BIRDMAN
OU (A INESPERADA
VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Riggan
Thomson (Michael Keaton) é um actor a sair da meia-idade e que, nos anos 90 do
século passado, tivera algum fulgor no cinema como intérprete sobretudo de
filmes de super-heróis. Birdman era a sua personagem. Agora procura regressar à
fama e sobretudo granjear algum reconhecimento como actor de obras de um outro
fôlego. Num teatro de Nova Iorque, bem no centro da Broadway (precisamente o
St. James Theatre, de muita tradição e prestígio, sobretudo no campo das
produções musicais), Riggan prepara-se para a estreia de uma peça inspirada num
conto de Raymond Carver, "What We Talk About When We Talk About
Love". São dois casais em palco, diálogos fortes a relembrar “Quem tem
Medo de Virginia Woolf”, e um dos actores a sair de cena, depois de um estranho
acidente, o que Riggan aproveita para o substituir por Mike Shiner (Edward
Norton), um nome que garante bilheteira e boas críticas, mas igualmente alguma
instabilidade no elenco. Enquanto decorrem os ensaios, vamos conhecendo outras
personagens e apercebendo-nos do clima de ansiedade, por vezes rondando a
loucura, que envolve o projecto, extravasando numa ou noutra ocasião do
interior do teatro para as ruas que o circundam. Entre as figuras que se
movimentam nesta teia (teatral e emocional) surgem Lesley (Naomi Watts), uma
das actrizes, Laura (Andrea Riseborough), outra das intérpretes e ainda
namorada do protagonista, Jake (Zach Galifianakis), além de amigo pessoal de Riggan, o produtor
do espectáculo, Sam (Emma Stone), a filha e assistente pessoal, acabada de sair
de uma clínica de reabilitação, além de Sylvia (Amy Ryan), ex-mulher, que vai
aparecendo de vez em quando, e ainda uma crítica teatral, Tabitha Dickinson
(Lindsay Duncan), que, na véspera da estreia, assegura ao actor que vai
destruir o espectáculo, mesmo sem o ter visto ainda.
Alejandro
González Iñárritu, o mexicano adoptado por Hollywood, que ganhou fama
internacional com obras como “Amores perros” (2000), “21 Grams” (2003), “Babel”
(2006) ou “Biutiful” (2010),tem caracterizado o seu cinema por um emaranhado de
situações, um puzzle de personagens que normalmente confluem para um drama
central. A sua narrativa sofre alguma simplificação de processos neste novo
título, ainda que permaneça perfeitamente reconhecível. Mas deixa de haver a
multiplicidade de acções em cenários variados, para se central tudo num mesmo
décor, tendendo mesmo para uma unidade de teatro clássico, com local, tempo e
personagens muito definidas. Mas o lado encadeante da sua narrativa troca agora
a montagem por uma continuidade que, por vezes, parece querer dizer-nos que o
filme foi todo rodado num plano sequência, de câmara à mão, acompanhando
actores por longos corredores, espaços fechados e uma ou outra escapadela para
o céu, nomeadamente quando Riggan Thomson recorda, é assombrado ou sonha com a
figura de Birdman.
A estrutura por vezes resulta hábil, outras denota um pouco
de artificialismo pomposo, mas de um modo geral o produto final é interessante,
conseguindo criar um torvelinho de percursos e emoções que se julga estar nas
intenções do cineasta. Alejandro González Iñárritu é definitivamente um
realizador a acompanhar, tendo chamado, juntamente com alguns outros, a atenção
para a produção mexicana mais recente. A sua integração na indústria
norte-americana foi rápida e brilhante, tanto no que diz respeito à crítica
como a público. Claro que há quem fique com os cabelos em pé com este tipo de
cinema, mas julgamos injusta esta reacção. “Birdman” é um curioso filme sobre
pessoas, aflorando alguma crítica aos blockbusters de verão povoados por heróis
da Marvel e quejandos, mas uma crítica nuanceada: afinal Riggan não deixa de
ansiar voar e planar nos céus de Nova Iorque, com as suas proezas aéreas que o
elevam do chão e das asperezas da complexa vida quotidiana.
