terça-feira, julho 26, 2011

FESTIVAL DE AVANCA, 2011

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 DEBATE SOBRE CINEMA E CENSURA
Leonor Areal, CIMJ, Centro de Estudos Media e Jornalismo, Universidade Nova de Lisboa  (“A Censura no Cinema Português: um estudo caso - Manuel Guimarães”), Ana Bela Morais, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (“A censura ao corpo nos primeiros anos do governo de Marcello Caetano”), Lauro António, que moderou a sessão, Paulo Cunha, CEIS20, Universidade de Coimbra, ("Uma Censura depois da extinção da Censura: o caso dos filmes eróticos e pornográficos (1974-76)").

quinta-feira, julho 14, 2011

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2011 - 4

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 Notas Rápidas

CHEF (Chefe), com texto a partir de “Uma Modesta Proposta”, de Jonathan Swift, com a colaboração de Guillermo Calderón. Encenação de Jaime Lorca. Produção do Tearo Viaje Inmóvel, Santiago do Chile | Chile.

Um chefe de cozinha em apuros económicos resolve concorrer a um “reality show”, na televisão, para ultrapassar a crise. Mas a televisão quer espectáculo e “receitas” cada vez mais inusitadas. Que tal propor a venda dos bebés dos pobres para alimento de excelência dos ricos?  A ideia não é nova, noutro contexto, visando a Irlanda do seu tempo, já tinha sido dada por Jonathan Swift, num texto provocatório, de nome “Uma Modesta Proposta”. Escrita, dirigida e protagonizada por Jaime Lorca, “Chef” é uma tragicomédia sobre as fraquezas e as obsessões da natureza humana, através de uma sátira corrosiva à sociedade contemporânea, tendo a gastronomia e a televisão como pretexto para abordar o tema da fome no mundo e da desigualdade social cada vez mais gritante.
O cenário é uma cozinha decadente. O actor é Jaime Lorca, excelente. A encenação é inventiva e ácida, controlada ao milímetro, num espaço criteriosamente desenhado para cumprir a função. O resultado: um grande espectáculo de teatro político, onde se castigam os costumes através do riso.
Jaime Lorca já é um velho conhecido do Festival de Almada. Em 1996, o seu espectáculo “Viagem ao Centro da Terra” foi eleito como “Espectáculo de Honra”. Em 2007, “Gulliver” viria a obter a mesma distinção. Ele animou e dirigiu durante dezoito anos o projecto “La Troppa”, a que se segue es “Viaje Inmóvil”.

Intérpretes: Daniela Montt, Jaime Lorca; Cenário: Carlos Rivera, Rodrigo Ruiz, Manuel Paredes; Figurinos: Loreto Monsalve; Desenho de luz: Tito Velásquez; Desenho de som: Antonio Palácios; Música: Juan Salinas; Fotografia: Cláudio Pérez; Ass. de dramaturgia e direcção de actores: Cristián Ortega; Produção: Andrea Gutiérrez Travesía Producciones; Língua: Espanhola; Duração: 1H10. 


AMNÉSIA (Amnésia), de Jalila Baccar e Fadhel JaÏbi; Encenação de Fadhel Jaïbi; Criação do Teatro “Familia Productions”, Tunes (Tunísia).

Em 1994, o Festival de Almada apresentou “Família”, onde se revelou um grupo tunisino desconhecido na Europa. Voltaram em 1997 e em 1999, e agora Fadhel Jaïbi regressa com o grupo e “Amnésia”. Em boa hora. Trata-se de um espectáculo absolutamente inesquecível, com onze actores magníficos, num cenário vazio, apenas acompanhados por cadeiras e alguns outros (poucos) adereços, onde nos contam uma história “edificante”, sobre um chefe político de um qualquer país africano (não seria a própria Tunísia?) que, na noite do seu aniversário, sabe pela televisão que foi destituído do Governo. O partido a que pertence substitui-o por outro (certamente igual a ele, tão déspota e corrupto como), e ele é preso e colocado em residência fixa. Tenta fugir para o estrangeiro e é impedido. Fechado na sua biblioteca, fica queimado quando esta arde e é posteriormente internado num hospício por mostrar “sinais de confusão mental”. Tudo como mandam as regras.
Também como mandam as regras (estas as cénicas) funciona este belíssimo e vigoroso espectáculo, com actores que se multiplicam em papéis e oferecem um autêntico vendaval de obsessivo rigor e invenção. Magnífico jogo de luzes e de música valorizam uma marcação sóbria mas fulgurante. Entusiasmante.
Vamos às notas colhidas no Festival de Almada: Fadhel Jaïbi (n. 1945) é encenador, autor, realizador e um nome fundamental do teatro árabe contemporâneo. Fez os seus estudos em França (1967/1972) e dirigiu o Conservatório de Arte Dramática da Tunísia entre 1974 e 1978. Em 1976, fundou com Jalila Baccar a companhia “Nouveau Théâtre” de Tunis e, em 1993, “Familia Productions”. Em 2003, o realizador tunisino Mahmoud dedicou-lhe o documentário “Fadhel Jaïbi, un Théâtre en Liberté”. Quanto a Jalila Baccar (n. 1952) é actriz de teatro, de cinema e de televisão e, desde 1976, acompanha Fadhel Jaïbi em todas as suas criações, sendo muitas vezes co-autora dos seus textos: é o caso, nomeadamente, de “Comedia” (1991), “Família” (1993), “Les Amoureux du Café Désert” (1995) e, agora, “Amnésia”. No cinema, foi dirigida, entre outros, por Nicolas Klotz e Randa Chakal Salbag.”

