domingo, julho 30, 2006


AVANCA’06

Os Encontros Internacionais de Cinema, Televisão, Vídeo e Multimédia de Avanca decorreram entre 26 e 30 de Julho de 2006. Para lá de uma mostra de obras audiovisuais de todo o mundo, realizaram-se alguns workshops, comemorando as 10 edições do AVANCA. Entre as obras que despertavam maior interesse, a concurso, e entre as que pude ver, contava-se "Topor et Moi", de Sylvie Kristel. Já aqui falei da minha admiração por esta mulher belíssima e extremamente simples, naturalmente sensual e não muito boa actriz, é verdade, apesar de se ter transformado, de uma dia para o outro, num mito sexual dos anos 70, e muito embora ter aparecido nalguns filmes curiosos, quando dirigida por cineastas de prestigio (Chabrol, Robbe-Grillet, um ou oputra mais).

Mas "Topor et Moi" anula tudo o que para trás disse. Com esta curta-metragem de animação, SK não se esquece do tempo de "Emmanuelle" e faz dela o precurso até à actualidade, desde que se tranformou em "Sex Symbol" de várias gerações até à actual idade madura (54 anos), onde pinta, escreve e realiza filmes, agora definitivamente sem talento nenhum, e um pretenciosismo de nova rica, de "intelectual" feita à pressa, agradecida a Topor que lhe estendeu o pincel e a ensinou a pintar com café e com o que tivesse à mão. Infelimente, técnicas ensinam-se, talento não se passa de mão em mão. As pinturas parecem saídas da Feira do Relógio, o filmezinho não existe, a ver vamos a auto-biografia que se anuncia. Além disso, agora transformou-se numa "diva" que se afasta do "povo" e acha uma chatice jantar num jardim, sem cadeiras, com mesas corridas e pratos de plástico. Não há pachorra. No dia do jantar mostrei-lhe a página do DN com a entrevista que lhe fiz há vinte e três anos. Marcámos um encontro para o dia seguinte, para "actualizar" a entrevista. Depois de ver o filme, "esqueci-me". Não tinha nada para lhe perguntar, ela nada para me dizer com qualquer tipo de interesse. Preferi ir almoçar à praia da Torreira. Um refeição magnífica. Sem a Kristel, é verdade, mas com outras vantagens.


Um filme de alunos da Universidade Católica do Porto, assinado por João Nuno Brochado, "Paraiso Fiscal", foi a outra obra da noite de abertura. Também aí nada de especial. Uma repartição de finanças e o caos, para lá e para cá do balcão, instalado com base nos ruídos que se repetem. Uma espécie de "Dancing in the Dark", com uma montagem bem batida, interpretações deficientes, e uma sátira sem sentido. A primeira exigência da grande comédia é amar-se as pessoas, nao desprezá-las. Aqui goza-se com tudo, sem critério. Uma anedota mal contada e sem graça, à fora de a querer ter.
Não muito melhores foram "Puritas", de um grupo de frequentadores de um "work shop" de Avanca 2005, "Fat Fatal", de Micaela Copikova (Eslováquia) ou "Le Jour du Festin", de Cedric Hachard e Sebastien Milhou (França). Mais curioso foi a experiência de Janek Pfeifer, em "Quatro Elementos", com música de Joaquim Pavão. Um grafismo interessante, acompanha uma banda musical inspirada, abordando os quatro elementos. Trabalho de PC, criando apenas silhuetas animadas, mostra desenvoltura técnica, mas pouca emoção. De todas as formas, uma experiência a rever.

Curiosa também a longa-metragem da Macedónia, "Mirage", de Svetozar Ristovski, que aborda as feridas da guerra na Bósnia, e chama a primeiro plano um miúdo, que poderia ter tido um futuro grandioso mas que as circunstâncias arrastaram para uma sorte madrasta. Um bom filme a merecer outra visibilidade. Muito boa é a sátira aos EUA e ao terrorismo internacional, "Patriotic", de Pascal Liévre e Benny Nemerofsky (França), onde se ilustra com geniais imagens de cantores militares a banda sonora de Celine Dion para o "Titanic".

Não pude estar até final do festival, mas o clima de simpatia e boa vizinhança era sintomático. António Costa Valente estava feliz pelos 10 anos celebrados, os gémeos, com dois meses, e o mestrado terminado. Até para o ano, se não for antes.

