:
HOMENS DE NEGÓCIOS
Na década de 30 do século passado, John Ford adaptou ao cinema o romance de John Steinbeck, “As Vinhas da Ira”, que descrevia a crise económica que avassalou a América. Era um fabuloso retrato das agruras por que passavam os deserdados da terra que, de casa às costas, marchavam em caravana pelas estradas do país em busca da mais sumária sobrevivência. Eram os tempos de uma América altamente rural e industrializada. As vítimas da crise caminhavam esfarrapadas e famintas.
Oitenta anos depois, nova crise afunda a economia e causa o caos. O cinema oferece-nos um retrato muito diferente das vítimas, porque entretanto o mundo mudou muito. “The Company Men”, de John Wells, não se baseia num argumento com a qualidade do romance de Steinbeck, nem John Wells tem o talento de John Ford (apesar de reunir o John e o Wells). Mas a verdade é que o seu filme é um retrato sintomático da crise, deslocando o foco da mesma do operariado para os serviços, sobretudo para as altas hierarquias das grandes multinacionais e demais grandes empresas.
O filme é positivamente surpreendente. Uma grande empresa (a GTX Corporation, um exemplo fictício, entre muitos outros possíveis de enumerar) encontra-se em dificuldades económicas perante a crise que atravessamos desde 2008, perde clientela, vê acordos serem quebrados, os lucros dos accionistas caem, há que tomar medidas e, claro, que só podem ser umas: despedir pessoal. Aos milhares. Um de entre eles é Bobby Walker (Ben Affleck), alto funcionário, doze anos ao serviço da empresa, posto na rua sem muita conversa, doze semanas de indemnização e um tempo para encontrar novo emprego. Nada de subsídio de desemprego ou algo parecido. Os mais velhos seguem igual percurso. Aparentemente sem direito a reforma ou qualquer outra garantia. Bobby Walker tem uma casa magnífica, que está a pagar, um Porsche e uma família, joga golfe com os amigos, os filhos têm os melhores brinquedos, a mulher é igualmente excelente, todas as mordomias do mundo, que se esvaem num abrir e fechar de olhos. Doze semanas de indemnização passam depressa, novos empregos nem vê-los, o irmão da mulher, Jack Dolan (Kevin Costner), oferece-lhe um emprego de operário na construção civil, que ele recusa quase indignado, mas a que se socorre quando já não tem nem Porsche, nem casa, nem clube de golfe, e o filho já abdicou do seu divertimento favorito. Vão viver para um quarto em casa dos pais e levanta-se cedo e leva a marmita para o emprego, onde acarreta placas de contraplacado e as fixa na estrutura da casa em construção.
A multinacional, pelo seu lado, não olha a tempo de casa ou dedicação, não tem em conta quem “fez” a empresa, quem a levantou do nada, só olha aos lucros que decrescem e não podem descer. Os accionistas são sagrados. Num tempo de capitalismo selvagem e de economia de casino, as vidas dos subalternos pouco valem e colocam-se à beira do prato, ao menor sobressalto. Não interessa quem é quem, interessa que é necessário despedir 5000 em todas as empresas. Gene McClary (Tommy Lee Jones), que sempre foi o homem de confiança de James Salinger (Craig T. Nelson), o presidente de administração da GTX, leva o mesmo caminho dos outros, possivelmente também por ser uma voz discordante, por achar que os empregados devem ser olhados um a um, avaliando os danos das “dispensas”. Outra das vítimas, a mais fraca de todas as que o filme focaliza, pela idade e pela quase impossibilidade de encontrar novo emprego, é Phil Woodward (Chris Cooper) que, desesperado, não vê outra solução senão o suicídio.
