Mostrar mensagens com a etiqueta Joaquim Monchique. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Joaquim Monchique. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, setembro 05, 2013

TEATRO: LAR, DOCE LAR


LAR, DOCE LAR

Uma comédia não é material de segunda. Alguns pensam assim, e pensam mal. Realmente há muita gente que faz más comédias (o que, diga-se!, acontece com qualquer género), mas uma boa comédia é normalmente um trabalho de grande qualidade. Que o digam Gil Vicente, Goldoni, Molière, e por aí fora, até à actualidade. Depois, há grandes actores cómicos que fizeram peças boas, más e assim-assim, filmes admiráveis, fracos e que seriam horríveis sem a sua presença. Chaplin e Buster Keaton nunca erraram (Keaton teve de aceitar certos trabalhos, no final da carreira, para se alimentar). Totó, para mim um dos maiores actores cómicos de sempre, fez de tudo e a tudo vale a pena assistir só para o ver a ele, mas por vezes é de arrepelar os cabelos vê-lo desbaratar aquele talento imenso em coisas tão medíocres.
 Mas a comédia é um género muito difícil e é raro acertar-se numa grande comédia. E o que é isso? É um espectáculo em que o texto tem qualidade, é inteligente, sensível, crítico, tem ritmo, não amolece pelo caminho, nem se atropela, é servido por bons actores, que retiram das palavras tudo quanto elas encerram e, se possível, as favorecem, e depois, falando do teatro, o cenário é justo, o trabalho dos técnicos é competente, e o encenador movimenta todos os cordelinhos para o resultado final ser um sucesso. Houve épocas gloriosas da comédia, mas é um género em equilíbrio instável. Nos últimos anos, há tanta mixórdia servida como prato forte, muitas vezes com sucesso público, que espanta como se desceu tão baixo. No cinema, as comédias americanas, por exemplo, entraram numa decadência tal que se salva uma entre uma centena, com um público cada vez mais boçal a rir de imbecilidades sem nome.
Por isso se deve sublinhar devidamente uma comédia portuguesa que anda há um ano a correr o país, que bate records de audiência e que agora regressou a Lisboa, ao palco do Tivoli. “Lar, Doce Lar” parte de “O Que Importa É Que Sejam Felizes”, de Luísa Costa Gomes, e consegue ser um trabalho invulgar. O texto é muito bem escrito, com um ritmo inusitado, muito bons gags, de situação e de trocadilhos, abordando um tema que já tem servido para várias comédias, mas que resulta original e mesmo um pouco iconoclasta: a velhice passada num lar de luxo para a terceira idade, a residência Antúrios Dourados para Seniores de Qualidade. Um bom texto é sempre um bom ponto de partida e aqui Luísa Costa Gomes acerta em toda a linha, sendo popular sem que isso signifique ser idiota, muito pelo contrário. Depois os actores são magníficos. Maria Rueff e Joaquim Monchique multiplicam-se em papéis e conferem ao espectáculo um ritmo estonteante. Só predestinados conseguem fazer o que eles fazem durante quase duas horas endiabradas, em que as personagens oscilam entre travestis de velhas, jovens, enfermeiras, médicos, e etc. O entrar e sair do eficaz cenário de F. Ribeiro deixa o público sem respiração. O que fará os actores!
A encenação de António Pires é igualmente eficaz, o que também não é difícil com actores a seu lado com a experiência cénica dos dois aqui reunidos. A importância de encontrar no palco o espaço e o tempo certos é essencial para o bom desempenho e eles sabem-na toda.
Posto isto: crise? Claro que há crise, mas uma boa comédia ajuda muito a suportar as agruras que os economistas e os políticos nos impingem diariamente. Não perca “Lar, Doce Lar”. É um excelente antídoto contra o desespero. E depois, um produto natural dá sempre boa disposição, como no-lo dizem as velhinhas, as idosas, as seniores ou os elementos da terceira idade.

LAR, DOCE LAR

Texto: Luísa Costa Gomes; Encenação: António Pires; Cenografia: F. Ribeiro; Desenho de luz: Paulo Sabino; Figurinos: Dino Alves; Intérpretes: Joaquim Monchique, Maria Rueff; Produção: UAU; Teatro Tivoli (de 4 de Setembro a 6 de Outubro, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos). 