Para saber mais:
http://www.avanca.com/
ATRIBUíDO O
PRÉMIO NACIONAL
DO AMBIENTE:

CINE ECO
(Festival Internacional
de Cinema e Vídeo do Ambiente
da Serra da Estrela, Seia, Portugal)


Atribuído pela
Confederação Portuguesa das Associações
de Defesa do Ambiente
A cerimónia efectuou-se no
Dia Nacional da Conservação da Natureza
(28 de Julho de 2006)
na Museu da Água
(Jardim do Principe Real - Lisboa)

Falando sobre o Festival e a sua importância

Os directores do Cine Eco
(Lauro António e Carlos Teófilo)
"afirmaram ficar muito satisfeitos com o Prémio,
mas não o agradecem.
Se não fosse merecido, não o teríamos ganho.
Se ganhámos, merecemos.
O estímulo obriga-nos a crescer e acarreta novas responsailidades.
Ainda bem, para o Festival ser cada vez melhor."
O Dr. João Manuel Caetano, da CPADA,
presidiu á cerimónia, e entregou os galardões.
O Prémio vai para Seia,
"para uma das monstras da sala do Cine Teatro
onde há onze edições decorreu o Festival,
que este ano, tal como sempre,
acontecerá no mês de Outubro."

PRÉMIO CARREIRA:
PROF. DR. FERNANDO CATARINO

Outro Prémio que o Cine Eco sauda efusivamente:

Prémio Carreira para o Prof. Doutor Fernando Catarino,

aqui numa das sua apreciadas "lições".

O Prof Fernando Catarina

vai voltar a Seia em Outubro,

como Presidente do Júri Internacional

do Cine Eco.

quarta-feira, julho 26, 2006

“MODIGLIANI”

Nada conheço de Mick Davis. Sei que escreveu vários filmes e realizou dois, “Modigliani” é o segundo. Quem viu, e não deixará de recordar o Modigliano de Gérard Philipe, sob as ordens de Jacques Becker, não pode deixar de avançar para uma nova biografia do pintor com alguma desconfiança e um alto valor de comparação. Mas apagadas as luzes, acende-se o ecrã, e vê-se em grande plano um rosto de mulher, espantosa de expressão, que se nos dirige: “O que é o amor, sabe? Já o sentiu tão profundamente, ao ponto de se saber condenada ao inferno? Eu já o senti!” Arranque forte, dramático e uma mulher (Elsa Zylberstein), de olhar dorido e de rara beleza, a confrontar-nos com algo de irrecusável, um “amor louco”, de perdição, funesto. Ele deu tudo, até a vida por uma homem, que amou até ao desespero. Um amor daqueles que vale a pena sentir, nem que seja uma vez na vida. E vem daí o “flash back”, esse regresso ao passado, para um ou dois anos antes, e o filme entra na sua girândola de maneirismos, de um ultra-romantismo que ás vezes quase chega a ser simpático, de um ultra-decadentismo que eleva à última potência a figura mítica do “artista incompreendido e maldito”, que nos atira para um barroquismo de composição que raras vezes é suportável, e que impõe um estilo de representação gongórico e retórico: Andy Garcia é um dos produtores e dificilmente pode ser mais cabotino, deixado à solta por um realizador que não teve mão nele. Modigliani vai fazendo suceder poses, gestos, movimentos, tiques que o colocam sempre a “posar” para a eternidade e a compor a figura que se enquadra bem na tela.
Paris, 1919, artistas plásticos e escritores, galeristas e acompanhantes, à volta da mesa: Pablo Picasso, Maurice Utrillo, Max Jacob, Jean Cocteau, Zborowski, Soutine, Diego Rivera, Moise Kisling, Gertrude Stein, Renoir, Claude Monet, Berthe Weill ou Frida Kahlo, para lá de Amedeo Modigliani e do grande amor da sua vida, Jeanne Hébuterne. O Grande Salão dos Artistas, e o seu concurso, com 5 mil francos de prémio. A rivalidade entre Picasso e Modigliani, o vinho, a droga, os amores impetuosos, a frivolidade dos anos 20, as mansardas de Montparnasse, a vida boémia, os cafés, os restaurantes, as tabernas, a pintura, o “deus” Renoir e o reconhecimento do talento, e do sucesso: um palacete, vários carros, mulheres, um final de vida feliz, “mas pouco vinho”, para chegar a velho. A lição de Picasso, contra os excessos de Mody. Uma biografia redutora de um período de dois a três anos dos mais frenéticos da arte ocidental. Há momentos por vezes de algum encanto, raríssimos (Modigliani pintando Jeanine Hebuterne, no quadro em que ele finalmente lhe desenha os olhos, porque “lhe penetrou a alma”; a compita entre vários génios a conceberem os quadros que irão figurar na Exposição: pena a banda sonora de “vídeo clip” manhoso; a abertura e o fecho com uma fabulosa Elsa Zylberstein (valerá a pena sofrer duas horas para assistir ao início e ao fim desta obra?). Mas a generalidade é penosa.

