segunda-feira, março 31, 2008

SARAJEVO, IMPRESSÕES, II


a cidade velha
IMPRESSÕES DE UMA PASSAGEM RÁPIDA
POR SARAJEVO, II
O hotel Bósnia fica bem no centro de Sarajevo, numa das extremidades de uma pequena praceta, frente a um teatro, e não muito longe do Teatro Nacional, onde se representava Eugene O’Neil, “Longa Jornada Para a Noite”. É um hotel sem luxo, mas agradável, simples, eficaz, muito bem situado, onde descobri um chá de menta verdadeiramente delicioso. O café bósnio não é nada de desprezar, mas depois de ter provado este chá de menta (de origem marroquina certamente) neste hotel e também numa pastelaria aberta até tarde, perto da Avenida Tito, não mais quis outra bebida (enfim, uma forma de dizer!). Viajar é excelente para descobrir cidades, paisagens, gentes diferentes, mas também para saborear estes pequenos prazeres, de descobrir novos sabores, novas cores, novas formas, novos odores. Cada cidade parece ter o seu odor e, quando novo ainda, comecei a sair de Portugal, algo que nunca mais esqueci foram os odores de certas ruas de algumas cidades. O cheiro de Paris nada tem a ver com o de Londres, o de Nova Iorque é muito diferente do do Rio de Janeiro, os cheiros que levamos de Lisboa não se comparam aos de Amesterdão. É bom recordar odores de cidades, como é bom saborear à distância fragrâncias distintas. Procuro de loja em loja, nas ruas de Lisboa, um chá de menta igual ao que descobri em Sarajevo. O de “Mariage” aproxima-se, um outro de que não retive a marca, anda muito perto, um em saquinhos de pano, outro em folhas livres que se misturam na água, mas nenhum é o de Sarajevo. O Teatro Nacional
Hotel Bósnia, ou “Bósnia Hotel” como se lê no original, faz lembrar um romance de Graham Green, espionagem, corrupção, filmes de acção e mistério, e sente-se na cidade um pouco desse clima, muito embora a aparência seja da maior calma e pacatez. Mas há qualquer coisa a agitar-se por debaixo dessa passividade, sente-se, percebe-se que o local é, ou terá sido, um entrecruzar de informações confidenciais, de segredos disputados, de mistérios cultivados, em nome de interesses escusos. Quando se entra no Coloseum-Club, um casino que existe na margem esquerda do Miljacka, onde se joga nas maquinetas de moedas, iguais às de qualquer outro casino (até lá fui encontrar as Cleopatras da minha perdição, em Lisboa ou Estoril), a atmosfera é pesada. Não há muita gente, as salas são pequenas, o salão de jantar e de festas (e de espectáculos, preferencialmente de artistas dos Balcãs, percebe-se pelos cartazes antigos dispersos pelas paredes), assemelha-se aos velhos salões dos casinos portugueses, um pouco “démodée”, apesar de ser de construção recente, mas há um ar, uma atmosfera que relembra o “Rick’s Café American”, sem o perfume de Ingrid Bergman, nem o rasto de Bogart, apenas com a ameaça pendente. Jogam-se umas moedas e perde-se, como em todo o lado.
A ocidentalização é por aqui apressada nalguns aspectos, como o deve ter sido em toda a Europa de Leste. Por um lado havia, seguramente, o desejo de conhecer “o proibido” (nunca me esquecerei das camaratas de uma escola, em Bupapeste, em 1975, ainda em pleno regime comunista, com as paredes carregadas de posters da Coca Cola, da Lewis, do basquetebol americano, tal como havia Che Guevara, Lenine ou Mao Tsé Tung no Ocidente), mas também a avidez das multinacionais ocidentais em ganharem novos mercados. Depois há intermediários pouco escrupulosos, máfias que se instalam, e o resultado é uma sociedade híbrida, e um cheiro a crime organizado que tresanda. É verdade. Ou é a nossa imaginação a funcionar, em virtude do muito que se leu e se viu ou ouviu, ou é mesmo o sexto sentido a funcionar. Pressente-se corrupção, economia paralela, jogos viciados em todos os xadrezes.