Intérpretes: Jalila Baccar, Fatma Ben Saîdane, Sabah Bouzouita, Ramzi Azaiez, Moez M’rabet, Lobna M’lika, Basma El Euchi, Karim El Kefi, Riadh El Hamdi, Khaled Bouzid, Mohammed Ali Kalaî; Cenário: Kaîs Rostom; Figurinos: Anissa B’diri; Desenho de luz: Fadhel Jaïbi; Música: Gérard Hourbette; Dramaturgia: Jalila Baccar, Fadhel Jaïbi; Ass. de encenação: Narjes Ben Ammar; Ass. de figurinos: Jalila Madani; Operação de luz:  Naîm Zaghab; Língua: Árabe, legendado em português; Duração: 2H00. 


A RAINHA LOUCA, Ópera de Alexandre Delgado; Libreto de Alexandre Delgado, a partir de “O Tempo Feminino”, de Miguel Rovisco; Direcção musical de Alexandre Delgado; Encenação de Joaquim Benite; Criação do Centro Cultural de Belém e Festival de Almada, Almada, Lisboa (Portugal).  

Excelente criação da ópera “A Rainha Louca”, com música e libreto (a partir de “O Tempo Feminino”, de Miguel Rovisco), da inspirada responsabilidade de Alexandre Delgado, e encenação de Joaquim Benite. “A Rainha Louca” é D. Maria I, que vamos encontrar, no fim da vida, enclausurada na sua dor e loucura. Estamos no final do século XVIII, a Rainha ainda não partiu para o Brasil, onde iria morrer, lamenta a sua má sorte, os funestos acontecimentos em Portugal, e em França, a braços com uma revolução que cortou a cabeça à realeza. Tem à sua cabeceira uma criada negra, Rosa, e a rígida Duquesa de Lafões. É visitada por quatro damas da corte que lhe traçam um retrato pitoresco e delirante da realidade social portuguesa da altura. Uma das damas parece adormecida até se descobrir que está morta. A morte perpassa por estas salas sem janelas.
D. Maria I é vista sob um duplo prisma, ora se sublinha o seu amor às artes e às letras, à educação, como a sua loucura e fanatismo. Mas na hora da morte, José Bonifácio da Silva exaltou “o nobre carácter, o bondoso coração, a prudência de entendimento e a constância de ânimo.” A ópera interessa-se mais pelo retrato da rainha como reflexo de uma época.
A partitura musical é riquíssima e exemplar. As vozes das sopranos e meio soprano são belíssimas (pena não se perceber melhor o texto, que é de boa qualidade) e a encenação de Joaquim Benite sublinha o essencial, com rigor e inventiva, num cenário austero, onde explode a melodia e as paixões abafadas.
Notas do Festival: Compositor e violetista, Alexandre Delgado (Lisboa, 1965) estudou na Fundação Musical dos Amigos das Crianças e foi aluno de composição de Joly Braga Santos e Jacques Charpentier. Tem composições suas para música de câmara, música concertante e música vocal. Autor da ópera de câmara O Doido e a Morte, venceu o 1.º prémio do Conservatório de Nice em 1990 e o Prémio Jovens Músicos em 1987. É director do Festival de Música de Alcobaça.
Director do Festival de Almada (que criou há 27 anos) e da Companhia de Teatro de Almada, Joaquim Benite, desde o seu primeiro espectáculo em 1971 (“O Avançado-centro Morreu ao Amanhecer”, de Agustin Cuzzani), encenou mais de uma centena de peças de autores portugueses e estrangeiros. Em 2008, dirigiu, para o Teatro Nacional de São Carlos, a ópera de Mozart “La Clemenza de Tito”. Como reconhecimento público da sua vasta e rica carreira possui numerosas distinções: é Comendador da Ordem do Infante D. Henrique e da Ordem do Mérito Civil de Espanha, e Cavaleiro da Ordem das Artes e das Letras de França. Possui ainda a Medalha de Honra da Cidade da Amadora, a Medalha de Ouro da Cidade de Almada, a Medalha de Mérito do Distrito de Setúbal e a Medalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura.

