terça-feira, agosto 15, 2006



“A CASA DA LAGOA”

Ela (Sandra Bullock) vive em 2006, é médica; ele (Keanu Reeves) vive em 2004, é arquitecto. Mas obviamente ambos vivem em conjunto em 2004 e 2006, só que uns vivem mais que outros, e às vezes até se cruzam, não sabendo que se vão encontrar em tempos distintos. Mas a coisa é mais complexa: vivem os dois na mesma casa do lago, nos arredores de Chicago, mas não em simultâneo. Ele viveu antes dela, ela julga abandonar a casa para ele, mas foi o contrário. Ambos deixam bilhetinhos na caixa do correio e ambos os lêem com dois anos de intervalo, mas em simultâneo. Confuso? Nada disso, se virem o filme é que descobrem o que é ser confuso.

Ela é uma solitária, bem bonita e bem apresentável, mas que não se interessa por ninguém, a não ser pelo impossível. Ela gosta de esperar, como “Persuasão”, o seu romance preferido de Jane Austen. Ele é um bonitão bem colocado na vida, filho de um arquitecto célebre (que combina Le Corbusier e Frank Lloyd Wright, dizem), o mesmo que construiu a casa à beira do lago, toda envidraçada, deixando passar a luz e dando visibilidade total para fora e para dentro. De tal forma que ali o tempo não pára, não cristaliza numa cronologia precisa, e circula livremente para a frente e para trás. Confuso? Esperem pelo filme para saberem o que é confuso. Isto é apenas uma pequena amostra.
Podem dizer que a ideia é completamente irrealista e idiota. Irrealista acho que sim, mas idiota, por quê? Já se aceitou tanta fantasia no cinema e na literatura, por que não aceitar mais esta? Não me custa nada admitir como ponto de partida esta cláusula: é possível a troca de correspondência entre dois seres, com dois anos de intervalo, sem que tenham sido os CTT a atrasarem as entregas. Tudo bem. Mas depois, adoptada a premissa, é preciso assegurar que tudo o mais funciona. Ora há demasiadas falhas neste argumento, para ele ter alguma consistência ou credibilidade, mesmo no domínio da fantasia. Não se pode inventar e deixar andar ao sabor da invenção. É o que acontece, neste filme que parece conhecer grande sucesso de público, talvez pelo romantismo exacerbado de que dá mostras, talvez pelo clima de fantasia temporal que evoca. Mas jogar com o tempo já foi feito muitas vezes no cinema e muito melhor. Quem não recorda um belíssimo filme com Bill Murray, “Groundhog Day”, de Harold Ramis (1993)?
Remake de uma obra sul-coreana de 2000, chamada “Siworae” (ou “Il Maré”, na sua versão ocidental), uma realização de Hyun-seung Lee, que tinha argumento de Ji-na Yeo, baseada no romance de Jiro Asada, “The Lake House” tem direcção do argentino Alejandro Agresti, e guião escrito por David Auburn. Um verdadeiro puzzle de nacionalidades.
Quanto aos actores, Sandra Bullock é convincente, Keanu Reeves, anda um pouco aos papéis (literalmente aos papeis, ou seja às cartas), Christopher Plummer, no arquitecto egocêntrico, compõe uma personagem curiosa. Mas nada disto chega para tornar este filme numa obra a considerar. É daqueles que só se vêm quando nos enganamos na hora de inicio do filme que queríamos ver, não temos mais para fazer e lá fora está um calor de rachar. Foi o que aconteceu comigo. A sala estava fresquinha.

A CASA DA LAGOA (The Lake House), de Alejandro Agresti (EUA, 2006), com Keanu Reeves, Sandra Bullock, Christopher Plummer, etc. 105 minutos; M/12 anos; Columbia.

1 comentário:

Hugo disse...

O sucesso junto do público é que um verdadeiro mistério para mim. Talvez seja o nomes dos actores a chamar as pessoas... mas será mesmo?

E daí vem outra dúvida: teremos mesmo um público habituado a bons filmes? E isto leva-nos sempre à eternaquestão: é preciso "educar" o gosto do público? ou basta dar a conhecer produtos alternativos de melhor qualidade?