GRANDE REVISTA À PORTUGUESA
Os dois ou três últimos espectáculos de Filipe La Féria
tinham-nos deixado um certo travo amargo na boca. Não eram maus, mas eram
demasiado esforçados, percebia-se que lutava contra muitos entraves, que não
eram bem aquilo que ele sonhava, mas apenas o que podia fazer para manter
aberto o seu Politeama. Algumas vozes que ouvi consideravam mesmo que La Féria
tinha perdido gás, já não era o que era, mas aí está a “Grande Revista à
Portuguesa” para demonstrar que o ocaso foi mesmo ocasional, e que La Féria
regressou ao seu melhor. Este é um trabalho magnífico, um daqueles espectáculos
que os portugueses precisam nesta altura das suas tão amarguradas vidas. Ainda
bem que assim é. Eu que, além de tudo o mais, sou amigo e um admirador confesso
deste homem de teatro, fico satisfeito e feliz por este regresso em força e em
magia.
Eu sei que encenar uma peça de teatro ou um musical não é
o mesmo que encenar uma revista. São contextos diferentes e necessitam de
aproximações diversificadas. Mas também posso dizer que há muito, possivelmente
desde “Passa por Mim no Rossio”, que não via nada com a qualidade desta “Grande
Revista à Portuguesa”. O texto é inteligente, bem escrito, crítico,
politicamente incorrecto em todas as direcções, mas por isso mesmo eficaz, sem
todavia ser derrotista, sem ser anti-democrático. Depois, cenários e guarda-roupa
são deslumbrantes, os primeiros jogando quase sempre no apontamento desenhado
(muito bem desenhado, diga-se), com uma ou outra apótese, o segundo de um bom
gosto e de uma eficácia espectacular sem remoque. Nunca se excedem, sempre na
dimensão exacta, sem novo-riquismos escusados. Repita-se: o guarda-roupa de
José Costa Reis é daqueles que apetece trazer para casa, com uma combinação
cromática e um desenho de formas que nos fazem sonhar. Tudo o resto acompanha a
quase perfeição: o desenho de luzes, a coreografia de Marco Mercier (finalmente
uma coreografia que não é pífia e pindérica, que é o que mais tem abundado por
aí), os vídeos, as canções e a direcção musical.
Finalmente, os actores. Que elenco! Marina Mota, a quem
eu um dia chamei “o Futre da revista à portuguesa”, quando o Figo era a Ivone
Silva, e quando nós os dois eramos bastante mais novos, e ela dava os primeiros
passos na profissão, agora atingiu o patamar de “Cristiano Ronaldo da revista à
portuguesa”. Ela é portentosa de vitalidade, de garra, de talento, de graça, de
entrega. O seu número do “polícia e do ladrão” fica na História, tal como o do
“Prédio” onde ela se multiplica em diversas personagens. Mas tudo o que faz,
faz bem.
João Baião é outro caso idêntico e quase poderia utilizar
os mesmos adjectivos: vitalidade, garra, talento, graça, entrega, e mais alguns
números ficam para a História da revista: ele é brilhante como “Tony Carteira”,
como “Roberto”, como obcecado pelo “Facebook”, como “Sócrates”.
Depois, mais vitalidade, garra, talento, graça, entrega e
estamos a falar da pequena bomba relógio que é Maria Vieira. Ela é “Ela”, é
“Guia”, é a Madre Superiora do “Convento dos Segredos”, ela é “Fafá”, ela
explode em cada aparição. Outro tanto se pode dizer de Ricardo Castro, notável
como mordomo de Sócrates, como “Joana Vais Conhecê-los”, como “Lula”, como La
Féria, num número que recorda a “Audição do Pedrinho”. Está ali um grande
actor, na tradição de um Vasco Santana que por vezes relembra.
Maria Vieira, João Baião e Filipe Albuquerque (atenção a
este nome!) oferecem-nos ainda um divertidíssimo quadro de “Angolanos às
Compras”. Não me venham falar de resquícios de racismo, é puro humor crítico do
melhor, que não poupa brancos, amarelos, vermelhos ou negros.
Há ainda Bruna Andrade, Rui Andrade, Vanessa, Patrícia
Resende, Adriana Faria, corpo de baile, e etc. e tudo a correr sobre esferas. O
número da “Marioneta” é bater numa tecla já gasta, poderia ter-se encontrado
outra forma de mudar de cenário, mas é apenas um pormenor.
Que bom é ver actores no seu habitat natural, dando o
melhor de si mesmo. Que pesaroso foi ver Marina nalguns episódios televisivos
onde se percebia como desbaratava talento. Que bom é vê-la ali no palco, a
regurgitar de vida.
Que bom é ir ao teatro e sair com esta sensação de
plenitude, de fartura, mesmo neste tempo de vacas magras. La Féria consegue o
milagre de fazer uma revista à portuguesa que poderia estar num palco de Paris,
Londres ou Nova Ioque e continuar a ser muito boa. Que o público lhe não falte,
pois todos quantos a conceberam e diariamente lhe dão vida bem o merecem.
O Teatro Politeama comemora agora 100 anos de existência.
Não poderia ter melhor prenda de aniversário.
1 comentário:
Concordo com a chamada de atenção feita a Filipe Albuquerque talvez a grande surpresa desta revista.
Contudo, o número da marioneta feito pela Vanessa poderia ser apenas mais um, mas ela consegue transformá-lo num momento brilhante, assim como o seu Zé Povinho.
Não é o caso, mas nem sempre o muito é mais, os dois últimos espectáculos do La Féria, foram minimalistas, mas profundos e enriquecedores para dar a conhecer vários actores, nem sempre as plumas, as coreografias e as roupas fazem os grandes espectáculos, e volto a referir não é o caso, porque a grande revista à portuguesa é fabulosa.
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