Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Saura. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Carlos Saura. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, outubro 05, 2007

CINEMA: FADOS


Acabei de ver “Fado”, de Carlos Saura.
Quando alguns se indispuseram com o facto de entidades portugueses (CML e ICAM, entre outros) poderem subsidiar este projecto de Carlos Saura, achei um disparate. Saura é um dos grandes cineastas europeus, um filme assinado por si terá sempre um bom mercado e falará de Portugal e da nossa cultura pelo mundo fora. Qualquer que fosse o resultado final do filme, acho que só seria proveitosa esta aproximação de Saura da nossa música, ele que já realizara dois filmes de que gosto bastante, um sobre Flamenco, outro sobre Tango. Para lá de uma espantosa “Carmen”. O Fado completaria a trilogia.
Estreado o filme, mantenho a opinião. Fizeram muito bem em apoiar a obra que já está a correr mundo.
Quanto ao filme, bem quanto ao filme, e tendo em conta a consideração que tenho por Saura, o melhor será começar a conter-me. Deverei então dizer que há inúmeros equívocos e que Saura raramente acerta. Devo colocar a abrir que adoro fado e que um dos sonhos da minha vida seria fazer um filme sobre o fado. Antes de ver os “Fados” de Saura pensei que essa hipótese me estava vedada para sempre, pois o cineasta espanhol iria assinar a obra definitiva. Infelizmente está muito longe disso.
Primeiro equívoco: mostrar que o fado nasceu de múltiplas influências e se projecta noutras tantas. A base de aposta é certa, o que Saura nos mostra não é. O filme perde coerência, funciona como programa de variedades de um TV de anos 60, com mais alguns apetrechos técnicos, e pouco mais.
Segundo equívoco: Saura diz, e tenta demonstrar, que o fado se dança. Engano, pelo menos não se dança da forma que ele o tenta mostrar. As sequências dançadas (e como são muitas, imensas!) são um verdadeiro desastre. Parece que estamos numa má revista do Parque Mayer (que teve dinheiro para contratar primeiras bailarinas de flamengo e outras!) e que resolveu ilustrar fados com danças, como tantas vezes fez. Ora a pinderiquice do Parque Mayer às vezes colava bem com o fado. A dança estilizada proposta por Saura nunca cola bem. Nunca cola sequer. Voltamos a relembrar péssimos programas de fados da RTP Memória, com a fadista ao centro e um grupo de ballet esvoaçando por perto.
Terceiro equívoco: Depois de ver esta obra fiquei com uma certeza, que já tinha, mas agora reforçada, pelo absurdo: o fado é para ser ver e ouvir. Quando Saura cola a câmara ao rosto de Argentina Santos, ou de Cuca Roseta, a emoção sobre e percebe-se o que será um filme sobre o fado. Quando coloca a fabulosa Lila Downs perdida no meio de um grupo de ballet que faz tudo para a encobrir, meu Deus!, que é aquilo? A espantosa Marisa é maltratada em dois fados (o realizador vai ao ponto de lhe atirar para cima uma grande angular!). Camané salva-se, colado a um espelho, Carlos do Carmo atravessa uma das melhores cenografias, para Catarina Moura inventam um fado da Severa possível, Caetano Veloso acho-o magnífico na sua interpretação de “Estranha Forma de Vida”, Chico Buarque (em diálogo com Carlos do Carmo, com imagem do 25 de Abril em fundo) é emocionante no fado tropical, e a encenação da casa de fados aponta outro caminho para um filme sobre o fado.
Quarto equívoco: um genérico indigente.
Quinto equívoco: um filme sobre o fado rodado em estúdio, em Madrid. Realizar “Goya” com paredes de tecido branco e sombras chinesas, tinha a sua lógica. O efeito não tem lógica nenhuma num filme sobre o fado.
Sexto equívoco: pedir a um excelente director de fotografia português, Eduardo Serra, para fotografar Lisboa, para depois projectar os planos seleccionados, em estúdio, por detrás dos fadistas e bailarinos, em ecrãs de transparência que anulam toda a qualidade das imagens.
Enfim: “Fados” anda por aí e parece que muita gente gosta. Eu não gostei nada, com a ressalva de uma ou outra cena, que prometia um outro filme. O fado continua a justificar que os cineastas se aproximem dele. Basta não se quererem por em bicos de pés, e deixar de fazer malabarismos estéticos. O fado possui a emoção suficiente para nos prender apenas por aquilo que se ouve e se vê. O que o fado requer é um cineasta que assuma a grandeza de quase se apagar: olhar e escutar e devolver o que viu e ouviu. Basta isso.
Juro: corri para o cinema cheio de esperança de ver uma obra-prima sobre o fado de que tanto gosto. A obra está lá, mas a prima espanhola adulterou-a toda.