Os Correios, uma estrutura adaptada que vem da era de Tito

Mas há ainda muita persistência de uma sociedade comunista que tinha marcas muito fortes, mesmo numa sociedade como esta que era tida como não alinhada. A hierarquia e o respeito, ou melhor não direi respeito, mas o terror inspirado pelos superiores é algo que se herdou e que ainda não se abandonou. Há medo na relação entre as pessoas, quando a diferença hierárquica existe. Quem manda é obedecido, cegamente, sem uma palavra de hesitação ou dúvida. Olham-se respeitosamente os chefes, os dirigentes, os que detêm qualquer tipo de poder, qualquer que este seja. Desde o dirigente político ao patrão da pastelaria, do dono da loja ao agente de autoridade. Vira o mesmo em Budapeste, durante várias visitas que efectuei na década de 70, para tomar conhecimento com a cinematografia húngara. Uma manhã, numa entrevista com o director da Húngaro Films, vi funcionárias em pânico para que tudo corresse bem e os cafés fossem servidos tal como o chefe ordenara, o que me retirou todas as esperanças naquela “sociedade sem classes”. Elas continuavam a existir e ali mais estratificadas do que no Ocidente. Em Sarajevo, quase vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, os sintomas mantêm-se. Manda quem pode, obedece quem está por baixo. As manifestações de protesto que se movimentam pela avenida Tito aos sábados de manhã agrupam meio milhar de tradicionais que parecem exercer um ritual semanal ou mensal, tal como ir à missa ou ao futebol. Um hábito, quase sem expressão. Ninguém parece por em causa o poder.
Curioso exercício de poder, diga-se de passagem. Há duas repúblicas federadas na Bósnia-Herzegovina e existem três Presidentes da Republica, que se vão revezando no exercício do cargo. Esta república presidencialista tripartida oscila entre um representante bósnio-muçulmano (bosníaco), um croata e um sérvio. De oito em oito meses, muda de Presidente, o que pode anular a ameaça de monotonia, mas deve causar alguma instabilidade nas instituições. O cargo de presidente é, pois, exercido em rotatividade pelos três membros da presidência da Bósnia e Herzegovina (um bósnio, um sérvio e um croata), ao longo do seu mandato de quatro anos na presidência. Os três membros da presidência são eleitos directamente pelo povo, com votos da Federação para o bosníaco e o croata, e da República Srpska para o sérvio. O presidente do Conselho de Ministros é nomeado pela presidência e aprovado pela Câmara dos Representantes. Depois, é ele quem nomeia os ministros do governo.
Servindo-me de informações colhidas na Wikipedia, “a Assembleia Parlamentar é o corpo legislativo da Bósnia e Herzegovina. Consiste de duas Câmaras: a Câmara dos Representantes e a Câmara dos Povos. A Câmara dos Povos inclui 15 delegados, dois terços dos quais provenientes da Federação (5 croatas e 5 bosníacos) e um terço da República Srpska (5 sérvios). A Câmara dos Representantes é composta por 42 membros, dois terços eleitos pela Federação e um terço eleito pela República Srpska.”
O Tribunal Constitucional da Bósnia e Herzegovina é o supremo e final árbitro nas matérias legais. É composto por nove membros: quatro são seleccionados pela Câmara dos Representantes da Federação, dois pela Assembleia da República Srpska, e três pelo Presidente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem após consultas com a Presidência.
O Palácio Presidencial, na Av. Tito
Muitos ilustres dignitários tentam manter privilégios antigos de sectores importantes da sociedade dita comunista. As forças armadas ou, melhor dizendo, o exército detinha um enorme palácio para seu deleite. Era o Army Hall, espécie de Casino, com ou sem jogo, não o sei, mas aberto a saraus mundanos e culturais, bailes, festividades diversas, que se dispersavam por grandes e majestosos salões, auditórios, salas e gabinetes de trabalho. O Army Hall mantém-se em funcionamento, e com idênticas funções, agora aberto ao público em geral. Foi lá, num muito simpático auditório para duzentas e tantas pessoas, que decorreu a exibição de obras minhas, do Frederico e a selecção de obras premiadas do Cine Eco 2007. A qualidade técnica não é má, o ecrã poderia ser um pouco melhor, a comodidade acima da média. Existe tradução para bósnio de todas as obras exibidas e efectuada pelo festival. O tradutor de “Manhã Submersa” e das outras minhas obras apresentadas, submergiu-me de elogios que me deixaram sem palavras.

