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segunda-feira, janeiro 03, 2011

CINEMA: O MÁGICO

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O MÁGICO, 
 UMA NOSTÁLGIA SERÔDIA 
Final da década de 50 em França: um ilusionista de teatro e cabaret começa a ter algumas dificuldades em assegurar o posto de trabalho. Os tempos mudam, o público prefere os cabelos compridos de Juliette Greco ou, mais a norte, na Grã-Bretanha, os sons do rock e da irrequietude dos Baetles, aos magos que retiram coelhos brancos das cartolas. Nem os incondicionais da ópera o compreendem. O mágico vai andando de cidade em cidade e de fiasco em fiasco, apesar de, na Escócia, num pequeno pub de uma cidadezinha da província, tocar o coração de Alice, a jovem empregada que faz as limpezas e arruma os quartos. Quanto ele parte para Edimburgo, ela persegue-o. Coabitam num quarto de pensão, mas as dificuldades aumentam, o mágico tenta outros empregos, sem se fixar em nenhum. Compra vestidos a Alice, mas não lhe toca, olha-a de longe. Dir-se-ia um delicado e sensível cavalheiro a quem o mundo trocou as voltas e o fez viver num universo que já não é o seu. História de nostalgia e tristeza. Não é só o mágico que perde o comboio do tempo, apesar de muito andar de comboio. Ventríloquos, palhaços ou malabaristas estão no mesmo comboio, uns suicidam-se, outros acabam a pedir esmola pelas esquinas da vida. Triste. Sim, muito triste.
Sylvain Chomet, o mesmo que nos dera "Belleville Rendez-vous", o mesmo que não abandona a animação clássica, e que não adere ao digital (ainda que aqui e ali se sinta a cumplicidade disfarçada), foi buscar ao espólio de Jacques Tati um argumento que este nunca havia rodado, “L'illusionniste”, e transforma-o em animação com a intenção óbvia de ser ao mesmo tempo uma homenagem ao fabuloso cineasta que nos deu meia dúzia de obras-primas que para sempre ficarão na nossa memória (e mais forte ainda, no nosso coração): “Há Festa na Aldeia”, “As Férias do Senhor Hulot”, “O Meu Tio”, “Vida Moderna”, “Sim, Senhor Hulot” ou “Parade”. Jacques Tati era francês, mas de ascendência russa, o seu verdadeiro nome era Jacques Tatischeff. Sylvain Chomet constrói uma belíssima personagem que se chama precisamente Tatischeff, e que tem a aparência da mais célebre criação de Tati, o senhor Hulot. Por vezes chegamos a ter a sensação de que Hulot voltou, está ali à nossa frente e a homenagem é bonita.
Como muito bonita é a animação desta obra de cores nostálgicas e suaves, que nos restitui um pouco do universo de Tati. Mas aqui entronca então a questão essencial. O espírito deste “O Mágico” tem algo a ver com Tati, mas deturpa-o escandalosamente. Tati era crítico e mordaz, mas era terno e sensível. A mudança de tom não seria algo de profundamente errado, pois o realizador é outro, e imprime-lhe o seu próprio pensamento e sentir. Acontece que estes pensamento e sentir é que são, no mínimo, muito discutíveis.