MODIGLIANI (MODIGLIANI), de Mick Davis (EUA, 2004); com Andy Garcia, Elsa Zylberstein, Omid Djalili, Eva Herzigova, Udo Kier, Hippolyte Girardot, etc. 127 min; M / 12 anos.


CINE ECO 2006
ALGUMAS OBRAS A CONCURSO
JÁ SELECCIONADAS
(em fim de Julho de 2006)

O PROFETA DAS ÁGUAS, DE LEOPOLDO NUNES (BRASIL, 2006); DOCUMENTÁRIO; 85’
O AMENDOIM DA CUTIA (KIARÃSÂ YÕ SÂTY, O AMENDOIM DA CUTIA), DE KOMOI E PATURI PANARA (BRASIL, 2006); DOCUMENTÁRIO; 51’

PEIXE FRITO, DE RICARDO GEORGE DE PODESTÁ (BRASIL, 2005); ANIMAÇÃO; 19’

É DA RAIZ, DE ANGELO LIMA (BRASIL, 2006); DOCUMENTÁRIO; 12’
MUITCHAREIA, DE ULIANA DUARTE (BRASIL, 2006); DOCUMENTÁRIO; 69’
OURO BRANCO – O VERDADEIRO PREÇO DO ALGODÃO (WHITE GOLD - THE TRUE COST OF COTTON), DE SAM COLE (INGLATERRA, 2005); DOCUMENTÁRIO; 8’

PROMETO ÁFRICA (I PROMISSE AFRICA), DE JERRY HENRY (EUA, QUÉNIA, 2005); DOCUMENTÁRIO; 3’

CONFLITO TIGRE (CONFLICT TIGER), DE SASHA SNOW (RÚSSIA, 2005); DOCUMENTÁRIO; 61’

A VERDADEIRA SUJIDADE DO AGRICULTOR JOHN (THE REAL DIRT ON FARMER JOHN), DE TAGGART SIEGEL (EUA, 2005); DOCUMENTÁRIO; 82’

DHOBIGHAT, DE GIORGIO GARINI (SUÍÇA, 2005); DOCUMENTÁRIO; 48’

A ÚLTIMA BOMBA ATÓMICA (THE LAST ATOMIC BOMB), DE ROBERT RICHTER (EUA, 2005); DOCUMENTÁRIO; 82’

OVAS DE OURO (OVAS DE ORO), DE MANUEL GONZALES (CHILE, 2005); DOCUMENTÁRIO; 63’

CARPATIA, DE ANDRZEJ KLANT E ULRICH RYDZEWSKY (ÁUSTRIA, 2004); DOCUMENTÁRIO; 127’

ver mais informações aqui

terça-feira, julho 25, 2006


“A VIDA SECRETA
DAS PALAVRAS”