Intérpretes: Sopranos Ana Ester Neves, Ana Paula Russo e Teresa Cardoso Meneses, Meio-soprano Maria Luísa de Freitas, e a actriz Nilma Santos, OrchestrUtopica;  Correpetidores João Paulo Santos, Jan Wierzba; Cenário e figurinos: Jean-Guy Lecat; Desenho de luz: José C. Nascimento; Col. Coreográfica: Jean Paul Bucchieri; Dir. de montagem: Carlos Galvão, Guilherme Frazão; Caract. e cabeleiras: Sano de Perpessac; Ass. de encenação: Rodrigo Francisco; Ass. de cenografia e figurinos: Joana Ferrão; Ass. de produção: Paulo Mendes; Língua: Português; Duração 1H15. Estreia absoluta.

quarta-feira, julho 13, 2011

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2011 - 3

 
A “Commedia dell’Arte” no cinema
 
Pode dizer-se que as relações entre o teatro e o cinema têm sido muito frequentes, desde o aparecimento do cinema, mas sobretudo, e compreensivelmente, desde o sonoro. Diga-se que nem sempre com bons resultados, pois se desde sempre o teatro foi considerado arte nobre, o cinema iniciou-se como divertimento de feira que foi buscar alguma legitimidade cultural ao adaptar, ou melhor dizendo “ilustrar”, peças de renome para este novo meio de expressão. Mas se o teatro sempre esteve de mãos dadas com o cinema, a verdade é que a “Commedia dell’ Arte” nunca despertou um verdadeiro entusiasmo entre os cineastas, com raras e honrosas excepções. A que se deve este divórcio, não se percebe totalmente, mas talvez se possa encontrar alguma explicação no facto da “Commedia dell’ Arte” ter algumas características que a afastam do cinema. Enquanto a “Commedia dell’ Arte” parte do fixo (texto e personagens) para a improvisação, o cinema parte da representação para a fixar num registo inalterável.
Sendo popular e vivendo do improviso, itinerante e taxativa nas suas personagens típicas, a “Commedia dell’ Arte” não parece enquadrar-se bem no que costuma ser “a adaptação cinematográfica de uma peça de teatro”. Não existindo propriamente peças, antes temas que as personagens vão desenvolvendo ao longo de cada representação, muitas vezes interagindo directamente com o público, difícil será haver adaptações ao cinema, com excepção de uma ou outra obra de Molière ou Goldoni.
Mas o tom e o espírito da “Commedia dell’ Arte” não deixou de estar patente, e ao seu jeito ser homenageado, nalguns títulos inesquecíveis da sétima arte. Desde logo em “Os Rapazes da Geral” (Les Enfant du Paradis), de Marcel Carné (França, 1945), com Arletty, Jean-Louis Barrault, Pierre Brasseur, onde o tema permitia abordar a Ocupação Nazi da França, o que transformou os três anos de rodagem quase clandestina numa verdadeira epopeia. Obra-prima incontestável, que Truffaut um dia disse trocar a realização dos seus trinta e tal filmes pela possibilidade de assinar este, acaba por ser um hino ao amor e ao teatro. Como se diz na obra, “Les Enfants du Paradis” ne sont pas beaux, ils sont heureux, tout simplement ».
Outra obra-prima chama-se “A Comédia e a Vida” (Le Carrosse d’ Or), de Jean Renoir (França, 1953), com Anna Magnani, magnífica reconstituição da vida de uma companhia teatral por terras da América Latina, inspirada livremente em “Carrosse du Saint Sacrement”, de Prosper Mérimée. Renoir lança-se num retrato voluptuoso e feérico, visualmente esplendoroso, tendo como base o teatro e, sobretudo, a “Commedia dell’ Arte” com as suas convenções e liberdade, interpelando a sempre sugestiva dualidade entre a arte e a vida. Anna Magnani resplandece, num papel feito à sua medida.
“Scaramouche”, de George Sidney (EUA, 1952), com Stewart Granger, Janet Leigh e Eleanor Parker, é outro clássico que não se pode esquecer. Integrando-se no género do filme de aventuras, de capa e espada, tão popular nos anos 50, “Scaramouche” não deixa de evocar uma companhia de teatro da “Commedia dell’ Arte”, sendo a personagem central um epígono de uma das figuras típicas desse género teatral.
“Cyrano de Bergerac”, do francês Jean-Paul Rappeneau (França, 1990), com Gérard Depardieu, Anne Brochet e Vincent Perez, é seguramente a melhor versão da vida aventurosa do célebre poeta e actor Hercule-Savinien de Cyrano de Bergerac (6.III.1619 – 28.VII.1655), que Edmond Rostand tornaria imortal com a sua peça de 1897. Anteriormente já Mel Ferrer, nos EUA, havia interpretado o papel, numa obra homónima de 1950. O mesmo herói inspirara “Roxanne”, que Fred Shepsi (EUA, 1987) actualizaria para os nossos dias, numa versão curiosa, interpretada por Steve Martin e Daryl Hannah.
Molière conta igualmente com duas criações da sua vida que se cruza obviamente com a “Commedia dell’ Arte”. Uma dirigida pela encenadora Ariane Mnouchkine (França, 1978), que depois de montar o seu espectáculo nos palcos franceses o levou ao cinema com igual sucesso. Interpretado por Philippe Caubère, Marie-Françoise Audollent e Jonathan Sutton, este “Moliére” é indispensável para quem goste de cinema e teatro. Uma nova obra sobre o mesmo dramaturgo surgiu em França em 2008, com assinatura de Laurent Tirard e Roman Duris no papel de Molière.
Para os interessados, pode ainda citar-se algumas incursões operáticas. “Cyrano de Bergerac”, ópera de Fraco Alfano, com libreto de Henri Cain, segundo Edmond Rostand, de que conhecemos com a interpretação de Roberto Alagna (França, 2005) e a celebérrima “Cosi Fan Tutti”, de Mozart, ópera bufa em dois actos, numa curiosa versão do “Teatro de Marionetes de Salzburgo”, com a Orquestra Sinfónica de Londres, apresentação de Peter Ustinov, com Teresa Berganza e Pelar Lorengar.

