sábado, fevereiro 22, 2014

CINEMA: FILOMENA


FILOMENA

O jornalista inglês Martin Sixsmith (Steve Coogan) foi, durante anos, correspondente da BBC em Moscovo e Washington e, mais tarde, colaborador do primeiro-ministro Tony Blair. Demitido das suas funções, segundo ele de forma injustificada, resolveu dedicar-se ao ensaísmo histórico, escrevendo sobre a História Russa. Mas, entretanto, surge-lhe “um caso humano” que mereceu a sua atenção e o interesse da sua editora, ambos obviamente seduzidos pelo drama e também pelos proveitos que o seu aproveitamento literário poderia justificar. É assim que a filha de Philomena Lee conduz o escritor até junto de sua mãe, que procura há cinquenta anos localizar um filho ilegítimo que tivera e de que não sabe o paradeiro desde que ele fora doado (vendido?) a um casal de americanos que o viera resgatar à Irlanda, de um mosteiro de freiras católicas.
Claro que o caso necessita de investigação jornalística: Philomena Lee (Judi Dench), quando contava apenas quinze anos, fora seduzida por um jovem de passagem, que a engravidou. Nos anos 50, numa Irlanda profundamente católica e fanaticamente puritana, esse percalço era visto como pecado sem remissão. Teve a criança, encerrada no austero convento de Roscrea, onde trabalhava de sol a sol, vendo crescer o filho entre as grades monacais, até que, quando este tinha três ou quatro anos, um casal vindo de carro o levou juntamente com outra miúda de igual idade. Para um destino que desconhecia. Philomena ficou para sempre traumatizada e a angústia desta separação não a abandonou mais. Cinquenta anos depois, resolve aceitar a ajuda de Martin Sixsmith e partir à descoberta do filho perdido.

De inquérito em inquérito, e perante o silêncio das religiosas, acaba por descobrir que a criança havia sido levada (há quem lhe afiance que vendida pelas freiras, que assim conseguiam aumentar o pecúlio da ordem) para os EUA. A pista parece para sempre perdida, mas Martin Sixsmithe tem bons contactos em Washington e consegue localizar uma ponta por onde voltar a pegar no assunto e que o levará a descobrir a verdade.
Steve Coogan e Jeff Pope escreveram o argumento partindo da obra de Martin Sixsmith, "The Lost Child of Philomena Lee", entretanto editada com o consentimento desta última, que se mostrara indecisa quanto a este procedimento, mas que acabou por aceder como reposição da verdade, como acto de justiça para com o filho e igualmente como revolta contra a conduta indecorosa das freiras irlandesas.
O inglês Stephen Frears, que iniciou a sua carreira na televisão, onde assinou um elevado número de trabalhos, antes de se estrear na longa-metragem em meados da década de 80, chamando desde logo a atenção com obras como “A Minha Bela Lavandaria” (85) ou “Ligações Perigosas” (88), dirigiu posteriormente títulos importantes como “O Herói Acidental”, “Mary Reilly”, “A Carrinha”, “Alta Fidelidade”, “Mrs. Henderson” ou “A Rainha”, entre outros. "The Lost Child of Philomena Lee" interessou-o evidentemente pelo lado humano, mas cremos que, sobretudo, pela necessidade de denunciar um comportamento aberrante por parte de uma comunidade católica irlandesa, nos não muito afastados anos 50 do século passado.