“La Vida Secreta de las Palabras”, de Isabel Coixet, que a escreveu e dirigiu, é uma obra interessante com alguns bons momentos de cinema, uma cena para recordar de futuro, duas interpretações acima da média, e meia dúzias de excessos, ou de inevitabilidades retóricas da narrativa que retiram ao filme o peso que poderia ter, se fosse mais seco e austero. De todas as formas, um filme a ter em conta, uma boa continuação de trajecto para esta jovem barcelonesa que um dia encontrei em Setúbal, com quem falei demoradamente sobre um filme seu, “Cosas Que Nunca Te Dije” (1995), surpreendente estreia na longa-metragem de ficção que, desde logo, augurava uma autora de recursos e futuro. O futuro aí está. Depois sucederam-se “A Los Que Aman” (1998), “Mi Vida Sin Mi” (2003) até chegar a este “La Vida Secreta de las Palabras” (2005). Um bom percurso, com reconhecimento internacional, várias presenças e prémios em Festivais, actores de certa nomeada e prestígio (como Tim Robbins) a aceitarem colaborar e impulsionar a carreira de Isabel Coixet. Ela merece-o.
“A Vida Secreta das Palavras” é um filme sobre cicatrizes e silêncios. O melhor do filme encerra-se neste casulo secreto. Numa plataforma petrolífera no norte da Europa, um acidente, um incêndio, uma morte e um ferido que tem de ser cuidado no interior dessa ilha metálica, antes de ser transferido para um hospital. Não muito longe, Hanna, enigmática, fechada, cumpridora operária de uma fábrica, come frango, arroz branco e meia maçã, em frugais refeições. Jovem, miúda, metida consigo, surda (por vezes por opção), é bem vista pela administração, mas segregada pelos companheiros que não a entendem. Nem aos silêncios. Nem à distância. Uns olhos perdidos no passado, sabe-se depois, quando, em vez de ferias que lhe recomendam, aceita ser enfermeira na plataforma petrolífera e tratar de Josef, um queimado grave, que ainda por cima tem uma perna e um braço partidos, e uma cegueira temporária.
Única mulher entre sete homens, Hanna mantém-se de poucas falas e de grande eficácia e dedicação. Sombra de Josef, a quem de inicio nada diz, ou apenas mentiras sem significado, vai lentamente despertando para uma nova vida, à medida que aceita desvendar dores antigas e segredos antes indizíveis. Para o horror não há palavras, ou há palavras a mais. Quando Hanna, depois de ouvir as revelações de Josef, e enquanto lhe limpa as cicatrizes de um acidente (que afinal não foi acidente), revolve abrir-se para o homem cego que tem diante de si, não há palavras que resistam: Hanaa abre a sua camisa e orienta as mãos de Josef num peito de pele fina e branca, feito mapa também ele de cicatrizes de horror, de vergonha. Essa é uma cena que fica para a recordação do espectador. Uma cena de uma beleza dilacerante, de uma força e nobreza invulgares. Está tudo dito, e quando, vinte minutos mais tarde, Julie Christie vem contar por palavras o que já estava dito e redito, reforça a retórica, entra num terreno de manipulação fácil, que o filme até aí não merecia. Digamos que Isabel Coixet não confiou suficientemente no seu talento e resolveu sublinhar, deixar bem claro. Pena que o filme não fosse todo ele esse fabuloso exercício de câmara, fechado numa ilha onde se contam os batimentos das ondas, e onde se estudam outras cicatrizes, as que os homens provocam na crosta terrestre, em busca de petróleo. Silêncios e cicatrizes num espaço fechado. A surdez e a cegueira. Cicatrizes. O terror de um tempo de guerra e de brutalidade sem fim, que um abraço de puro amor pode contrariar e levar lá para os terrenos da esperança e da generosidade daqueles “que nem se suspeitam que ainda existam”. Realmente a natureza humana comporta os extremos dos extremos, do horror mais abjecto ao amor mais redentor.


Afinal o que demonstra a “La Vida Secreta de las Palabras”, uma produção espanhola (de “El Deseo”: Almodôvar), a que alguns actores internacionais emprestam talento e presença (Sarah Polley, excelente, Tim Robbins, com notável contenção, Julie Christie, Javier Camara, Sverre Anker Ousdal, etc.). Se não fossem as reservas, seria um marco. Mas Isabel Coixet vai lá chegar.

A VIDA SECRETA DAS PALAVRAS (La Vida Secreta de las Palabras), Isabel Coixet (Espanha, 2005), com Sarah Polley, Tim Robbins, Javier Câmara, Eddie Marsan, Steven Mackintosh, Julie Christie, Danny Cunningham, Emmanuel Idowu, Dean Lennox Kelly, Daniel Mays, Sverre Anker Ousdal, Leonor Watling, Reg Wilson, Peter Wright, etc. 114 min; M/ 12 anos.

segunda-feira, julho 24, 2006

ALIDA VALLI

Uma bonita referência no "Divas" recordou-me que uma das mais belas e sedutoras actrizes do cinema italiano tinha desaparecido há pouco, perante uma quase indiferença da cinéfilia portuguesa. No entanto, a sua interpretação da Condessa Serpieri, no "Sentimento", de Luchino Visconti, bastaria para lhe assegurar um lugar de destaque na História do Cinema. Mais do que isso, um lugar de destaque no coração e na memória de quem gosta de cinema, de quem tem o prazer de parar perante a beleza esfíngica e solar desta mulher, aristocrata por nascimento, mas sobretudo aristocrata pela postura e a sensibilidade do olhar.
Mas Alida Valli passou ainda por filmes de Antonioni (O Grito), Hitchcock ("O Caso Paradine"), de Carol Reed ("O Terceiro Homem"), de Bernardo Bertolucci ("A Estratégia da Aranha", "1900"), tudo obras míticas que as novas gerações não deviam esquecer.

