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quinta-feira, março 29, 2012

TEATRO: DANÇA DE RODA


DANÇA DE RODA
Arthur Schnitzler, austríaco (Viena, 15 de Maio de 1862 — Viena, 21 de Outubro de 1931), médico, poeta e dramaturgo, é um dos mais importantes autores de finais do século XIX, inícios do século XX, da Europa Central, sobretudo no que ao teatro diz respeito. Filho de Johann Schnitzler, de origem judaica, respeitado médico e director do hospital “Allgemeine Poliklinik”, completou igualmente o curso de medicina, colaborou na revista médica “Allgemeine Klinische Rundschau” e interessou-se desde muito cedo pela psicologia e psiquiatria, fez experiências de hipnose e a sugestão como técnicas terapêuticas. Foi médico no Hospital “Wiener Allgemeines Krankenhaus” e, mais tarde, assistente do seu pai no hospital “Poliklinik”. Em 1893, abriu uma clínica privada, mas começou a dedicar-se cada vez mais à sua absorvente actividade literária, que tinha iniciado aos 18 anos, com a publicação de “A Canção de Amor da Bailarina”.
A sua relação com Sigmund Freud, que se limitou a cartas, muitas das quais desaparecidas, sublinhou a sua importância enquanto autor moderno, explorando 
o “monólogo íntimo”, desvendando o secreto subconsciente dos seus protagonistas. Teve por isso bastantes problemas com as autoridades civis e militares, sendo acusado de “pornografia” nalgumas das suas criações, nomeadamente em “Der Reigen” (Dança de Roda) que provocaria escândalo e alvoroço, sendo censurado.
Mas a similitude de percursos de Schnitzler e Freud é flagrante, ainda que cada um deles tenha as suas próprias vias de aproximação à psicanálise. As semelhanças são indiscutíveis. Ambos viveram, cada um ao seu modo, intensamente a psicanálise. Numa carta endereçada a Schnitzler, de Maio de 1922, Sigmund Freud fazia curiosas considerações sobre a obra do escritor e confessava ter evitado, durante muito tempo, ser-lhe apresentado, pois, ao ler os seus textos, acreditava que tratava-se de seu “duplo”. Alguém que, como ele, era “explorador das profundezas” e que mostrava “as verdades do inconsciente”. Freud escreveu textualmente: “Sempre que me deixo absorver profundamente pelas suas belas criações, parece-me encontrar, sob a superfície poética, as mesmas suposições antecipadas, os interesses e conclusões que reconheço como meus próprios. Ficou-me a impressão de que o senhor sabe por intuição – realmente, a partir de uma fina auto-observação – tudo que tenho descoberto noutras pessoas por meio de laborioso trabalho.”
“Dança de Roda” é uma obra de 1903, que a companhia do Teatro Municipal de Almada encenou com brilho, num trabalho de Rodrigo Francisco, colaborador de longa data de Joaquim Benite, que aqui comprova ter não só aprendido bem a lição, como ainda demonstra sensibilidade e inventiva para uma carreira a seguir com muita atenção. 
A peça é um delicioso exercício cénico, inteligente e sagaz de um ponto de vista crítico. “Dança de Roda” é uma dança em dez quadros, em que cada par vai evoluindo numa ligação sem falhas. A prostituta fala com o soldado, este passa à cena seguinte onde troca galanteios com a criada de quarto que, por sua vez se deixa seduzir pelo jovem senhor na cena 3. Jovem senhor que desvia do bom caminho uma jovem senhora, que depois mostra o seu dia a dia com o marido, que por seu turno se envolve com a doce burguesinha, sendo que esta arrebata o poeta na cena 7, para a seguir o poeta se envolver com a actriz, esta com o conde e finalmente o Conde reencontrar a prostituta da cena 1, no final. Fechado o cerco, o que sai desta girândola muito sensual, onde a libido explode sob os mais diversos pretextos, mostrando os alicerces de uma moral preconceituosa, mas sempre transgressora. Estamos no centro da Europa de inícios do século XX, frívola e efervescente, preparando os loucos anos 20 de uma euforia contagiosa, mas também perigosa. Daí a pouco, surgirão as ditaduras ferozes por todo o continente, para porem em ordem a dita instabilidade social e política, dando como justificação para a repressão a imoralidade e os excessos. Estes acontecimentos são cíclicos e a recuperação de uma obra como esta, neste momento, não deixa de ser criteriosa.
A encenação é cuidada, imaginosa, inteligente, irónica, fluida como convém a uma dança de roda, servida por cenários simples, mas eficazes e plasticamente muito bonitos, com um iluminação e uma sonoplastia que servem habilmente o conjunto. Depois temos uma interpretação globalmente muito conseguida, com um elenco quase todo muito jovem, onde sobressai um conjunto de actrizes que não me arrisco em classificar como uma geração de luxo que se apresenta para ganhar o futuro. Ana Cris, Catarina Campos Costa, Joana Francampos, Joana Hilário e Vera Barreto, cada uma na sua composição, cuidada, sensual, explosiva de talento e personalidade, mostram que o teatro em Portugal está bem servido para os tempos que se aproximam. Quase todas saídas do Conservatório e a rondar os vinte anos, são uma aposta ganha que vale a pena saudar. Certo que a direcção de actores é cuidada e extrai de cada actor o melhor que pode dar, mas sente-se neste grupo de actrizes uma galvanizante generosidade e entrega, sublinhadas por personalidades fortes e presenças marcantes. Um luxo para os espectadores que ainda podem ver André Gomes, Bartolomeu Pães, João Farraia, Miguel Martins e Pedro Walter dar uma boa réplica a este gineceu dramático que promete levar tudo à sua frente, assim lhe sejam dadas oportunidades.
Um belíssimo espectáculo, exigente e popular, que merece bem (ou melhor dizendo: exige) a presença dos espectadores. Quem gosta de teatro não sai defraudado e quem desconhece o teatro, aprenderá a amá-lo. Que melhor se pode dizer?
Dança de roda, de Arthur Schnitzler; Encenação: de Rodrigo Francisco; Tradução: José Palma Caetano; Luz e som: Guilherme Frazão; Cenário e figurinos: Ana Paula Rocha; Movimento: Jean Paul Bucchieri; Caracterização: Sano de Perpessac; Intérpretes: Ana Cris, André Gomes, Bartolomeu Pães, Catarina Campos Costa, João Farraia, Joana Francampos, Joana Hilário, Miguel Martins, Pedro Walter e Vera Barreto.
De 15 de Março a 1 de Abril, no Teatro Municipal de Almada; Sala Principal; M/12 anos; Horário: Quarta a Sábado: 21h30 Terça e Domingo: 16h00; Duração: 1h20.

