DANÇA DE RODA
Arthur
Schnitzler, austríaco (Viena, 15 de Maio de 1862 — Viena, 21 de Outubro de
1931), médico, poeta e dramaturgo, é um dos mais importantes autores de finais
do século XIX, inícios do século XX, da Europa Central, sobretudo no que ao
teatro diz respeito. Filho de Johann Schnitzler, de origem judaica, respeitado
médico e director do hospital “Allgemeine Poliklinik”, completou igualmente o
curso de medicina, colaborou na revista médica “Allgemeine Klinische Rundschau”
e interessou-se desde muito cedo pela psicologia e psiquiatria, fez
experiências de hipnose e a sugestão como técnicas terapêuticas. Foi médico no
Hospital “Wiener Allgemeines Krankenhaus” e, mais tarde, assistente do seu pai
no hospital “Poliklinik”. Em 1893, abriu uma clínica privada, mas começou a dedicar-se
cada vez mais à sua absorvente actividade literária, que tinha iniciado aos 18
anos, com a publicação de “A Canção de Amor da Bailarina”.
A
sua relação com Sigmund Freud, que se limitou a cartas, muitas das quais
desaparecidas, sublinhou a sua importância enquanto autor moderno,
explorando
o
“monólogo íntimo”, desvendando o secreto subconsciente dos seus protagonistas. Teve
por isso bastantes problemas com as autoridades civis e militares, sendo
acusado de “pornografia” nalgumas das suas criações, nomeadamente em “Der
Reigen” (Dança de Roda) que provocaria escândalo e alvoroço, sendo censurado.
Mas
a similitude de percursos de Schnitzler e Freud é flagrante, ainda que cada um
deles tenha as suas próprias vias de aproximação à psicanálise. As semelhanças são
indiscutíveis. Ambos viveram, cada um ao seu modo, intensamente a psicanálise. Numa
carta endereçada a Schnitzler, de Maio de 1922, Sigmund Freud fazia curiosas considerações
sobre a obra do escritor e confessava ter evitado, durante muito tempo, ser-lhe
apresentado, pois, ao ler os seus textos, acreditava que tratava-se de seu
“duplo”. Alguém que, como ele, era “explorador das profundezas” e que mostrava
“as verdades do inconsciente”. Freud escreveu textualmente: “Sempre que me
deixo absorver profundamente pelas suas belas criações, parece-me encontrar,
sob a superfície poética, as mesmas suposições antecipadas, os interesses e
conclusões que reconheço como meus próprios. Ficou-me a impressão de que o
senhor sabe por intuição – realmente, a partir de uma fina auto-observação –
tudo que tenho descoberto noutras pessoas por meio de laborioso trabalho.”
“Dança
de Roda” é uma obra de 1903, que a companhia do Teatro Municipal de Almada
encenou com brilho, num trabalho de Rodrigo Francisco, colaborador de longa
data de Joaquim Benite, que aqui comprova ter não só aprendido bem a lição,
como ainda demonstra sensibilidade e inventiva para uma carreira a seguir com
muita atenção.
A
peça é um delicioso exercício cénico, inteligente e sagaz de um ponto de vista
crítico. “Dança de Roda” é uma dança em dez quadros, em que cada par vai
evoluindo numa ligação sem falhas. A prostituta fala com o soldado, este passa
à cena seguinte onde troca galanteios com a criada de quarto que, por sua vez
se deixa seduzir pelo jovem senhor na cena 3. Jovem senhor que desvia do bom
caminho uma jovem senhora, que depois mostra o seu dia a dia com o marido, que
por seu turno se envolve com a doce burguesinha, sendo que esta arrebata o
poeta na cena 7, para a seguir o poeta se envolver com a actriz, esta com o
conde e finalmente o Conde reencontrar a prostituta da cena 1, no final.
Fechado o cerco, o que sai desta girândola muito sensual, onde a libido explode
sob os mais diversos pretextos, mostrando os alicerces de uma moral
preconceituosa, mas sempre transgressora. Estamos no centro da Europa de
inícios do século XX, frívola e efervescente, preparando os loucos anos 20 de
uma euforia contagiosa, mas também perigosa. Daí a pouco, surgirão as ditaduras
ferozes por todo o continente, para porem em ordem a dita instabilidade social
e política, dando como justificação para a repressão a imoralidade e os excessos.
Estes acontecimentos são cíclicos e a recuperação de uma obra como esta, neste
momento, não deixa de ser criteriosa.
A
encenação é cuidada, imaginosa, inteligente, irónica, fluida como convém a uma
dança de roda, servida por cenários simples, mas eficazes e plasticamente muito
bonitos, com um iluminação e uma sonoplastia que servem habilmente o conjunto.
Depois temos uma interpretação globalmente muito conseguida, com um elenco
quase todo muito jovem, onde sobressai um conjunto de actrizes que não me arrisco
em classificar como uma geração de luxo que se apresenta para ganhar o futuro.
Ana Cris, Catarina Campos Costa, Joana Francampos, Joana Hilário e Vera Barreto,
cada uma na sua composição, cuidada, sensual, explosiva de talento e
personalidade, mostram que o teatro em Portugal está bem servido para os tempos
que se aproximam. Quase todas saídas do Conservatório e a rondar os vinte anos,
são uma aposta ganha que vale a pena saudar. Certo que a direcção de actores é
cuidada e extrai de cada actor o melhor que pode dar, mas sente-se neste grupo
de actrizes uma galvanizante generosidade e entrega, sublinhadas por
personalidades fortes e presenças marcantes. Um luxo para os espectadores que
ainda podem ver André Gomes, Bartolomeu Pães, João Farraia, Miguel Martins e
Pedro Walter dar uma boa réplica a este gineceu dramático que promete levar
tudo à sua frente, assim lhe sejam dadas oportunidades.
Um
belíssimo espectáculo, exigente e popular, que merece bem (ou melhor dizendo:
exige) a presença dos espectadores. Quem gosta de teatro não sai defraudado e
quem desconhece o teatro, aprenderá a amá-lo. Que melhor se pode dizer?
Dança de roda, de Arthur Schnitzler; Encenação: de
Rodrigo Francisco; Tradução: José Palma Caetano; Luz e som: Guilherme Frazão;
Cenário e figurinos: Ana Paula Rocha; Movimento: Jean Paul Bucchieri;
Caracterização: Sano de Perpessac; Intérpretes: Ana Cris, André Gomes,
Bartolomeu Pães, Catarina Campos Costa, João Farraia, Joana Francampos, Joana
Hilário, Miguel Martins, Pedro Walter e Vera Barreto.
De 15 de Março a 1 de Abril, no Teatro Municipal de
Almada; Sala Principal; M/12 anos; Horário: Quarta a Sábado: 21h30 Terça e
Domingo: 16h00; Duração: 1h20.
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