O futuro só se constrói com a memória do passado. É isso o que se chama "Cultura". É cultura que vai faltando, quando a barbárie avança. Cultura é a recordação da sensibilidade de Visconti, do seu olhar de aristocrata marxista, do seu distanciamento apaixonado desta história de amor louco ("alienado", se dizia na época, segundo a cartilha de George Lukacs) de uma aristocrata italiana, casada, por um oficial do exército invasor austriaco. No alto do sotão onde os amantes se reuniam, por entre quinquilharia vária, das galerias da Ópera donde caíam panfltetos revolucionários, apelando à revolta e a Garibaldi, Visconti traça um painel notável da história de Itália.

Alida Valli é o retrato sempre presente dessa mulher que a paixão perdeu, mas que o amor redimiu, apesar da condenação dos homens. Atravessando os corredores do seu palacete, acolhendo no leito o fingido austríaco, abraçando no canapé donde escorre uma coberta vermelha como o sangue, investigando o ciúme que a leva perseguir o oficial sem honra, ou despojada de tudo, oferendo-se sobre palha ao homem que ama, Alida Valli é um rosto de mulher e uma presença de paixão que nunca mais se esquece. Honra de Visconti também, mas momento de génio e fulgor de uma actriz admirável.

MAIS ALIDA VALLI:

Alida Maria Laura Altenburger,
Baronesa de Marckenstein e Frauenberg,
nasceu a 31 de Maio de 1921,
em Pola, Istria, Itália,
e morreu em Roma, a 22 de Abril de 2006.