O que ressalta desta obra? Que a marcha do tempo é inexorável e que há quem vá ficando pelo caminho, mesmo que de forma injusta? Essa seria talvez a visão equilibrada do problema, mas “O Mágico” opta por uma outra vereda: o mágico assume-se como o homem certo no lugar errado, rodeado de burgessos sem alma, todos vendidos ao dinheiro, à facilidade, à “monstruosidade” grotesca que são Greco, Beatles, Montserrat Caballé e etc., todos eles apresentados de forma caricatural, bem como o seu público. Depois há os patrões sem coração. O garagista que o despede por incompetente ou o dono da loja que o põe a fazer publicidade a produtos na montra do seu estabelecimento. Sylvain Chomet despreza o primeiro, não se percebendo bem porquê, dado que Tatischeff pode ser um bom mágico, mas revela-se um incompetente técnico, e mostra a indignidade dos segundos que colocam a arte ao serviço da venda dos produtos (o que também não é muito coerente com a sua própria actividade de animador que assinou diversas obras de publicidade, nomeadamente para a Renault, Swissair, Swinton, entre outras).
O fim de um tempo é sempre traumático para as suas vítimas, e pode ser um momento excelente para olhar para trás e elogiar esses homens e mulheres engolidos pela mudança. Sobre um tema semelhante, há um filme magnífico de Tony Richardson, "The Entertainer" (1960), que nos fala de um actor de vaudeville que vê a sua arte ser ultrapassada, ou uma outra obra de dolorosa nostalgia, “The Dresser” (1983), de Peter Yates, igualmente sobre um actor em fim de carreira.
Mesmo no plano emocional, Sylvain Chomet se mostra injusto para a personagem Alice (a que gosta de passar para o outro lado do espelho, atrás de um coelho branco que aqui sai da cartola de Tatischeff), quando a acusa de ser interesseira, aproveitando-se da bondade do mágico, mas trocando-o pelo primeiro duplo de Jack Palance que lhe aparece na janela da frente. Mas que se poderia esperar daquela relação compartimentada entre sala e quarto senão um tal desfecho?
Por estes motivos todos parece-me que com “L'illusionniste” se perdeu um bom momento para o elogio da animação tradicional, que pode e deve coabitar com as novas tecnologias. Não com este arzinho enraivecido que Sylvain Chomet destila, pessimista, derrotista, serôdio. Mas mostrando que sempre há e sempre houve lugar para todos. “Toys Story” pode muito bem conviver com "Belleville Rendez-vous".
No final, Tatischeff parte de comboio, depois de deixar um bilhete a dizer a “Alice” que a magia não existe. O que Alice não deve compreender muito bem, numa altura em que encontrou o seu “príncipe encantado”. Mas Tatischeff parece ter finalmente aprendido a lição. No comboio, uma miúda deixa cair um pequeno lápis com que desenha. Tatischeff encontra-o e compara-o com o seu: o da criança está gasto, e seu está novo. Por um gesto de prestidigitação vai trocá-los? Não, apenas fazer o que é justo: dar à miúda o lápis dela. Tatischeff perdeu a magia. Outros a encontrarão. Acho muito irritante aqueles que julgam ter a verdade consigo, e que todos os outros estão errados. “O Mágico” entra abertamente por esses caminhos e o que de bom e muito bom há no filme acaba por sucumbir a este espírito que roça o mesquinho.