O "The Army Hall" tomado pelo Festival de Inverno

O público era diversificado, alguns estrangeiros, meia dúzia de brasileiros, “que iam ouvir falar “português”, muitos jovens, algumas escolas, interessadas no festival certamente. No grande salão de festas do primeiro andar, à noite, uma dinamarquesa deu um concerto de jazz. No dia seguinte, a portuguesa Cátia Garcia e os seus guitarristas apresentaram um concerto de fado, “O Fado a 24 Imagens por segundo” (ou seja, um antologia de fados, revisitados, que apareceram em filmes portugueses). O palco era outro, num Centro Cultural com um auditório para uns impressionantes oitocentos espectadores, que não deixaram cadeiras vazias e aplaudiram entusiasticamente a nossa canção, obrigando a quatro “encores”. Curiosamente, entra-se nesta majestosa sala através de um pátio que mais parece um parque de estacionamento de automóveis. Subidas as escadarias, depara-se com um anfiteatro que ocupa internamente o espaço de um largo quarteirão. O sucesso foi tal que, à saída, havia público afirmando que tinha saído do “paraíso”. O fado e a canção portuguesa parecem ter sucesso garantido em Sarajevo. Falam-me do êxito de Madredeus, aqui há anos, e do de Joana Amendoeira, no ano passado.
Voltando às elites privilegiadas, é fácil perceber, vagueando pelas principais avenidas da cidade, e apesar de não se dominar a língua, quem eram os que beneficiavam dessas prerrogativas. Muitos edifícios ainda se encontram atribuídos às forças armadas, à polícia, ao governo, aos sindicatos… Alguns em funcionamento ainda. Mudaram-se certos dirigentes (há quem diga mesmo que não foram os dirigentes que mudaram, mas as suas políticas, para melhor se manterem onde estavam, acomodando-se), outros “actualizaram-se” e ajustaram-se à nova nomenclatura, mas o peso da herança, esse está lá, bem visível. Se houver vontade de ultrapassar o sindroma, vai levar anos e anos. Mas será que há essa vontade?
Os jovens ostentam no seu dia a dia uma atitude diferente, mais livre, menos preconceituosa, mas assimilam o contrário descontraidamente: os jeans dominam em 90%, a coca- cola anda na mão de muitos que transitam nas avenidas, os vários canais de televisão, estatal e privada, são do mais pimba que se possa conceber (mesmo para quem não conheça a língua), misturando muita cantoria estilo Festival da Canção, jogos vários, telenovelas mexicanas ou venezuelanas, filmes ocidentais de pancadaria ou dramas de fazer chorar a calçada, ao lado de um ou outro canal com preocupações mais culturais. O que não quer dizer que não gravem e exibam tudo quanto por lá passa. Falando do Festival de Inverno, tudo era gravado por diferentes canais de TV: conferências de imprensa, apresentações, concertos, debates, exposições, entrevistas de rua… A comunicação social também parece alinhar pelo mais fácil. Tablóides e revistas que relembram a imprensa cor-de-rosa cá do burgo. Dominam. Numa livraria muito especial fui comprar um jornal de cultura, que não deve ter muita difusão, e folheei uma revista cultural. Difusão restrita, obviamente.
À vista de todos, em todas as principais avenidas da cidade, ao lado da polícia, ou à sua frente, há expositores com dezenas e dezenas de títulos de filmes, concertos, desenhos animados, à venda, em DVDs piratas. Filmes bósnios (com legendas em inglês, muitos), filmes antigos, clássicos, e todos os que disputaram os Oscars uma semana antes. Os que não tinham selo, custavam vinte marcos convertíveis (cerca de dez euros), mas a maioria anda pelos 5 euros. Não há lojas onde se vendam DVD legais (pelo menos não as vi e perguntei por elas). “Haverá Sangue”, “Este País não é para Velhos”, “Juno”, “Sweeney Todd”, ou o último “Rambo”, “Ratatui” ou “Casablanca” adquirem-se por 5 euros, sem regatear. Um comprador queixava-se que “em cada dez comprados, só cinco funcionavam!” É a vida, rapaz!
Mas este estado ligeiramente “selvagens”, ou se preferirem, desregrado, simultaneamente irreverente e inquietante, leva a não haver qualquer tipo de restrições quanto a fumo, jogo, álcool, apesar de haver muitos restaurantes a asseguraram que não vendem bebidas alcoólicas. Não haverá nuns, haverá noutros, ao frequentador cabe escolher onde quer ficar. Nas ruas, os carros obedecem mal aos sinais, e quando cai o verde para acelerar, o melhor é mesmo não estar na frente, mesmo que se esteja nas barbas da polícia.
E, no entanto, quem sabe se por causa mesmo desta mistura agridoce de rebeldia e sofrimento, de paisagem geográfica e de património histórico, de vida cultural intensa e de pimbalhada à descrição, de culturas e civilizações entrecruzadas numa experiência fascinante e perigosa de convívio, quem sabe se por tudo isso, Sarajevo é terra que marca a nossa lembrança. Na viagem de regresso, a paragem no ultra moderno e ultra vigiado aeroporto de Munique, onde uma simpática portuguesa de Barcelos nos vendeu uma sandes e uma cola zero, assegurou a diferença e mostrou mais uma vez, se necessário fosse, que há muitos mundos dentro deste nosso mundo.

sexta-feira, março 28, 2008

SÂO MIGUEL DE SEIDE: MANHÃ SUBMERSA


Hoje, sexta-feira, 28 de Março de 2008, às 21, 30 horas, no auditório da Casa de Camilo Castelo Branco, em São Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, "Um livro, um Filme", com "Manhã Submersa". Lá vos espero, para uma conversa sobre o livro e o filme.

quinta-feira, março 27, 2008

DIA MUNDIAL DO TEATRO

Mensagem do Dia Mundial de Teatro de 2008,
escrita por Robert Lepage,

actor, encenador e dramaturgo canadiano.