domingo, julho 23, 2006


RAUL CORTEZ
Nome Completo: Raul Christiano Machado Cortez
Natural de: São Paulo, São Paulo, Brasil
Nascimento: 28 de Agosto de 1932
Falecimento: 18 de Julho de 2006
Raul Cortez morreu. Era um dos grandes actores da televisão, do teatro e do cinema brasileiros. Um amigo de Portugal. Por estas terras passou diversas vezes, com grande sucesso. Nos anos 60 tive o privilégio de o ver integrando a Companhia Cacilda Becker, ao que me lembro no Teatro Monumental. Um êxito absoluto, um elenco de luxo, encimado pela fabulosa Cacilda, e onde se podiam ver muitos outros nomes grandes do teatro e do espectáculo brasileiro. A versão de “Seis Personagens à Procura de um Autor”, de Pirandelo, foi inesquecível. Quantas experiências destas não fazem de um jovem, um amante de teatro?
Em 2003, em Brasília, durante o Festival de Cinema, nossos caminhos voltaram-se a cruzar. Ele era Presidente do Júri, eu era convidado para integrar dois painéis, um sobre “Cinema e Literatura”, outro sobre “Cinema e Ensino”. Recordações magníficas desses dias de Novembro, a descobrir a cidade de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, a ver as últimas produções do cinema brasileiro, num ano de colheita próspera e vigorosa, e os fins de noite em jantares e confraternizações de luxo, com personalidades como Raul Cortez, Júlio Bressane, Carlos Diegues, Lucélia Santos, Tânia Montono, Silvio Tendler, Maurice Capovilla, Sylvio Back, Rogério Sganzerla, Carlos Reichenbach, e tantos outros.
Era Novembro e, em Março do ano seguinte (2004), haveria em Famalicão mais uma edição do “Famafest”. Num dos encontros com Raul Cortez convidei-o para ser Presidente do Júri nesse festival que dirijo, e, sobretudo depois de ter nas mãos dois livros-catálogos que lhe ofereci, mostrou-se entusiasmado com a hipótese. Parecia que contava vir a Portugal apresentar um novo espectáculo seu no Teatro de São Luiz, mas nem Famalicão nem Lisboa o voltou a ver. Seguiram-se anos de luta contra o cancro, em Setembro de 2005 os jornais brasileiros anunciavam festa grande para comemorar os seus 74 anos e a vitória sobre a doença, mas foi uma vitória efémera. Há dias soube da morte de Raul Cortez.
Mas um actor, mais do que qualquer outro artista não morre. Impossível ter acontecido. Vi-o ontem com todo o seu talento a interpretar “O Outro Lado da Rua”, um filme de 2004, de Marcos Bernstein, igualmente com Fernanda Montenegro. Bom argumento, fraca realização, muitas falhas narrativas que fazem emperrar a história, apesar de um bom gosto plástico e de alguma segurança de enquadramentos, excelentes desempenhos. A história relembra “A Janela Indiscreta”, de Hitchcock, mas não no sentido do “thriller” de suspense, mas numa outra direcção: Regina, uma velhota solitária a viver na zona de avenida Atlântica, no Rio de Janeiro, é denunciante da polícia, “Branca de Neve” de pseudónimo, fazendo parte de uma grupo de terceira idade que se distrai caçando criminosos. Regina gosta da limpeza, anda com saquinho de plástico na mão a apanhar cocós de cães, do dela e dos alheios, e acho que o vizinho da frente por muito que lave as mãos, elas nunca ficarão limpas. O “vizinho da frente”, que ela espreita de binóculos, é um antigo juiz que tem a mulher acamada. Regina desconfia que, certa noite, ele lhe deu uma injecção letal. Por isso telefona à polícia. Mas a policia não encontra nada de anormal na morte da mulher que tinha um cancro terminal. Regina, porém, não se convence, intromete-se na vida do velho juiz e acabam os dois, de confidência em confidência, de revelação em revelação, envolvendo-se numa bela história de amor na terceira idade.
O filme fala da solidão, da carência, da imaginação à solta, da ternura que falta e da necessidade de um olhar, de uma mão amiga. Fernanda Montenegro, saída da “Central do Brasil”, é admirável, Raul Cortez notável. Ali está ele, vivo para todo o sempre, complexo, atormentado. Espero ardentemente vê-lo em “Lavoura Arcaica”, que me dizem uma obra impressionante, mas que não consegui ainda ver no cinema, nem comprar o DVD. Quando o conseguir, Cortez regressará e regressará sempre, como todos os grandes actores que o cinema tornou eternos.
No elenco da Companhia Cacilda Becker
Companhia Cacilda Becker em Portugal, Lisboa
Em Coimbra, com a Companhia Cacilda Becker
Em Portugal, de electico
no Beco dos Ramos

2000 - "Rei Lear" (T)

2000 - "Um Certo Olhar" (Pessoa e Lorca) (T)

2004 - "O Outro Lado da Rua", com Fernanda Montenegro (C)

2001 - "Lavoura Arcaica" (C)

2002 - "Esperança" (TN)

"Terra Nostra", com Maria Fernanda Candido (TN)

2004 - "Meia Noite, um Solo de Sax na Minha Cabeça" (T)

2004 - "Senhora do Destino", com Glória Meneses (TN)
Sobre Raul Cortez, há um bom site oficial , donde transcrevemos uma inspirada biografia:

