GUIA PARA UM FINAL FELIZ
Passa-se algo de estranho nas nomeações
para Oscars nos últimos anos, e isso tem a ver com a qualidade do cinema que se
produz na América nestes últimos tempos. Olhando só para a lista dos nove
nomeados para melhor filme do ano, e falando só dos que já vi, claro que há
bons filmes, todos eles me parecem em princípio merecedores da atenção do
espectador, mas… não há uma única obra-prima, uma só que seja para nos
arregalar os olhos. Mas, acho que todos se recordam, em 1941, “Citizen Kane”
esteve nomeado e não ganhou, o que ganhou foi “O Vale era Verde”, de John Ford.
Mas reparem, entre os nomeados estavam ainda “Suspeita”, de Alfred Hitchcock,
“O Sargento York”, de Howard Hawks, “Relíquia Macabra”, de John Huston, “Raposa
Matreira”, de William Wyler, além de “Flores do Pó”, de Mervyn LeRoy, “O
Defunto Protesa”, de Alexander Hall, “A Minha História”, de Mitchell Leisen, e
“Com um Pé no Céu”, de Irving Rapper. Foi um ano interessante, dez títulos
nomeados, com seis obras-primas a atropelarem-se para conseguirem chegar em
primeiro. O melhor filme de sempre, que para mim continua a ser “O Mundo a seus
Pés”, foi batido. Por uma outra obra-prima e até eu compreendo o embaraço dos
membros da Academia. Mas veja-se o que se passa este ano. Obviamente que não há
uma única obra-prima, nem sequer uma sobrinha para remediar (convém dizer que
ponho de lado “Amor”, do austríaco Michael Haneke, porque apesar de estar
nomeado nesta categoria, vai ganhar a de melhor filme em língua não inglesa, e
ponto final). Os restantes é tudo boa gente, mas a andar na mediania. Por mim,
até agora, prefiro o classicismo austero de “Lincoln”, de Steven Spielberg, mas
acho muito interessantes “Argo”, “Guia para um Final Feliz”, enquanto espero
para ver “OO, 30 Hora Negra”, “Django Libertado”, “A Vida de Pi” e “Bestas do
Sul Selvagem”, e até percebo a nomeação de “Les Miserables”. Mas aqui não há
uma única obra-prima. Enquanto há uns anos atrás havia várias no mesmo ano.
Posto isto, outro lamento, ainda que num
mesmo registo. Não se trata de saudosismo retrógrado, mas apenas de verificar
uma realidade. Por onde andam as brilhantes comédias norte-americanas de outros
tempos? Uma comédia era um acontecimento, um entretenimento inteligente,
sensível, por vezes sofisticado e elegante, outras vezes de um burlesco
desenfreado, sorria-se ou gargalhava-se com gosto. Agora, descobrir uma comédia
norte-americana que não nos faça corar de vergonha, é quase como encontrar uma
agulha no palheiro. Vá lá, este ano temos uma: “Guia para um Final Feliz”, de David
O. Russell, um realizador que nos dera duas obras anteriores interessantes, o
descabelado “Três Reis” e “The Fighter – Último Round”. Agora num registo de
comédia romântica adapta o romance de Matthew Quick, "The Silver Linings
Playbook", e safa-se bem, ainda que sem deslumbrar. Apoiando-se em bons
actores, como Bradley Cooper (que vem de “Ressaca” e outros tais), Jennifer
Lawrence (a fabulosa descoberta de “Despojos de Inverno”) ou o eterno Robert De
Niro, constrói um filme muito agradável de se seguir, sobre a vida
destrambelhada do cidadão norte-americano que sobrevive num sobressalto
constante, quer tenha saído de uma clínica psiquiátrica ou viva normalmente o
seu dia a dia sem recurso a fármacos.
Pat (Bradley Cooper) terá sido, antes de
privarmos com ele no filme, um vulgar cidadão, casado, professor, filho de uma
família algo estranha, até que um dia, ao regressar a casa, descobre que a
mulher não está sozinha no banho e espanca o estranho que ocupa o seu lugar na
banheira. Espanca-o bravamente e é preso, possivelmente julgado, descobrem que
é bipolar, enfiam-no durante uns meses numa clínica, donde sai no dia em que o
filme começa a acompanhá-lo. Regressa a casa dos pais, vive obcecado com Niki,
a mulher que abandonou o lar e vive sozinha, e de quem está proibido de se
aproximar. Acorda os pais às quatro da manhã para saber onde está uma gravação
vídeo, mas enfim, não se trata de nada muito preocupante. Esfalfa-se a correr
pelas ruas da vizinhança, para cansar o corpo, e encontra uma jovem amiga de
uma amiga, Tiffany, que ficou viúva há pouco tempo e que adora sexo e o convida
de imediato para uma sessão de queima de calorias. Mas ele continua casado,
apesar de não praticar e relembra a Tiffany que ela também o é, apesar de o marido
jazer no cemitério. Até aqui tudo bem, as personagens têm graça, estão muito
bem defendidas pelos actores, a perseguição da obcecada sexual é muito
divertida (e a actriz magnífica), o pai de Pat não é muito melhor que os outros
perturbados psíquicos (ele vive a pensar na equipa da terra e nas vitórias que
lhe podem trazer uma fortuna nas apostas) e há um antigo companheiro de clínica
de Pat que aparece de vez em quando, em fuga. Ainda se devem referir a temerosa
mãe de Pat e o irmão deste, que não destoa da família. Há ainda um polícia que
tenta serenar os ânimos, com a calma necessária.
