CENAS
DA VIDA CONJUGAL
“Cenas da Vida Conjugal” ("Scener ur ett
äktenskap", no original sueco) é uma peça teatral da autoria de Ingmar Bergman
que inicialmente se concretizou na televisão, como série, em 1973, depois foi
condensada em filme, e só mais tarde adaptada a teatro pelo próprio autor. "Levei
dois meses e meio a escrever estas cenas, mas levei uma vida inteira a
vivê-las”, disse Ingmar Bergman acerca deste seu trabalho que, como muitos
outros da sua carreira, de cineasta, dramaturgo e encenador, se debruça sobre a
vida familiar em particular e a difícil e complexa relação entre os seres
humanos, sobretudo quando as ligações se estabelecem entre os membros dos dois
sexos. A obra original é muito mais extensa do que a peça teatral e apresenta um
outro tipo de contextura dramática, seguramente mais intrincada. Na peça
existem apenas dois protagonistas (a que se acrescenta uma presença rápida de
uma jornalista na cena inicial da entrevista), enquanto nas obras televisiva e
cinematográfica surgem outras personagens que adensam o clima e o tornam um pouco
mais soturno. A evolução da vida em comum de Mariana e João na peça reflecte
dramas e vivências exteriores ao espaço cénico, mas na obra cinematográfica
algumas dessas personagens confronta-se directamente com o casal central e
tornam mais pesadas as relações e os conflitos. Há definitivamente um peso
maior do exterior no desenrolar do conflito interior das duas figuras centrais.
Filme e peça são duas obras que, vivendo da
mesma intriga central, a desenvolvem de forma diferente e com resultados
ligeiramente diversos. Ambas são obras admiráveis na forma como analisam o
envolvimento amoroso (ou a ausência desse envolvimento e a frustração que essa inexistência
causa) e a fragilidade da vida em comum, em ambos os casos o final não sendo o “happy
end” que alguns podem suspeitar não deixa de ser uma afirmação de esperança
nesse tipo de relacionamento, pois o amor é sempre possível, por vezes das formas
mais inesperadas. A verdade é que a dificuldade na coexistência essa irá
permanecer, e o final destas “Cenas de Vida Conjugal” não é mais do que uma
etapa no decorrer de uma vida, e tudo voltará e repetir-se e o imprevisível
regressará sempre e só por isso vale a pena tentar, uma e outra vez, “ad eternum”.
A busca da felicidade é algo que todos nós
sabemos utópico, mas que não nos cansamos de perseguir. A felicidade
possivelmente são esses fugazes momentos que urge aproveitar, no intervalos de intempéries
e vertigens várias, ou no alvoroço da sonolência de vidas aparentemente conformadas.
Por isso nos faz bem assistir a uma obra como esta que relembra nalguns
aspectos tantas e tantas outras que antes dela, e depois dela, já vimos tratando
do mesmo assunto, um tema inesgotável, diga-se de passagem. Quem vir “Cenas de Vida
Conjugal” facilmente pensará em “Quem tem Medo de Virgínia Woolf?” ou em vários
Woody Allen, ou em… ou em… seria fastidioso enumerar.
Interessante, porém, será referir a forma
eficaz, densa e emotiva como Solveig Nordlund, sueca por nascimento, mas meia
portuguesa por adopção, trabalhou o texto e o encenou com sobriedade e inteligência,
num cenário minimalista mas convincente no clima que cria, por vezes
plasticamente muito bonito (todas as cenas com o arvoredo ao fundo são
excelentes) e sempre muito bem aproveitado e iluminado. Depois há que sublinhar
a qualidade da interpretação de Adriano Luz e Margarida Marinho, ambos magníficos
nas suas composições. Obviamente que são “outros” João e Mariana, diferentes
daqueles que conhecíamos no cinema vividos por Erland Josephson e Liv Ullmann. Mas
aí está a magia destas recriações: partindo de um mesmo texto, cada personagem
ganha a vida do seu novo intérprete, impondo-lhe um sopro de existência própria. Não
é só o olhar do encenador que é diferente, é a própria carne e sentimentos dos
actores que tornam a realidade “outra”. Sem ser infiel ao original. O texto,
que pode ser encenado na Suécia, nos EUA, em Inglaterra ou em Portugal (existe,
aliás, da parte de Solveig o cuidado de o tornar algo inlocalizável, apesar de
ter aportuguesado os nomes das personagens), permite adaptar-se a novas
realidades físicas. Liv Ullmann era uma Marianne magnífica, Margarida Marinho
confirma-se como uma das grandes actrizes portuguesas que com o seu talento (e
a sua beleza e discreta sensualidade) ilumina o palco do D. Maria II. Só para a
ver vale a pena a deslocação. Se Erland Josephson era mais afirmativo e “presente”,
Adriano Luz opta por uma figura mais nuanceada, por vezes frágil, mas sempre
sugestivo e convincente. Excelente trabalho de actores, portanto, num texto difícil
pelo seu intimismo.
Um belíssimo espectáculo, em suma, que vale mesmo a
pena ver num palco português. Bergman é Bergman, já se sabe. Sempre magnifico, inteligente, sensível. Mas aqui apresenta-se
muito bem servido pelo talento nacional. A não perder.
1 comentário:
Uma magnífica peça teatral, com um
texto e encenação brilhantes.
Dois actores cujo desempenho
extraordinário, nos faz ter orgulho
de ser portugueses.
M.Júlia
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