O MÁGICO
Título original: L'illusionniste ou The Illusionist
Realização: Sylvain Chomet (França, Inglaterra, 2010) ; Argumento: Sylvain Chomet, segundo argumento original de Jacques Tati; Produção: Philippe Carcassonne, Sally Chomet, Jake Eberts, Jinko Gotoh, Bob Last; Música: Sylvain Chomet; Direcção artística: Bjarne Hansen; Direcção de Produção: Fiona Hall, Michael Solinger, Pierre Tissot; Assistentes de realização: Paul Dutton; Departamento de arte: Pierre-Henri Laporterie, Emma McCann, Rhiannon Tate, Evgeni Tomov; Som: Carl Goetgheluck; Efeitos visuais: Jean Pierre Bouchet; Animação: Paul Dutton, Victor Ens, Toby Schwarz, Mike Swofford, Yann Tremblay; Companhias de produção: Django Films Illusionist, Ciné B, France 3 Cinéma, Canal+, CinéCinéma, France 3; Intérpretes (vozes): Jean-Claude Donda (Tatischeff, o mágico), Eilidh Rankin (Alice), Duncan MacNeil, Raymond Mearns, James T. Muir, Tom Urie, Paul Bandey, etc. Duração: 80 minutos; Distribuição em Portugal: Castello Lopes Multimédia; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 23 de Dezembro de 2010. 

terça-feira, agosto 10, 2010

POSTERS: TOY STORY 3

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Uma boa colecção de posters para um excelente filme de animação. O terceiro da série.
Em 3D como se vê.