"Existem várias hipóteses sobre as origens do teatro, mas aquela que me interpela mais tem a forma de uma fábula:Uma noite, na alvorada dos tempos, um grupo de homens juntou-se numa pedreira para se aquecer em volta de uma fogueira e para contar histórias. De repente, um deles teve a ideia de se levantar e usar a sua sombra para ilustrar o seu conto.
Usando a luz das chamas ele fez aparecer nas paredes da pedreira, personagens maiores que o natural.Deslumbrados, os outros reconheceram por sua vez o forte e o débil, o opressor e o oprimido, o deus e o mortal.Actualmente, a luz dos projectores substituiu a original fogueira ao ar livre, e a maquinaria de cena, as paredes da pedreira.
E com todo o respeito por certos puristas, esta fábula lembra-nos que a tecnologia está presente desde os primórdios do teatro e que não deve ser entendida como uma ameaça, mas sim como um elemento unificador.
A sobrevivência da arte teatral depende da sua capacidade de se reinventar abraçando novos instrumentos e novas linguagens. Senão, como poderá o teatro continuar a ser testemunha das grandes questões da sua época e promover a compreensão entre povos sem ter, em si mesmo, um espírito de abertura? Como poderá ele orgulhar-se de nos oferecer soluções para os problemas da intolerância, da exclusão e do racismo se, na sua própria prática, resistiu a toda a fusão e integração?
Para representar o mundo em toda a sua complexidade, o artista deve propor novas formas e ideias, e confiar na inteligência do espectador, que é capaz de distinguir a silhueta da humanidade neste perpétuo jogo de luz e sombra.É verdade que a brincar demasiado com o fogo, o homem corre o risco de se queimar, mas ganha igualmente a possibilidade de deslumbrar e iluminar."
Robert Lepage
Salas onde pode acontecer o fenómeno chamado Teatro:




