O JOGO DA IMITAÇÃO
Alan
Turing é a personagem central de “O Jogo da Imitação”, alguém sobre quem não
haverá muita gente que saiba quem foi e o papel que desempenhou, durante a II
Guerra Mundial. Deverá dizer-se então que Alan Turing foi, desde estudante, um
brilhante matemático, que integrou a equipa de criptógrafos dos serviços de
Inteligência Britânicos e que, de uma forma sistemática e persistente, um pouco
contra tudo e contra todos, resolveu um problema que parecia insolúvel, e que
ficou conhecido como “Enigma”. As batalhas decorriam, em terra, no mar e no ar,
morriam milhares de jovens (e de menos jovens) todos os dias e as forças
aliadas não conseguiam penetrar no bem idealizado esquema de mensagens cifradas
dos nazis. Sabia-se que os alemães tinham inventado uma máquina que encriptava
diariamente as mensagens e que, a cada meia-noite, mudava de código. A maioria
dos serviços de espionagem ingleses tinha como objectivo descobrir a cifra, com
base numa tentativa sucessiva
de acertar na chave, o que dava uma hipótese de êxito verdadeiramente ridícula,
segundo a teoria das probabilidades.
o verdadeiro Alan Turing
Alan
Turing tinha outra ideia: se era uma máquina que produzia e alterava os
códigos, só uma outra máquina poderia solucionar o problema. Perante o
descrédito geral, de tentativa em tentativa, inventou a que ficou conhecida
como "Máquina de Turing", e que futuramente se designaria por
computador. Ao desvendar os segredos do inimigo, terá alterado o curso da
História e acelerado o fim da guerra, calcula-se que, pelo menos em dois anos,
salvando assim a vida de muitos milhares de seres humanos.
Já
existia um filme interessante sobre este tema, “Enigma”, de 2001, realizado por
Michael Apted, escrito por Tom Stoppard, segundo obra de Robert Harris, e
interpretado por Jeremy Northam, Dougray Scott, Kate Winslet, Saffron Burrows,
Tom Hollander, entre outros. Filme curioso, é certo, mas mais voltado para a
espionagem e a guerra, do que sobre a personagem do inventor, que nem sequer era
citado pelo seu nome. “O Jogo da Imitação”, do norueguês Morten Tyldum (o mesmo
que adaptara sofrivelmente um conhecido romance de Jo Nesbo, “Headhunters -
Caçadores de Cabeças”) tem intenções e um percurso diferentes, centrando-se
sobretudo na figura de Alan Turing, segundo um argumento de Graham Moore, que
parte de "Alan Turing: The Enigma", uma obra de Andrew Hodges. A
estrutura é a de um filme biográfico, que acompanha essencialmente três
momentos chaves da vida de Turing, centrando a sua narrativa na época em que se
encontrava à frente do projecto, e alternando sequências da sua juventude e do período
em que foi estudante universitário, com outras do seu tormentoso final de
carreira e de vida.
Na
verdade, sendo esta uma obra que dá particular relevância à descoberta da
solução para o Enigma, não se confina a este aspecto, mas procura dar um
retrato mais complexo e integral da figura de Alan Turing que, desde seus
tempos de escola, manifestara tendências homossexuais, depois assumidas
frontalmente. Como, por essa altura, a homossexualidade era considerada um
crime da Grã-Bretanha, Alan
Turing, finda a guerra, em 1952, foi julgado e condenado, dando-lhe o tribunal
a escolher entre duas penas: ser preso ou aceitar integrar um programa de
castração química, o que ele preferiu. Mas os sofrimentos foram tais que acabou
por se suicidar, a 7 de Junho de 1954, com apenas
(quase) 42 anos. Entretanto, muita água correu, os costumes evoluíram e, em 10
de Setembro de 2009, o primeiro-ministro Gordon Brown apresentou oficialmente
desculpas públicas, em nome do governo britânico, devido à maneira como Turing
tinha sido tratado após a guerra. Em 24 de Dezembro de 2013, o matemático
recebeu o perdão real da rainha Elisabeth II, pela sua condenação por
homossexualidade.