CINEMA: TOY STORY 3

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TOY STORY 3
Depois de “Toy Story”, 1 e 2, o terceiro episódio da série parece que a dá por terminada. De modo feliz, pois não desmerece em nada dos anteriores, se não for mesmo superior a ambos. Os brinquedos fazem parte do imaginário colectivo de públicos de todas as idades, desde os que os têm agora, aos que já os tiveram na infância e certamente deles se recordam com nostálgico agradecimento pelos belos momentos de diversão que proporcionaram. Depois, há brinquedos para todos os gostos e alguns desgostos. Aqui se relembra "Quebra-Nozes", que adultos e crianças gostam de ver e rever. “Toy Story 3” é o "Quebra-Nozes" da actualidade, em 3D e tudo. Mudam as tecnologias, mas não muda a condição humana, nem as emoções.
Andy era um miudinho que tinha brinquedos que se animavam. Andy cresceu, vai para a faculdade, alguns brinquedos continuam miraculosamente imaculados, uns vão para um saco preto que se pensa arrumar no sótão, e o fiel Woody, o "cow-boy", será levado pelo dono. Mas Andy põe e os argumentistas da Pixar dispõem: o cow boy vai para junto dos restantes brinquedos e o saco é trocado e ruma a um infantário, onde, ao lado de criancinhas saídas de um filme de terror e possuídas pelo demónio da Tasmânia, se encontram muitos outros brinquedos traumatizados por vidas desgraçadas que resolvem, em uníssono, não dar tréguas aos recém chegados. Claro que o filme adquire uma tonalidade de terror psicológico, que fará certamente as delícias do seu público-alvo. Quem, em criança, não chorou como uma Madalena com “Bambi”, quem não sofreu baba e ranho com “Branca de Neve” e a feiticeira, quem não sucumbiu à tristeza de “ET”? E cá estamos todos, mais ou menos traumatizados, mas sobretudo com as monstruosidades do dia a dia no telejornal, e não tanto pela fantasia da ficção cinematográfica ou literária (lembram-se de Hans Christian Andersen ou dos Irmãos Grimm?).
Pois bem, os brinquedos de Andy sofrem a bom sofrer, e nós com eles, até à grande evasão final, a que só falta Steve McQueen ou Pele. Altura para alguns se assoarem e outros assobiarem em francês na plateia, enquanto limpam os óculos de 3D. O final será happy, claro, mas a felicidade vem sobretudo do facto de ser ter assistido a um excelente filme de animação, de técnica impecável, com boas ideias de argumento e de realização, e sem cair na pecha muito vulgar de tratar as crianças como atrasadinhos mentais. A dobragem é magnífica, a portuguesa também, e o resultado final não será o melhor filme de 2010, mas sim uma das melhores animações dos últimos anos.
De resto há momentos de antologia, como a passagem de modelos de Ken, frente a Barbie, ou o destempero do espacial Buzz Lightyear que, descontrolado, entra numa de mexicano imparável. Também gosto da boneca zarolha, que só por si merecia um título à parte, mas para “adultos de sólida formação moral”. Ela e o urso maléfico fariam um casal de “freaks” de “cult movie”. Mas também há delicadas criaturas, como essa ternurenta Jessie, que nos faz desfazer de um afecto bem divertido.

