LAR,
DOCE LAR
Uma comédia não é material de segunda.
Alguns pensam assim, e pensam mal. Realmente há muita gente que faz más
comédias (o que, diga-se!, acontece com qualquer género), mas uma boa comédia é
normalmente um trabalho de grande qualidade. Que o digam Gil Vicente, Goldoni,
Molière, e por aí fora, até à actualidade. Depois, há grandes actores cómicos
que fizeram peças boas, más e assim-assim, filmes admiráveis, fracos e que
seriam horríveis sem a sua presença. Chaplin e Buster Keaton nunca erraram (Keaton
teve de aceitar certos trabalhos, no final da carreira, para se alimentar).
Totó, para mim um dos maiores actores cómicos de sempre, fez de tudo e a tudo
vale a pena assistir só para o ver a ele, mas por vezes é de arrepelar os
cabelos vê-lo desbaratar aquele talento imenso em coisas tão medíocres.
Mas a comédia é um género muito difícil e é
raro acertar-se numa grande comédia. E o que é isso? É um espectáculo em que o
texto tem qualidade, é inteligente, sensível, crítico, tem ritmo, não amolece
pelo caminho, nem se atropela, é servido por bons actores, que retiram das palavras
tudo quanto elas encerram e, se possível, as favorecem, e depois, falando do
teatro, o cenário é justo, o trabalho dos técnicos é competente, e o encenador movimenta
todos os cordelinhos para o resultado final ser um sucesso. Houve épocas
gloriosas da comédia, mas é um género em equilíbrio instável. Nos últimos anos,
há tanta mixórdia servida como prato forte, muitas vezes com sucesso público,
que espanta como se desceu tão baixo. No cinema, as comédias americanas, por
exemplo, entraram numa decadência tal que se salva uma entre uma centena, com
um público cada vez mais boçal a rir de imbecilidades sem nome.
Por isso se deve sublinhar devidamente
uma comédia portuguesa que anda há um ano a correr o país, que bate records de
audiência e que agora regressou a Lisboa, ao palco do Tivoli. “Lar, Doce Lar” parte
de “O Que Importa É Que Sejam Felizes”, de Luísa Costa Gomes, e consegue ser um
trabalho invulgar. O texto é muito bem escrito, com um ritmo inusitado, muito
bons gags, de situação e de trocadilhos, abordando um tema que já tem servido
para várias comédias, mas que resulta original e mesmo um pouco iconoclasta: a
velhice passada num lar de luxo para a terceira idade, a residência Antúrios
Dourados para Seniores de Qualidade. Um bom texto é sempre um bom ponto de
partida e aqui Luísa Costa Gomes acerta em toda a linha, sendo popular sem que
isso signifique ser idiota, muito pelo contrário. Depois os actores são magníficos.
Maria Rueff e Joaquim Monchique multiplicam-se em papéis e conferem ao
espectáculo um ritmo estonteante. Só predestinados conseguem fazer o que eles
fazem durante quase duas horas endiabradas, em que as personagens oscilam entre
travestis de velhas, jovens, enfermeiras, médicos, e etc. O entrar e sair do
eficaz cenário de F. Ribeiro deixa o público sem respiração. O que fará os
actores!
A encenação de António Pires é igualmente
eficaz, o que também não é difícil com actores a seu lado com a experiência cénica
dos dois aqui reunidos. A importância de encontrar no palco o espaço e o tempo certos
é essencial para o bom desempenho e eles sabem-na toda.
Posto isto: crise? Claro que há crise,
mas uma boa comédia ajuda muito a suportar as agruras que os economistas e os políticos
nos impingem diariamente. Não perca “Lar, Doce Lar”. É um excelente antídoto
contra o desespero. E depois, um produto natural dá sempre boa disposição, como
no-lo dizem as velhinhas, as idosas, as seniores ou os elementos da terceira
idade.
LAR, DOCE LAR
Texto: Luísa Costa Gomes; Encenação:
António Pires; Cenografia: F. Ribeiro; Desenho de luz: Paulo Sabino; Figurinos:
Dino Alves; Intérpretes: Joaquim Monchique, Maria Rueff; Produção: UAU; Teatro
Tivoli (de 4 de Setembro a 6 de Outubro, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos).
Sem comentários:
Enviar um comentário