"Viagens à Lua e outras extravagâncias cinematográficas, românticas ou não"
- Lauro António -
no Clube Literário do Porto
Hoje, dia 26 de Março, pelas 21h30, o Clube Literário do Porto recebe Lauro António para uma conferência em torno do tema da Lua no Cinema, intitulada "Viagens à Lua e outras extravagâncias cinematográficas, românticas ou não".
(como podem ver pelo cartaz, a data foi alterada para 26 de Março)
Texto da Apresentação:VIAGENS À LUA E OUTRAS EXCENTRICIDADES CINEMATOGRÁFICAS, ROMÂNTICAS OU NÃO
Vamos então falar da Lua no cinema. Tema vastíssimo. Logo desde o aparecimento do cinema, os realizadores passaram a andar com a Lua no pensamento (e nas imagens) ou não fosse a Lua fonte de inegável inspiração. Devo dizer aliás que foi com o cinema que começámos a ter as primeiras imagens reais e concretas da Lua, ainda que muitos anos antes vários escritores tivessem imaginado a Lua em palavras e outros tantos artistas plásticos a tenham tentado explorar em imagens sonhadas. Mas o cinema, mesmo inventando, “mostrou a Lua”, como o fez George Méliès, com “Viagem à Lua” (Le Voayge dans la Lune”), em 1902.
Se há várias perspectivas por que analisar este tema, “A Lua no Cinema”, a primeira e a mais óbvia será mesmo a da ficção científica, ou da ciência propriamente dita, reflectidas ambas nos ecrãs de muitas cinematografias. Na tradição de Herbert George Wells e Jules Verne "De la Terre à la Lune" (1865), o cinema, como fábrica de sonhos e do maravilhoso, do fantástico e do terror, tratou logo de inventar viagens extraterrestres, muitas delas à Lua, o satélite da Terra, o astro que mais perto se encontra de nós. Depois de Méliès, houve o alemão Fritz Lang, com “Uma Mulher na Lua” (Frau im Mond), em 1929, a que se seguiram obras para todos os gostos e com todas as intenções, de puro entretenimento ou de projecção politica, como muitas das que se realizaram na década de 50, durante o apogeu da guerra fria e do machartismo. Cite-se “Destination Moon”, de Irving Pichel (EUA, 1953) ou “First Men in the Moon”, de Nathan Juran (1964). Estamos no domínio da pura ficção científica, ainda que a corrida espacial entre os EUA e a União Soviética, que decorreu entre os anos de 1957 e 1975, durante a guerra-fria, tenha aberto o espaço (e aberto o espaço) a outras projecções, agora mais científicas.
Depois do fim da II Guerra Mundial, tanto os EUA como a URSS disputaram cientistas alemães (que tinham trabalhado na concepção do foguete V-2), entre os quais Wernher von Braun, que participou activamente do programa de mísseis balísticos dos EUA e depois dos primeiros passos do programa espacial norte-americano (tendo sido, inclusive, o chefe da equipa que projectou o lançador Saturno V que levou as naves Apollo para a Lua).
Foi a Rússia que se antecipou com o lançamento do satélite artificial Sputnik no dia 4 de Outubro de 1957, que partiu do Cosmódromo de Baikonur (base de lançamento de foguetes da URSS), em Tyuratam, no Cazaquistão. Foi o início da competição com os EUA e a preparação da chegada do Homem à Lua.
A 3 de Novembro de 1957 no Sputnik II, a cadela Laika é lançada no espaço. Quatro meses após o lançamento do Sputnik I, os EUA responderam com o seu primeiro satélite, o Explorer I, em 31 de Janeiro de 1958.
Pouco depois, Yuri Gagarin (1934-1968), em 12 de Abril de 1961, faz um voo orbital, de 48 minutos, a bordo da nave Vostok I. Neste voo, Gagarin, como bom materialista, disse uma frase que ficou célebre: "A Terra é azul, e eu não vi Deus". Já muito anos antes, outro explorador dissera algo semelhante: "A Igreja diz que a Terra é achatada, mas sei que ela é redonda, porque vi a sombra dela na Lua, e acredito mais numa sombra do que na igreja." - Fernão de Magalhães.
E povoa-se assim o céu de naves e satélites. Em Julho de 1958 é criada a agência espacial dos EUA, a NASA, responsável por coordenar todo o esforço de exploração espacial e administrar o programa espacial dos EUA. Em 1961, John F. Kennedy lançou o desafio de "enviar homens à Lua e retorná-los a salvo" antes que a década terminasse.