TOY STORY 3
Título original: Toy Story 3
Realização: Lee Unkrich (EUA, 2010); Argumento: John Lasseter, Andrew Stanton, Lee Unkrich, Michael Arndt; Produção: Darla K. Anderson, John Lasseter; Música: Randy Newman; Montagem: Ken Schretzmann; Departamento de arte: Marty Baumann, Mark Cordell Holmes, Bud Luckey, Juliet Pokorny, Belinda van Valkenburg, etc. Som: Tom Myers; Animação: Andrew Cadelago, Tom Gately, David Park, James Reinhart Robertson, Christian Roman, Max Sachar, Michael Stocker, etc. Casting: Holly Dorff, Mickie McGowan; Companhias de produção: Pixar Animation Studios, Walt Disney Pictures; Intérpretes (vozes originais): Tom Hanks (Woody), Tim Allen (Buzz Lightyear), Joan Cusack (Jessie), Ned Beatty (Lotso), Don Rickles (Mr. Potato Head), Michael Keaton (Ken), Wallace Shawn (Rex), John Ratzenberger, Estelle Harris, John Morris, Jodi Benson, Emily Hahn, Laurie Metcalf, Blake Clark, Teddy Newton, Bud Luckey, Beatrice Miller, Javier Fernandez Pena, Timothy Dalton, Lori Alan, Charlie Bright, Kristen Schaal, Whoopi Goldberg, etc. Duração: 103 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo Audiovisuais; Classificação etária: M/ 6 anos; Estreia em Portugal: 29 de Julho de 2010.

sexta-feira, agosto 28, 2009

CINEMA: UP- ALTAMENTE!

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UP-ALTAMENTE

“Up-Altamente” é um muito bom filme de animação, mas não me parece estar à altura do coro de (quase) unanimidade que se estende à sua volta, desde que inaugurou o festival de Cannes (primeira longa de animação a lograr tal feito!). Julgo que é uma excelente animação, com magníficos desenhos, boa caracterização de personagens, um belíssimo enquadramento paisagístico (que funciona como elemento dramático por excelência), mas deixa algo a desejar quanto à história e à sua estrutura dramática. Dir-se-ia que existem duas histórias em uma, ainda por cima não muito bem cozinhadas.
Inicialmente assiste-se à vida de Carl Fredricksen, vendedor de balões, casado, feliz, até que a morte da mulher o vai encontrar com 78 anos, e desejoso de realizar o sonho da sua vida (e da mulher, que tem até um álbum dedicado à “Grande Aventura”: uma fabulosa viagem que o levará (e à sua casa) até às Cataratas do Paraíso. Prende então milhares de balões à sua modesta vivenda e consegue voar à descoberta do sonho. Que é também o pesadelo. Ou mesmo dois pesadelos: a presença de um intrometido escuteiro, mas bom rapaz, preocupado com a harmonia ecológica, e a chegada à terra onde o perigoso Charles Muntz persegue e cataloga ossadas de animais extintos ou em via de extinção. O filme é delicodoce até ao aparecimento de Muntz, torna-se uma vertiginosa aventura daí em diante. De início arrasta-se em fotografias de álbum de família a puxar ao choradinho, depois lança-se numa aventura estilo Indiana Jones.
Obviamente que se trata de um filme estimável e recomendável, mas comparar “Up” com “Wall-E”, por exemplo, vindo da mesma Pixar, para mim fica a perder. De todas as formas a animação digitar segue de vento em popa, anulando o pessimismo dos que asseguraram que a animação nunca mais seria a mesma coisa e perderia toda a magia. Digital ou não, o importante é a sensibilidade e o talento de quem cria, não as técnicas que utiliza.
UP - ALTAMENTE!
Título original: Up
Realização: Pete Docter, Bob Peterson (EUA, 2009); Argumento: Bob Peterson, Pete Docter, Thomas McCarthy; Produção: Le Con, John Lasseter, Jonas Rivera, Andrew Stanton; Música: Michael Giacchino; Montagem: Katherine Ringgold; Design de produção: Ricky Nierva; Direcção artística: Ralph Eggleston, Bryn Imagire, Harley Jessup, Daniel Lopez Munoz, Don Shank; Departamento de arte: James S. Baker, Josh Cooley, Stephanie Hamilton, Erik Langley, Bobby Rubio, Peter Sohn, Veronica Watson; Som: Tom Myers; Efeitos visuais: Gary Bruins, Tolga Goktekin, Thomas Jordan; Animação: Dave Mullins; Companhias de produção: Walt Disney Pictures,Pixar Animation Studios; Intérpretes: Edward Asner (Carl Fredricksen), Christopher Plummer (Charles Muntz), Jordan Nagai (Russell), Bob Peterson (Dug / Alpha), Delroy Lindo (Beta), Jerome Ranft (Gamma), John Ratzenberger, David Kaye, Elie Docter, Jeremy Leary, Mickie McGowan, Danny Mann, Donald Fullilove, Jess Harnell, Josh Cooley, Pete Docter, etc. Duração: 96 minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 6 anos; Estreia em Portugal: 13 de Agosto de 2009.