domingo, julho 10, 2011

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2011 - 2

Notas rápidas


5. ICH SCHAU DIR IN DIE AUGEN, GESELLSCHAFTLICHER VERBLENDUNGSZUSAMMENHANG! (Olho-te nos olhos, contexto de ofuscação social!), de René Pollesch, com texto e encenação de René Pollesch. Criação do Volksbühne Am Rosa-Luxemburg –Platz Berlim (Alemanha).
Um palco aberto, sem cenários. Um piano e uma bateria ao fundo. Um actor. Vestido, despido, só de cuecas, ora fala ora evolui em silêncio, ora atira com a roupa e os sapatos para a plateia, ora invectiva os espectadores, ora filosofa sobre a essência da vida. Ora toca piano, ora ataca a bateria, ora evolui com uma laçada de balões ora é içado por uma gigantesca bola luminosa. “O teatro não é a sombra da vida”, começa por dizer, com o que parece arrumar com uma certa ideia de teatro representação da realidade.
Este exercício para um actor só pode parecer de início provocação gratuita. Não o é, descobre-se à medida que o tempo passa e as reflexões filosóficas, bem ao estilo alemão, se vão adensando. É provocação, bem humorada e por vezes irada, mas o que se repensa é a existência do homem neste mundo conflituoso, onde a crise económica e financeira se abate sobre todos de forma dramática. O jornal “Bild”, de Berlim, no dia seguinte à estreia, em Janeiro de 2010, na Volksbühne, escreveu: “A crise financeira acaba por se revelar como o tema real do espectáculo. Esta performance grandiosa parece tão sem sentido como pagar resgates a banqueiros falidos, mas é muito mais barata”.
René Pollesch, um dos mais prestigiados autores e encenadores do teatro alemão contemporâneo, escreveu e encenou este espectáculo que Fabian Hinrichs interpreta de forma brilhante, numa demonstração de “homem dos sete ofícios” que desarma a assistência e a conquista rapidamente.
As informações do Festival dizem que René Pollesch, nascido em 1967, “estudou no Instituto de Estudos Teatrais de Giessen, foi aluno de Heiner Müller e Georges Tabori, estagiou no Royal Court Theatre de Londres, traduziu e adaptou Ovídio, Shakespeare, Joe Orton, entre outros, e dirigiu o Teatro de Lucerna e o Schauspielhaus de Hamburgo. Entre 2002 e 2007 trabalhou na Volksbühne, como director artístico da Sala Prater, e foi considerado pela prestigiada revista Theater Heute como um dos melhores dramaturgos alemães, após inquérito realizado junto dos leitores. Em 2001 e 2006, Pollesch recebe o Dramatist Prize da cidade de Mülheim, e, em 2007, é-lhe atribuído o Viennese Nestroy Prize.”
Quanto a Fabian Hinrichs, a mesma fonte diz-nos que, nascido em 1976 em Hamburgo, estudou em Bochum e tem trabalhado nos principais teatros alemães, além de ter já uma vasta filmografia e numerosos prémios de representação no seu curriculum, nomeadamente o de Melhor Actor do Ano, em 2010, pela sua interpretação na peça agora apresentada no Festival de Almada. “Ao despersonalizar-me perante estranhos”, diz Hinrichs sobre o acto de representar, “fico mais próximo do público e mais próximo de mim próprio do que jamais poderia ficar em qualquer outra área da minha vida”.
A peça é uma provocação irónica sobre os desmandos do mundo, procura questionar a interactividade entre o palco e o público, mas até nesse aspecto é irónica, pois são raros os espectáculos mais interactivos. Fabian Hinrichs quebra a barreira tradicional da boca de cena e no final agradece, visivelmente entusiasmado, os aplausos frenéticos do público. Afinal, palco e plateia continuam a funcionar como sempre.

