quinta-feira, janeiro 29, 2015

OS FILMES PARA OS OSCARS (4)


BIRDMAN 
OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)


Riggan Thomson (Michael Keaton) é um actor a sair da meia-idade e que, nos anos 90 do século passado, tivera algum fulgor no cinema como intérprete sobretudo de filmes de super-heróis. Birdman era a sua personagem. Agora procura regressar à fama e sobretudo granjear algum reconhecimento como actor de obras de um outro fôlego. Num teatro de Nova Iorque, bem no centro da Broadway (precisamente o St. James Theatre, de muita tradição e prestígio, sobretudo no campo das produções musicais), Riggan prepara-se para a estreia de uma peça inspirada num conto de Raymond Carver, "What We Talk About When We Talk About Love". São dois casais em palco, diálogos fortes a relembrar “Quem tem Medo de Virginia Woolf”, e um dos actores a sair de cena, depois de um estranho acidente, o que Riggan aproveita para o substituir por Mike Shiner (Edward Norton), um nome que garante bilheteira e boas críticas, mas igualmente alguma instabilidade no elenco. Enquanto decorrem os ensaios, vamos conhecendo outras personagens e apercebendo-nos do clima de ansiedade, por vezes rondando a loucura, que envolve o projecto, extravasando numa ou noutra ocasião do interior do teatro para as ruas que o circundam. Entre as figuras que se movimentam nesta teia (teatral e emocional) surgem Lesley (Naomi Watts), uma das actrizes, Laura (Andrea Riseborough), outra das intérpretes e ainda namorada do protagonista, Jake (Zach Galifianakis),  além de amigo pessoal de Riggan, o produtor do espectáculo, Sam (Emma Stone), a filha e assistente pessoal, acabada de sair de uma clínica de reabilitação, além de Sylvia (Amy Ryan), ex-mulher, que vai aparecendo de vez em quando, e ainda uma crítica teatral, Tabitha Dickinson (Lindsay Duncan), que, na véspera da estreia, assegura ao actor que vai destruir o espectáculo, mesmo sem o ter visto ainda.


Alejandro González Iñárritu, o mexicano adoptado por Hollywood, que ganhou fama internacional com obras como “Amores perros” (2000), “21 Grams” (2003), “Babel” (2006) ou “Biutiful” (2010),tem caracterizado o seu cinema por um emaranhado de situações, um puzzle de personagens que normalmente confluem para um drama central. A sua narrativa sofre alguma simplificação de processos neste novo título, ainda que permaneça perfeitamente reconhecível. Mas deixa de haver a multiplicidade de acções em cenários variados, para se central tudo num mesmo décor, tendendo mesmo para uma unidade de teatro clássico, com local, tempo e personagens muito definidas. Mas o lado encadeante da sua narrativa troca agora a montagem por uma continuidade que, por vezes, parece querer dizer-nos que o filme foi todo rodado num plano sequência, de câmara à mão, acompanhando actores por longos corredores, espaços fechados e uma ou outra escapadela para o céu, nomeadamente quando Riggan Thomson recorda, é assombrado ou sonha com a figura de Birdman. 