"Aqui, neste supremo perigo da vontade, aproxima-se, como uma feiticeira salvadora com seus bálsamos, a arte; só ela é capaz daqueles pensamentos de nojo e susto sobre o absurdo da existência em representações com as quais se pode viver."- Nietzsche
Apoderar-se da vida de Raul Cortez, passear o olhar de leitor numa trajectória de vida que é pura declaração de amor e entrega à arte de representar. Eis o desejo dos comuns mortais; saber se era alegre, se era triste, se era luz. Saber.
Neste momento, é Tiago, o personagem de Shakespeare, em "Como lhe aprouver", quem toma a palavra e fala por nós: "Peço-lhe, por favor, bonito rapaz que deixes ter mais amplo conhecimento da tua pessoa."
Belo, sensual e apaixonado. Obstinado e dionisíaco. Mágico. Muitos são os adjectivos que se poderia atribuir a Raul Cortez. Basta-lhe, no entanto, uma palavra: actor.
Raul imprimiu seu talento na televisão e no cinema. Mas o teatro foi, desde o início, seu eixo, o secreto centro a que sempre retorna. Os palcos da infância foram numa casa grande, repleta de sombras e aromas: manga, jasmim, rosa, violeta. Solar de quintais onde improvisava brincadeiras sem fim, no acto de representar com parceiros imaginários as sagas heróicas de menino. Com os pés na terra sonhava ser Flash Gordon, voava e dialogava com personagens de doçura e mistério. Quem vê hoje o bairro de Santo Amaro sequer imagina aqueles tempos de pureza provinciana em que o menino brincava de ser actor.
Nomes queridos evocam esse tempo onde se fincam as raízes de Raul. A mãe, Maria da Conceição; o pai, Rui; tantos irmãos: Rui Celso, Maria Lúcia, Pedro Augusto e José Eduardo. E Regina, a irmã adorada que tecia as infindáveis cortinas e a solidez do palco, a linha segura do trapézio onde a arte de Raul iniciava seus passos. O coração de estudante bailou por muitas escolas: Colégio São José, Grupo Escolar Paulo Eiró, Colégio Bandeirantes e Colégio São Bento. Tempo de lúdicas paixões que geraram contos e poemas vacilantes e ingénuos: personagens à procura de um actor. Mais tarde vemos um mocinho esguio e compenetrado, trabalhando no cartório do pai que o queria advogado. Só quem tem pai advogado conhece a dor que é contrariar o destino manifesto. Mas havia uma pedra no meio do caminho: o convite dos amigos alemães para participar de um grupo amador; vem Raul, vem ser Flash Gordon! E lá se foi o estudante de Direito.

"Seja o que Deus quiser, noite negra ou aurora; Todas as fibras de meu corpo tremulante gritam" - Baudelaire.
Contra a conspiração dos deuses do teatro não houve reza nem jeito: o grande circo estava armado, dourado de luzes e vozes.Mas, apesar de já executar os passos de actor, Raul Cortez ainda cumpriu a lavoura dos mortais: foi funcionário público, dono de agência publicitária, até ser aprovado no Teatro Brasileiro de Comédia: como recusar a majestade do porte e a potência da voz que se impunham no palco a despeito da ausência da técnica?
A estreia foi em "Eurídice", um papel de figurante em que contracenava com Cleyde Yaconis e Walmor Chagas. O nervosismo de estreante sonegou-lhe a voz no exacto instante da leitura da carta de Eurídice para Orfeu. O aparente fiasco foi seu baptismo de fogo.

"Para ser grande sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa..." - Ricardo Reis.
Algum tempo depois já integrava a Companhia Cacilda Becker e com ela fez viagens por todo o Brasil e chegou a Portugal, onde se relacionou com a actriz Célia Helena, uma mulher encantadora, viva e inteligente. Com ela dividiu o cotidiano e a paixão pelo teatro. E a vida de Raul alguns anos depois se transformaria com a felicidade do nascimento de sua primeira filha: Lígia. Na década de 60, integrou o quarteto "Os Jograis de São Paulo". O êxito da apresentação rendeu-lhe Prémios. E numa noite, num café, Raul Cortez conheceu a francesa Simone Jacquey. Era de novo o amor. No auge dos anos 60. Animado por essas duas paixões, homem e actor encontrariam a plenitude. Com Antunes Filho integrou o elenco de "Yerma" que lhe presenteou com o Prémio de Melhor Actor Coadjuvante pela Associação dos Críticos de Arte. Em 1963, interpretou na peça "Pequenos Burgueses" Teteriev, personagem Premiado com o Saci do jornal O Estado de São Paulo, mais o Prémio Governador do Estado de São Paulo.
"Multipliquei-me, para me sentir. Para me sentir precisei sentir tudo. Transbordei, não fiz senão extravasar-me, despi-me entreguei-me. E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente." - Álvaro de Campos
Em "Os Monstros", de 1968, Raul aventurou-se no happening, um jeito novo de representar, um vale-tudo corajoso em que o acto de se despojar e se entregar ao público eram a máxima. Também se mostrou nu no espectáculo "O Balcão", de Jean Genet, no teatro Ruth Escobar.