segunda-feira, março 24, 2008

SARAJEVO, IMPRESSÕES, I

IMPRESSÕES DE UMA PASSAGEM RÁPIDA
POR SARAJEVO, I
Escrevo este texto com uma vulgar “uni-ball eye” azul, trazida de Lisboa, mas poderia estar a escrever coma uma esferográfica encrostada no interior de um invólucro de bronze de uma bala, que se encontram à venda em muitas das lojas turísticas da cidade velha de Sarajevo. Não preciso do recurso a essa evidência de relativo mau gosto para ter a presença da guerra à minha volta a cada passo que se dá na cidade. Alguns prédios estão já recuperados, outros, recentes, erguem-se imaculados, mas muitos ostentam feridas apenas tapadas com cimento de várias tonalidades, o que as deixa bem à vista, mas camufladas. Há, no entanto, ainda milhares de casas esventradas, ou com pequenas crateras nas suas paredes ou muros, ou salpicadas por buracos produzidos pelo impacto de balas e de granadas. Sarajevo é uma cidade única, por muitas razões, também por esta. Há pouco mais de dez anos combatia-se aqui, nesta rua por onde passo agora, e em qualquer outra, com uma ferocidade inimaginável. Quando, por essa altura, entre 1992 e 1995, li nos jornais relatos de matanças, quando me contavam os assassinatos aqui praticados por “snipers” que abatiam nas ruas indiferentemente homens, mulheres e crianças, estava longe de pensar vir alguma vez a caminhar por estas avenidas numa manhã de Inverno solarenga. Pacificamente. Como se nada tivesse acontecido, por um lado, mas com a imagem da guerra, da dor, do sofrimento, da morte perante mim, em cada prédio, em cada rosto. O paradoxo completo.
Mas os bósnios são gente com uma longa tradição de convivência pacífica entre povos diversos e diferentes religiões, mas também de exacerbadas reacções violentas. Foi aqui mesmo, nesta esquina de uma rua de Sarajevo, ao lado de uma pequena e elegante ponte sobre o rio Miljacka que atravessa toda a cidade, que o jovem estudante Gavrilo Princip, pertencente ao grupo político nacionalista “Jovem Bósnia (Mlada Bosna)”, desferiu tiros fatais sobre Franz Ferdinand von Österreich, arquiduque da Áustria-Hungria, e sua mulher, a princesa Sofia, Duquesa de Hohenberg, grávida. Este assassinato iria desencadear o início da I Guerra Mundial, um mês depois. Agora há lápides no chão e nas paredes, um pequeno “Museu de 1914, Assassinato em Sarajevo” e uma fila de turistas e curiosos a espreitar a pistola que lançou as balas que mudaram a trajectória do mundo, no dia 28 de Junho de 1914, ou a olhar um excerto de um filme com Christopher Plummer (Arquiduque Ferdinand), Florinda Bolkan (Sofia), Maximilian Schell (Djuro Sarac) e Irfan Mensur (Gavrilo Princip), uma realização do jugoslavo Veljko Bulajic, que recebeu em Portugal o título “Aquela Vermelha Manhã de Junho” (Sarajevski Atentat), uma co-produção jugoslava, checoslovaca, húngara e alemã federal (o que o mundo mudou depois de 1975, data da produção deste filme!).
Mas este episódio não foi infelizmente único na história da cidade. Por aqui passaram depois fascistas, nazis, comunistas, até se chegar à independência em 1990, após a queda do Muro de Berlim e ao desfazer do império soviético. Nada do que ficou para trás foi pacífico. Os nazis recrutaram aqui milhares e milhares de judeus para os seus campos de extermínio, o que se compreende, pois durante cinco séculos os judeus se refugiaram nestas terras, fugindo das perseguições que se lhes movia pela Europa e fora da Europa. Julgavam estar a salvo, o que foi uma realidade até à chegada de Hitler ao poder. A anexação dos Balcãs trouxe a perseguição de novo e o genocídio.
Com os comunistas a tolerância imperou de alguma forma. Tito foi de todos os dirigentes comunistas do Leste Europeu, aquele que procurou manter alguma distância para com Moscovo e alinhavou uma neutralidade de “não alinhado”, que ainda hoje deixa saudades, ao que dizem e pelo que se vê. Estátuas que se mantêm erguidas, estrelas vermelhas, t-shirts com a esfinge do estadista, ruas e locais com o seu nome. Uma das maiores avenidas, chama-se Tito. Muito poucos parecem desejar o seu regresso, mas não serão também muitos com contas a acertar com Tito. Reservam-lhe um lugar no panteão da memória e pronto. Contas saldadas.
Contas saldadas parece ser o que há mais por aqui. O que veio a seguir à independência foi de tal forma brutal que as pessoas não riem facilmente, não querem mais nada do que viver. Viver e deixar viver. Ninguém parece interessado em tirar desforço, vingar, ajustar contas. Para horror chega o que já passou. Sarajevo parece agora uma cidade pacífica, calma, tolerante, cordata. Numa das ruas principais, que nos leva até à cidade velha, começamos por ter junto a um jardim a Igreja Ortodoxa Sérvia, a seguir passamos pela Catedral Católica, um pouco mais adiante uma imponente Mesquita Muçulmana cujas preces se estendem por vários quarteirões, e não muito longe uma Sinagoga Judaica. E assim por diante. Para todos os credos.