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

TEATRO: MAIS RESPEITO QUE SOU TUA MÃE

:

MAIS RESPEITO QUE SOU TUA MÃE

Não se percebe muito bem o porquê, mas a verdade é que a imprensa portuguesa quase não critica teatro dito comercial. É normalmente fraco? É verdade, mas também é muitas vezes fraco o teatro dito mais sério e nem por isso, aqui e ali, deixa de merecer as suas referências. Depois há um aspecto que acho profundamente injusto: quem trabalha no teatro comercial merece ser olhado com o mesmo respeito que os demais. Goste-se ou não, merece que as opiniões sejam conhecidas. É bom ter interlocutores, concorde-se ou não com eles. É bom saber o que X ou Z acham do trabalho de A ou B.
Quase não li críticas a “Mais Respeito que sou Tua Mãe” que se estreou há vários meses no Casino do Estoril, passou pelo Rivoli do Porto, e voltou agora a assentar arraiais no Teatro Armando Cortez, na Casa do Artista. Muita gente viu a peça, chegaram-me opiniões pessoais desencontradas. Houve quem detestasse, ou quem se divertisse muito. Mas quase todos eram unânimes quanto à interpretação de Joaquim Monchique, num travesti divertido e muito bem executado.
Quase todos os grandes cómicos adoram, uma vez por outra, experimentar as dificuldades de se fazerem passar por alguém do sexo oposto. Nomeiem um cómico e logo surge o seu momento de travesti. António Silva? Sim. Raul Solnado? Sim. José Viana? Sim. Herman José? Sim. Vamos lá para fora, e a lista prolonga-se.
Actualmente, em Portugal, há dois exemplos máximos desta arte. Herman e Monchique. O poder de transmutação destes dois actores é absolutamente notável. Parece que não representam, que se transformam em. Olhamos para eles como outras personagens, homens ou mulheres, e deixaram de ser eles, não os reconhecemos como eles próprios, são “outros”.
Joaquim Monchique, em “Mais Respeito que sou Tua Mãe”, encarna a figura de uma mulher, Esmeralda, quarentona ou cinquentona, mãe de uma família disfuncional, suburbana, que vive na outra banda, na Baixa da Banheira, e tem sogra, marido, e três filhos. Ela é o esteio da comunidade. A sogra gosta de fuminhos, o marido é reformado, benfiquista ferrenho e passa os dias no sofá frente à sport tv, e quanto aos filhos, há para todos os gostos, a escanzelada galdéria que ganha a vida com strip teases na internet, o homossexual que se torna hétero e não deixa de se entusiasmar com esta descoberta, e o ganzado que faz esculturas com matéria orgânica.
A peça do argentino Hernán Casciari (nascido em Mercedes, Buenos Aires, a 16 de Março de 1971), mas radicado há muito na Catalunha, tem graça, mas abusa, não tanto da brejeirice, como da escatologia. O seu humor oscila entre a anotação crítica certeira e divertida e a vulgaridade de um diálogo sem controlo.
Entusiasta dos blogues, é aí que Hernán Casciari tem cumprido a maior parte da sua actividade jornalística, inclusive para o jornal “El Pais”. Escreveu blogonovela e crítica a séries de TV. Foi chefe de redacção da revista argentina “La Ventana”. Assinou duas obras premiadas, “Subir de Espaldas la Vida” e “Nosotros Lavamos Nuestra Ropa Súcia” (Prémio Juan Rulfo, Paris, 1998). “Weblog de una Mujer Gorda” (melhor blogue para a cadeia alemã “Deutsche Welle”), foi editado com o título “Más Respeto, que soy tu Madre”. Publicou ainda "El Diario de Letizia Ortiz". Em 2007 lançou “España, Perdiste”. Iniciou agora a publicação de uma revista trimestral, “Orsai”, sem publicidade, de distribuição mundial.
Com discreto e eficaz cenário único, numa sóbria encenação do próprio Joaquim Monchique, “Mais Respeito que sou Tua Mãe” está longe de ser uma obra importante, pretendendo ser apenas um divertimento de duas horas, servido por um elenco que cumpre (Luís Mascarenhas, Maria Tavares, Tiago Aldeia, Rita Tristão da Silva e Emanuel Santos). Um maior rigor no texto (que não convidasse tanto à facilidade) seria bem vindo, mas a adaptação à realidade portuguesa é convincente.
Posto isto, o teatro também vive de espectáculos destes, que não ficam na História, mas ajudam alguns espectadores a passar pelas agruras da vida, e trazem público às salas.