sábado, junho 29, 2013

TEATRO: GRANDE REVISTA À PORTUGUESA


GRANDE REVISTA À PORTUGUESA

Os dois ou três últimos espectáculos de Filipe La Féria tinham-nos deixado um certo travo amargo na boca. Não eram maus, mas eram demasiado esforçados, percebia-se que lutava contra muitos entraves, que não eram bem aquilo que ele sonhava, mas apenas o que podia fazer para manter aberto o seu Politeama. Algumas vozes que ouvi consideravam mesmo que La Féria tinha perdido gás, já não era o que era, mas aí está a “Grande Revista à Portuguesa” para demonstrar que o ocaso foi mesmo ocasional, e que La Féria regressou ao seu melhor. Este é um trabalho magnífico, um daqueles espectáculos que os portugueses precisam nesta altura das suas tão amarguradas vidas. Ainda bem que assim é. Eu que, além de tudo o mais, sou amigo e um admirador confesso deste homem de teatro, fico satisfeito e feliz por este regresso em força e em magia.
Eu sei que encenar uma peça de teatro ou um musical não é o mesmo que encenar uma revista. São contextos diferentes e necessitam de aproximações diversificadas. Mas também posso dizer que há muito, possivelmente desde “Passa por Mim no Rossio”, que não via nada com a qualidade desta “Grande Revista à Portuguesa”. O texto é inteligente, bem escrito, crítico, politicamente incorrecto em todas as direcções, mas por isso mesmo eficaz, sem todavia ser derrotista, sem ser anti-democrático. Depois, cenários e guarda-roupa são deslumbrantes, os primeiros jogando quase sempre no apontamento desenhado (muito bem desenhado, diga-se), com uma ou outra apótese, o segundo de um bom gosto e de uma eficácia espectacular sem remoque. Nunca se excedem, sempre na dimensão exacta, sem novo-riquismos escusados. Repita-se: o guarda-roupa de José Costa Reis é daqueles que apetece trazer para casa, com uma combinação cromática e um desenho de formas que nos fazem sonhar. Tudo o resto acompanha a quase perfeição: o desenho de luzes, a coreografia de Marco Mercier (finalmente uma coreografia que não é pífia e pindérica, que é o que mais tem abundado por aí), os vídeos, as canções e a direcção musical.
Finalmente, os actores. Que elenco! Marina Mota, a quem eu um dia chamei “o Futre da revista à portuguesa”, quando o Figo era a Ivone Silva, e quando nós os dois eramos bastante mais novos, e ela dava os primeiros passos na profissão, agora atingiu o patamar de “Cristiano Ronaldo da revista à portuguesa”. Ela é portentosa de vitalidade, de garra, de talento, de graça, de entrega. O seu número do “polícia e do ladrão” fica na História, tal como o do “Prédio” onde ela se multiplica em diversas personagens. Mas tudo o que faz, faz bem.
João Baião é outro caso idêntico e quase poderia utilizar os mesmos adjectivos: vitalidade, garra, talento, graça, entrega, e mais alguns números ficam para a História da revista: ele é brilhante como “Tony Carteira”, como “Roberto”, como obcecado pelo “Facebook”, como “Sócrates”.
Depois, mais vitalidade, garra, talento, graça, entrega e estamos a falar da pequena bomba relógio que é Maria Vieira. Ela é “Ela”, é “Guia”, é a Madre Superiora do “Convento dos Segredos”, ela é “Fafá”, ela explode em cada aparição. Outro tanto se pode dizer de Ricardo Castro, notável como mordomo de Sócrates, como “Joana Vais Conhecê-los”, como “Lula”, como La Féria, num número que recorda a “Audição do Pedrinho”. Está ali um grande actor, na tradição de um Vasco Santana que por vezes relembra.
Maria Vieira, João Baião e Filipe Albuquerque (atenção a este nome!) oferecem-nos ainda um divertidíssimo quadro de “Angolanos às Compras”. Não me venham falar de resquícios de racismo, é puro humor crítico do melhor, que não poupa brancos, amarelos, vermelhos ou negros.
Há ainda Bruna Andrade, Rui Andrade, Vanessa, Patrícia Resende, Adriana Faria, corpo de baile, e etc. e tudo a correr sobre esferas. O número da “Marioneta” é bater numa tecla já gasta, poderia ter-se encontrado outra forma de mudar de cenário, mas é apenas um pormenor.
Que bom é ver actores no seu habitat natural, dando o melhor de si mesmo. Que pesaroso foi ver Marina nalguns episódios televisivos onde se percebia como desbaratava talento. Que bom é vê-la ali no palco, a regurgitar de vida.
Que bom é ir ao teatro e sair com esta sensação de plenitude, de fartura, mesmo neste tempo de vacas magras. La Féria consegue o milagre de fazer uma revista à portuguesa que poderia estar num palco de Paris, Londres ou Nova Ioque e continuar a ser muito boa. Que o público lhe não falte, pois todos quantos a conceberam e diariamente lhe dão vida bem o merecem.

O Teatro Politeama comemora agora 100 anos de existência. Não poderia ter melhor prenda de aniversário.


1 comentário:

Ana Almeida disse...

Concordo com a chamada de atenção feita a Filipe Albuquerque talvez a grande surpresa desta revista.
Contudo, o número da marioneta feito pela Vanessa poderia ser apenas mais um, mas ela consegue transformá-lo num momento brilhante, assim como o seu Zé Povinho.
Não é o caso, mas nem sempre o muito é mais, os dois últimos espectáculos do La Féria, foram minimalistas, mas profundos e enriquecedores para dar a conhecer vários actores, nem sempre as plumas, as coreografias e as roupas fazem os grandes espectáculos, e volto a referir não é o caso, porque a grande revista à portuguesa é fabulosa.