FILOMENA
O
jornalista inglês Martin Sixsmith (Steve Coogan) foi, durante anos,
correspondente da BBC em Moscovo e Washington e, mais tarde, colaborador do
primeiro-ministro Tony Blair. Demitido das suas funções, segundo ele de forma
injustificada, resolveu dedicar-se ao ensaísmo histórico, escrevendo sobre a
História Russa. Mas, entretanto, surge-lhe “um caso humano” que mereceu a sua
atenção e o interesse da sua editora, ambos obviamente seduzidos pelo drama e
também pelos proveitos que o seu aproveitamento literário poderia justificar. É
assim que a filha de Philomena Lee conduz o escritor até junto de sua mãe, que
procura há cinquenta anos localizar um filho ilegítimo que tivera e de que não
sabe o paradeiro desde que ele fora doado (vendido?) a um casal de americanos
que o viera resgatar à Irlanda, de um mosteiro de freiras católicas.
Claro
que o caso necessita de investigação jornalística: Philomena Lee (Judi Dench),
quando contava apenas quinze anos, fora seduzida por um jovem de passagem, que
a engravidou. Nos anos 50, numa Irlanda profundamente católica e fanaticamente
puritana, esse percalço era visto como pecado sem remissão. Teve a criança,
encerrada no austero convento de Roscrea, onde trabalhava de sol a sol, vendo
crescer o filho entre as grades monacais, até que, quando este tinha três ou
quatro anos, um casal vindo de carro o levou juntamente com outra miúda de
igual idade. Para um destino que desconhecia. Philomena ficou para sempre
traumatizada e a angústia desta separação não a abandonou mais. Cinquenta anos
depois, resolve aceitar a ajuda de Martin Sixsmith e partir à descoberta do
filho perdido.
De
inquérito em inquérito, e perante o silêncio das religiosas, acaba por
descobrir que a criança havia sido levada (há quem lhe afiance que vendida
pelas freiras, que assim conseguiam aumentar o pecúlio da ordem) para os EUA. A
pista parece para sempre perdida, mas Martin Sixsmithe tem bons contactos em Washington
e consegue localizar uma ponta por onde voltar a pegar no assunto e que o
levará a descobrir a verdade.
Steve
Coogan e Jeff Pope escreveram o argumento partindo da obra de Martin Sixsmith,
"The Lost Child of Philomena Lee", entretanto editada com o
consentimento desta última, que se mostrara indecisa quanto a este
procedimento, mas que acabou por aceder como reposição da verdade, como acto de
justiça para com o filho e igualmente como revolta contra a conduta indecorosa
das freiras irlandesas.
O inglês
Stephen Frears, que iniciou a sua carreira na televisão, onde assinou um
elevado número de trabalhos, antes de se estrear na longa-metragem em meados da
década de 80, chamando desde logo a atenção com obras como “A Minha Bela
Lavandaria” (85) ou “Ligações Perigosas” (88), dirigiu posteriormente títulos
importantes como “O Herói Acidental”, “Mary Reilly”, “A Carrinha”, “Alta
Fidelidade”, “Mrs. Henderson” ou “A Rainha”, entre outros. "The Lost Child
of Philomena Lee" interessou-o evidentemente pelo lado humano, mas cremos
que, sobretudo, pela necessidade de denunciar um comportamento aberrante por
parte de uma comunidade católica irlandesa, nos não muito afastados anos 50 do
século passado.
O
projecto revela-se uma obra particularmente interessante, ainda que possa
justificar um ou outro reparo, nomeadamente no tratamento dado à personagem do
jornalista que vê, obviamente, neste “caso humano” uma forma de recuperar
prestígio perdido e de arrecadar boas recompensas monetárias. Isso mesmo parece
ser insinuado através da figura da sua editora, mas passa um pouco ao lado das
intenções mais visíveis do projecto. Martin Sixsmith e Philomena Lee são
sobretudo olhados como uma dupla que se completa, que parte para a viagem
conjunta ignorando quase tudo um do outro, participam de mundos diferentes (as
descrições dos romances que Philomena Lee lê são particularmente
enternecedoras, mas deixam bem vincada essa diferença), mas vão lentamente
aproximando-se, descobrindo-se, envolvendo-se emocionalmente. Nem a fé cega de
Philomena, que a leva a desculpar tudo (ou quase tudo), nem o ateísmo militante
de Martin Sixsmith são óbices que invalidem essa aproximação.
