OS TUDORS E A PSEUDO-HISTÓRIA
Uma série sem nenhum rigor histórico e muito aberta a outras motivações.
“Os Tudors” é uma série de televisão que, produzida por canadianos e irlandeses (Peace Arch Entertainment / Showtime, Reveille Eire), e apresentada em Portugal pela RTP-2, no Outono passado, viu agora ser colocada no mercado a sua primeira série. À partida gosto de séries históricas e há que reconhecer que a BBC e alguns canais ingleses se têm notabilizado por certos bons empreendimentos. Se esteticamente podem ser por vezes demasiado convencionais, costumam ter algum rigor histórico e as liberdades ficcionais nunca ultrapassam o compreensível
Fui ver “The Tudors” com redobrado interesse, e acabei de os ver com redobrada irritação. Ainda podia compreender a flagrante transformação do reinado de Henrique VIII numa “quente” historieta de “Playboy”, com muita cena de sexo privilegiada em detrimento de uma análise histórica mais séria e rigorosa. Mas chegou uma altura em que a historieta descambou em palhaçada e não se percebe muito bem como em Portugal quase ninguém se revoltou publicamente com esta versão imbecil da História. Como é que a RTP-2 compra e exibe uma tal monstruosidade, não se percebe. Como historiadores, e portugueses em geral, não verberam esta versão televisiva de factos que têm a ver com Portugal e deturpam a verdade histórica de forma tão vil e deselegante, enfim, não compreendo.
Dos factos atraiçoados apenas comento um que julgo suficiente para mostrar o “rigor” desta série: em determinado momento, uma tal Margarida, irmã de Henrique VIII, é casada pelo rei, muito contra sua vontade, com um monarca português. Mandada para Lisboa, aqui descobre que o monarca tem avançada idade, nunca é tratado pelo nome, é esquelético e horroroso, escorre espuma libidinosa pelos olhos e a boca, atira-se à jovem rainha numa fornicação contínua, que lhe provoca um nojo convulsivo, até que, numa noite em que o rei se encontrava dormitando como um porco no seu real leito, a já rainha de Portugal e ainda Margarida de Inglaterra resolve abafar o esposo com uma pesada almofada até ao estertor final. Morto o rei de Portugal, a dita Margarida entrega-se ao abraço viril de um nobre inglês que tinha vindo de Inglaterra com o fito de a “auxiliar em tudo quanto a dama precise”. Ok, percebe-se.
Visto isto, eu que me formei em História, desconhecia por completo a existência deste rei português assassinado por uma malvada inglesa. Mas, tudo bem, deixa ver que rei será, fui vasculhar a cronologia e apenas D. João III poderia enquadrar-se na época. Cognominado O Piedoso ou O Pio pela sua devoção religiosa, nasceu 6 de Junho de 1502 e viria a falecer a 11 de Junho de 1557, tendo reinado desde 13 de Dezembro de 1521. Casado com Catarina da Áustria, infanta de Espanha (1507 - 1578), irmã mais nova do imperador Carlos V, dela teve nove filhos, tendo falecido todos. Este não foi de certeza. Teria sido o pai, e haveria um erro de datas? Dom Manuel I, nascido em Alcochete, a 31 de Maio de 1469, e falecido em Lisboa a 13 de Dezembro de 1521? Este foi mais casadoiro. Do primeiro matrimónio, com Isabel de Aragão, infanta de Espanha, teve um filho; do segundo casamento, com a sua cunhada Maria de Aragão, infanta de Espanha, teve dez filhos; do terceiro matrimónio, com Leonor da Áustria, igualmente infanta de Espanha, irmã do imperador Carlos V, teve mais dois filhos. Não consta que tenha sido casado com inglesa e menos ainda que tivesse sido assassinado. Chamavam-lhe O Venturoso, O Bem-Aventurado ou O Afortunado, pelos eventos felizes que ocorreram no seu reinado, designadamente a descoberta do caminho marítimo para a Índia e a do Brasil.
Ou seja, despudoradamente, inventam uma Margarida inglesa, irmã de Henrique VIII (existiram duas irmãs, uma era realmente Margarida, mas casou com um rei escocês) e inventam um rei Português e um assassinato que nunca existiu. E com base nestas invenções tratam Portugal como um reino de fim do mundo, bárbaro e mesquinho, troglodita na sua corte, com um rei idiota e etc. Não bastam já os reis idiotas que existiram em Portugal e Inglaterra, não bastam já os assassinatos que por essa altura se multiplicam pelas cortes europeias, era ainda preciso inventar?