Nas ruas há rapazes e raparigas de cabelos soltos, louros, escuros, castanhos, foulards islâmicos, hijabs, chadors e burcas de todas as cores e todos falam entre si, sem hesitações. Mas sabe-se como são estas questões de Fé. Basta um rastilho e cada um reclama para si “a Verdade”. É bonito ver esta harmonia, mas sente-se que se caminha sobre um barril de pólvora ou um vulcão. Não tanto na gente mais nova, mas entre os que já passaram os trinta ou os quarenta anos. Numa conferência de imprensa do Sarajevo’s Winter Festival em que a delegação portuguesa era apresentada aos meios de comunicação social bósnios, um padre católico apresentou igualmente uma exposição de artistas plásticos organizada contra a fome. Bastou uma palavra fora do contexto, que obviamente não sei qual foi, pois não domino a língua local, para levar uma jornalista a replicar com azedume. O director do festival explicar-me-ia depois o caso, confirmando as suspeitas. A jornalista agastada, protestava. A Fé tem destas coisas e deixa pouco lugar à tolerância. É a Fé que impõe a discórdia. Quem tem Fé, quase sempre é cego para a Fé dos outros, pois que a sua Fé é a certa, ou não seria a sua Fé. A Fé implica, de certa forma, intransigência. Se temos Fé em algo é porque acreditamos esse algo ser único, autêntico e verdadeiro. Logo… O mesmo não se pode passar com outros. Idolatras que se encontram enganados e a quem é preciso chamar para a nossa Fé, ou aniquilar para não propagar heresias. Há sempre a tendência para alargar a nossa Fé e anular a dos outros, pois se a Fé dos outros não é autêntica, já que autêntica é a nossa. É tão fácil tentar fazer progredir a “Verdade”, a “nossa Verdade”, e anular as falsificações. Logo, viver em harmonia, em terra de diferentes Fés é difícil, mas absolutamente espantoso de surpreender. Aconteceu por estes dias em Sarajevo. Ouvir na rua as rezas dos muçulmanos que se erguem das suas mesquitas, e ver, logo ali ao lado, os católicos e os ortodoxos, os judeus e outras minorias co-habitarem civilizadamente foi uma experiência inesquecível e uma lição para todos e para o futuro. Não é difícil viver em comum, basta respeitar e ser respeitado. Não agredir. Mas, como é precária esta harmonia. Basta um dia alguém achar que é uma agressão ouvir, sem o querer, as rezas dos muçulmanos que se nos impõem pelas ruas. Um exemplo apenas.
Agressão foi o que aconteceu durante três anos e meio em Sarajevo. Depois das diferentes independências que resultaram do desmembramento da Jugoslávia de Tito, sete estados e duas autonomias, a Sérvia e a Croácia disputaram o território da Bósnia. Os bósnios não esquecem um embaixador português que dizem estar por detrás da assinatura desse tratado de futura divisão da Bósnia e Herzegovina. O pretexto para o ataque de 1992 foi o facto de haver no território bósnio uma parcela habitada quase exclusivamente por sérvios, que pretendiam que esta terra fosse anexada à nação sérvia. Os bósnios retorquiam com o argumento da região pertencer ao seu país, que os sérvios podiam lá viver livremente e pacificamente, mas que não podiam levar o território consigo para outro país. Foi quanto bastou para a Sérvia, dirigida pelo presidente Milosevic, sitiar Sarajevo durante mais de três anos. Obviamente que nada disto é tão simples como se conta. Milosevic procurava manter o máximo da unidade política da Jugoslávia de Tito, os países que se iam “libertando” do jugo sérvio estavam apoiados por americanos e europeus, que pretendiam precisamente o contrário, dividir a Jugoslávia de Tito para melhor reinar. Não causa por isso qualquer surpresa saber-se que Milosevic acabaria no Tribunal Internacional de Haia, acusado como criminoso de guerra, contra uma ajuda financeira à Sérvia de 1,300 milhões de dólares de ajuda para a reconstrução. Vá-se lá saber quem tem razão ou deixa de a ter, numa história mal contada por todos os lados e onde todos parecem não sair bem no retrato. Não foi no entanto a raia miúda, a que morreu aos milhares, quem começou a guerra.
Como a cidade fica num vale, atravessada por um rio, e rodeada por pequenas montanhas, os sérvios colocaram as suas peças de artilharia no alto dos montes e bombardearam sistematicamente a cidade. O cume das montanhas fica a meia dúzia de quilómetros do centro da cidade. Era fácil acertar no que se queria. Assim foi. Durante mais de três anos. Mas atiradores isolados iam matando a seu belo prazer pela cidade tudo quanto mexia no local errado à hora errada. Fala-se em milhares de crianças mortas assim, a atravessar a rua, a sair de casa. Não já um crime, uma vergonha para a Humanidade. Em finais do século XX, na Europa. Até onde pode chegar a barbárie. “Une folie!”, não se cansa de repetir Ibrahim Spahic, director do Sarajevo Winter Festival.