“We choose to go to the Moon. We choose to go to the Moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard” ("Nós decidimos ir a Lua. Nós decidimos ir à Lua nesta década e fazer as outras coisas, não porque elas são fáceis, mas porque elas são difíceis").
E assim foi: os EUA conseguiram atingir a Lua antes da URSS, com a missão Apollo 11, que pousou na superfície lunar em 20 de Julho de 1969, num local chamado "Sea of Tranquility" (Mar da Tranquilidade). Neil Armstrong e Edwin Aldrin tornaram-se os primeiros homens a caminhar no solo lunar. O primeiro disse: “Um pequeno passo para o Homem, um grande passo para a Humanidade”.
Vi pela televisão, emocionado, Neil Armstrong a descer da nave e hesitar a colocar o pé no terreno arenoso que o esperava. Vi os primeiros passos. Vi a colocação da bandeira dos EUA esvoaçando numa aragem que não devia existir e que deu origem a farta polémica. Ouvi depois os velhos do Restelo duvidarem do que viram, “encenação de Hollywood”, como lhe chamaram. A Televisão tinha-se apoderado da Lua. Mais tarde, em 1993, Ron Howard iria disputar os Óscars com “Apollo 13”, baseado numa história verdadeira, a trágica aventura do “Apollo 13”. Da ficção científica passava-se ao relato quase documental de uma viagem à Lua.
Um cientista, Isaac Asimov, lamentava: “A Terra retrocedeu. A Humanidade retrocedeu em todos os lados, excepto na Lua.” Um pessimista diria, com clarividência: “De nada serve ao homem conquistar a Lua se acaba por perder a Terra” - François Mauriac. Não sei se se perdia a Terra, mas perdia-se a gloriosa imagem de uma Lua inacessível que fora fonte de inspiração para apaixonados que se amavam furtivamente à luz ténue da Lua, para poetas do amor e do inatingível, para escritores das emoções lunares.
Oscar Wilde já o tinha previsto, simbolicamente: “Um sonhador é aquele que só ao luar descobre o seu caminho e que, como punição, apercebe a aurora antes dos outros.” Aí estava a aurora da Lua, agora fonte de experiências científicas, à vista de todos, em directo pela televisão, quando até aí fora musa misteriosa para insondáveis paixões.
O que nos leva à segunda vertente desta sucinta aproximação do tema “A Lua no Cinema”.
“O amor é como a Lua: quando cresce diminui” - Paul Valéry. Não sei se será verdade, os escritores também se enganam, mas o amor anda de mãos dadas com a Lua. Nos cartazes de filmes românticos, muitas vezes encontramos a Lua como elemento referencial do amor e desse mesmo romantismo. “Oh Lua que vais tão alta…” não é apenas uma referência jocosa é muito mais do que isso. A Lua que vai tão alta é uma meta inacessível, uma alusão ao impossível que o amor concretiza ou não nesta terrena existência. Por isso os filmes com referência à Lua são aos milhares. (ainda bem que não me coube falar da Lua na Poesia!).
No Motor de Buscas do IMDB, coloquei a palavra Moon para títulos de filmes e logo me aparecerem 838 menções, a maioria das quais a obras de cariz sentimental, com as mais variadas valências. Filmes de amor e desamor, filmes que se afirmam pela positiva, que anunciam feitos temerários, projectos cumpridos, arrojos para lá do previsível. Obras que demonstram que se pode atingir a Lua, ou que quem “vive na Lua” nada consegue, o que demonstra que a Lua pode ser sim e não, positiva e negativa, aspiração e rejeição, mas sempre feminina. Um filme de Zeffirelli a isso nos conduz: “Fratello Sole, Sorella Luna” (Itália, 1972). O Sol como elemento masculino, a Lua como pólo feminino.
Sendo a Lua feminina “andar na Lua” deverá ser um passeio deveras agradável. Por isso se chama “Lua-de-Mel” a esse período de (quase sempre) inequívoca felicidade. Há um escritor catalão, Noel Clarasó, que o refere com alguma ironia: “Sem dúvida, o período mais feliz do casamento é a Lua-de-mel; o problema é que, para poder repeti-la, devem acontecer coisas muito desagradáveis.”
