domingo, dezembro 22, 2013

CINEMA: CAPITÃO PHILLIPS


CAPITÃO PHILLIPS

“Capitão Phillips” parte de um acontecimento real, posteriormente descrito em livro pelo principal protagonista desta história, o capitão Richard Phillips. A obra chama-se “A Captain's Duty: Somali Pirates, Navy SEALS, and Dangerous Days at Sea" e foi adaptada ao cinema pelo próprio, de colaboração com Billy Ray, e realizada por Paul Greengrass, um cineasta inglês adoptado pelos estúdios norte-americanos, e grande especialista em filmes de acção e suspense. Veja-se o caso de “Domingo Sangrento” (2002), “Supremacia” (2004), “Voo 93” (2006), “Ultimato” (2007), e “Green Zone: Combate pela Verdade” (2010), todos anteriores a este “Capitão Phillips”, bem colocado nas nomeações para os Globos de Ouro, a atribuir em Janeiro pela "Hollywood Foreign Press Association".
“Capitão Phillips” é um bom filme que deve, no entanto, ser visto sob diversos pontos de vista. Antes de mais, trata-se de um bom argumento de aventuras, bem desenvolvido dramaticamente, criando uma tensão intensa ao longo das suas mais de duas horas, que passam céleres para o espectador. Paul Greengrass sabe cozinhar como poucos este tipo de espectáculos, já dera boas provas e volta a confirmar créditos. Os actores são excelentes, Tom Hanks prepara-se para, pelo menos, mais uma nomeação para os Oscars, e o chefe dos piratas, Muse, interpretado por Barkhad Abdi também não deve andar longe de uma outra nomeação para actores secundários.


A história é sabida e resume-se rapidamente sem retirar suspense ao que se irá ver. Os jornais já deram a notícia amplamente aquando da ocorrência, no ano de 2009. Um barco cargueiro norte-americano, o Maersk Alabama, ao passar pelo Corno de África, uma zona do Nordeste Africano onde se encontram países como a Somália e os seus temidos piratas, é feito refém por um grupo de modernos salteadores de barcos, interessados apenas em negócios, isto é, extorquir alguns milhões de dólares a troco da libertação dos reféns e do navio. A coisa começa por ser quase ridícula. Duas pequenas embarcações pesqueiras, cada uma delas com quatro ou cinco homens a bordo, conseguem fazer parar e aprisionar um cargueiro de porte impressionante, carregado com dezenas de tripulantes. É evidente que os piratas estão armados e os tripulantes desarmados, mas tudo parece demasiado filme de animação. Não se percebe muito bem como um navio daqueles sulca águas perigosas indo completamente desarmado, quando os casos de piratagem são extremamente frequentes por aquelas zonas. Se o que nos contam não se inspirasse em factos reais, dificilmente se acreditaria num tal argumento. Mas a verdade é que aconteceu e quatro ou cinco salteadores mal-encarados (e subnutridos), com armas muito nervosas nas mãos, conseguem manter em cativeiro o capitão e toda a tripulação do Maersk Alabama, que entretanto pedira auxílio às autoridades marítimas que para a zona deslocam barcos de guerra, porta-aviões e uma equipa das célebres forças especiais SEALS. A monstruosidade da diferença de forças em presença é absolutamente gritante, sobretudo quando o minúsculo salva-vidas do Maersk Alabama, onde se refugiam os piratas com o capitão Phillips, se encontra rodeado no mar alto pelo poderio militar dos EUA.
Virtudes do filme de Paul Greengrass? Primeiramente, tornar viável esta situação irrealista, que, no entanto, foi muito real para quem a viveu. O filme consegue mostrar como foi possível esta luta de um David contra Golias sem esbarrar no ridículo. Percebe-se como um gigante se torna vulnerável. Depois, manter esse clima de tensão constante e de crescente suspense. Paul Greengrass é mestre nestas situações e os excelentes actores ajudam muito.