segunda-feira, janeiro 19, 2009

CINEMA: A VALSA COM BASHIR

A VALSA COM BASHIR
Um cão corre para a objectiva, o mesmo é dizer que corre em direcção ao público. Vem bem de frente, olhos nos olhos do espectador. Olhos raiados de sangue, dentes afiados, boca a espumar de raiva e ódio. Um segundo cão junta-se-lhe, um terceiro, um vigésimo, um vigésimo sexto. O desenho (de Yoni Goodman , excelente!) é duro, agressivo, as cores limpas, azuis de noite, amarelos dourados de luzes, os transeuntes afastam-se à passagem da matilha, cadeiras de esplanadas derrubadas, uma mãe que puxa para si o filho que tem ao colo, a corrida é impressionante de vigor até que tudo se suspende: os cães olham uma janela no cimo de um prédio, onde um homem os olha igualmente e se interroga. É esse homem que procura, num bar perdido na noite, Ari Folman, um realizador (o realizador de “A Valsa com Bashir”), e lhe conta o sonho obsessivo que o não deixa dormir: vinte e seis cães que o perseguem, tal como a memória de uma guerra passada, onde interveio vinte anos antes. Assim começa “A Valsa com Bashir”, um longa-metragem de animação, dirigida de forma totalmente inesperada por um israelita, abordando o conflito que opõe judeus e árabes, há largos anos, no Médio Oriente. Esse amigo confessa a Ari Folman que não percebe o significado dos cães com que sonha e não recorda nada da guerra. Ari Folman também não se lembra da guerra por onde passara há vinte anos atrás e que ficou conhecida como Guerra do Líbano. O filme será uma procura dessa memória, invocando testemunhos de outros combatentes que tinham estado ao lado de Ari nesse conflito, sobretudo quando as tropas israelitas invadiram o Líbano e chegaram a Beirute, passando de caminho pelos massacres de Sabra e Chatila, que se tornaram tristemente célebres na altura e agora serviram de base de apoio para esta magnífica película de animação (que não é para crianças, mas sim “para adultos”, sem que a designação contenha qualquer referência a “sexo explicito”).
Convém, no entanto, recuar um pouco e situar historicamente os acontecimentos de que falamos. O Líbano tinha-se tornado, a partir de 1948, um país em constante estado de guerra civil, dado que possuía uma população muito heterogénea, composta por cristãos maronitas e muçulmanos, com entrada no conflito de países como a Síria ou Israel e a OLP, de Yasser Arafat. Cada um com ideias definidas sobre quem devia governar, e com os palestinianos furiosos pela sua expulsão da Jordânia, às ordens de Hussein. As alianças faziam-se e desfaziam-se, tão depressa era a Síria a aliada, como Israel, e no meio desta onda de violência descontrolada, que causava massacres de inocentes dos dois lados das barricadas, o próprio país se viu dividido em áreas de influência delimitadas. A luta levou a que a OLP se instalasse no sul do Líbano. Pode considerar-se que a guerra teve quatro momentos decisivos: entre 1975 e 1977, com combates e massacres entre as comunidades religiosas, e uma intervenção síria, a pedido do Parlamento Libanês; entre 1977 e 1982, caracterizada por uma intervenção de Israel no sul do Líbano, através do que ficou conhecido como “Operação Litani”; entre 1982 e 1984, com a invasão de Israel, a tomada de Beirute e a posterior intervenção das Nações Unidas; e entre 1984 e 1990, culminando com os Acordos de Taif, assinados na Arábia Saudita, onde foram criadas condições para o cessar-fogo em 1990. Massacres de católicos e de muçulmanos foi acontecimento que se tornou infelizmente banal, e poucos sabem quem começou esta guerra de guerrilha e de terrorismo insano. Cada facção aponta o inimigo como principal culpado e um observador isento tem dificuldade em julgar. Mas isso pouco importa para a análise do filme de Ari Folman, que é sobretudo um olhar retrospectivo sobre a entrada das tropas israelitas no Líbano, em 1982, e os massacres do sul da capital libanesa, entre 16 e 18 de Setembro. O massacre de Sabra e Shatila imolou centenas ou milhares (os números vão de 300 a 3.500, consoante o quadrante) de refugiados civis palestinos, numa acção perpetrada por milicianos cristãos maronitas, nos campos de Sabra e Shatila, então sob protecção de Israel. A opinião mundial voltou-se mais uma vez contra Israel e culpou o então ministro da defesa, Ariel Sharon, de ser pessoalmente responsável pela chacina, tendo falhado na protecção aos refugiados.
Sharon, quando candidato a Primeiro-ministro de Israel, lamentou as mortes e negou qualquer responsabilidade. A repercussão do massacre, entretanto, fez com que fosse demitido do cargo de Ministro da Defesa, na época.