Nessa altura este festival já exista há muito. Continuou a existir, não prescindindo dos seus convidados estrangeiros. Digam-me então, se sonharem, como se introduziam as companhias e orquestras que iam do exterior, para representar e tocar no meio das ruínas (há fotografias do facto e mesmo cartazes do Festival a testemunharem-no)? Companhias de teatro como as de Avignon não se recusavam a ser convidadas e evitavam que o isolamento de Sarajevo fosse total, penetrando na cidade através de um túnel subterrâneo, com entradas e saídas secretas que colocavam os intérpretes no meio de improvisados palcos, perante selectas assistências que, nem o isolamento nem a penúria impediam de trajar de cerimónia. Saíam depois pelo mesmo túnel directamente para o aeroporto. Dizem-me que as mulheres podiam não ter de comer, mas não abdicavam de se pintar e maquilhar com primor, não só para as cerimónias, mas todos os dias.
Chegamos então às mulheres. Muito haveria a dizer. Hoje em dia parecem o lado mais voluntarista da sociedade bósnia. São as mais modernas a vestir, as mais desenvoltas a andar, as mais altivas no olhar, as mais desempoeiradas no comportamento. Dir-se-ia que levam tudo à sua frente, apesar de estarem numa situação algo fragilizada frente aos homens: há sete mulheres e meia para cada homem neste país vindimado pela guerra. São elas, porém, que riem e gracejam, sobretudo as mais jovens, são elas que se passeiam por ruas e avenidas, jardins e esplanadas, são elas quem usa o cabelo solto ou preso numa hijab ou numa burca. Há muçulmanas que conseguem mesmo fazer sobressair os seus belos olhos, azuis, esverdeados, castanhos ou pretos, com tecidos de tons variados que lhes moldam a cabeça e condizem com a cor dos olhos. Todas se esforçam por ter corpos esculturais, e não se escusam no galanteio – “os portugueses são todos assim?”, perguntava uma simpática guia que se lamentava de só nós sermos “normais”, lastimando que os japoneses não saíssem dos quartos do hotel e de os nórdicos quase não falarem.
Almira é uma jovem empregada num restaurante onde se come uma excelente sopa tradicional, “bed soap”, uma canja com legumes e um molho branco que deve ter natas e algo mais. Depois vem o “cevapi”, pequenos rolos de carne picada, que se apresentam no interior de um pão muçulmano. Come-se enquanto se bebe um iogurte, não doce, que combina magnificamente. A gastronomia é boa. Almira tenta explicar-me como se faz, a mim que sou um aprendiz de cozinheiro cheio de vontade de aprender e experimentar. Como sairá a canja que um dia destes irei tentar? Almira ri. Tem vinte anos e não viveu a guerra. Os pais estavam na Alemanha e foi lá que soube da tragédia. Almira ri. Soube da tragédia ao longe e quando voltou, voltou para a reconstrução. Mirsada, que nos foi buscar ao aeroporto, em nome da organização do festival, olhos doces e vestida a rigor, um rigor demasiado hirto, composto, sem uma mácula, vinte e dois anos inicialmente de poucas falas, não conheceu também na pele o horror da guerra. Não é de Sarajevo, passou a infância numa aldeia longe da capital, e depois estudou na Alemanha. Eva, que serviu de intérprete na conferência de imprensa, porque percebia um pouco de espanhol (tivera um amigo ou namorado espanhol), também não passou a juventude em Sarajevo. Com maior ou menor dificuldade, todas conseguem rir, todas conseguem contar um pouco da sua vida. Mas os mais velhos, esses que conheceram os tempos duros do comunismo – mesmo não alinhado – e os anos de horror da guerra, esses dificilmente sorriem sequer. Um antigo coronel da Jugoslávia de Tito, hoje reformado (e desempregado, gosta de acrescentar), conduz o carro do director do festival que nos leva a conhecer a neve e a estância de desporto de Inverno, bem já no interior da República Sérvio-Bósnio da Srpska, onde decorreram os Jogos Olímpicos de Inverno de 1984, hoje uma das coroas de glória dos bósnios que se continuam a orgulhar dessa realização. Cara fechada, fala pouco, mas conserva um ar doce. O passeio é deslumbrante, a neve aumenta de volume à medida que se sobe na estrada, os efeitos são de cortar a respiração de um lado e do outro da estrada, com a vegetação sublinhada a branco, o verde a esconder-se, os imponentes troncos das árvores a imporem uma dignidade sem mácula. Lá no cimo, os hotéis são excelentes e convidam ao descanso. O coronel, porém, passa por casas devastadas à saída de Sarajevo, e explica por onomatopeias – “Bum! Bum! Bum!”. Não sorri. Apenas esboça um olhar nostálgico que o transforma a si e ao seu enorme físico num prazenteiro urso de peluche. Com a alma destruída pelo muito que viu. Mas quando nos diz, apontando o peito, que é Jugoslavo, e nós lhe respondemos, tocando no nosso peito, que somos portugueses, abre-se num sorriso e num abraço, enquanto grita “Luís Figo!”