quinta-feira, março 17, 2011

TEATRO: A CACATUA VERDE

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A REVOLUÇÃO NA "CACATUA VERDE"

“A Cacatua Verde”, do austríaco Arthur Schnitzler, é uma excelente peça em um acto que aborda de forma extremamente inteligente as relações entre a realidade e a representação, sendo em simultâneo um hino à revolução, aqui numa referência directa à revolução francesa, mas, através dela, à revolução olhada como exercício libertador, como forma de luta de classes, dos oprimidos contra os opressores.
A acção da peça decorre numa taberna dos arredores de Paris, de nome “A Cacatua Verde”, na noite de 13 para 14 de Julho de 1789, noite que ficaria celebrizada pela tomada da Bastilha. Nessa taberna instalada numa cave, Prospère, que outrora fora director de uma Companhia de Teatro, continua o seu sonho de teatro, mas por novos processos: os seus actores que ali trabalham fazem-se passar por marginais, ladrões, assassinos, prostitutas, exercitando entremezes de violência e de libertinagem que servem aos nobres emproados que a frequentam o local em busca de excitação e de tom local. Aparentemente sem correr perigo, a clientela entra em contacto com o povo (ou o que julgam ser “o povo”) e os episódios estimulantes das suas vidas perdidas. Mas percebem que é ali, nessa taberna, que se ensaia o grande espectáculo que nessa noite se irá estrear nas ruas de Paris, levando ao cadafalso reis e nobres, e mudando o destino do mundo.
Na verdade, na taberna provoca-se a nobreza e prepara-se a libertação do povo. Pelo exercício do teatro. Por isso, um episódio da intriga teatral (a história do actor cuja mulher, também actriz, o trai com um duque), irá terminar em tragédia sangrenta, quando o nobre é realmente assassinado e o actor proclamado herói da revolução.
Aparentemente pode dizer-se que a peça é uma comédia, mas no fundo anda bem longe disso, apesar de provocar aqui e ali alguns sorrisos, e deve ver-se como um ensaio sobre a génese da revolução e o papel libertador do teatro, e da arte, por acréscimo, antecipando assim algumas obras de Pirandello, por exemplo.
A tensão existente entre a realidade e a sua representação, ou entre o sonho e a verdade, é aqui particularmente bem sustentada em termos de História passada e de projecção de futuro. Há um clima de tragédia em Schnitzler, que a belíssima encenação de Luís Miguel Cintra sublinha, e um presságio de contemporaneidade e de actualização muito bem conseguido com subtileza e argúcia. Aquela revolução é a revolução de todos os tempos, a revolução que passa pelo “temp des cerises” assobiada no final, ou pelas duas capas, uma verde outra vermelha, que no final são recolhidas de um dos bancos da taberna. Para bom entendedor… as mudanças fazem-se sentir um pouco por todo o lado.
Muito boa a tradução de Frederico Lourenço, excelente a encenação, como sempre em Cintra, rigorosa e inteligente. Cenários e figurinos, de Cristina Reis, são belíssimos e eficazes, e a representação de mais duas dúzias de actores, é, obviamente, irregular, mas bem defendida pela direcção dos mesmos, havendo a salientar os trabalhos de Luís Miguel Cintra, Rita Blanco, João Grosso, Rita Lourenço, entre outros.
Um belo espectáculo para quem acredita no poder da revolução como alavanca do mundo. Mas para quem apenas acredita na revolução das mentalidades, este também é um belo exercício de inteligência e ironia. E de teatro. 
A Cacatua Verde
Texto Original: Arthur Schnitzler; Tradução: Frederico Lourenço; Encenação: Luis Miguel Cintra; Cenografia e Figurinos: Cristina Reis; Desenho Luz: Daniel Worm d'Assumpção; Co.produção TNDMII e Teatro da Cornucópia; Interpretação: Alice Medeiros, António Fonseca, Catarina Lacerda, Cleia Almeida, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Gonçalo Amorim, Joana de Verona, João Grosso, João Villas-Boas, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Miguel Cintra, Miguel Loureiro, Miguel Melo, Neusa Dias, Rita Blanco, Ricardo Aibéo, Rita Loureiro, Sofia Marques, Vítor d’Andrade, Joana de Verona, Nno Casanova, Tobias Monteiro, Tiago Manaia. Sala Garrett - Teatro Nacional D Maria II, Lisboa; Estreia: 17-02-2011; Classificação: M/12; até 27 Mar 2011.