THE MONUMENTS MEN
OS
CAÇADORES DE TESOUROS
George
Clooney é uma personalidade particularmente fascinante no interior da indústria
cinematográfica norte-americana. Actor de boa presença, com perfil adequado
para galã, não rejeita papéis em comédias sentimentais e aventuras, mas
assume-se como personalidade de convicções e projectos liberais, o que nos EUA
quer dizer ser mais ou menos de esquerda ou, se preferirem, ter opções
progressistas. O que se demonstra bem na sua curta filmografia como realizador,
iniciada em 2002, com “Confissões de Uma Mente Perigosa” e continuada com três
títulos particularmente interessantes “Boa Noite, e Boa Sorte” (2005), “Jogo
Sujo” (2008) e “Nos Idos de Março” (2011). “The Monuments Men - Os Caçadores de
Tesouros” é já de 2014 e nele concentra um conjunto de funções que não será
escusado relembrar: ele é actor, realizador, produtor e argumentista, o que
mostra bem a forma interessada como encarou este projecto.
“The
Monuments Men” é algo pouco conhecido do grande público. São às centenas os
filmes que documentam, melhor ou pior, os massacres humanos, o holocausto, o
desespero e o terror vividos por milhões durante o tenebroso reino do III Reich
e do seu megalómano chefe Adolf Hitler. O “The Monuments Men, Fine Arts and Archives”,
conhecido pela sigla MFAA, e que se pode traduzir por “os homens dos
monumentos, belas artes e arquivos”, foi uma força especial criada pelos
Aliados, depois dos EUA terem entrado na II Guerra Mundial, e que, entre 1943 e
1951, portanto apanhando os anos finais do conflito e os que se seguiram ao
cessar fogo, tentaram identificar, localizar, recuperar, proteger, e finalmente
devolver aos seus legítimos proprietários milhões de obras de arte, quer fossem
pinturas, esculturas, cerâmicas, móveis, tapeçarias, jóias, quer se tratasse de
bibliotecas, livros raros, pergaminhos, etc. que haviam sido saqueadas pelas
tropas nazis durante a ocupação em terras estrangeiras. As vítimas eram de todo
o género, mas particularmente milionários judeus, Rotschild, Paul Rosenberg,
David-Weil, Schoss, Berheim-Jeune, Alphonse Khan, Fritz Gusmann, entre outros.
Esta pilhagem maciça de obras de arte destinava-se a rechear os museus alemães
e as colecções particulares de Hitler, Goering, von Ribbentrop, e outros altos
dignatários do III Reich, além de alindarem sedes e departamentos
governamentais e do partido nacional-socialista. Mas havia uma meta em especial
na mente de Hitler: o museu a criar na cidadezinha austríaca de Linz e que se
destinava a ser o melhor museu do mundo no que diria respeito à arte da Europa do
Norte, dado que para o Führer só existia a arte ariana, toda a outra era
“degenerada” e destinada à destruição. Tal como os judeus, ciganos, negros,
comunistas, socialistas e todos quantos se opunham às intenções do predestinado
leader.
Esta
força especial tinha a cobertura do presidente Roosevelt e do general
Eisenhower, era formada não por militares de carreira, mas por arqueólogos,
arquitectos, directores de museus, professores universitários de instituições
como Harvard, Yale, Princeton, New York, Williams College ou Columbia
University, e especialistas afins, que se ofereceram voluntariamente para a
integrarem. Eram raros os que contavam menos de 40 anos e alguns rondavam a
casa dos 60. Era uma missão arriscada para qualquer um, mais ainda para estes
destreinados “artistas” pouco dados a artes marciais. Vinham sobretudo dos
Estados Unidos da América e de Inglaterra, mas havia-os também do Canadá, de
França, de Itália, e de muitos outros países. Tantos quantos os que integravam
as forças Aliadas. No total, não eram mais de 400, distribuídos por vários
teatros de operações. O filme de George Clooney, que adapta a obra “Os Homens
dos Monumentos”, de Robert M. Edsel e Bret Witter, foca o caso de uma dúzia
deles, dando especial enfoque a seis ou sete dos que tiveram contribuição mais
relevante e também mais espectacular. Na vida real chamavam-se Ronald Balfour,
Harry Enlinger, Walter Hancock, Walter Hutchthausen, Jacques Jaujard, Lincoln
Kirstein, Robert Posey, James Rorimer e Gerge Stoout, para além de Rose Valland,
uma civil francesa a que se atribui ainda especial atenção, pois era a
responsável pela catalogação das obras no Jeu de Paume, em Paris. No filme, as
personagens criadas pelos actores são conhecidas por diferentes nomes: George
Clooney (Frank Stokes), Matt Damon (James Granger), Bill Murray (Richard
Campbell), John Goodman (Walter Garfield), Jean Dujardin (Jean Claude
Clermont), Hugh Bonneville (Donald Jeffries), Bob Balaban (Preston Savitz) ou Dimitri
Leonidas (Sam Epstein) e mesmo Cate Blanchett, que revive o papel de Rose
Valland, se chama Claire Simone.