Ari Folman foi um dos soldados israelitas que interveio na ocupação do Líbano, um dos que penetrou nas ruas da cidade, um dos que olhou o horror dos massacres, um dos que conheceu o pesadelo da guerra. A ele, como a milhões de outros soldados de qualquer guerra em qualquer parte do mundo, a memória acudiu para que a vida posterior fosse possível, e abafou as imagens do sofrimento. Chama-se a isso memória selectiva, a que enterra em zonas do subconsciente as recordações que ferem a existência do dia a dia. Há quem diga (muitos filmes o reafirmam continuadamente) que os soldados quando regressam a casa não sossegam em função das memórias traumáticas da guerra que viveram. Outros, como Ari Folman, comportam-se de maneira inversa: é a falta de recordações que os leva à inquietação e à procura desesperada do passado. De conversa em conversa com antigos camaradas de armas, o realizador vai recuperando as imagens perdidas, que figuram no filme como “flashbacks” de um puzzle que lentamente vai tomando forma. Ari Folman não vive obcecado pelas recordações, mas pela ausência delas. Diz: “Acho que é uma coisa muito pessoal. Acho que a maioria das pessoas suprime memórias dessa natureza por ser uma solução muito eficaz para a existência.” Aqui é a ausência dessas imagens que provoca a falha de consciência, o que é traumático. “Neste filme, sim. Mas apesar de tudo, as pessoas sobreviveram ao Holocausto. O que é que nós passámos em comparação com elas? Não é nada mau suprimir as imagens traumáticas. Mas quando vem tudo ao de cima, é preciso conseguir lidar com isso.”
Neste processo de recuperação de memória, Ari Folman, conhecido documentarista israelita, entrevista nove pessoas, sete das quais aceitam dar a cara, sendo que as duas restantes deram os seus depoimentos a ler a actores. A animação parte então da imagem real, trabalhada como desenho por uma equipa de técnicos de animação. Há quem precipitadamente afirme que se trata de um documentário em animação. Nada de mais errado, não pela técnica, mas pela pesquisa que o filme encerra. Não há nada de mais subjectivo do que a memória, logo não há nada que possa ser mais ficcionado do que esta obra. O que vemos e ouvimos são recordações traumáticas, muitas vezes recalcadas, logo possivelmente distorcidas, de experiências pessoais que não têm nada de comum e de objectivo. Esse possivelmente um os fascínios desta experiência, essa procura de uma objectividade possível, esse ressuscitar da história pessoal num quadro de História colectiva que se processa através de depoimentos que nem sempre coincidem, mas que lentamente se vão ajustando na memória de Ari Folman. A memória deste homem é reavivada por testemunhos exteriores a si, filtrados por experiências privadas diversas, que ele, todavia, vai de certa forma assimilando, fazendo suas. A recordação da chegada a uma praia, por exemplo, num oceano juncado de cadáveres, vai sendo progressivamente reavivada. Mas nada nos diz que se trate de uma reconstituição histórica correcta, mas sim de um puzzle cujas peças se vão ajustando com base em palavras ouvidas que encontram eco no subconsciente de Ari Folman. Nada de mais pessoal e intimista, nada de menos documental. Mas esse é seguramente um dos aspectos mais estimulantes desta pesquisa. Sobre essa cena da praia, que funciona como um “leit motiv”, o próprio realizador afirmou (ao “Sight & Sound”): "It should be hallucinatory but also realistic," e mais adiante, "We wanted to make a realistic scene in a very dreamy way, so that you would be confused until the very end about whether it really happened." "Waltz With Bashir'" é, por isso mesmo, um trágico documento “pessoal” sobre o horror da guerra, que um israelita assume com invulgar coragem e desassombro. Coragem que vai até final, quando, na derradeira sequência, a animação cede perante as imagens reais do brutal massacre. Da incansável procura do passado ressurge finalmente o passado. Um belíssimo filme de uma actualidade gritante. Quem nos dera que os palestinianos tivessem do seu lado a oportunidade, ou o desejo, de criarem obra idêntica. Razões não lhes faltarão certamente. E só da assunção das culpas por ambas as partes se poderá chegar a um entendimento possível, que reponha a paz na região. Que o cinema pode ser uma arma, “Valsa com Bashir” atesta-o.
A VALSA COM BASHIR
Título original: Vals Im Bashir ou Valse avec Bachir ou Waltz with Bashir
Realização: Ari Folman (Israel, Alemanha, França, EUA, 2008); Argumento: Ari Folman; Produção: Ari Folman, Serge Lalou, Gerhard Meixner, Yael Nahlieli, Roman Paul; Música: Max Richter; Montagem: Feller Nili; Direcção artística: David Polonsky; Direcção de Produção: David Berdah, Verona Meier; Departamento de arte: Ya'ara Buchman, Michael Faust, Asaf Hanuka, Tomer Hanuka; Som: Aviv Aldema; Efeitos visuais: Feller Eran, Nitzan Roiy; Animação: Yoni Goodman; Companhias de produção: Bridgit Folman Film Gang, Les Films d'Ici, Razor Film Produktion GmbH, Arte France, Hot Telecommunication, ITVS, Israel Film Fund, Medienboard Berlin-Brandenburg, New Israeli Foundation for Cinema and Television, Noga Communication - Channel 8; Intérpretes (vozes): Ron Ben-Yishai, Ronny Dayag, Ari Folman, Dror Harazi, Yehezkel Lazarov, Mickey Leon, Ori Sivan, Zahava Solomon, etc. Duração: 90 minutos; Distribuição em Portugal: Atalanta Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 1 de Janeiro de 2009; Estreia mundial: 12 de Junho de 2008.