Finalmente, o realizador ultrapassou igualmente um aspecto que poderia ser muito redutor para o filme. Estas personagens necessitavam de densidade psicológica, de força humana, de argumentos para fazerem o que fazem, tanto da parte dos reféns, como sobretudo dos piratas. Estes são apresentados obviamente como assaltantes criminosos, mas existe alguma complexidade psicológica nos seus retratos. No meio de tamanha tensão, consegue haver momentos de humor (“Capitão, você fala demais”, ao que o capitão responde: “Eu não falo demais, você é que não me ouve”) e sobretudo aspectos de irónica contradição (afinal o que Muse quer é “ir para a América”, “fazer negócio”, e ter “muitos milhões” para gastar).
Vulgar filme de aventura para entretenimento das massas? Ora bem, aqui há que referir um outro aspecto desta obra. “Capitão Phillips” é uma obra apologética dos valores americanos como há muito se não via. Não só o capitão Philips é o novo heróico self made man que sabe encontrar-se à altura das situações e defrontá-las a contento, qual velho xerife das planícies do Oeste, como ainda os EUA se mostram um país que não se intimida contra nenhuma ameaça externa, de terrorismo ou pirataria, e tudo faz mesmo que seja para salvar um seu cidadão.
“Capitão Phillips” não é, pois, só mais um filme de aventuras, mas um alerta lançado à escala mundial: não se metam connosco que nós respondemos à letra. O que é legítimo para qualquer país, mas era escusado de ser tão evidente.

CAPITÃO PHILLIPS
Título original: Captain Phillips

Realização: Paul Greengrass (EUA, 2013); Argumento: Billy Ray, Richard Phillips, segundo a obra “A Captain's Duty: Somali Pirates, Navy SEALS, and Dangerous Days at Sea" deste último; Produção: Dana Brunetti, Eli Bush, Michael De Luca, Gregory Goodman, Christopher Rouse, Scott Rudin, Kevin Spacey; Música: Henry Jackman; Fotografia (cor): Barry Ackroyd; Montagem: Christopher Rouse; Casting: Francine Maisler; Design de produção: Paul Kirby; Direcção artística: Charlo Dalli, Raymond Pumilia, Paul Richards, Su Whitaker;  Decoração: Dominic Capon, Larry Dias, Corey Hughes-Shaw; Guarda-roupa:  Mark Bridges; Maquilhagem: Frances Hannon, Emma Mash; Direcção de Produção: Sam Breckman, Ravi Dube, Todd Lewis, Katryna Samut-Tagliaferro, Samuel Sharpe, Michael Solinger, Scott Thaler; Assistentes de realização:Tarik Ait Ben Ali, Tom Brewster, Chris Carreras, Mark S. Constance, David Crabtree, Chris Forster; Departamento de arte: Joseph Kearney, Trey Shaffer, Andrew Tapper; Som: Michael Fentum; Efeitos especiais:  Matt Kutcher, Dominic Tuohy; Efeitos visuais:  Sara Emack, Judith Gericke, Richard Kidd, Charlie Noble, Zissis Papatzikis, Adam Rowland; Companhias de produção: Michael De Luca Productions, Scott Rudin Productions, Translux, Trigger Street Productions; Intérpretes: Tom Hanks (Captain Richard Phillips), Barkhad Abdi (Muse), Barkhad Abdirahman (Bilal), Faysal Ahmed (Najee), Mahat M. Ali (Elmi), Michael Chernus (Shane Murphy), Catherine Keener (Andrea Phillips), David Warshofsky (Mike Perry), Corey Johnson (Ken Quinn), Chris Mulkey (John Cronan), Yul Vazquez, Max Martini, Omar Berdouni, Mohamed Ali, Issak Farah Samatar, Thomas Grube, Mark Holden, San Shella, Terence Anderson, Marc Anwar, David Webber, Amr El-Bayoumi, Vincenzo Nicoli, Kapil Arun, Louis Mahoney, etc. Duração: 134 minutos; Distribuição em Portugal: Columbia TriStar Warner Filmes de Portugal; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 24 de Outubro de 2013.

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