O que surpreende nesta obra é, sobretudo, a opção pelo estatuto social onde se vão analisar as consequências da crise. Quem tem um determinado estilo de vida vê-se, no imediato, reduzido quase à indigência, sem qualquer tipo de defesa. Não há reformas nem subsídios de desemprego que lhes valham. Há empregos sem qualquer tipo de garantia e “downsizing” à medida dos lucros que não podem decrescer, só aumentar, mesmo em plena crise. “Os outros que paguem a crise!”, é o pensamento do patronato.
John Wells tem uma bela folha de serviço como produtor, de televisão (“Serviço de Urgência”, “Os Homens do Presidente”, “Shameless”, “The F.B.I. Files”) ou mesmo de cinema. Este é o seu primeiro filme como realizador, apesar de já ter assinado vários episódios de séries de TV. Não se pode dizer que seja uma estreia fulgurante, mas é bom notar que assina igualmente o argumento e que, no cômputo geral, este é um filme a merecer amplamente a atenção do espectador. A realização é sóbria e eficaz, mas logra momentos de uma dramaticidade bem conseguida, com a solidão das personagens enquadradas em cenários de inóspita desolação, apesar de quase sempre neles imperar a ostentação e o luxo. Noutros momentos, filas de desesperados “quadros” procurando emprego, sentados em longos corredores, fornecem uma imagem de uma outra solidão, perdida na multidão.
Um bom elenco, com nomes prestigiados, ajuda o empreendimento a alcançar o seu público.
HOMENS DE NEGÓCIOS
Título original: The Company Men Realização: John Wells (EUA, 2010); Argumento: John Wells; Produção: Barbara A. Hall, Jinny Joung, Claire Rudnick, Polstein, Paula Weinstein, John Wells; Música: Aaron Zigman; Fotografia (cor): Roger Deakins; Montagem: Robert Frazen; Casting: Laura Rosenthal; Design de produção: David J. Bomba; Direcção artística: John R. Jensen; Decoração: Kyra Friedman; Guarda-roupa: Lyn Paolo; Maquilhagem: Brenda McNally, Emma C. Rotondi, Trish Seeney, Sherryn Smith; Direcção de Produção: Barbara A. Hall, Nancy Kirhoffer, Gabrielle Mahon, Jeff Maynard; Assistentes de realização: Mark S. Constance, Stephen P. Dunn, Paul Byrne Prenderville; Departamento de arte: Jason Allard, Jerry G. Henery, Denis Leining; Som: Kelly Cabral; Efeitos especiais: Adam Bellao, Adam Taylor; Efeitos visuais: Daren Dochterman, Peter Kuran, Jon Terada; Companhias de produção: Battle Mountain Films, Company Men Productions, Spring Creek Productions, Odyssey Entertainment, Pathé; Intérpretes: Ben Affleck (Bobby Walker), Maria Bello (Sally Wilcox), Tommy Lee Jones (Gene McClary), Chris Cooper (Phil Woodward), Suzanne Rico (Gail), Craig T. Nelson (James Salinger), Kevin Costner (Jack Dolan), Thomas Kee, Craig Mathers, Gary Galone, Adrianne Krstansky, Lewis D. Wheeler, Celeste Oliva, Tom Kemp, Nancy Villone, Chris Everett, Lance Greene, Kathy Harum, Allyn Burrows, Anthony Estrella, David Catanzaro, Rosemarie DeWitt, Anthony O'Leary, Angela Rezza, Sasha Spielberg, Maryann Plunkett, Patricia Kalember, Dana Eskelson, James Colby, John Doman, Richard Snee, Ellen Colton, Eamonn Walker, Cady Huffman, Gene Amoroso, Annette Miller, Tonye Patano, David De Beck, Kent Shocknek, William Hill, Carolyn Pickman, Jeff Barry, David Wilson Barnes, Brian A. White, Denece Ryland, Rena Maliszweski, Cindy Lentol, Scott Winters, Sanjit De Silva, Austin Lysy, Elizabeth Dann, Dossy Peabody, etc. Duração: 104 minutos; Distribuição em Portugal: Pris Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 17 de Março de 2011;
Sem comentários:
Enviar um comentário