Há,
portanto, pelo menos dois temas importantes abordados neste filme, o que o
torna desde logo interessante, apesar da realização de Morten Tyldum não ser de
molde a entusiasmar particularmente. É sóbria, eficaz, mesmo na forma de puzzle
cronológico por que se apresenta (de certa maneira associando-se ao gosto por
puzzles do próprio Turing), e conta com excelentes colaboradores que valorizam
em muito o projecto. A reconstituição de época é boa, credível, os ambientes
bem conseguidos, as raras cenas de guerra que por vezes surgem (num preto e
branco trabalhado) para situar a intriga, são muito boas, os bombardeamentos
aéreos são impressionantes, e a fotografia de Oscar Faura notável, bem como a
partitura musical de Alexandre Desplat. Finalmente, o elenco é brilhante, na
melhor tradição inglesa, onde se destaca Benedict Cumberbatch na figura de
Turing, confirmando, se necessário fosse ainda, que nos encontramos perante um
dos melhores actores ingleses da actualidade. Persistente, arrogante, senhor de
si, como matemático, inseguro, tímido ou ostensivo, dramático ou irónico, na
sua intimidade, o seu Alan Turing é inesquecível. Keira Knightley, na
composição de Joan Clarke, a mulher que chegou a estar determinada a casar com
Turing, é igualmente excepcional. Mas todo o elenco é de uma segurança, rigor e
mestria notáveis. Por tudo isto, "The Imitation Game" é
definitivamente a não perder, apesar de uma escrita muito “normal”, para quem
pretende defender que “sem homens “anormais” o mundo seria bastante pior”. Ou, como Joan Clarke proclama: "Now, if you wish
you could have been normal. I can promise you I do not. The world is an
infinitely better place precisely because you weren't”.
O JOGO DA IMITAÇÃO
Título original: The Imitation
Game
Realização: Morten Tyldum (Inglaterra,
EUA, 2014); Argumento: Graham Moore, segundo obra de Andrew Hodges ("Alan
Turing: The Enigma"); Produção: Nora Grossman, Peter Heslop,
Graham Moore, Ido Ostrowsky, Teddy Schwarzman; Música: Alexandre Desplat;
Fotografia (cor): Oscar Faura; Montagem: William Goldenberg; Casting: Nina
Gold; Design de produção: Maria Djurkovic; Direcção artística: Nick Dent,
Rebecca Milton, Marco Anton Restivo; Decoração: Tatiana Macdonald;
Guarda-roupa: Sammy Sheldon; Maquilhagem: Mary Cooke, Jennifer Harty, Denise
Kum, Roo Maurice, Ivana Primorac, Amy Riley; Direcção de Produção: Chris
Hankey, Mark Harris, Tim Pedegana, Suzie Shearer, Verity Wislocki; Assistentes
de realização: Phil Booth, James Evered, Alexander Holt, James Manning, Crispin
Reece, Rickie-Lee Roberts, Lance Roehrig; Dominic Ackland-Snow, Nicky
Ackland-Snow, Eduardo Lima, Charis Theobald, Nick Thomas; Som: Andy Kennedy,
Lee Walpole; Efeitos especiais: Howard Moore, Jason Troughton; Efeitos visuais:
Lucy Ainsworth-Taylor, Eran Barnea, Angela Barson, Stuart Bullen, Jan
Guilfoyle; Companhias de produção: Black Bear Pictures, Bristol Automotive; Intérpretes: Benedict Cumberbatch (Alan
Turing), Keira Knightley (Joan Clarke), Matthew Goode (Hugh Alexander), Rory
Kinnear (Detective Robert Nock), Allen Leech (John Cairncross), Matthew Beard
(Peter Hilton), Charles Dance (Comandante Denniston), Mark Strong (Stewart
Menzies), James Northcote (Jack Good), Tom Goodman-Hill (Sargento Staehl),
Steven Waddington, Ilan Goodman, Jack Tarlton, Alex Lawther, Jack Bannon,
Tuppence Middleton, Dominic Charman, James G. Nunn, Charlie Manton, David
Charkham, Victoria Wicks, Andrew Havill, Laurence Kennedy, Tim Van Eyken, etc. Duração: 114 minutos; Distribuição em
Portugal: Nos, Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em
Portugal: 15 de Janeiro de 2015.
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