AMÁLIA
“Amália”, de Carlos Coelho da Silva, coloca velhas questões. O cinema é arte e indústria, sempre. Tal como a literatura, a música, a pintura, o teatro, todas as formas de manifestação artística, comporta uma base industrial óbvia. Apenas nalguns casos, o factor artístico ultrapassa o lado industrial e comercial da questão. No caso de “Amália” esta dicotomia é gritante. Industrialmente este filme é um sucesso. Anunciado o projecto, programadas as filmagens, montado e sonorizado em tempo record, assume a estreia em 66 salas em Portugal no dia programado, tem prevista venda para diversos países. A produção é boa, a reconstituição formal dos espaços e do tempo em que decorreu a vida de Amália é cuidada, procura-se não haver anacronismos, o guarda-roupa respeita as épocas e as classes sociais, os adereços funcionam, os cenários estão certos. Parece que o orçamento foi o maior de sempre no cinema português. Dinheiro que procura multiplicar-se em vendas. Tudo certo segundo as regras do mercado. Nada a apontar.
Artisticamente o caso muda diametralmente de figura. “Amália” é, na minha opinião, um completo fracasso. Não há quase nada a sublinhar nesta obra sem respiração, sem fôlego, sem nervo, sem vibração. Dir-se-ia uma viagem por um (medíocre) museu de máscaras de cera (o que chega a ser aflitivo, nas sequencias de Amália em Nova Iorque). Mas se falamos em máscaras de cera não é só pela perturbante caracterização de algumas figuras (particularmente Amália), mas sobretudo porque o que vemos são manequins vestidos à época, sem qualquer densidade humana, sem nenhuma verdade. São títeres que evoluem, debitando um diálogo, movimentando-se, mas sem um sopro de existência plena. Uma vez ou outra o talento de alguns actores oferece um lampejo. Sandra Barata, na Amália na idade adulta, consegue defender bem a personagem (esqueça-se a Amália em Nova Iorque, de fugir! Não por culpa da actriz, diga-se). Carla Chambel não destoa em Celeste Rodrigues. Ricardo Carriço é um aceitável César Seabra. António Pedro Cerdeira é um bom Ricardo Espírito Santo. António Montez mostra que um actor é logo outra coisa. Maria João Abreu, Lourdes Norberto, Ana Padrão, Pedro Pinheiro não se pode dizer que vão mal, como alguns mais. Apenas lhes falta personagens.
Comecemos pelo argumento, assinado por Pedro Marta Santos e João Tordo. O que de melhor surge parece inspirado no musical “Amália”, de Filipe La Féria. Se os diálogos são fluentes e se ouvem bem, a estrutura da narrativa é de tal forma artificial e descosida que chega a irritar. A realização nada faz para a tornar plausível. Frenética, sincopada, não dando tréguas ao espectador, numa montagem com um ritmo vertiginoso transforma o filme em duas horas e meia de Le Mans. Nada é olhado com respeito, com atenção, com delicadeza. O resultado é uma estrutura de telenovela mexicana de terceira categoria, filmada com um olhar de abutre que não se cansa de espiar as personagens e os acontecimentos em picados de mau agoiro. Imensos planos são filmados de cima para baixo, sem qualquer tipo de intencionalidade. Faz-se assim, porque faz efeito, mostram que têm gruas e as utilizam. Os actores são os principais prejudicados com esta estética de maratona: não conseguem impor uma presença, não têm tempo para respirar, mal esboçam um gesto ou um olhar, corta e estamos já no plano seguinte.
De resto, este não é um filme que procure aprofundar nada. Apenas rentabilizar o nome de “Amália”. Vender bilhetes e cópias. Suporta-se porque há na banda sonora uns tantos fados cantados por Amália Rodrigues e vistos em “play back”. Mas o mito maior da música portuguesa merecia melhor sorte.
