sábado, julho 11, 2009

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, 5

:COMPOTA RUSSA (RUSSKOIE VARÉNIE),
de Liudmila Ulítskaia
encenação de Andrzej Bubien


Voltaram as noites grandes a Almada e ao seu Festival de Teatro (não as noites quentes, porque o frio chega a ser de enregelar, sobretudo para quem vê espectáculos ao ar livre, como foi o caso deste). “Compota Russa” parte de um belíssimo e inteligentíssimo texto de Liudmila Ulítskaia, servido por uma inventiva e divertida encenação de Andrzej Bubien, com um muito homogéneo e muito bom grupo de actores, para atingir a qualidade de eleição que se lhe reconhece.
A ideia é magnífica desde início. Quem não recorda “O Cerejal”, de Anton Tchekov? Pois bem, Liudmila Ulítskaia vai verificar no que se transformou hoje, na Rússia de Vladimir Putin, esse cerejal. O resultado não é de molde a agradar a ninguém. Nem aos nostálgicos do comunismo, nem aos arautos da sociedade de consumo. Nada resta dos antigos tempos e da Rússia que se orgulhava da sua vida intelectual e de ter escritores com Tchekov. O cerejal de Ranévskaia já era, as “datchas” construídas por Lopákhin, o comprador do cerejal, são ruínas habitadas por náufragos que se movimentam sofregamente num círculo vicioso, cada um a estrebuchar para o seu lado (lembrando, imagine-se !, essa parábola sobre a terra da liberdade chamada “O Mundo é Um Manicómio”, de Frank Capra – lembrança que não será inocente, julgo ver mesmo uma clara influência). A “datcha” existe, os herdeiros do comprador também, mas a casa é literalmente uma ilha num mundo que se afunda, comprada por especuladores que querem acabar com o trabalho e impor o conceito de Disneyland. A facilidade em lugar do trabalho, a compota de groselha em vez da de cerejas ou de ginjas. A crítica é severa e arguta, mas a linguagem é coloquial, recupera um certo imaginário de Tchekov, mas a nostalgia não é saudosista, mas sim incentivadora de uma reflexão virada para o futuro.
Lyudmila Ulitskaya é uma das escritoras mais consideradas no panorama da moderna literatura russa. Nasceu em 1943, em Davlekanovo, na Bashkiria (URSS), numa família judaica, estudou Biologia em Moscovo, e mais tarde optou por escrever. Ao que sei, fora despedida do seu emprego por “posse e divulgação de literatura proibida”. Proibida a dos outros, virou-se para a criação pessoal. Rapidamente criou uma reputação com a sua primeira obra, “Sonyechka” (Сонечка), editada na revista “Novy Mir”, em 1992 (e já traduzida para português (Campo das Letras), a que se seguiram várias outras com igual sucesso (em português, na Relógio d’Àgua, apareceram “Mentiras de Mulher” e “Funeral Divertido”). Escreveu ainda dois argumentos para filmes que desconheço (nunca estreados em Portugal): “As Irmãs da Liberdade” (Сестрички Либерти, 1990) e “Uma Mulher para Todos” (Женщина для всех, 1991). Muito premiada na Rússia e no estrangeiro, trabalha também para teatro, caso de “Compota Russa” que agora pudemos ver numa criação do Teatro de Sátira da Ilha Vassilievski, fundado em 1989, por Vladimir Slovokhotov. A companhia tem participado em festivais internacionais em Helsínquia, Palermo, Avignon, Berlim, Paris, Torum e Lubliana, onde recebeu prémios como o Triomphe, o Masque D’Or e o Herse d’Or. Sob a direcção de Andrzej Bubien, projecta apresentações em Madrid, Seul, Vilnius, Telavive, Nice e Belgrado. Diga-se que este encenador (nascido em 1964) se torna director do teatro Wilam Horzyca, em Torum, na Polónia, e director artístico do festival Contact, em 1997. Em 2007 assume o cargo de director do Teatro de Sátira da Ilha Vassilievski, onde se estreou com uma encenação de um texto da dramaturga sérvia Biljana Srbljanovic. “Compota Russa”, de Liudmila Ulítskaia, é a sua segunda produção neste teatro. Andrzej Bubien demonstra uma inteligência e invenção cénica invulgares, o seu espectáculo cruza a poesia nostálgica dos grandes clássicos russos com um certo burlesco contemporâneo, conseguindo uma homogeneidade de representação e um ritmo de palco que conseguiu sobreviver até a alguns lapsos de legendagem, electrónica (não esquecer que o original que se ouvia era russo!).
Uma bela noite de teatro, num festival que soube conquistar público (salas de cem ou de mil lugares sempre cheias), e um público heterogéneo (onde se nota sobretudo uma grande percentagem de jovens até aos 30 anos, e muitos “seniores” que já passaram dos 60). Um festival que sabe receber e sabe criar um ambiente de cumplicidade amiga, em redor, não só uma ideia de teatro, mas dos muitos caminhos que o teatro moderno tem para nos desvendar. A seguir com redobrado interesse.

COMPOTA RUSSA (RUSSKOIE VARÉNIE), de Liudmila Ulítskaia- Encenação de Andrzej Bubien; Cenário e figurinos Elena Dmitrakova; Desenho de luz Evguény Gansbourg; Compositor Vitaly Istomin; Coreografia Yuri Khamutiansky; Intérpretes Evguény Tchoudakov, Natalia Koutassova, Artem Tsypin, Tatiana Michina, Ouliana Tchekmeneva, Nadejda Koulakova, Elena Martinenko, Mikhail Nikolayev, Nadejda Jivoderova, Igor Nikolaev. 2 horas e 20 m.


1 comentário:

Frioleiras disse...

gostei......
de ler (e ficar a saber..)
este teu artigo!

Beijos lá em casa.