O filme
é interessante e vale sobretudo por colocar em discussão a questão desse “museu
universal” pilhado pelos nazis. Mas, apesar da excelente reconstituição, da
eficácia dos meios, da qualidade técnica indiscutível, das boas interpretações
de um grande elenco, falta-lhe alguma profundidade. Há temas que são abordados,
mas apenas pela rama. Vale a pena arriscar uma vida humana por uma obra de
arte? É um deles. Tema que se mantém em discussão há muito. Relembro há anos
uma resposta do escultor suíço Alberto Giacometti, quando lhe perguntaram se,
na alterativa de salvar um gato ou uma obra de arte, o que ele escolheria, ao
que o artista não hesitou e indicou o gato. Esta questão levanta-se várias
vezes durante a projecção e é interessante.
Mas
ainda mais curioso seria uma outra questão reflectindo sobre a importância da
arte para Hitler. Por que razão Hitler deu tanta importância à arte? Ele foi,
na sua juventude, um aguarelista medíocre, e viu recusada a sua matrícula na
Academia de Artes de Viena de Áustria. Assistimos assim a uma vingança com
explicação psicanalítica? Hitler quer levar para a Alemanha todas as obras de
arte que ele reputa de essenciais, ou seja todas as produzidas por artistas do
Norte da Europa, de raça ariana. Coloca aqui desde logo a arte ao serviço da
sua política: a grande arte dos povos do Norte da Europa, contra a arte
degenerada do sul. A arte ariana contra a arte dos judeus e das gentes do Sul.
Primeiro ponto da instrumentalização da arte ao serviço da política.
Mas há
mais ramificações nesta opção: Hitler percebeu que a arte é o que fica do espírito
humano. Os homens passam, a arte fica. Roubar a arte de um povo é roubar a sua alma,
humilhar os povos invadidos, tornar visível a sua cobardia, a sua
insignificância. É obviamente uma vampirização da arte dos povos ocupados. Um
povo que se alimenta com a seiva cultural e artística de outros povos.
Concorrendo
com esta há uma outra conclusão a retirar da sua metodologia de pilhagem: só
exige que viajem para a Alemanha as obras dos artistas nórdicos, de Rembrandt e
Vermeer. Sem nenhuma contaminação judaica. As obras da modernidade europeia não
lhe interessam, destrói-as ou manda-as vender para trocar por outras da sua
preferência. O que indica um claro dirigismo estético, de um radicalismo como
raras vezes se viu ao longo da História.
Mas o
filme de George Clooney fica-se quase pela “aventura pela aventura”. Seria
muito mais interessante ser um pouco mais profundo na análise das questões
centrais que esta pilhagem levantava. Assim “The Monuments Men - Os Caçadores
de Tesouros” é uma especie de inverso de “12 Indomáveis Patifes”, de Robert
Aldrich (1967), onde se reunia um conjunto de 12 cadastrados para uma operação
altamente perigosa, em território ocupado pelas tropas nazis. Tal como outros
títulos que evocam situações idênticas, “Heróis por Conta Própria”, de Brian
Hotton (1970), “Três Reis”, de David O. Russell (1999) ou mesmo “Sacanas Sem
Lei”, de Quentin Tarantino (2009), deixando de lado alguns mais. Curiosamente,
esta aventura de Clooney remete um pouco para o espírito de grupo da trilogia
de Steven Soderbergh, “Ocean's Eleven” (2001), “Ocean's 12” (2004) ou “Ocean's
Thirteen” (2007), curiosamente interpretada pelo próprio George Clooney e o seu
grupo de amigos (o que sugere alguma aproximação ao primitivo “Os Onze de
Oceano” (1960), de Lewis Milestone, protagonizado por Frank Sinatra, e o seu
“rat pack”, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford, Joey Bishop, entre outros).
Enfim,
um filme de entretenimento que levanta algumas questões importantes, mas que
infelizmente as deixa a meio caminho da discussão. Uma oportunidade perdida
para se ir mais longe.
Nota 1:
para lá de “Os Homens dos Monumentos”, de Robert M. Edsel e Bret Witter (ed.