"É preciso estar atento e forte. Não temos tempo de temer a morte". - Divino Maravilhoso, Caetano Veloso.
Em 1970, com "Rapazes da Banda", recebeu seu primeiro Molière, o Prémio Governador do Estado da Guanabara e o Prémio Embaixada Americana. Marcou presença em"Greta Garbo acabou no Irajá", em que interpretava um homossexual carioca, trabalho que lhe valeu o Prémio Associação dos Críticos e Governador do Estado de São Paulo.
Em 1976, com a peça "A Noite dos Campeões", recebeu o seu segundo Molière e o Prémio Associação dos Críticos de São Paulo. Depois veio o terceiro Molière por "Quem tem Medo de Virgínia Woolf?". Nessa época, assumiu o relacionamento com Tânia Caldas com quem foi viver num apartamento no Leblon, Rio de Janeiro. Dessa união, a segunda filha: Maria. Recebe o convite para actuar em "Rasga Coração", de Oduvaldo Vianna Filho. Quis recusar, argumentando que o personagem Manguari Pistolão representava o Partido Comunista, do qual não fizera parte. Queria ser coerente com a memória do autor já falecido que, pensava Raul, não o aprovaria no elenco da peça. Mas a vida lhe revelaria sinais. Na maternidade onde Maria estava sendo amamentada, Raul soube que Oduvaldo morrera naquele mesmo quarto. E são palavras de Raul: "Que engraçada maneira que Vianna arranjou de me dar a resposta". E com "Rasga Coração", Raul recebeu o quarto Molière.
As telenovelas de televisão tornaram Raul Cortez um actor popular. Em 1980, recebeu um convite de Roberto Talma para actuar em "Água Viva". Tornou-se uma paixão nacional, ídolo reconhecido nas ruas e amado pelo povo. Foram inúmeros personagens de sucesso: o bicheiro Célio Cruz na novela "Partido Alto" de 1984, um deles. Em 1985, sobe ao palco sozinho em "Ah!Mérica", espectáculo que resgatava a palavra em poemas e canções que representavam com sentimento e emoção, a origem e a alma dos povos americanos. Em 1986, actuou em "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", do escritor Guimarães Rosa, e também em "Drácula". Nesse ano nasceu sua primeira neta, Vitória, filha de Lígia. Em 1987, recebeu o quinto Molière, resultado do sucesso e da actuação na peça "Lobo de Ray-Ban". Actuou na novela "Brega e Chique" no papel de um rico empresário, o Herbert Alvaray.
1990 marca presença com "M.Butterfly", espectáculo de grande sucesso de crítica e público. Participa da novela "Rainha da Sucata", onde faz o misterioso mordomo Jonas. Em 1991, na peça "As Boas" fazia uma Madame invejada pelas empregadas. Em 1992, fez "Luar em Preto e Branco" e essa foi a última vez em que contracenou com Célia Helena, mãe de sua primeira filha e grande amiga. Em 1993, fez a novela "Mulheres de Areia", trabalho de sucesso nacional e internacional. 1996: o sucesso veio com a novela "O Rei do Gado", um dos melhores momentos na televisão, uma impecável interpretação do inesquecível Jeremias Berdinazi. Por essa actuação, recebeu da revista Contigo o Prémio de Melhor Actor e Destaque mais o Troféu Imprensa, por duas vezes o Prémio de Melhor Actor em Montevidéu e Caracas. Na montagem da peça "Cheque ou Mate", de 1997, fez com sua filha Lígia os papéis de pai e filha.
1999, no auge da Carreira, interpreta o imigrante italiano, Francesco Magliano na novela "Terra Nostra" onde recebe seu segundo Troféu Imprensa. Esse trabalho comoveu o grande público. Data desse ano, mais uma conquista: o nascimento da segunda neta, Clara, filha de Lígia. Ainda em 1999, interpretou no palco poemas e canções de Frederico Garcia Lorca e de Fernando Pessoa com o espectáculo "Um Certo Olhar". 2000 com a actuação em “Rei Lear”, de Shakespeare, realiza o sonho dos grandes actores. Nessa peça, contracena outra vez com a filha Lígia.

"Passamos afinal à sala para um jantar que não tinha a bênção da fome. E foi quando surpreendidos deparámos com a mesa. Não podia ser para nós... Era uma mesa para homens de boa-vontade. Quem seria o conviva realmente esperado (...)" - Clarice Lispector
Esperávamos o actor, o que nos representaria, nós, o povo brasileiro. Raul que em nome do amor ao teatro ofertou-nos a dádiva da fartura. Esperamos por você, na varanda da tua morada, junto aos cães que tanto ama. Na televisão, no cinema, no teatro em toda parte. Cortesia do actor que consagrou a vida festejou-a nas manhãs do eterno. Permite-nos devorar um pedaço da tua farta existência que deu a vida a todos nós, seus personagens.