AMÁLIA
Título original: Amália
Realização: Carlos Coelho da Silva (Portugal, 2008); Argumento: Pedro Marta Santos, João Tordo; Produção: Manuel S. Fonseca, Ana Torres; Música (original): Nuno Malo (The Budapest Symphony Orchestra); Fotografia (cor): Carlos Santana; Direcção artística: Augusto Mayer; Maquilhagem: Aracelli Fuente; Direcção de produção : Gerardo Fernandes; Assistentes de realização: César Fernandes, Guilherme Pinto; Guarda-roupa: Silvia Meireles; Companhia produtora: VC Filmes;
Intérpretes: Sandra Barata (Amália), Carla Chambel (Celeste Rodrigues), Ricardo Carriço (César Seabra), José Fidalgo (Francisco da Cruz), António Pedro Cerdeira (Ricardo Espírito Santo), Ricardo Pereira (Eduardo Ricciardi), António Montez (Avô António), Maria João Abreu (Ercília Costa), Tina Barbosa, Adriano Carvalho (Sebastião Lima), Ana Marta Contente (Amália, jovem), Maria Emília Correia (Casimira), Beatriz Costa (Aninhas), Matilde Coelho da Silva (Detinha - 13 anos), Carla de Sá (Natália Correia), João Didelet (Ary dos Santos), Licinio França (Barman), Sofia Grilo (Mulher de Ricardo Espírito Santo), Philippe Leroux (Bruno Coquatrix), Eurico Lopes (Pai de Amália), Natália Luísa (Leonor), André Maia (Alain Oulman), Luís Mascarenhas (Martins), Susana Mendes (Filipina), Mariana Monteiro (Yoshabel), Miguel Monteiro (Jornalista RTP), Lourdes Norberto (Mãe de Ricciardi), Ana Padrão (Mãe de Amália), Carlos Pimenta (Rei Humberto), Pedro Pinheiro (Sr. Alfredo), Mário Redondo (Rui Valentim de Carvalho), Carla Salgueiro (Viscondessa Asseca), Janita Salomé (Alberto Janes), Carlos Sebastião (Médico), Leonor Seixas (Detinha), Jorge Sequerra (Agostinho Barbieri), Amélia Videira (Avó Amália), Carlos Vieira (Frederico Valério), etc.
Duração: 127 minutos; Distribuição em Portugal: Valentim de Carvalho - VC Multimedia; Classificação etária: M/12 anos; Data de estreia: 4 de Dezembro de 2008 (Portugal)
Artisticamente o caso muda diametralmente de figura. “Amália” é, na minha opinião, um completo fracasso. Não há quase nada a sublinhar nesta obra sem respiração, sem fôlego, sem nervo, sem vibração. Dir-se-ia uma viagem por um (medíocre) museu de máscaras de cera (o que chega a ser aflitivo, nas sequencias de Amália em Nova Iorque). Mas se falamos em máscaras de cera não é só pela perturbante caracterização de algumas figuras (particularmente Amália), mas sobretudo porque o que vemos são manequins vestidos à época, sem qualquer densidade humana, sem nenhuma verdade. São títeres que evoluem, debitando um diálogo, movimentando-se, mas sem um sopro de existência plena. Uma vez ou outra o talento de alguns actores oferece um lampejo. Sandra Barata, na Amália na idade adulta, consegue defender bem a personagem (esqueça-se a Amália em Nova Iorque, de fugir! Não por culpa da actriz, diga-se). Carla Chambel não destoa em Celeste Rodrigues. Ricardo Carriço é um aceitável César Seabra. António Pedro Cerdeira é um bom Ricardo Espírito Santo. António Montez mostra que um actor é logo outra coisa. Maria João Abreu, Lourdes Norberto, Ana Padrão, Pedro Pinheiro não se pode dizer que vão mal, como alguns mais. Apenas lhes falta personagens.
Comecemos pelo argumento, assinado por Pedro Marta Santos e João Tordo. O que de melhor surge parece inspirado no musical “Amália”, de Filipe La Féria. Se os diálogos são fluentes e se ouvem bem, a estrutura da narrativa é de tal forma artificial e descosida que chega a irritar. A realização nada faz para a tornar plausível. Frenética, sincopada, não dando tréguas ao espectador, numa montagem com um ritmo vertiginoso transforma o filme em duas horas e meia de Le Mans. Nada é olhado com respeito, com atenção, com delicadeza. O resultado é uma estrutura de telenovela mexicana de terceira categoria, filmada com um olhar de abutre que não se cansa de espiar as personagens e os acontecimentos em picados de mau agoiro. Imensos planos são filmados de cima para baixo, sem qualquer tipo de intencionalidade. Faz-se assim, porque faz efeito, mostram que têm gruas e as utilizam. Os actores são os principais prejudicados com esta estética de maratona: não conseguem impor uma presença, não têm tempo para respirar, mal esboçam um gesto ou um olhar, corta e estamos já no plano seguinte.
