de Scott Thorson e o filme assume esta óptica sem nunca a por em
causa.
O elenco escolhido é magnífico,
sobretudo os protagonistas, Matt Damon na figura algo cinzenta de Scott
Thorson, que se confessa bissexual e oscila entre o amante incondicional e o
arrivista à procura de riqueza fácil, e Michael Douglas, numa composição
absolutamente fabulosa de Liberace, de uma subtileza notável, mesmo nos
momentos de maior exuberância. Este ano os Oscars de actores principais não
parecem suscitar nenhum suspense. Cate Blanchett, em “Blue Jasmine” e Michael
Douglas, em “Por Detrás do Candelabro” arrumam as contam à priori.
Mas, para lá do virtuosismo da
interpretação, o filme é ainda magnificamente realizado por um inspirado Steven
Soderbergh que encena com brilho esta vida de excessos, recriando a vida íntima
de Liberace com pudor, mas não se furtando a cenas que facilmente poderiam cair
no ridículo, e que ele segura com mão de mestre, ao mesmo tempo que nos oferece
a féerie dos seus concertos e aparições públicas. Distante de início, com a
câmara fixa, próximo e hesitante nas sequências finais, rodadas com a câmara à
mão, pelo próprio realizador (que, além da realização, assina ainda fotografia
e montagem), “Por Detrás do Candelabro” é uma lição de cinema. Curiosamente,
este filme não foi produzido por nenhum dos grandes estúdios de cinema
americanos, nunca foi estreado em salas nos EUA, tendo sido directamente
lançado na televisão por cabo (quem o produziu foi a NBO, que assim permitiu ao
realizador concretizar este projecto longamente amadurecido). De resto, Steven
Soderbergh, um dos mais interessantes cineastas do actual cinema
norte-americano, um homem que tem alternado ao longo da sua filmografia obras
de grande público, como “Os Onze do Oceano” e sequelas, e outras de um certo
experimentalismo, como “Sexo, Mentiras e Vídeo”, anunciou que o cinema para ele
tinha acabado, dadas as condições de produção que existem hoje na América. Ele
vai ficar-se pela televisão e pelo vídeo, que lhe oferecem maior liberdade.
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DETRÁS DO CANDELABRO
Título
original: Behind the Candelabra
Realização: Steven
Soderbergh (EUA, 2013); Argumento: Richard LaGravenese, segundo obra de Scott
Thorson e Alex Thorleifson; Produção: Susan Ekins, Gregory Jacobs, Michael
Polaire, Jerry Weintraub; Música: Marvin Hamlisch; Fotografia (cor): Steven
Soderbergh (como Peter Andrews); Montagem: Steven Soderbergh (como Mary Ann Bernard);
Casting: Carmen Cuba; Design de produção: Howard Cummings; Direcção artística:
Patrick M. Sullivan Jr.; Decoração: Barbara Munch; Guarda-roupa: Ellen
Mirojnick; Maquilhagem: Christine Beveridge, Kate Biscoe, Stephen Kelley, Marie
Larkin, Yvette Stone; Direcção de produção: Julie M. Anderson, David Kirchner,
Michael Polaire; Assistentes de realização: Gregory Jacobs, Jody Spilkoman,
Lynn Struiksma; Departamento de arte: Nicole Balzarini, Greg Berry, Karen
Higgins, Jessica Ripka, Eric Sundahl, Karen Teneyck; Som: Larry Blake; Efeitos
especiais: Josh Hakian, David Waine;
Efeitos visuais: Thomas J. Smith; Companhia de produção: HBO Films; Intérpretes: Michael Douglas
(Liberace), Matt Damon (Scott Thorson), Dan Aykroyd (Seymour Heller), Rob Lowe
(Dr. Jack Startz), Debbie Reynolds (Frances Liberace), Scott Bakula (Bob
Black), Tom Papa (Ray Arnett), Nicky Katt (Mr. Y), Cheyenne Jackson (Billy
Leatherwood), Paul Reiser (Mr. Felder), Boyd Holbrook (Cary James), David
Koechner, Eddie Jemison, Randy Lowell, Tom Roach, Shamus Cooley, John Smutny,
Eric Zuckerman,Jane Morris, Garrett M. Brown, Pat Asanti, Casey Kramer, James
Kulick, Bruce Ramsay, Paul Witten, Deborah Lacey, Susan Todd, Nicky Katt,
Austin Stowell, Francisco San Martin, Anthony Crivello, Mike O'Malley, Kiff
VandenHeuvel, Nikea Gamby-Turner, Charlotte Crossley, Josh Meyers, Harvey J.
Alperin, Jerry Clarke, Lisa Frantz, Shaun T. Benjamin, John Philip Kavcak, etc.
Duração: 118 minutos; Distribuição
em Portugal: Zon Audiovisuais; Classificação etária: M / 16 anos; Data da
estreia em Portugal: 19 de Setembro de 2013.
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