A estrutura por vezes resulta hábil, outras denota um pouco de artificialismo pomposo, mas de um modo geral o produto final é interessante, conseguindo criar um torvelinho de percursos e emoções que se julga estar nas intenções do cineasta. Alejandro González Iñárritu é definitivamente um realizador a acompanhar, tendo chamado, juntamente com alguns outros, a atenção para a produção mexicana mais recente. A sua integração na indústria norte-americana foi rápida e brilhante, tanto no que diz respeito à crítica como a público. Claro que há quem fique com os cabelos em pé com este tipo de cinema, mas julgamos injusta esta reacção. “Birdman” é um curioso filme sobre pessoas, aflorando alguma crítica aos blockbusters de verão povoados por heróis da Marvel e quejandos, mas uma crítica nuanceada: afinal Riggan não deixa de ansiar voar e planar nos céus de Nova Iorque, com as suas proezas aéreas que o elevam do chão e das asperezas da complexa vida quotidiana.
Se “Birdman” tem pontos fortes, é quanto ao seu brilhante elenco, onde ninguém destoa e onde Michael Keaton se reinventa a si próprio, ele que foi Batman sob as ordens de Tim Burton. A sua interpretação é notável, e se o seu personagem não terá totalmente conseguido superar-se na sua incursão pelo teatro dramático, ele sim, ganha o estatuto de grande actor com este papel de uma vida. Mas Edward Norton, Naomi Watts, Andrea Riseborough, Zach Galifianakis,  Emma Stone, Amy Ryan, e mesmo Lindsay Duncan, dão replica à altura. Há sequências admiráveis, onde Alejandro González Iñárritu acerta a câmara com a justeza da interpretação dos seus actores. Lembro uma fabulosa conversa de Edward Norton e Emma Stone, na varanda do teatro, que é um momento de grande cinema, inesquecível.



BIRDMAN OU (A INESPERADA VIRTUDE DA IGNORÂNCIA)
Título original: Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) 
Realização: Alejandro González Iñárritu (EUA, Canadá, 2015); Argumento: Alejandro González Iñárritu, Nicolás Giacobone, Alexander Dinelaris, Armando Bo; Produção: Armando Bo, Molly Conners, Alexander Dinelaris, Nicolás Giacobone, Alejandro González Iñárritu, Drew P. Houpt, Sarah E. Johnson, John Lesher, Arnon Milchan, James W. Skotchdopole, Christina Won, Christopher Woodrow; Música: Antonio Sanchez; Fotografia (cor): Emmanuel Lubezki; Montagem: Douglas Crise, Stephen Mirrione; Casting: Francine Maisler; Design de produção: Kevin Thompson; Direcção artística: Stephen H. Carter; Decoração: George DeTitta Jr.; Guarda-roupa:  Albert Wolsky; Maquilhagem: Judy Chin, Kat Drazen, Jerry Popolis, Rondi Scott; Direcção de Produção:  Eric Bergman, Robert Graf, Erica Kay, Jim Kontos, Alex G. Scott, James W. Skotchdopole, Michael Tinger; Assistentes de realização: Catherine Feeny, Peter Kohn, Amy Lauritsen, Adam Somner; Departamento de arte: Michael Acevedo, Joseph A. Alfieri Jr., Gerald DeTitta, Eric Helmin, Gay Howard, Jane Wuu; Som: Aaron Glascock, Martín Hernández, Bradford Bell, Dave Bergstrom, Thierry J. Couturier; Efeitos especiais: Conrad V. Brink Jr., Louis Craig, Lewis Gluck, Johann Kunz; Efeitos visuais: Ivy Agregan, Ashley Bettini, Jake Braver, Edison Carter, Tyler Cordova; Companhias de produção:New Regency Pictures, M Productions, Le Grisbi Productions, TSG Entertainment, Worldview Entertainment; Intérpretes: Michael Keaton (Riggan Thomson / Birdman), Edward Norton (Mike Shiner), Emma Stone (Sam Thomson), Naomi Watts (Lesley), Zach Galifianakis (Jake), Andrea Riseborough (Laura), Amy Ryan (Sylvia Thomson), Lindsay Duncan (Tabitha Dickinson), Merritt Wever (Annie), Jeremy Shamos (Ralph), Katherine O'Sullivan, Damian Young, Keenan Shimizu, Akira Ito, Natalie Gold, Michael Siberry, Clark Middleton, Amy Ryan, William Youmans, Paula Pell, David Fierro, Hudson Flynn, Warren Kelly, Joel Marsh Garland, Brent Bateman, Donna Lynne Champlin, Valentino Musumeci, Taylor Schwencke, Craig muMs Grant, Kyle Knauf, Dave Neal, Kelly Southerland, Roberta Colindrez, Frank Ridley, etc. Duração: 119 minutos; Distribuição em Portugal: Big Picture 2 Films; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia em Portugal: 8 de Janeiro de 2015.

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