Vergonhoso e indigno de ser visto numa qualquer série televisiva de um país civilizado em pleno século XXI. Não fossem estes (e outros) erros grosseiros, a série até era visível, boa fotografia, guarda-roupa e direcção artística aceitáveis, interpretações boas (com especial relevo para Sam Neill (Cardeal Wolsey) e Jonathan Rhys Meyers (Henrique VIII). O pendor sensacionalista e de apelo fortemente erótico não ajudava muito, mas ainda se poderia “compreender”, como “liberdade” poética que a ficção desculpa. Mas numa série que tem por base a História (e que por isso mesmo se chama “The Tudors”!), por favor, poupem-nos! É demais.
Fui ver “The Tudors” com redobrado interesse, e acabei de os ver com redobrada irritação. Ainda podia compreender a flagrante transformação do reinado de Henrique VIII numa “quente” historieta de “Playboy”, com muita cena de sexo privilegiada em detrimento de uma análise histórica mais séria e rigorosa. Mas chegou uma altura em que a historieta descambou em palhaçada e não se percebe muito bem como em Portugal quase ninguém se revoltou publicamente com esta versão imbecil da História. Como é que a RTP-2 compra e exibe uma tal monstruosidade, não se percebe. Como historiadores, e portugueses em geral, não verberam esta versão televisiva de factos que têm a ver com Portugal e deturpam a verdade histórica de forma tão vil e deselegante, enfim, não compreendo.
Dos factos atraiçoados apenas comento um que julgo suficiente para mostrar o “rigor” desta série: em determinado momento, uma tal Margarida, irmã de Henrique VIII, é casada pelo rei, muito contra sua vontade, com um monarca português. Mandada para Lisboa, aqui descobre que o monarca tem avançada idade, nunca é tratado pelo nome, é esquelético e horroroso, escorre espuma libidinosa pelos olhos e a boca, atira-se à jovem rainha numa fornicação contínua, que lhe provoca um nojo convulsivo, até que, numa noite em que o rei se encontrava dormitando como um porco no seu real leito, a já rainha de Portugal e ainda Margarida de Inglaterra resolve abafar o esposo com uma pesada almofada até ao estertor final. Morto o rei de Portugal, a dita Margarida entrega-se ao abraço viril de um nobre inglês que tinha vindo de Inglaterra com o fito de a “auxiliar em tudo quanto a dama precise”. Ok, percebe-se.
Visto isto, eu que me formei em História, desconhecia por completo a existência deste rei português assassinado por uma malvada inglesa. Mas, tudo bem, deixa ver que rei será, fui vasculhar a cronologia e apenas D. João III poderia enquadrar-se na época. Cognominado O Piedoso ou O Pio pela sua devoção religiosa, nasceu 6 de Junho de 1502 e viria a falecer a 11 de Junho de 1557, tendo reinado desde 13 de Dezembro de 1521. Casado com Catarina da Áustria, infanta de Espanha (1507 - 1578), irmã mais nova do imperador Carlos V, dela teve nove filhos, tendo falecido todos. Este não foi de certeza. Teria sido o pai, e haveria um erro de datas? Dom Manuel I, nascido em Alcochete, a 31 de Maio de 1469, e falecido em Lisboa a 13 de Dezembro de 1521? Este foi mais casadoiro. Do primeiro matrimónio, com Isabel de Aragão, infanta de Espanha, teve um filho; do segundo casamento, com a sua cunhada Maria de Aragão, infanta de Espanha, teve dez filhos; do terceiro matrimónio, com Leonor da Áustria, igualmente infanta de Espanha, irmã do imperador Carlos V, teve mais dois filhos. Não consta que tenha sido casado com inglesa e menos ainda que tivesse sido assassinado. Chamavam-lhe O Venturoso, O Bem-Aventurado ou O Afortunado, pelos eventos felizes que ocorreram no seu reinado, designadamente a descoberta do caminho marítimo para a Índia e a do Brasil.