sábado, março 22, 2008

PÁSCOA

ATÉ QUANDO, PÁSCOAS DESTAS?
No Tibete


No Iraque




PÁSCOA FELIZ?

segunda-feira, março 17, 2008

BÁRBARA GUIMARÃES, VAVADIANDO


4,5 MILION EURO!!

De michael boga recebi agora mesmo esta mensagem:
Hello please, I know this may sound strange to you , receiving a mail from an unknown person, but condition forced me to do that. I sent to you this email proposing to you my intentions to transfer my heritage of 4.5 MILLION EURO to your country for investments to enable me continue my studies. I therefore wish to hear from you for an urgent response. Thank you for your comprehension. MICHAEL BOGA.
Alguém interessado?
Como é possível haver ainda alguém a cair em coisas destas? Haverá? Se não houvesse não se escreveriam mensagens destas.

domingo, março 16, 2008

FAMAFEST 2008: PRÉMIOS

Festival de Famalicão atribuiu
Grande Prémio ao filme
"Encontro com Milton Santos"

Encontro com Milton Santos- Grande Prémio

Famalicão, 15 Mar (Lusa) - O Júri Internacional do Famafest 2008, Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Vila Nova de Famalicão, atribuiu o Grande Prémio ao filme "Encontro com Milton Santos", de Sílvio Tendler, do Brasil, disse hoje à Lusa o responsável pela iniciativa.
O cineasta Lauro António adiantou ainda que "o filme, que versa a vida e obra de um dos mais importantes sociólogos brasileiros, aborda o tema da globalização e do seu impacto em países como o Brasil".
"Sílvio Tender já tinha feito parte do júri do Famafest e disse-me hoje que o prémio lhe abre portas para o documentarismo noutros países, nomeadamente na Europa", referiu.
Na opinião de Lauro António, "o Festival demonstrou que o documentarismo português, nomeadamente o ligado à literatura, atingiu um patamar de grande qualidade, que surpreendeu toda a gente, nomeadamente o presidente do júri o realizador português, Fernando Lopes".
Terra Sonâmbula - Grande Prémio da Lusofonia "Manoel de Oliveira"
O júri do Festival - que tem como tema o de "Cinema e Literatura" - entregou o Grande Prémio da Lusofonia, - que ostenta o nome de Manoel de Oliveira - ao filme "Terra Sonâmbula", de Teresa Pratas (Portugal), o Prémio "Ficção", a "Monsieur Max", de Gabriel Aghion (França), o de "Documentarismo" - ao conjunto das obras de António José de Almeida (Portugal), e o de "Ficção Jovem", a "Deus Não Quis", de António Ferreira (Portugal).
O júri é constituído por Fernando Lopes, realizador (presidente), Uxia Blanco, actriz (Espanha), Maria das Graças, actriz (Brasil), Anxo Santomil (director Cinemas Dixitais, Espanha), Otelo Saraiva de Carvalho, militar na reforma, Valter Hugo Mãe, escritor, e Filipa Macedo Baptista, antropóloga.
Monsieur Max -Grande Prémio do Juri da Juventude
Por seu lado - acrescentou -, o Júri da Juventude, constituído por Ana Bilbao, Andreia Saraiva, Carla Carvalho, Cátia Oliveira, Helder Magalhães, Helder Silva, Isabel Dias, Isabel Coelho, José Cardoso, Maria Marlene Campos e Sara Sampaio, alunos de escolas e universidades portuguesas no domínio do cinema e da comunicação social, atribuiu o Grande Prémio da Júri da Juventude, à película "Monsieur Max", de Gabriel Aghion (França), o de "Ficção", a "O Mistério da Estrada de Sintra", de Jorge Paixão da Costa (Portugal) o de "Documentarismo", ao filme "Encontro com Milton Santos", de Silvio Tendler (Brasil), e o de "Curta-metragem", à obra "Deus Não Quis", de António Ferreira (Portugal).
O Prémio Especial do Júri da Juventude distinguiu o conjunto das obras apresentadas pela produtora Panavídeo (Portugal).
Dos 35 filmes apresentados a concurso, dezanove eram de produção nacional, vindo as restantes películas da França, Brasil, Noruega, Estados Unidos, Egipto, Israel, Inglaterra, Índia, Bélgica, Moçambique e Canadá.
"Ao todo, durante os nove dias do Festival foram projectados mais de uma centena de filmes, em diversas salas de cinema, nomeadamente na Casa das Artes, Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, e Centro de Estudos Camilianos, em Seide S. Miguel", adiantou o realizador.
O Festival, que decorreu entre 8 e 16 de Março, com entrada livre em todas as sessões, teve uma assistência de 17 mil pessoas.
Para 2009, e além de novos filmes e realizadores, está já a ser programada a realização de uma grande gala do cinema e do documentário.
© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A. / 2008-03-15 20:40:01

sexta-feira, março 07, 2008

SARAJEVO, AQUI ESTOU, II

O Fado en 24 Imagens por Segundo Confraternização após um tremendo sucesso
nos jornais do dia seguinte
no dia do Cine Eco, plantar uma árvore com Ibrahim Spahic
manifestação em Sarajevo

num café da cidade velha

numa estãncia de inverno da zona sérvia da Bósnia (onde aconteceram os Jogos Olimpicos de 1984)

quinta-feira, março 06, 2008

SARAJEVO, AQUI ESTOU

no Army Hall, as retrospectivas e o dia do Cine Eco
na conferência de imprensa
na apresentação da Manhã Submersa

nos ensaios para a noite de Fado

na rua, olhares gulosos