sexta-feira, abril 06, 2007

RODIN E KILKE.UM ENCONTRO

RODIN E RILKE: ENCONTRO

Na última edição do Famafest, Festival dedicado a Cinenma e Literatura, uma das obras que surgiu a concurso chamava-se “Rilke e Rodin, Um Encontro” (Rilke et Rodin, Une Rencontre), filme francês de Bernard Malaterre, uma ficção com Jacques Bondoux, Cyril Descours, Birgit Ludwig, Catherine Chauviere, etc, teledramático de 55 minutos, com uma curiosa sinopse. “Tudo começou com um encontro entre duas pessoas. Em 1902, Rainer Maria Rilke, um jovem desconhecido, ansioso e frágil, viaja até Paris para escrever uma monografia sobre Auguste Rodin que, por essa altura, era já um “velho” poderoso, famoso e fascinante. Este encontro levou a um relacionamento entre dois homens que iria variar entre a emoção e a violência. Rodin fez de Rilke o seu secretário pessoal, mas também um pouco o seu “brinquedo”, e Rilke aceitou a situação em parte por causa do fascínio intelectual e físico do “mestre” ou, como alguns disseram na época e ainda hoje confirmam, para mais facilmente “fazer um nome” para si mesmo junto da intelectualidade parisiense da época.
O filme era interessante e documentava um período da vida de Rodin e Rilke importante para ambos. Acabadinho de sair de Famalicão, cai-me nas mãos um livrinho da “Relógio de Água”, “Momentos de Paixão”, que testemunha igualmente essa época, mas através de textos de Rainer Maria Rilke e desenhos de Auguste Rodin.
Um encontro de génios, que aqui deixo num texto (de Rilke) e dois desenhos (de Rodin). O amor e a mulher, a voluptuosidade e o desejo, em ambos, ainda que por caminhos aparentemente muito diversos.


UM TEXTO DE RILKE

A voluptuosidade física é uma experiência dos sentidos, tal como o puro olhar ou a pura sensação com que um fruto se der­rete na língua — é uma grande e infindável experiência que nos é proporcionada, um conhecimento do mundo, a plenitude e o esplendor de toda a sabedoria. Não é nessa experiência que está o mal; o mal está em quase todas estas experiências serem mal usadas e desperdiçadas e adoptadas nas fases aborrecidas da vida como excitantes e distracções em vez de concentração numa caminhada para o cume. As pessoas também transformaram a comida noutra coisa: miséria de um lado e desperdício do outro turvaram a clareza dessa necessidade, e do mesmo modo ficaram turvas todas as necessidades vitais através das quais a vida se renova. Mas o indivíduo pode torná-las claras para si e vivê-las com clareza (e se não o indivíduo, que é demasiado dependente, pelo menos o solitário). Ele consegue reconhecer que toda a beleza dos animais e das plantas é uma forma silenciosa e dura­doura de amor e desejo, e consegue ver o animal do mesmo modo que vê a planta, unindo-se e reproduzindo-se de forma paciente c dócil e não por prazer físico, não por sofrimento físico, submetendo-se a uma necessidade que é maior que o pra­zer c o sofrimento e mais poderosa que a vontade e a resistência. Oh, se o ser humano fosse capaz de reconhecer este segredo, que preenche toda a Terra até às mais pequenas coisas, de uma forma mais humilde e séria, em vez de o encarar com ligeireza! Se tivesse um profundo respeito em relação à sua fecundidade, que é apenas uma, seja ela espiritual ou física; pois também a criação espiritual deriva da física, forma com ela um só ser e é apenas como que uma mais misteriosa, encantada e eterna repetição do prazer físico. «A ideia de ser criador, de conceber, de dar forma» não é nada sem a sua grande e permanente confirmação e reali­zação no mundo, nada sem a mil vezes concedida concordância dos objectos e dos animais — e o seu gozo só é tão indescriti-velmente belo e rico porque está cheio de recordações herdadas da concepção e do nascimento de milhões de seres. Num único pensamento criador revivem milhares de noites de amor esque­cidas que o tornam grande e sublime. E aqueles que se juntam e entrelaçam durante a noite, numa voluptuosidade embaladora, realizam uma obra séria e acumulam doçuras, profundidade e energia para o canto de um qualquer futuro poeta que se irá erguer para descrever indescritíveis venturas. E invocam o futuro; e mesmo que eles estejam errados e se abracem às cegas, o futuro vem, sim — uma nova pessoa se ergue e, sobre os ali­cerces do acaso que aqui parece consumar-se, desperta a lei pela qual um germe forte e resistente faz o seu caminho até ao óvulo que se abre ao seu encontro. Não se deixe enganar pelas aparên­cias; nas profundezas tudo se torna lei. E aqueles que vivem mal este mistério, que se enganam (e são bastantes), apenas o perdem para si próprios; mas transmitem-no como uma carta fechada, sem o saberem. E não se desoriente com a multiplicidade dos nomes e a complexidade dos casos. Talvez tudo isto seja regido por uma vasta maternidade, como uma saudade comum. A beleza de uma virgem — um ser que (como tão bem diz) «ainda nada deu», está na maternidade que se insinua e prepara, se deseja e receia. E a beleza daquela que já se tornou mãe reside na mater­nidade que serve, e que na velhice constituirá uma grande recor­dação. E também no homem há, segundo me parece, materni­dade — física e espiritual; criar é para ele também uma forma de dar à luz, e dar a luz é conceber a partir da mais íntima plenitude. E talvez os sexos sejam mais parecidos do que se pensa e a grande renovação do mundo venha talvez a consistir no facto de o homem e a mulher, libertos de todos os equívocos e repulsas, não se encararem como contrários mas como irmãos e como vizinhos e se juntarem como seres humanos para, apenas e só, suportarem de forma séria e paciente, juntos, o difícil peso da sexualidade que lhes foi atribuído.

Rainer Maria Rilke, in "Cartas a um Jovem Poeta" (16 de Julho de 1903)

3 comentários:

Anónimo disse...

Por acaso ao passar um dia na Casa das Artes espreitei no auditório onde estava a passar o filme e fiquei muito interessado, mas já tinha começado e o meu francês não muito bom... sabe se vai sair em dvd? sou professor de história de arte e gostava mesmo muito de ver.
José Samuel Cardoso
Porto

Ida disse...

Engraçado, acho que Jung ainda não tinha escrito nada sobre suas concepções da psique humana quando Rilke escreveu esse texto, mas isso parece uma versão mais poética da concepção dos arquétipos e de tudo q lhe vem na esteira.

Ou, numa versão menos elaborada e menos filosófica, mal comparando, o q ouvi um destes dias do ator escocês que faz Leônidas em "300", no fim e ao cabo, são sempre as mesmas histórias recontadas, pois há um número muito reduzido de histórias e sentimentos, afinal, somos apenas humanos.

De toda forma, o trecho do Rilke é DEZ!

Ziza's N.E.M. disse...

estou a segui-lo e simpatizo bastante com o seu blogue, espero que o meu goste de alguma coisa .

Em relação a este post, no amoreiras, fui a uma livraria que tinha na estante artes gráficas, um livro com esses esboços que rodin desenhou e fiquei espantada com a imensa sensualidade e expressaõ explícita da excitação contida em cada página.