quarta-feira, julho 17, 2013

CINEMA: LORE



LORE (2012)


Cate Shortland é australiana, nascida a 10 de Agosto de 1968, em Temora, anda pela meia-idade, começou a escrever e realizar curtas-metragens em finais dos anos 90, e depois de uma passagem pela televisão, onde dirigiu vários episódios de séries australianas, fez-se notar com “Salto Mortal” (2004), sua primeira longa-metragem, a que se segue esta belíssima “Lore” (2012), muito premiada em vários festivais. O cinema australiano tem-nos dado muito boas revelações, Cate Shortland é mais uma que passaremos a acompanhar com redobrado interesse.
Estamos no final da II Guerra Mundial, na Alemanha. O “bem-amado” Führer acaba de se suicidar e, algures em terra germânica, uma família de nazis que vestiram a farda da cabeça aos pés e interiorizaram bem o que era a “solução final” destrói documentação incómoda, faz as malas e parte, para se esconder algures na Floresta Negra. Mas as tropas americanas descobrem o casal que levam consigo e os cinco filhos, dois rapazes, duas raparigas e um bebé são deixados à deriva. Têm de atravessar meia Alemanha para chegarem perto de Hamburgo e reencontrar a casa da avó. O caminho é iniciático. Todos eles vão descobrindo as agruras de uma vida que nunca conheceram e aprendem a sobreviver na fome, na dor e no tirocínio da violência. Pelo meio dos atalhos da floresta, convivem com o anti-semitismo, põem à prova a “esmerada” educação da elite alemã do III Reich e preservam um pequenino bambi de porcelana que é a imagem da sua infância resguardada. Até aí.
A guerra, sobretudo a II Guerra Mundial, já deu milhares de filmes, algumas obras-primas, dezenas de títulos muito interessantes e toneladas de lixo. Mas quase sempre o conflito nos foi dado de um ponto de vista que se foi tornando estereotipado. De um lado, os bons, do outro os maus, olhamos para o sofrimento das vítimas do III Reich, os judeus nos campos de concentração, os soldados no campo de guerra, os nazis nas suas vilanias de gabinete que se repercutiam nas prisões, nas torturas, nos assassinatos maciços, nos genocídios, na barbárie. Um ou outro realizador e argumentista mais inspirado foram mais longe, matizando a análise e diversificando a colheita de elementos para observação crítica. Já se julgava ter visto tudo, mas há sempre um ponto de vista novo (ou quase novo).  


O filme de Cate Shortland – que nos recorda “O Laço Branco”, do austríaco Haneke - baseia-se num romance de Rachel Seiffert ("The Dark Room"). A escritora reside em Londres, nasceu em 1971, em Oxford, mas curiosamente tem pais de dupla nacionalidade: alemão um, australiano o outro. Tal como a produção do filme de Cate Shortland: australiana, alemã e inglesa. “The Dark Room”, lançado em 2001, teve uma recepção muito boa e andou pelas shortlists de vários prémios internacionais. Foi considerada uma das 20 maiores revelações jovens da revista “Granta”.
O filme parece seguir a estrutura do romance, aproximando-se delicadamente de um outro tipo de vítimas do nazismo: os filhos da Alemanha nazi, os filhos de oficiais SS, os netos de velhas avós que lamentam a morte do líder, “que tanto nos amava”, as crianças abandonadas pelos pais enclausurados em prisões aliadas (ou “campos”, como faz notar a mãe: “as prisões são para os criminosos, nós vamos para um campo”). É o drama dessas crianças educadas na loucura que o filme acompanha, sobretudo através da mais velha da família, a adolescente Lore, a única que consegue consciencializar o horror do racismo, da barbária instalada, da insanidade em que se atolava a bem amada Alemanha, cujos sonhos de preponderância e vitória conduziram ao holocausto e ao pesadelo.


Este é o filme da pequena história das famílias nazis, aquelas que interiorizaram a ideologia e a propagaram aos seus. Esta é a história dessas crianças que subitamente descobrem a mentira em que viveram até aí. Este é igualmente o olhar sobre os que, mesmo depois da guerra, e perante as fotografias do horror, se limitaram a dizer que “os americanos são uns mentirosos, falsificaram fotografias e apenas tentam destruir a imagem da Alemanha”. Ou de como um povo se descobre intoxicado sem remissão.
“Lore” é um filme admirável, conduzido com tacto, delicadeza, pudor, com uma fotografia excelente, e um elenco de actores absolutamente notável. Tudo indica que, apesar de uma ou outra escusada pirueta esteticista ao nível da imagem, nos encontramos desde já perante uma das grandes estreias de 2013 em salas portuguesas. Quem não viu, não deve perder.
Julgo que em Lisboa se encontra unicamente numa das salas do Corte Inglês. É de aproveitar.

LORE
Título original: Lore

Realização: Cate Shortland (Austrália, Alemanha,Inglaterra, 2012); Argumento: Cate Shortland, Robin Mukherjee, segundo romance de Rachel Seiffert ("The Dark Room"); Produção: Benny Drechsel, Liz Watts, Paul Welsh, Margaret Matheson, Linda Micsko, Kurt Otterbacher, Anita Sheehan, Vincent Sheehan, Karsten Stöter; Música: Max Richter; Fotografia (cor): Adam Arkapaw; Montagem: Veronika Jenet; Casting: Anja Dihrberg; Design de produção: Silke Fischer, Jochen Dehn; Direcção artística: Jochen Dehn; Guarda-roupa: Stefanie Bieker; Maquilhagem: Ulrike Borrmann, Antje Dahm, Kathrin Westerhausen; Direcção de produção: Colleen Clarke, Bec Cubitt, Thomas König-Mendler, Axel Unbescheid; Assistentes de realização: Karsten Frank, Barbara Schubert, Tanja Schuh; Departamento de arte: Lars Brockmann, Manuela Lobrecht, Remo Stecher; Som: Sam Petty; Companhias de produção: Rohfilm, Porchlight Films, Edge City Films; Intérpretes: Saskia Rosendahl (Lore), Nele Trebs (Liesel), Mike Weidner (Junger), Ursina Lardi (Mutti), Hans-Jochen Wagner (Vati), Nick Holaschke (bebé Peter), André Frid (Gunter), Mika Seidel (Jürgen), Sven Pippig, Philip Wiegratz, Katrin Pollitt, Hendrik Arnst, Claudia Geisler, Kai-Peter Malina, Ulrike Medgyesy, Katharina Spiering, Franziska Traub, Hanne B. Wolharn, Friederike Frerichs, Fabian Stumm, Tim Karasch, Daniel Kohl, Jan Peter Heyne, Jochen Döring, Birte Schnoeink, Lucas Reiber, Wanda Perdelwitz, etc. Duração: 109 minutos; Distribuição em Portugal: Alambique Destilaria de Ideias Unipessoal; Classificação etária: M/ 16 anos; Data de estreia em Portugal: 20 de Junho de 2013.

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