Circulo de Leitores), obra donde parte este filme, será de toda a utilidade ler
igualmente “O Museu Imaginário”, de Héctor Feliciano (ed. Dom Quixote).
Nota 2:
Este texto resume uma comunicação apresentada durante o II Colóquio “Dinâmicas
Históricas no Cinema”, uma iniciativa do Instituto Prometheus, Universidade
Aberta e Museu da Farmácia (21 de Junho 2014).
THE MONUMENTS MEN - OS
CAÇADORES DE TESOUROS
Título original: The Monuments
Men
Realização: George Clooney (EUA, Alemanha, 2014);
Argumento: George Clooney, Grant Heslov, segundo obra de Robert M. Edsel e Bret
Witter; Produção: George Clooney, Christoph Fisser, Barbara A. Hall, Grant
Heslov, Henning Molfenter, Charlie Woebcken; Música: Alexandre Desplat;
Fotografia (cor): Phedon Papamichael; Montagem: Stephen Mirrione; Casting: Jina
Jay; Design de produção: James D. Bissell; Direcção artística: Helen Jarvis,
Cornelia Ott, David Scheunemann; Decoração: Bernhard Henrich;
Guarda-roupa: Louise Frogley;
Maquilhagem: Christine Beveridge, Jessica Haupt, Jan Kempkens, Petra Schaumann,
Valeska Schitthelm, Daniela Skala, Heba Thorisdottir; Direcção de Produção: Sam Breckman, Michelle Lankwarden, Daniel
Mattig, Arno Neubauer, Jason Nightingale, Jessie Thiele; Assistentes de
realização: Carlos Fidel, Barney Hughes, Caroline Kaempfer, Philipp Kramer,
Danny McGrath, David J. Webb, Laura Wootton, etc. Departamento de arte: Pablo Alza, Kevin Anthony,
Silke Bauer, Axel Boden, Henning Brehm, Archie Campbell- Baldwin, Dominik
Capodieci, Steve Deane, Dierk Grahlow, Robin Haefs, Tine Hoefke, Jan Hülpüsch,
Sonja Kirch, Michael Lieb, Chris Lowe, Stephanie Rass, Dalia Salamah; Som: James Harrison, Oliver Tarney; Efeitos
especiais: Bernd Rautenberg, Michael Rudnik, Jürgen Thiel, Thomas Thiele, Neil
Toddy Todd, Zoltan Toth, etc. Efeitos visuais: Angus Bickerton, Oliver Cubbage, Ben
Fleming, Wesley Froud, Steffen Hagen, Uday Joshi, Dominic Parker, Michelle
Teefey-Lee, Chris Wenting, etc. Companhias de produção: Columbia Pictures, Fox
2000 Pictures, Smokehouse Pictures, Obelisk Productions, Studio Babelsberg; Intérpretes: George Clooney (Frank
Stokes), Matt Damon (James Granger), Bill Murray (Richard Campbell), Cate
Blanchett (Claire Simone), John Goodman (Walter Garfield), Jean Dujardin (Jean
Claude Clermont), Hugh Bonneville (Donald Jeffries), Bob Balaban (Preston
Savitz), Dimitri Leonidas (Sam Epstein), Justus von Dohnányi (Viktor Stahl),
Holger Handtke (Coronel Wegner), Michael Hofland (Padre Claude), Zahary Baharov
(Comandante Elya), Michael Brandner (Dentista), Sam Hazeldine (Coronel
Langton), Miles Jupp (Major Feilding), Alexandre Desplat (Emile), Diarmaid
Murtagh (Captain Harpen), Serge Hazanavicius (Rene Armand), Luc Feit (Aachen
Vicar), Emil von Schönfels (Jovem atirador), Udo Kroschwald (Hermann Goering),
Aurélia Poirier, Grant Heslov, Matthew Maguire, Michael Dalton, Christian
Rodska, Stefan Kolosko, Thomas Wingrich, Oliver Devoti, James Payton, Lucas
Tavernier, Oscar Copp, Luciana Castellucci, Declan Mills, Richard Crehan, André
Hinderlich, Maximilian Seidel, Marcel Mols, Matt Rippy, John Dagleish, Andrew
Byron, Nicolas Heidrich, Aidan Sharp, Xavier Laurent, Ben-Ryan Davies, Nick
Clooney, Joel Basman, Andrew Alexander, etc. Duração: 118 minutos; Distribuição em
Portugal: Columbia Pictures; Classificação etária: M/ 12 anos; Data de estreia
em Portugal: 20 de Fevereiro de 2014.