quinta-feira, março 17, 2011

TEATRO: A CACATUA VERDE

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A REVOLUÇÃO NA "CACATUA VERDE"

“A Cacatua Verde”, do austríaco Arthur Schnitzler, é uma excelente peça em um acto que aborda de forma extremamente inteligente as relações entre a realidade e a representação, sendo em simultâneo um hino à revolução, aqui numa referência directa à revolução francesa, mas, através dela, à revolução olhada como exercício libertador, como forma de luta de classes, dos oprimidos contra os opressores.
A acção da peça decorre numa taberna dos arredores de Paris, de nome “A Cacatua Verde”, na noite de 13 para 14 de Julho de 1789, noite que ficaria celebrizada pela tomada da Bastilha. Nessa taberna instalada numa cave, Prospère, que outrora fora director de uma Companhia de Teatro, continua o seu sonho de teatro, mas por novos processos: os seus actores que ali trabalham fazem-se passar por marginais, ladrões, assassinos, prostitutas, exercitando entremezes de violência e de libertinagem que servem aos nobres emproados que a frequentam o local em busca de excitação e de tom local. Aparentemente sem correr perigo, a clientela entra em contacto com o povo (ou o que julgam ser “o povo”) e os episódios estimulantes das suas vidas perdidas. Mas percebem que é ali, nessa taberna, que se ensaia o grande espectáculo que nessa noite se irá estrear nas ruas de Paris, levando ao cadafalso reis e nobres, e mudando o destino do mundo.
Na verdade, na taberna provoca-se a nobreza e prepara-se a libertação do povo. Pelo exercício do teatro. Por isso, um episódio da intriga teatral (a história do actor cuja mulher, também actriz, o trai com um duque), irá terminar em tragédia sangrenta, quando o nobre é realmente assassinado e o actor proclamado herói da revolução.
Aparentemente pode dizer-se que a peça é uma comédia, mas no fundo anda bem longe disso, apesar de provocar aqui e ali alguns sorrisos, e deve ver-se como um ensaio sobre a génese da revolução e o papel libertador do teatro, e da arte, por acréscimo, antecipando assim algumas obras de Pirandello, por exemplo.
A tensão existente entre a realidade e a sua representação, ou entre o sonho e a verdade, é aqui particularmente bem sustentada em termos de História passada e de projecção de futuro. Há um clima de tragédia em Schnitzler, que a belíssima encenação de Luís Miguel Cintra sublinha, e um presságio de contemporaneidade e de actualização muito bem conseguido com subtileza e argúcia. Aquela revolução é a revolução de todos os tempos, a revolução que passa pelo “temp des cerises” assobiada no final, ou pelas duas capas, uma verde outra vermelha, que no final são recolhidas de um dos bancos da taberna. Para bom entendedor… as mudanças fazem-se sentir um pouco por todo o lado.
Muito boa a tradução de Frederico Lourenço, excelente a encenação, como sempre em Cintra, rigorosa e inteligente. Cenários e figurinos, de Cristina Reis, são belíssimos e eficazes, e a representação de mais duas dúzias de actores, é, obviamente, irregular, mas bem defendida pela direcção dos mesmos, havendo a salientar os trabalhos de Luís Miguel Cintra, Rita Blanco, João Grosso, Rita Lourenço, entre outros.
Um belo espectáculo para quem acredita no poder da revolução como alavanca do mundo. Mas para quem apenas acredita na revolução das mentalidades, este também é um belo exercício de inteligência e ironia. E de teatro. 
A Cacatua Verde
Texto Original: Arthur Schnitzler; Tradução: Frederico Lourenço; Encenação: Luis Miguel Cintra; Cenografia e Figurinos: Cristina Reis; Desenho Luz: Daniel Worm d'Assumpção; Co.produção TNDMII e Teatro da Cornucópia; Interpretação: Alice Medeiros, António Fonseca, Catarina Lacerda, Cleia Almeida, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Gonçalo Amorim, Joana de Verona, João Grosso, João Villas-Boas, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Miguel Cintra, Miguel Loureiro, Miguel Melo, Neusa Dias, Rita Blanco, Ricardo Aibéo, Rita Loureiro, Sofia Marques, Vítor d’Andrade, Joana de Verona, Nno Casanova, Tobias Monteiro, Tiago Manaia. Sala Garrett - Teatro Nacional D Maria II, Lisboa; Estreia: 17-02-2011; Classificação: M/12; até 27 Mar 2011.

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