Intérprete: Fabian Hinrichs; Cenário e figurinos: Bert Neumann; Desenho de luz: Frank Novak; Dramaturgia: Aenne Quiñones; Tradução: José M. Vieira Mendes; Língua: Alemão, legendado em português; Duração: 1H30.


UN CERTAIN SONGE, UNE NUIT D’ÉTÉ (Um Certo Sonho, uma Noite de Verão), a partir de Shakespeare; Texto e encenação de Richard Demarcy; criação do “Le Naïf Théâtre” (Paris, França).

Excelente divertimento, politizado qb, este que Richard Demarcy e a sua multicultural companhia Naïf Théâtre nos oferecem, partindo de “Sonho de uma Noite de Verão”, do eterno Shakespeare. É o encenador quem o diz: “Shakespeare é o Mundo, os Mundos entrecruzados, inspirando-se no Grande Todo, tanto do cosmos estrelado e dos mistérios e poderes da natureza como das histórias, conflitos e sonhos dos homens”. Neste espectáculo, onde tudo se mistura num todo ao mesmo tempo caótico e homogéneo, há franceses, africanos, asiáticos, até portugueses (por sinal, um excelente), mesclam-se as cores da pele, as vozes, os idiomas, ao mesmo tempo que se amalgamam o teatro, a mímica, a música, o canto e a dança, casando-se a realidade com a fantasia, o burlesco com o feérico, a crítica com a ironia. E sempre poético.
Hora e meia de torrencial loucura cénica, onde a intriga de Shakespeare é reinventada mas respeitada na sua essência, revivida por um grupo de actores notáveis, extremamente bem dirigidos e orquestrados. Um regalo para os sentidos e um alerta para as consciências. O teatro é aqui uma lição de alegria e um estimulante refúgio para a aspereza do dia a dia. 
Richard Demarcy é um dos nomes de referência do teatro francês vanguardista e alternativo, a partir dos anos sessenta do século XX. Dramaturgo, ensaísta e encenador, é autor de mais de uma trintena de peças e encenou mais de quarenta espectáculos. Publicou, no final dos anos sessenta, um ensaio que foi importante para toda uma geração – “Elements d’une Sociologie du Spectacle”. É o autor do texto, e também o encenador, do primeiro espectáculo do Centro Cultural de Évora, em Janeiro de 1975: “A Noite do 28 de Setembro”. É também autor de quatro peças sobre a revolução portuguesa, apresentado em Portugal no Teatro “A Comuna”, no Festival d’Avignon e no Festival de Outono (Paris). Em 1999, participou no Festival de Almada com a companhia africana “Sanza Théâtre”, com a peça “Ubu dechâiné”, que escreveu e encenou. Alguns anos antes apresentou “Oyé Luna”, peça inspirada num conto português e criada em Cabo Verde. É pai do encenador Emmanuel Demarcy-Mota, director do Théâtre de La Ville e do Festival de Outono de Paris (sendo a mãe a actriz portuguesa Teresa Mota). (Biografia recolhida nas folhas do Festival).