domingo, janeiro 18, 2009

LETRAS NOS PASSEIOS DE LONDRES

Descobri o video no blogue do Frederico
(onde há sempre coisas interessantes para ver).
Vejam também:

domingo, julho 13, 2008

CINEMA: O PANDA DO KUNG FU






O PANDA DO KUNG FU
Um urso panda não parece ser o animal que melhor se identifica com as artes marciais, nomeadamente com o kung fu, que requer agilidade, força e mil e uma outras capacidades. O panda gosta de dormir e comer, este de que falamos passa bem dos cento e trinta quilos, é filho de um pato (!) que tem uma loja de sopas e de massas chinesas, e só a dormir sonha vir a ser um dos mestres do Kung Fu. Mas quem sonha às vezes alcança, esta uma máxima que é bom por a circular, e é isso que este novo filme de animação computorizada da Dreamworks faz, com humor, simplicidade, muita acção, muitas referência cinéfilas, um bom desenho, e uma banda sonora de inspiração chinesa que se mete pelos ouvidos dentro sem pedir licença. O resultado, como se deve calcular, é bom, tanto para o Mário que tem quase 6 anos, e adorou, como para os adultos que o acompanharam, e também se divertiram muito. A animação americana consegue muitas vezes este efeito, e “O Panda do Kung Fu” é, certamente, um dos seus melhores exemplos recentes. Depois de Nemo e do ogre, a Dreamworks inventa um novo herói com direito a entrar na galeria dos mais desejados.
A história é construída à medida das necessidades: Po, o panda, sabe que procuram “o” mestre de kung fu para combater a ameaça do terrível leopardo das neves, Tai Lung, que se evadiu da prisão. O velho mestre Shifu treinou durante anos um grupo de guerreiros (Tigresa, Grou, Louva-a-Deus, Víbora e Macaco) que julga virem a ser os lendários justiceiros do seu intimidado povo. Mas afinal o destino põe-lhe nas mãos o atarantado e resfolegante panda, que mal parece poder com uma gata pelo rabo. Mas a vontade interior é mais forte (pelo menos nos filmes, e ainda bem que há algum local onde a utopia ainda acontece!) e Po lá consegue levar a missão até ao fim.
O filme é dirigido por Mark Osborne e John Stevenson e conta,, no original, com as vozes de Jack Black, Dustin Hoffman, Angelina Jolie, Ian McShane, Jackie Chan, Seth Rogen, Lucy Liu, David Cross e (na versão portuguesa, bastante boa) Marco Horácio, José Raposo, Joaquim de Almeida (excelente, no vilão da fita!), Diana Chaves, Fernanda Serrano, Olavo Bilac, Jorge Mourato, João Ricardo, etc.
Como sempre, o gozo é também cinéfilo. As referências a obras de Bruce Lee ou Jackie Chan, a “O Tigre e o Dragão”, a filmes de Zhang Yimou, ou aos óbvios “O Momento de Verdade I, II e III” (The Karate Kid) dispersam-se ao longo da projecção.

terça-feira, julho 08, 2008

99 ROOMS

UMA EXPERIÊNCIA INVULGAR

99rooms é um projecto de arte interdisciplinar concebido para a Internet: pintura, fotografia, animação e som conjugam esforços para algo de efeito surpreendente. Realizado em 2004, são autores Kim Köster (o artista plástico alemão, radicado em Berlim), Richard Schumann (direcção artística), Johannes Bünemann (design de som) e Stephan Schulz (programador).
São 99 quadros que necessitam de tempo para serem explorados. Tem de clicar no quadro para descobrir o local preciso que o leva a passar ao quadro seguinte, ou a desencadear transformações no próprio quadro. Mas todo o tempo e toda a dedicação são merecidos e reconfortantes.
Não perca e vá ao site, clicando aqui:

segunda-feira, julho 30, 2007

SERIES DE ANIMAÇÃO

A Disney não entra, mas tem lugar de eleição
SÉRIES DE ANIMAÇÃO

Séries de animação. O Frederico do “Não há Nada como o Realmente” desafiou-me a confessar quais as minhas séries de animação preferidas. Pois bem. Nos meus tempos de miúdo, não havia ainda televisão (e quando apareceu, não apareceu logo com séries!) e as minhas séries preferidas eram mesmo de cinema: toda a produção Disney, obviamente, “Tom e Jerry”, toda a série “Looney Tunes”, da Warner, com Silvestre, Piu piu, o Monstro da Tasmânia, Speed Gonzalez, etc, etc. A Pantera Cor-de-Rosa surgiu muito depois, mas fica na lista. Os Marretas igualmente. E, finalmente, algumas séries japonesas.
Nunca fui apaixonado por séries infantis de animação na televisão. Achava-as mesmo um pouco chatas e desengraçadas. Os “Simpsons” ou “South Park” não são animação infantil. Só as conheci em adulto e acho que só funcionam plenamente em idade madura.

Assim sendo aqui ficam as escolhas:

Tom e Jerry Looney Tunes Os Marretas Pantera Cor- de-Rosa Conan