Se
“Birdman” tem pontos fortes, é quanto ao seu brilhante elenco, onde ninguém
destoa e onde Michael Keaton se reinventa a si próprio, ele que foi Batman sob
as ordens de Tim Burton. A sua interpretação é notável, e se o seu personagem
não terá totalmente conseguido superar-se na sua incursão pelo teatro
dramático, ele sim, ganha o estatuto de grande actor com este papel de uma
vida. Mas Edward Norton, Naomi Watts, Andrea Riseborough, Zach
Galifianakis, Emma Stone, Amy Ryan, e
mesmo Lindsay Duncan, dão replica à altura. Há sequências admiráveis, onde
Alejandro González Iñárritu acerta a câmara com a justeza da interpretação dos
seus actores. Lembro uma fabulosa conversa de Edward Norton e Emma Stone, na
varanda do teatro, que é um momento de grande cinema, inesquecível.
BIRDMAN OU (A INESPERADA
VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Título original: Birdman or (The Unexpected Virtue of
Ignorance)
Realização:
Alejandro González Iñárritu (EUA, Canadá, 2015); Argumento: Alejandro González
Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo; Produção: Armando
Bo, Molly Conners, Alexander Dinelaris, Nicolás Giacobone, Alejandro González
Iñárritu, Drew P. Houpt, Sarah E. Johnson, John Lesher, Arnon Milchan, James W.
Skotchdopole, Christina Won, Christopher Woodrow; Música: Antonio Sanchez;
Fotografia (cor): Emmanuel Lubezki; Montagem: Douglas Crise, Stephen Mirrione;
Casting: Francine Maisler; Design de produção: Kevin Thompson; Direcção
artística: Stephen H. Carter; Decoração: George DeTitta Jr.; Guarda-roupa: Albert Wolsky; Maquilhagem: Judy Chin, Kat
Drazen, Jerry Popolis, Rondi Scott; Direcção de Produção: Eric Bergman, Robert Graf, Erica Kay, Jim
Kontos, Alex G. Scott, James W. Skotchdopole, Michael Tinger; Assistentes de
realização: Catherine Feeny, Peter Kohn, Amy Lauritsen, Adam Somner;
Departamento de arte: Michael Acevedo, Joseph A. Alfieri Jr., Gerald DeTitta,
Eric Helmin, Gay Howard, Jane Wuu; Som: Aaron Glascock, Martín Hernández,
Bradford Bell, Dave Bergstrom, Thierry J. Couturier; Efeitos especiais: Conrad
V. Brink Jr., Louis Craig, Lewis Gluck, Johann Kunz; Efeitos visuais: Ivy
Agregan, Ashley Bettini, Jake Braver, Edison Carter, Tyler Cordova; Companhias
de produção:New Regency Pictures, M Productions, Le Grisbi Productions, TSG
Entertainment, Worldview Entertainment; Intérpretes:
Michael Keaton (Riggan Thomson / Birdman), Edward Norton (Mike Shiner), Emma
Stone (Sam Thomson), Naomi Watts (Lesley), Zach Galifianakis (Jake), Andrea
Riseborough (Laura), Amy Ryan (Sylvia Thomson), Lindsay Duncan (Tabitha
Dickinson), Merritt Wever (Annie), Jeremy Shamos (Ralph), Katherine O'Sullivan,
Damian Young, Keenan Shimizu, Akira Ito, Natalie Gold, Michael Siberry, Clark
Middleton, Amy Ryan, William Youmans, Paula Pell, David Fierro, Hudson Flynn,
Warren Kelly, Joel Marsh Garland, Brent Bateman, Donna Lynne Champlin,
Valentino Musumeci, Taylor Schwencke, Craig muMs Grant, Kyle Knauf, Dave Neal,
Kelly Southerland, Roberta Colindrez, Frank Ridley, etc. Duração: 119 minutos; Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films;
Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 8 de Janeiro de
2015.
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