Depois o filme descai um pouco, com os
ensaios para um baile, e tudo acaba num “happy end” que não agride ninguém. Há
uma boa referência a “Singin’ in the Rain”, que serve de modelo para um “pas de
deux”, analisado num ipod, o que dá bem o sinal dos tempos.
Nesta sociedade onde parece não existir
bom senso (mas onde é que ele existe?) a loucura reparte-se habilmente entre os
que estão dentro da clínica e os que estão fora, podendo muito bem trocar entre
si que ninguém dará por nada.
A realização é sóbria e discreta, a
interpretação boa, o filme escorre sem problemas de maior e como tal recebe a
recompensa de sete nomeações para os Oscars, entre as quais a de melhor filme,
melhor realizador, quatro actores e argumento adaptado. Realmente, descobrir
uma comédia que não agrida a inteligência e a sensibilidade de um espectador
que tenha mais do que nove anos e escolaridade correspondente, é difícil. Mas
sete nomeações é obra! Veremos quantos Oscars revertem a seu favor.
GUIA PARA
UM FINAL FELIZ
Título
original: Silver Linings Playbook
Realização: David O. Russell (EUA, 2012): Argumento: David O. Russell, segundo romance
de Matthew Quick ("The Silver
Linings Playbook"); Produção: Bruce Cohen, Bradley Cooper, Donna
Gigliotti, Jonathan Gordon, Mark Kamine, George Parra, Bob Weinstein, Harvey
Weinstein; Música: Danny Elfman; Fotografia (cor): Masanobu Takayanagi;
Montagem: Jay Cassidy, Crispin Struthers; Casting: Lindsay Graham, Mary
Vernieu; Design de produção: Judy Becker; Direcção artística: Jesse Rosenthal;
Decoração: Heather Loeffler; Guarda-roupa: Mark Bridges; Maquilhagem: Diane
Dixon, Diane Heller, Lori McCoy-Bell, Janeen Schreyer, Carla White; Direcção de
produção: Mark Kamine, Tim Pedegana; Assistentes de realização: Ben Bray, Xanthus
Valan, Michele Ziegler; Departamento de arte: Marjorie Eber, April Hodick, Paul
Maiello; Som: Odin Benitez, Kaspar Hugentobler, Tom Nelson; Efeitos especiais:
Drew Jiritano; Efeitos visuais; Mark O. Forker, David P.I. James, Holt
Lindenberger; Companhias de Produção: The Weinstein Company, Mirage
Enterprises; Intérpretes: Bradley
Cooper (Pat), Jennifer Lawrence (Tiffany), Robert De Niro (Pat Sr.), Jacki
Weaver (Dolores), Chris Tucker (Danny), Anupam Kher (Dr. Cliff Patel), John
Ortiz (Ronnie), Shea Whigham (Jake), Julia Stiles (Veronica), Paul Herman
(Randy), Dash Mihok, Matthew Russell, Cheryl Williams, Patrick McDade, Brea
Bee, Regency Boies, Phillip Chorba, Anthony Lawton, Patsy Meck, Maureen
Torsney-Weir, Jeff Reim, Fritz Blanchette, Rick Foster, Bonnie Aarons, Ted
Barba, Elias Birnbaum, Matthew Michels, Pete Postiglione, Richard Eklund III,
Sanjay Shende, Mihir Pathak, Ibrahim
Syed, Madhu Narula, Samantha Gelnaw, etc. Duração:
122 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal; Estreia
em Portugal: 10 de Janeiro de 2013.
1 comentário:
Eu fiquei encantada com o Bradley Cooper. Tinha visto A ressaca e nunca achei que ele passasse disso. Depois deste filme vi As palavras. O filme não é grande coisa, mas ele volta a brilhar. Acho que se pode vir a tornar um grande actor, se se deixar de ressacas. No entanto quem tem ganho os prémios é a Jennifer, que também está em forma. Eu vi Os jogos da fome, com o meu sobrinho, e ela marca o filme. Concordo consigo, as comédias andam pela rua da amargura e já é coisa de anos. Por isso este filme é uma pérola. É pena, como diz, que o fim estrague um pouco o resultado. Mas até aí tudo flui de forma surpreendente, com humor fino, subtileza.Tenho aconselhado este filme a muita gente e eu não aconselho comédias...AHAH!
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