A
partir de determinada altura do filme, Martin Sixsmith vai-se assumindo como o
filho que Philomena Lee perdera. Este aspecto é bastante bem dado por Stephen
Frears, que consegue manter num muito bom nível um argumento que facilmente
poderia resvalar para um melodrama de lágrima fácil e de comprometedor apelo à
pieguice barata. Doseando com dignidade o drama e o humor, e servindo-se de
óptimos actores (Judi Dench é como sempre magnífica e Steve Coogan de uma
convincente sobriedade), o realizador leva a bom porto este filme que a
Academia de Hollywood nomeou para quatro categorias, Melhor Filme, Melhor
Actriz, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Música, depois de ter tido uma
excelente passagem pelo último Festival de Veneza e pelos BAFTAS ingleses.
FILOMENA
Título original: Philomena
Realização: Stephen Frears (Inglaterra,
EUA, França, 2013); Argumento: Steve Coogan, Jeff Pope, segundo obra de Martin
Sixsmith ("The Lost Child of Philomena Lee"); Produção: Carolyn Marks
Blackwood, Steve Coogan, François Ivernel, Christine Langan, Cameron McCracken,
Henry Normal, Tracey Seaward, Gabrielle Tana; Música: Alexandre Desplat; Fotografia
(cor): Robbie Ryan; Montagem: Valerio Bonelli; Casting: Leo Davis, Lissy Holm;
Design de produção: Alan MacDonald; Direcção artística: Leslie McDonald, Rod
McLean, Sarah Stuart; Decoração: Barbara
Herman-Skelding; Guarda-roupa: Consolata
Boyle, Naomi Donne, Andrea Finch, Lucy Friend; Direcção de Produção: Phil
Brown, Patricia Anne Doherty, Carol Flaisher, Samantha Knox-Johnston, Cathy
Mooney; Assistentes de realização: Timothy Bird, Olivia Lloyd, Joseph Quinn,
Alison C. Rosa, Deborah Saban, Richard Wilson; Departamento de arte: Laura
Conway-Gordon, Dan Crandon, Heather Greenlees, Thomas Martin, Camise
Oldfield; Som: Terry McDonald, Kate Morath, Jay Price, Len
Schmitz, Oliver Tarney, Rachael Tate; Efeitos especiais: Manex Efrem; Efeitos
visuais: Adam Gascoyne, Ines Li; Companhias de produção: BBC Films, Baby Cow
Productions, British Film Institute (BFI), Magnolia Mae Films, Pathé; Intérpretes: Judi Dench (Philomena),
Steve Coogan (Martin Sixsmith), Sophie Kennedy Clark (jovem Philomena), Mare
Winningham (Mary), Barbara Jefford (Irmã Hildegarde), Ruth McCabe (Madre
Barbara), Peter Hermann (Pete Olsson), Sean Mahon (Michael), Anna Maxwell
Martin (Jane), Michelle Fairley (Sally Mitchell), Wunmi Mosaku, Amy McAllister,
Charlie Murphy, Cathy Belton, Kate Fleetwood, Charissa Shearer, Nika McGuigan,
Rachel Wilcock, Rita Hamill, Tadhg Bowen, Saoirse Bowen, Harrison D'Ampney,
D.J. McGrath, Simone Lahbib. Sara Stewart, Gary Lilburn, Charles Edwards,
Nicholas Jones, etc. Duração: 98
minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 12
anos; Data de estreia em Portugal: 6 de Fevereiro de 2014.
1 comentário:
é sempre um gosto vir aqui.
apetece ir ao cinema.
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