De resto, este não é um filme que procure aprofundar nada. Apenas rentabilizar o nome de “Amália”. Vender bilhetes e cópias. Suporta-se porque há na banda sonora uns tantos fados cantados por Amália Rodrigues e vistos em “play back”. Mas o mito maior da música portuguesa merecia melhor sorte.
AMÁLIA
Título original: Amália
Realização: Carlos Coelho da Silva (Portugal, 2008); Argumento: Pedro Marta Santos, João Tordo; Produção: Manuel S. Fonseca, Ana Torres; Música (original): Nuno Malo (The Budapest Symphony Orchestra); Fotografia (cor): Carlos Santana; Direcção artística: Augusto Mayer; Maquilhagem: Aracelli Fuente; Direcção de produção : Gerardo Fernandes; Assistentes de realização: César Fernandes, Guilherme Pinto; Guarda-roupa: Silvia Meireles; Companhia produtora: VC Filmes;
Intérpretes: Sandra Barata (Amália), Carla Chambel (Celeste Rodrigues), Ricardo Carriço (César Seabra), José Fidalgo (Francisco da Cruz), António Pedro Cerdeira (Ricardo Espírito Santo), Ricardo Pereira (Eduardo Ricciardi), António Montez (Avô António), Maria João Abreu (Ercília Costa), Tina Barbosa, Adriano Carvalho (Sebastião Lima), Ana Marta Contente (Amália, jovem), Maria Emília Correia (Casimira), Beatriz Costa (Aninhas), Matilde Coelho da Silva (Detinha - 13 anos), Carla de Sá (Natália Correia), João Didelet (Ary dos Santos), Licinio França (Barman), Sofia Grilo (Mulher de Ricardo Espírito Santo), Philippe Leroux (Bruno Coquatrix), Eurico Lopes (Pai de Amália), Natália Luísa (Leonor), André Maia (Alain Oulman), Luís Mascarenhas (Martins), Susana Mendes (Filipina), Mariana Monteiro (Yoshabel), Miguel Monteiro (Jornalista RTP), Lourdes Norberto (Mãe de Ricciardi), Ana Padrão (Mãe de Amália), Carlos Pimenta (Rei Humberto), Pedro Pinheiro (Sr. Alfredo), Mário Redondo (Rui Valentim de Carvalho), Carla Salgueiro (Viscondessa Asseca), Janita Salomé (Alberto Janes), Carlos Sebastião (Médico), Leonor Seixas (Detinha), Jorge Sequerra (Agostinho Barbieri), Amélia Videira (Avó Amália), Carlos Vieira (Frederico Valério), etc.
Duração: 127 minutos; Distribuição em Portugal: Valentim de Carvalho - VC Multimedia; Classificação etária: M/12 anos; Data de estreia: 4 de Dezembro de 2008 (Portugal)
5 comentários:
Não deveria ter lido a sua crítica... amália foi um dos meus mitos.
agora receio, e muito, ir ver o filme.
de todo o modo ... obrigada!
Minha Cara Frioleiras,
Este texto não passa de um opinião. Minha. Vá ver e depois diga-me o que achou. Bj.
Olá!Não tenciono ver.Ando de costas voltadas para o cinema português...talvez porque os meus filmes portugueses preferidos são dum tempo mais antigo.De há uns tempos para cá vi algumas coisas muito pobres e desde então desiti por amor ao tempo, esse bem escasso, e à minha paciência em desgaste!Eu só queria ver um filme português que me enchesse as medidas e restaurasse a fé perdida...mas acho que não há.Será assim tão difícil?
Estou completamente de acordo com o que escreve e a Amália em Nova York é muito mal caracterisada, mesmo muito mal. A maioria dos actores não vão mal mas aparecem tão pouco que mete dó e as imagens e planos passam numa corrida tal que mal dá para descobrir a época em que estamos na vida da Amália.
Concordo com a sua perspectiva deste filme e fiz um link a este post no meu blog. Espero que não haja problema.
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