O projecto revela-se uma obra particularmente interessante, ainda que possa justificar um ou outro reparo, nomeadamente no tratamento dado à personagem do jornalista que vê, obviamente, neste “caso humano” uma forma de recuperar prestígio perdido e de arrecadar boas recompensas monetárias. Isso mesmo parece ser insinuado através da figura da sua editora, mas passa um pouco ao lado das intenções mais visíveis do projecto. Martin Sixsmith e Philomena Lee são sobretudo olhados como uma dupla que se completa, que parte para a viagem conjunta ignorando quase tudo um do outro, participam de mundos diferentes (as descrições dos romances que Philomena Lee lê são particularmente enternecedoras, mas deixam bem vincada essa diferença), mas vão lentamente aproximando-se, descobrindo-se, envolvendo-se emocionalmente. Nem a fé cega de Philomena, que a leva a desculpar tudo (ou quase tudo), nem o ateísmo militante de Martin Sixsmith são óbices que invalidem essa aproximação.
A partir de determinada altura do filme, Martin Sixsmith vai-se assumindo como o filho que Philomena Lee perdera. Este aspecto é bastante bem dado por Stephen Frears, que consegue manter num muito bom nível um argumento que facilmente poderia resvalar para um melodrama de lágrima fácil e de comprometedor apelo à pieguice barata. Doseando com dignidade o drama e o humor, e servindo-se de óptimos actores (Judi Dench é como sempre magnífica e Steve Coogan de uma convincente sobriedade), o realizador leva a bom porto este filme que a Academia de Hollywood nomeou para quatro categorias, Melhor Filme, Melhor Actriz, Melhor Argumento Adaptado, Melhor Música, depois de ter tido uma excelente passagem pelo último Festival de Veneza e pelos BAFTAS ingleses.  

FILOMENA
Título original: Philomena

Realização: Stephen Frears (Inglaterra, EUA, França, 2013); Argumento: Steve Coogan, Jeff Pope, segundo obra de Martin Sixsmith ("The Lost Child of Philomena Lee"); Produção: Carolyn Marks Blackwood, Steve Coogan, François Ivernel, Christine Langan, Cameron McCracken, Henry Normal, Tracey Seaward, Gabrielle Tana; Música: Alexandre Desplat; Fotografia (cor): Robbie Ryan; Montagem: Valerio Bonelli; Casting: Leo Davis, Lissy Holm; Design de produção: Alan MacDonald; Direcção artística: Leslie McDonald, Rod McLean, Sarah Stuart; Decoração:  Barbara Herman-Skelding; Guarda-roupa:  Consolata Boyle, Naomi Donne, Andrea Finch, Lucy Friend; Direcção de Produção: Phil Brown, Patricia Anne Doherty, Carol Flaisher, Samantha Knox-Johnston, Cathy Mooney; Assistentes de realização: Timothy Bird, Olivia Lloyd, Joseph Quinn, Alison C. Rosa, Deborah Saban, Richard Wilson; Departamento de arte: Laura Conway-Gordon, Dan Crandon, Heather Greenlees, Thomas Martin, Camise Oldfield;  Som:  Terry McDonald, Kate Morath, Jay Price, Len Schmitz, Oliver Tarney, Rachael Tate; Efeitos especiais: Manex Efrem; Efeitos visuais: Adam Gascoyne, Ines Li; Companhias de produção: BBC Films, Baby Cow Productions, British Film Institute (BFI), Magnolia Mae Films, Pathé; Intérpretes: Judi Dench (Philomena), Steve Coogan (Martin Sixsmith), Sophie Kennedy Clark (jovem Philomena), Mare Winningham (Mary), Barbara Jefford (Irmã Hildegarde), Ruth McCabe (Madre Barbara), Peter Hermann (Pete Olsson), Sean Mahon (Michael), Anna Maxwell Martin (Jane), Michelle Fairley (Sally Mitchell), Wunmi Mosaku, Amy McAllister, Charlie Murphy, Cathy Belton, Kate Fleetwood, Charissa Shearer, Nika McGuigan, Rachel Wilcock, Rita Hamill, Tadhg Bowen, Saoirse Bowen, Harrison D'Ampney, D.J. McGrath, Simone Lahbib. Sara Stewart, Gary Lilburn, Charles Edwards, Nicholas Jones, etc. Duração: 98 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 6 de Fevereiro de 2014.

1 comentário:

Luis Eme disse...

é sempre um gosto vir aqui.

apetece ir ao cinema.