“Concordei com ele quando disse que não havia muita coisa boa para dizer sobre a velhice e ele disse que tinha descoberto uma e eu perguntei o que era. E ele disse: É que não dura muito.” - Cormac McCarthy
Não conhecia nada de Cormac McCarthy (Charles Joseph McCarthy, Jr), até me alertarem para a qualidade de “A Estrada”, e para uma frase sensacionalista do Newsweek: “A cada livro, Cormac McCarthy vai alargando o território da ficção norte-americana.” Talvez por isso recebeu o Prémio Pulitzer em 2007. Já tinha sido “National Book Award for Fiction”, em 1992, por “All the Pretty Horses”. Não era de esperar pouco da sua leitura. E não foi.
Cormac McCarthy nasceu em Providence, Rhode Island, em 23 de Julho de 1933. Estudou na Knoxville Catholic High School, e depois na University of Tennessee, Knoxville, que deixou para ingressar na Força Aérea. Vive presentemente em Santa Fé, perto da fronteira sul dos Estados Unidos, com a terceira mulher e um filho. Foi casado com Lee Holleman (1961, de quem se divorciou em 1961, com um filho, Cullen), com Anne DeLisle (1966, novo divórcio), finalmente com Jennifer Winkley (um novo filho, John).
O seu romance preferido é “Moby Dick”, de Herman Melville. É autor de nove romances (The Orchard Keeper (1965), Outer Dark (1968), Child of God (1974), Suttree (1979), Blood Meridian (1985), All the Pretty Horses (1992), The Crossing (1994), Cities of the Plain (1998) e No Country for Old Men (2005)), dos quais a Relógio D’Água publicou “O Filho de Deus”, “O Guarda do Pomar”, “Meridiano de Sangue” e “Este País não é para Velhos”, este último adaptado ao cinema pelos irmãos Cohen e, nesta altura, à espera da consagração dos Oscars, ao que consta.
No cinema a sua contribuição foi até agora diminuta. Escreveu alguns episódios de uma série, "Visions" (1976), viu adaptado em 2000 “All the Pretty Horses” (Espírito Selvagem), por Billy Bob Thornton (com Matt Damon, Henry Thomas, Penélope Cruz, J.D. Young, Laura Poe, Sam Shepard, etc.), até chegar ao ano de 2007 e ao sucesso de “No Country for Old Men”. Agora tem em produção, duas outras adaptações, “The Road”, numa realização de John Hillcoat, e um elenco onde surgem Charlize Theron, Viggo Mortensen, Guy Pearce e Kodi Smit-McPhee (2008) e “Blood Meridian”, a ser dirigido por Ridley Scott (2009).
Li agora “Este País não é para Velhos”, numa cuidada tradução de Paulo Faria para a Relógio d’Água. Excelente realmente. Um magnifico retrato de um western actual, de uma América de fronteira, não tanto a fronteira dos colonos, mas a fronteira intima entre o Bem e o Mal, entre a generosidade e a ganância, entre a luz e as trevas, entre a (pequena cidade) e o deserto, entre a areia e a água do rio, entre uma certa ingenuidade pacóvia e a maldade mais completa que se torna ininteligível, à força de ser tão abstracta, tão desregrada, tão sem sentido para lá do sentido único do seu exercício quase gratuito.
Um homem que passa pelos arredores de uma cidadezinha americana do Rio Grande do Sul, por entre o deserto e o campo, encontra um carros abandonados, mortos vários, um moribundo que rapidamente passa a cadáver, quantidade de heroína em barda, 2 milhões de dólares numa mala, que resolve tornar sua. Essa mala desencadeia perseguições variadas, entre elas a de um “serial killer” que mata sem emoção. O humano transformado num autómato do Mal, um num “profeta da destruição”, como o xerife da localidade sugere, quando afirma: “Dizem que os olhos são as janelas da alma. Eu cá por mim não sei de que é que os olhos são as janelas e se calhar até prefiro não saber. Mas há uma outra maneira de ver o mundo e outros olhos para o ver e é por esse caminho que nós vamos. Eu próprio o trilhei e conduziu-me a um lugar na minha vida que nunca imaginei chegar a conhecer. Algures por aí anda um profeta da destruição, um profeta genuíno, de carne e osso, e eu não o quero enfrentar.” Um profeta que é melhor não enfrentar. Algo que completamente desumano, uma máquina, um robot, alguém para quem se olha e não se reconhece nele feições de gente. Esta é a América de uma violência traumatizante, desconhecida, perturbante, que é atravessada neste romance nervoso, agressivo, provocador, estimulante que nos recoloca na melhor tradição da literatura norte-americana. Hemingway, sim, pela secura dos diálogos, pela poesia dos cenários, Falkneur, sem dúvida, um pouco da violência ingénua de uns “Ratos e Homens”, mas reciclada para novos continentes de um total desencanto. Depois há quem fale de actuais, como Don Delillo, Philip Roth ou Thomas Pynchon, é possível, sobretudo no retrato de uma sociedade doente, dada num registo sincopado, que mostra as aparências e deixa as chagas soterradas, à espera que o leitor as descubra por si só. Terríveis os tempos que geram obras como estas, de um cinzento pesado, de um ar poluído pelo desespero, de uma humanidade desgarrada e à deriva.
Há personagens absolutamente inesquecíveis, como o assassino Anton Chigurh, ou o julgado esperto Llewelyn Moss, ou o desalentado xerife Ed Tom Bell, que conheceu a II Guerra Mundial, e que tem uma ideia do Vietname e dos EUA muito bem condensada nesra frase: “As pessoas dizem que foi o Vietname que pôs este país de rastos. Mas eu nunca acreditei nisso. O país já estava em muito mau estado. O Vietname foi só a cereja em cima do bolo. (…) Não sei o que vai acontecer quando vier a próxima. Não sei mesmo.” Ora a verdade é que a próxima já chegou e o que os escritores (e cineastas) norte-americanos reflectem é esse “não sei mesmo.” A América na encruzilhada, mas mais do que isso, nós todos na mesma encruzilhada.
Magnífico livro. Fico à espera de um igualmente magnífico filme. Seguramente.
Sócrates de novo
Há 3 horas
3 comentários:
Boa semana por aí!
Obrigado, e igualmente... por ai.
só estamos em Fevereiro mas é já o melhor filme do ano! E até dos últimos anos.
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