Intérpretes: António da Silva, Bruno Daveze, Chrysogone Diangouaya, Léontina Fall, Jean Lacroix Kamga, Guy Lafrance, Nicolas Le Bossé, Gersende May, Lomani Mondonga, Ngau Domingas Afonsina, Aline Stinus, Yilin Yang; Cenário: Richard Demarcy; Figurinos: Jean Lacroix Kamga, Richard Demarcy; Música e canto: António da Silva, Léontina Fall, Yilin Yang; Fotografia: Brigitte Pougeoise; Direcção de cena: Kudzo do Tobias, Yvan Osadcii; Língua: Francês, legendado em português;    Duração: 1h40. 

Eu sei que pode ser de uma injustiça extrema destacar, de entre um elenco todo ele excelente, uma presença. Mas Aline Stinus, que vimos no espectáculo de Richard Demarcy, Tocou-me particularmente. Se olharem para a foto acho que percebem por quê. Aém do mais é de uma elegância extrema, tem este sorriso doce e sabe representar. Um bom futuro!

sexta-feira, julho 08, 2011

FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA 2011 - 1

 
Notas rápidas

1. FÁBULA BUFA (Fabula Buffa), a partir de Dario Fo, com Ciro Cesarano e Fabio GORGOLINI, e a colaboração artística de Carlo Boso.

Inauguração em grande da 28ª edição do Festival de Teatro de Almada, com a apresentação de ”Fábula Bufa”, a partir de um belíssimo texto de Dario Fo, que recria, em termos de actualidade, a estrutura cénica da “Commedie dell’Arte”. Dois excelentes actores, Ciro Cesarano e Fabio Gorgolini, que contaram com a colaboração artística de Carlo Boso, formado no Piccolo Teatro di Milano, onde trabalhou com Peppino de Filippo, Giorgio Strehler e Ferruccio Soleri, e encenou mais de quarenta obras. Boso foi director do Carnaval de Veneza entre 1983 e 1994 e dirigiu companhias em Veneza, Milão e Treviso. Em 2004, fundou nos arredores de Paris, nos estúdios criados em 1904 por Charles Pathé, a Académie Internationale des Arts du Spectacle. São dele estas palavras sobre “Fábula Bufa”: “quisemos dar vida a uma forma espectacular destinada a acordar a esperança numa sociedade enfraquecida por um vazio existencial e relembrar, ainda assim, que o teatro, sob todas as suas formas, mesmo as mais burlescas, permanece uma arma poderosa”.
O espectáculo, que conta apenas com dois actores em cena, recria um burlesco de enganos onde um cego e um paralítico invocam o milagre da cura, para depois se revoltarem contra ela, “pois assim terão de trabalhar” e ninguém lhes dá esmolas. Jesus é evocado na cruz e vilipendiado pelos pedintes, mas é dele a última palavra de esperança numa sociedade nada pacífica, mas onde o lugar do actor e do cómico permanece inalterável e essencial para manter o alento do cidadão comum e lhe dar o conforto de uma alegria.
Segundo a documentação do Festival, “Ciro Cesarano e Fabio Gorgolini, formados por Carlo Boso na sua Escola de Montreuil e licenciados em História do Teatro pela Universidade de Bolonha, criaram em Paris, em 2006, a companhia Teatro Picaro com o objectivo de encontrar uma linguagem teatral capaz de conciliar a herança tradicional com as temáticas contemporâneas na concretização de um teatro simultaneamente popular, social, burlesco e poético”.  Conseguem-no plenamente com um trabalho de altíssima qualidade, quer ao nível da palavra, quer no do gesto, da pantomima ou da acrobacia.
Um espectáculo para recordar e que introduziu da melhor forma o tema central da edição deste ano do Festival de Teatro de Almada, que presta homenagem à “Commedie dell’ Arte”-


2. SANTA JOANA DOS MATADOUROS, de Bertolt Brecht, com encenação de Bernard Sobel Colaboração artística de Francis Seleck e Eric Castex

