sábado, fevereiro 15, 2014

CINEMA: AO ENCONTRO DE MR. BANKS


AO ENCONTRO DE MR. BANKS

Pamela Lyndon Travers, escritora que criou “Mary Poppins” e assinava P.L. Travers para encobrir o facto de ser mulher, fora baptizada com o nome de Helen Lyndon Goff e nascera na Austrália, em Maryborough, Queensland, a 9 de Agosto de 1899, vindo a morrer em Londres, a 23 de Abril de 1996. Quando tinha sete anos, o pai faleceu, um acontecimento que para sempre marcaria a jovem. Desde muito nova que se dedica à poesia, tornando-se escritora, jornalista e passando mesmo pelo teatro, como actriz. Anda pela Austrália e pela Nova Zelândia, em tournée, depois viajou até à Irlanda, onde conheceu vários poetas e escritores, passando a Londres, onde se instala. Publica em 1934 “Mary Poppins”, que rapidamente se tornou um sucesso retumbante.
Em Hollywood, as filhas de Walt Disney lêem o livro e adoram. O pai promete-lhes que o vai adaptar ao cinema. Entra em contacto com a escritora, que nem quer ouvir falar em adaptações, detesta musicais e tem horror a “bonecos animados”. Durante vinte anos, trocam cartas e nem um nem outro desiste dos seus intentos. “Saving Mr. Banks” é, pois, a história de dois teimosos que se enfrentam para cumprir promessas. Ele quer adaptar a cinema o livro para cumprir o que jurara às filhas, ela não quer ceder para se manter fiel à promessa que fizera a si própria.


A determinada altura da vida de P.L. Travers, as receitas literárias começam a diminuir e o seu agente convence-a a viajar até Los Angeles. Isso acontece em 1961. Como se calcula, a escritora começa por detestar a cidade e o encontro com Walt Disney é desastroso. A autora de “Mary Poppins” revela-se uma velhota ácida, fria, distante, agressiva, nada cooperante, mostra que está a fazer um frete insuportável. As reuniões com argumentistas, compositor, letristas, produtores, secretárias and so on, são lendárias. A má disposição e o negativismo de P.L. Travers julgar-se-iam inultrapassáveis. Se o tivessem sido, não haveria agora este filme, nem “Mary Poppins” com pinguins em desenho animado, a dançarem em redor de Dick Van Dyke. Mas, lentamente, vai cedendo aos encantos do lugar e das personagens e talvez também ao cansaço. O filme faz-se, estreia-se em 1964, é um triunfo, mas ela mantém as reservas e não permite a Walt Disney aproveitar nenhuma das quatro sequelas que entretanto escrevera e editara com a sua Mary Poppins como protagonista. Fim de história, que não contém nenhum suspense especial, pois é do conhecimento geral. Faz parte da História. Este é mais um filme que ficciona factos reais.
John Lee Hancock, o realizador, é igualmente um argumentista de algum sucesso, tendo assinado, enquanto tal, algumas obras muito interessantes, como “Um Mundo Perfeito” e “Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal”, ambas rodadas por Clint Eastwood, tendo dirigido como realizador “The Rookie - O Treinador”, “Álamo” e “Um Sonho Possível”, antes de se entregar a este “Ao Encontro de Mr. Banks”. Nada de particularmente excitante, o mesmo acontecendo agora, ainda que neste último caso, a história tenha a sua graça, e os intérpretes sejam excelentes. Emma Thompson compõe um retrato inspirado desta insuportavelmente irritante P.L. Travers; Tom Hanks é um Walt Disney impecável, talvez demasiado “politicamente correcto” (mas que dizer, se a produção é dos seus estúdios e herdeiros?); Annie Rose Buckley é uma miudinha adorável, que as asperezas da vida transformaram na agreste escritora; Colin Farrell é o pai destemperado que morre cedo e deixa um rasto de tristeza na filha; Ruth Wilson é a sacrificada mãe; Paul Giamatti é admirável como motorista particular de Travers, e por aí fora. Só pelas interpretações merece a pena as duas horas de visionamento. Mas a produção é cuidada, os aspectos técnicos estão à altura da casa produtora e o resultado final é mais um daqueles filmes para “toda a família” a que estes estúdios nos habituaram há longas décadas.