Ou seja, despudoradamente, inventam uma Margarida inglesa, irmã de Henrique VIII (existiram duas irmãs, uma era realmente Margarida, mas casou com um rei escocês) e inventam um rei Português e um assassinato que nunca existiu. E com base nestas invenções tratam Portugal como um reino de fim do mundo, bárbaro e mesquinho, troglodita na sua corte, com um rei idiota e etc. Não bastam já os reis idiotas que existiram em Portugal e Inglaterra, não bastam já os assassinatos que por essa altura se multiplicam pelas cortes europeias, era ainda preciso inventar?
Vergonhoso e indigno de ser visto numa qualquer série televisiva de um país civilizado em pleno século XXI. Não fossem estes (e outros) erros grosseiros, a série até era visível, boa fotografia, guarda-roupa e direcção artística aceitáveis, interpretações boas (com especial relevo para Sam Neill (Cardeal Wolsey) e Jonathan Rhys Meyers (Henrique VIII). O pendor sensacionalista e de apelo fortemente erótico não ajudava muito, mas ainda se poderia “compreender”, como “liberdade” poética que a ficção desculpa. Mas numa série que tem por base a História (e que por isso mesmo se chama “The Tudors”!), por favor, poupem-nos! É demais.
A segunda série já em exibição promete mais do mesmo.
10 comentários:
Assino por baixo, quando chegou ao episódio da fábula de tarado sexual... a série morreu.
Na altura que passou na RTP, houve queixas para o provedor... noutros tempos houve programas de humor cancelados por coisas menores... e eram programas de humor.
Abraço,
Esta série passou um pouco á pressão na RTP1 isto é em vários dias seguidos e apaesar de algumas falhas historicas até se via bem
«E com base nestas invenções tratam Portugal como um reino de fim do mundo, bárbaro e mesquinho, troglodita na sua corte, com um rei idiota e etc.»
Não vi a série, mas neste aspecto parece-me bastante rigorosa.
também não gostei dessa falta de rigor histórico... mas enfim, a série não é mau.
abraço
p.s.
(...cancelá-la?! porquê?!)
p.s.
também eu fui à procura de que rei poderia afinal ser... ou era o monarca naquela altura
:)
abraço Lauro!
Pelos vistos teve a vantagem de nos pôr a todos a rever a história de Portugal. Não estamos lá muito seguros dos nosos reis, não é?
agradecido por este destacar desta série, que nunca tinha ouvido falar, parece que já saiu em blueray, sempre deve ser mais agradável em hd, quanto á história, bem, qualquer que seja, o que o povo sabe são na realidade "estórias", se calhar esta série até será mais verosímel com a História, nunca entrei na torre do tombo para confirmar ;)
all the best
kam.
mas olha que os cartazes que aqui colocas são muito apelativos... só pelas donzelas, a séria já vale a pena LOL
Eu vi esse episódio aqui em Londres, onde moro, e fiquei parvo a olhar para aquilo! É um insulto infame a Portugal. Espero q tenham existido peticoes e movimentos de insurgimento contra esta situação. Temos q impedir q se volte a repetir porque a serie ja vai para a 2a e 3a temporadas e está a correr mundo e nao podemos deixar q os ingleses continuem a denegrir a nossa imagem. Vou escrever tambem ao Presidente da Republica e ao nosso Primeiro Ministro. Isto é gravíssimo. E temos q ser nos portugueses a impedir q isto aconteça. Ninguem o fara por nos. Nao podemos aceitar q os nossos gloriosos antepassados sejam assim retratados. Nem podemos continuar a alimentar estes preconceitos dos Ingleses contra os Portugueses. Contra os Bretoes, marchar, marchar (0 nosso hino inicialmente era assim, em vez de contra os canhoes....) Os nossos problemas com os Ingleses ja sao centenários...
Que absurdo completo!!??
Eu nunca assisti por conta das chamadas. Achei bonitinho demais. E Henrique era um ruivo muito feio.
Mas isso!
Para quem gosta de series com referencia historica eu aconselho "A Muralha".
Uma narrativa sem personagens reais, mas que recria perfeitamente o inicio do periodo colonial no planalto paulista. Sem apelar para vulgaridade, com um bom painel da sociedade do periodo e seus dilemas.
Sensivel, bem dirigida e bem atuada.
Estou colocando um link -
http://minisserie.blogspot.com/2010/03/muralha.html
Vale a pena ter em dvd.
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