Bernard Sobel, encenador francês de créditos firmados, regressou ao Festival de Almada para dirigir um espectáculo com interpretação de alunos finalistas da Escola Superior de Teatro e Cinema e alunos recém-formados da ACT – Escola de Actores. Uma experiencia inédita e particularmente sugestiva. Creio que não inteiramente lograda, mas ainda assim muito estimulante, tanto mais que deu a conhecer uma nova geração de aspirantes a actores portugueses, onde se vislumbra muita qualidade para futuros voos.
Brecht é um dramaturgo genial, criador de um teatro didáctico de intenções declaradamente comunistas, mas que ultrapassa esse circunstancialismo histórico com a grandeza da sua palavra, vigorosa e poética, e pela clareza das suas intrigas, que procuram desmontar jogos de poder e de interesses criados. As lutas de classe entre os poderosos e os explorados do mundo podem ser acusadas de algum esquematismo, mas são fascinantes de acompanhar. “Santa Joana dos Matadouros” não será das suas obras-primas (“Mãe Coragem e seus filhos”, “O Círculo de Giz Caucasiano, “A Alma Boa de Tzé Chuan”, “A Mãe” ou “Ascensão e Queda da Cidade de Mahagonny”), mas é muito interessante, sobretudo por trazer para o palco um tema violento e agressivo como o da exploração do comércio da carne, numa Chicago em plena crise de 1929.
Acontece que a forma escolhida por Bernard Sobel para encenar este espectáculo, um longo e largo corredor no meio de duas bancadas de espectadores, por onde evoluem duas dezenas de actores, que vão trocando de papéis, não terá sido a melhor para clarificar as intenções da peça. Mas revela-se estimulante como experiência, e revela um bom conjunto de promessas.
Santa Joana é uma jovem que ingressou no Exército de Salvação para aliviar a miséria dos trabalhadores dos matadouros de Chicago, e que acaba vítima das contradições de um capitalismo selvagem que só olha ao lucro.
Citando fontes do Festival, Bernard Sobel (n. 1935) é o criador do Teatro de Gennevilliers, uma cidade da periferia de Paris, onde desenvolveu a sua acção de director e encenador entre 1963 e 2006. Foi em 1963, depois de fazer a sua formação no Berliner Ensemble, então dirigido por Helene Weigel, viúva de Brecht, que Sobel se instalou em Gennevilliers, onde começou por fundar o Ensemble Théâtral de Gennevilliers (ETG), um grupo de jovens actores e investigadores que adoptou um estatuto amador, cuja intenção era contribuir para o nascimento de uma forma teatral diferente das que existiam nessa época. Entre os autores que apresentou, contam-se Vichnevski, Koplov, Volokhov, Erdman, Heiner Müller, Kleist, Schiller, Lessing, Lenz, Heinrich Mann, Grabbe e, naturalmente, Brecht. Mas é também um especialista de Molière, de quem encenou várias obras, e o seu repertório inclui muitos outros autores clássicos e modernos, como Eurípedes, Marlowe ou Sarah Kane. Após deixar a direcção do Teatro de Gennevilliers, por ter atingido o limite de idade, Sobel fundou a sua própria companhia, tendo dirigido textos de Olecha, Mayenburg e Kleist.

Intérpretes: Alice Medeiros, Ana Cris, Bartolomeu Paes, Carlos Gomes, Catarina Rosa, Daniel Fialho, Diogo Tavares, Eduardo Breda, Elisabete Pedreira, Joana Campos, Joana de Verona, José Mata, José Redondo, Mafalda Jara, Marco Trindade, Rita Miranda, Sara Reis, Sofia Vitória, Tomás Tojo, Vera Barreto; Tradução: Manuel Resende; Cenário: Pierre Setbon, Guilherme Frazão; Figurinos: Mina Ly; Música e canções Olivier Bernaux; Desenho de luz: Guilherme Frazão; Som: Bernard Vallery; Fotografia: Rui Carlos Mateus; Ass. de figurinos: Bárbara Pinto, Inês Pereira, Lydia Neto; Ass. de dramaturgia: Miguel Curiel, Nuno Pontes; Duração: 2H40.


3. MOI, RODIN (Eu, Rodin), de Patrick Roegiers, com encenação de Mihai Maniutiu. Criação do Teatro Nacional Radu Stanca Sibiu (Roménia).