Para quem gosta de cinema e de espreitar os bastidores das produções de Hollywood, este é mais um aspecto a ter em conta. O que coloca algumas objecções ao produto, será por um lado o ar muito bem comportado de toda a gente, o que os permite supor que os argumentistas (Kelly Marcel e Sue Smith) adocicaram muito a realidade e, por outro, uma estrutura narrativa, tipo sanduíche, com duas histórias entremeadas a decorrer em simultâneo, por um lado a juventude de P.L. Travers na Austrália, por outro lado o encontro desta com Disney em Hollywood. Obviamente que se percebe o porquê da opção: a história da juventude de P.L. Travers é a base para a compreensão do seu comportamento ao longo da vida. Mas o esquema acaba por ser um pouco enfadonho, por repetitivo.
Globalmente, é um espectáculo que se vê com agrado, mas não muito mais do que isso. O que já não é pouco se lhe acrescentarmos o brilhantismo das representações.


AO ENCONTRO DE MR. BANKS
Título original: Saving Mr. Banks

Realização: John Lee Hancock (EUA, Inglaterra, Austrália, 2013); Argumento: Kelly Marcel, Sue Smith; Produção: Ian Collie, Mark Cooper, K.C. Hodenfield, Christine Langan, Troy Lum, Andrew Mason, Alison Owen, Philip Steuer, Paul Trijbits; Música: Thomas Newman; Fotografia (cor): John Schwartzman; Montagem: Mark Livolsi; Casting: Ronna Kress; Design de produção: Michael Corenblith; Direcção artística: Lauren E. Polizzi; Decoração: Susan Benjamin; Guarda-roupa: Daniel Orlandi, Catherine Childers, Deborah La Mia Denaver, Julie Hewett, Frances Mathias; Direcção de Produção: Andrew C. Keeter, Philip Steuer, Todd London; Assistentes de realização: Paula Case, Clark Credle, K.C. Hodenfield, Jeff Okabayashi, Stuart Renfrew; Departamento de arte: Lorrie Campbell, Martin Charles, Steve Christensen, Mike Piccirillo, Terry Scott, Sally Thornton; Som: Yann Delpuech, Jon Johnson, David M. Roberts; Efeitos especiais: J.D. Schwalm; Efeitos visuais: Vincent Cirelli, Justin Johnson, Lauren Miyake, Simon Mowbray, Luma Pictures; Companhias de produção: Walt Disney Pictures, Ruby Films, Essential Media & Entertainment, BBC Films, Hopscotch Features; Intérpretes: Emma Thompson (P.L. Travers), Tom Hanks (Walt Disney), Annie Rose Buckley (Ginty), Colin Farrell (Travers Goff), Ruth Wilson (Margaret Goff), Paul Giamatti (Ralph), Bradley Whitford (Don DaGradi), B.J. Novak (Robert Sherman), Jason Schwartzman (Richard Sherman), Lily Bigham (Biddy), Kathy Baker (Tommie), Melanie Paxson (Dolly), Andy McPhee (Mr. Belhatchett), Rachel Griffiths (Tia Ellie), Ronan Vibert (Diarmuid Russell), Jerry Hauck, Laura Waddell, Fuschia Sumner, David Ross Paterson, Michelle Arthur, Michael Swinehart, Bob Rusch, Paul Tassone, Luke Baines, Demetrius Grosse, Steven Cabral, Kimberly D'Armond, Mia Serafino, Claire Bocking, Dendrie Taylor, etc. Duração: 125 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 30 de Janeiro de 2014.

                                                                 A verdadeira P.L. Travers e Emma Thompson, no filme.

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