sábado, novembro 07, 2009

4ª MOSTRA DE CINEMA BRASILEIRO

4.ª Mostra de Cinema Brasileiro

A decorrer, entre 5 e 8 de Novembro, no Cinema São Jorge, em Lisboa, a 4.ª Mostra de Cinema Brasileiro, organizada pela Fundação Luso-Brasileira, apresenta 12 filmes contemporâneos, não exibidos no circuito comercial: Entre eles, dois dias dedicados a homenagens, uma ao realizador Domingos de Oliveira, outra ao actor Matheus Nachtergaele.
Hoje, 6 de Novembro, foram projectados três filmes, enquadrados na Cinematografia Brasileira Contemporânea: “Romance”, “Santiago” e “Chega de Saudade”. À última da hora, não foi exibido “Meu Nome não é Johnny”. Uma falha que só foi anunciada às 23, 30, quando a sessão devia ter começado às 23, com uma lotação esgotada à espera no hall e que foi devolvida à rua, porque a cópia não terá sido revista a tempo de se ter remediado a falha. Enfim, alguma falta de profissionalismo, numa iniciativa que até agora mostrou muito bons filmes, e que atraiu muito público nas suas sessões da noite.
Romance
Realização: Guel Arraes (Brasil, 2008), com Wagner Moura, Letícia Sabatella, Andréa Beltrão, Marco Nanini, Vladimir Brichta, José Wilker, Bruno Garcia, Edmilson Barros, Tonico Pereira, etc. (105 min)
“Romance”, baseado no “Romance de Tristão e Isolda”, é uma complexa história de amor que reflecte igualmente sobre a paixão e a criação artística, neste caso o teatro e a televisão. Um encenador e actor de teatro, Pedro (Wagner Moura) apaixona-se por Ana (Letícia Sabatella), actriz com quem contracena na peça “Tristão e Isolda”. Enquanto no palco os assaltam dilemas da história que deu origem à ideia do amor romântico, nos bastidores, o casal esbarra nos obstáculos do amor actual, muito mais condimentado com paixão, ciúme, rotina, trabalho, arte e indústria... É possível um amor feliz? Do teatro e de um falhanço sobre o seu próprio amor, passa-se para a televisão e uma segunda oportunidade: Ana propõe a Pedro que a dirija num especial de fim de ano para a TV. A história escolhida é precisamente “Tristão e Isolda”, agora adaptada ao Nordeste brasileiro.
Filme inteligente e delicado, por vezes aqui e ali um pouquinho artificial na sua construção demasiado intelectual, sobretudo ao discutir o amor “no interior do amor” e as relações entre a arte e o comércio, tem todavia óptimos actores, e acompanha-se com agrado na sua construção e na ironia com que aborda o mundo da televisão, carregado de compromissos (é conveniente saber-se que Guel Arraes é um apreciado autor de mini-séries de tv, como “O Auto da Compadecida”, que passa igualmente nesta mostra).
Santiago
Realização: João Moreira Salles (Brasil, 2007)
Documentário (80 min) “Santiago” é um documentário sobre um filme inacabado. Santiago, uma personagem inesquecível, um homem de vasta cultura e memória prodigiosa, era mordomo em casa de um diplomata, pai do realizador João Moreira Salles que ali viveu a meninice, e cujas recordações o levaram, há uns anos atrás, a tentar dirigir um filme que não conseguiu terminar na altura. Anos depois, retoma o filme em busca das razões que o fizeram falhar. “Santiago” é um filme sobre memória, identidade e a própria natureza do documentário. Uma jóia cinematográfica, arrisco-me a considerá-lo uma obra-prima que não desmerece a cada nova visão e leitura (sobre o mesmo já escrevi aqui , quando o descobri no Brasil, em 2008).

Chega de Saudade
Realização: Laís Bodanzky (Brasil, 2008), com Leonardo Villar, Tônia Carrero, Cássia Kiss, Betty Faria, Stepan Nercessian, Maria Flor, Paulo Vilhena, Elza Soares, Marku Ribas, Conceição Senna, Marcos Cesana, Clarisse Abujamra, Luiz Serra, Miriam Mehler, Marly Marley, etc. (92 min)
“Chega de Saudade” é nome de clube de dança, na noite de São Paulo. Nessa sala de baile, frequentada predominantemente pela terceira idade, acompanhamos amor e ciúmes, dramas e alegrias, aventuras e desventuras de cinco núcleos de personagens que frequentam habitualmente aquela sala. Tudo começa quando a sala abre, pelas cinco da tarde, o pano corre quando a sala fecha por volta da meia-noite. Tudo se passa em meia dúzia de horas, crescendo a intensidade dramática (e erótica) à medida que as horas decorrem, os chopes e o whisky desaparecem, e os olhares se vão cruzando com um furioso desejo que mistura impotência e impetuosidade incontida. E repetidas frustrações. E alegrias breves, “uma hora de cama vale bem uma vida sem nada”. A condição humana concentrada num laboratório de análise, prefigurado numa sala de baile, como já o havia feito Ettore Scola, em “O Baile”, mas com outras intenções, ou Sydney Pollack, em “Os Cavalos Também se Abatem”, mas num outro contexto, ou “O Baile dos Bombeiros”, de Milos Forman, mas por detrás da “cortina”.
Esta é a segunda longa-metragem de Laís Bodanzky (que, em 2000, dirigira “Bicho de Sete Cabeças”), e trata-se de um verdadeiro sucesso, com um naipe de actores a roçar o genial (Leonardo Villar, intimista, Tônia Carrero, sublime, Cássia Kiss, magistral, Betty Faria, tocante, Clarice Abujamra, fulgurante, Stepan Nercessian, sem mácula, Maria Flor, de uma candura a rondar a perversidade, entre outros).
Laís Bodanzky cria uma envolvência emocional notável, com planos de conjunto e outros, aproximados, cerrados sobre rostos ou pormenores, com movimentos de câmara insidiosos e reveladores, com olhares trocados e pensamentos expressos pelo rosto ou o gesto. Emocionante e belo. Com um daqueles “puzzles” admiráveis de Robert Altman, mas com o sabor da música brasileira a envolver o pacote. Elza Soares e Marku Ribas são os cantores de serviço, de uma banda sonora para não esquecer. Notável a fotografia de mestre Walter Carvalho.
Sobre a terceira idade, o desespero e a recusa de ser “enterrado à espera da morte”, só vindo do Brasil nos poderia chegar um filme tão cheio de optimismo, no meio da solidão e da decrepitude. Mas com um calor humano que ultrapassa qualquer barreira de angústia existencial.

3 comentários:

V. disse...

Crítica elegante e informativa. Depois do texto, fiquei com muita vontade de ver "Santiago", afinal de contas, a realidade está na memória.

Um beijo

audrey disse...

Bem hajas pelas informações que nos vais dando!!!!!!!!!

casa de passe disse...

brasileiros é comigo!

Um abraço LA e obrigada pelo post.


(Loulou)