As relações entre Rodin e a sua discípula e amante Camille Claudel estiveram na origem de “A Paixão de Camille Claudel”, um belíssimo filme de Bruno Nuytten, com Gérard Depardieu e Isabelle Adjani. Soube agora que, em 2002, o Museu Guggenheim de Bilbau convidou o coreógrafo belga Marc Bogaerts para criar uma performance com interpretação de Esther Cloet. Um ano depois, o dramaturgo francês Patrick Roegiers juntou-se ao projecto, escrevendo o monólogo “Eu, Rodin”. A fusão da dança com as palavras deu-se no Teatro Nacional Radu Stanca de Sibiu, sob a direcção do encenador romeno Mihai Maniutiu, com interpretação de Constantin Chiriac.
Nada de mais decepcionante. A peça é um monólogo sem qualquer dramaticidade. A encenação é antiquada, obsoleta, de um gosto estético deprimente. A representação tonitruante e o bailado que a acompanha um apêndice sem graça nem convicção. “Eu, Rodin” afirma-se “um espectáculo sobre o amor e o poder, sobre a criação e a destruição, que coloca em cena, e em confronto, a escultora Camille Claudel (1864-1943) e o seu mestre e paixão, o escultor Auguste Rodin (1840-1917). Trata-se de uma criação em que Camille “dança” a sua relação com Rodin, e em que este “fala” através de um monólogo. Infelizmente, para mim, não passou de uma enorme maçada apesar de só durar uma hora.

Intérpretes: Constantin Chiriac, Esther Cloet; Tradução: Anca Maniutiu; Cenário: Iuliana Vîlsan, Mihai Maniutiu; Figurinos: Iuliana Vîlsan; Coreografia: Marc Bogaerts; Língua: Romeno, legendado em português; Duração: 1H00.


4. THE JEW (O Judeu), a partir de “The Jew of Malta”, de Christopher Marlowe; criação colectiva de Mundo Perfeito | Dood Paard | Maria Matos Teatro Municipal (Lisboa, Amesterdão).

Deve ser uma heresia o que vou dizer, dado que muitos consideram “O Judeu de Malta” “uma das obras-primas da dramaturgia universal”, Mas a verdade é que acho esta peça de um racismo aviltante, de um anti semitismo sem desculpa, só comparável ao “Judeu Juss”, filme aberrante do período nazi. Christopher Marlowe (1564-1593) é um dos grandes dramaturgos do período isabelino, contemporâneo de Shakespeare. Pode ter sido um mestre no sec. XVI, mas encenar esta peça no sec. XXI não me parece muito sensato. Mesmo que a mesma tente actualizar a mensagem (o que se calhar ainda a torna mais odiosa).
Retirando este aspecto, a encenação do colectivo é magnífica com um primeiro tempo em que, à vista dos espectadores, se constrói todo o cenário, sobrecarregando-o de elementos dispersos até à exaustão, para num segundo momento, se assistir à sua desagregação. Numa peça de mentiras e embustes, a relação entre o texto e a sua encenação é perfeita, ainda que à primeira vista o possa não parecer. Os actores são excelentes, quase todos portugueses a debitarem um texto inglês. Fica o senão, essencial, do significado racista desta história de ganância e vingança que se situa em Malta, ponto de cruzamento de religiões, de culturas e entreposto de rotas de comércio.
Parece ter estado na origem de “O Mercador de Veneza”, de William Shakespeare.
Socorrendo-me das notas do Festival, “Mundo Perfeito”, companhia que nasceu em 2003, tem apresentado o seu trabalho na Europa, Médio Oriente e América do Sul. Além de promover o trabalho artístico de Tiago Rodrigues, que partilha a direcção com Magda Bizarro, esta companhia tem apostado na nova dramaturgia, na criação colectiva e nas colaborações entre artistas portugueses e internacionais. Quanto ao grupo “Dood Paard” (em português, “Cavalo Morto”) foi fundado em Amesterdão em 1993. O seu trabalho, frequentemente politizado e de tom provocatório, inclui dramaturgos como Ésquilo, Shakespeare, Oscar Wilde, Edward Albee, Arthur Schnitzler ou Thomas Bernhard. Sem director, o trabalho colectivo e a autonomia são as principais características deste grupo.

Actores e criadores do espectáculo: Carla Maciel, Gillis Biesheuvel, Gonçalo Waddington, Kuno Bakker, Manja Topper, Tiago Rodrigues e ainda os técnicos André Calado, Julian Maiwald, René Rood; Adaptação: Paul Evans; Tradução: Joana Frazão; Comunicação: Raymond Querido; Produção; Dood Paard Marten Oosthoek; Produção: Mundo Perfeito Magda Bizarro; Residência artística: Espaço Alkantara; Língua: Inglês, legendado em português; Duração: 2H00.