O mesmo autor vai mais longe na ironia: “Antes do matrimónio ele fala e ela escuta; durante a Lua-de-mel ambos falam e escutam; mais tarde, ela fala e ele não escuta; finalmente gritam os dois e escutam os vizinhos.” A Lua-de-mel é excelente, mas dura pouco. “Lua de Mel, Lua de Fel” (Bitter Moon), de Roman Polanski, parece responder à questão.
Mas deixando de lado a questão Lua-de-mel, o cinema arquiva muitos outros títulos onde a Lua ocupa destacado lugar de fortes conotações emocionais: “Lua de Papel” (Paper Moon), de Peter Bogdnanovich (EUA, 1973), “Shoot the Moon”, de Alan Parker (EUA, 1982), “O Feitiço da Lua” (Moonstruck), de Norman Jevison (EUA, 1987), “Racing with the Moon”, de Richard Benjamin (EUA, 1984), “The Raging Moon”, de Bryan Forbes (Inglaterra, 1971), “Blue Moon”, de John A. Gallagher (EUA, 2000), “Moon over Parador”, de Paul Mazursky (EUA, 1988), “Onde Night the Moon”, de Rachel Perkins (EUA, 2001) “Mountains of the Moon”, de Bob Rafelson (EUA, 1990) e tantos e tantos outros títulos.
Temos estado no domínio do filme anglo-saxónico, mas há exemplos em todas as latitudes e línguas. Franceses, “La Lune dans le Caniveau”, de Jean-Jacques Beineix (1983), “Les Nuits de la Pleine Lune”, de Eric Rohmer (1984), “Les Favoris de la Lune”, do russo Otar Iosseliani (1984), “Black Moon, de Louis Malle (1975); em Itália: Le Voce della Luna, de Federico Fellini (1990), La Luna, de Bernardo Bertollucci (1979), In Una Notte di Chiaro di Luna, de Lina Wertmuller (1989), ou comédias como “Veneza, a Lua e Tu” (Venezia, la Luna e Tu), de Dino Risi (1951), musicais como “Tintarella di Luna”, de Gaspar Noé (1985), encontrando-se mesmo em autores neo realistas, como Luciano Emmer, em “Il Conte di Luna” (1948).
Em Espanha desde o académico Luís César Amadori, com “Claro di Luna” (1942), até aos vanguardistas Bigas Luna (“La Teta i la Lluna”, 1994) ou Imanol Uribe (“La Luna Negra”, 1989), passando pela “Luna”, de Alejandro Amenabar, de 1995, muitos se deixam contagiar. Na China há um dos mais belos filmes de sempre, “Os Contos da Lua Vaga”, de Mizoguchi. Não há muito, de uma das recentes repúblicas saídas da ex-URSS, vimos “Luna Papa”, de Bakhtyar Khodojnazarov (1999).
“Palavras sobre a guerra, de pessoas que estiveram numa guerra, são sempre interessantes; palavras sobre a Lua, de um poeta que nunca esteve na Lua, têm toda a probabilidade de serem enfadonhas”, disse Mark Twain, mas muitos dos filmes realizados sob o signo da Lua são particularmente interessantes. Ainda que não sejam única e simplesmente obras de ficção científica ou prantos amorosos.
Há comédias “Um Rato na Lua” (A Mouse on the Moon), do britânico Richard Lester (1963), há westerns, como “By the Light of the Silver Moon”, de David Butler (1953), há operas rock, “The Rite of Luna: a Rock Opera”, de Melissa Holm e Jon Sevell, há mesmo soft cores, como “Nude on the Moon”, de Raymond Phelan e Doris Wishman (EUA, 1961), que deslustram um pouco a imagem inocente e cândida da Lua tradicional. Mas até os cineastas mais alternativos e experimentalistas, como Kenneth Anger, não fogem ao feitiço, por exemplo em “Rabbit’s Moon” (1950).
Nem todas as obras de teor romântico provocam, todavia, finais felizes. Muitas há que abordando temas de cariz sentimental, é certo, por vezes até melodramático, terminam na frustração. Como diz Fernando Pessoa: “O que é doença é desejar com igual intensidade o que é preciso e o que é desejável, e sofrer por não ser perfeito como se se sofresse por não ter pão. O mal romântico é este: é querer a Lua como se houvesse maneira de a obter.”
Mas há os românticos empedernidos, para quem a felicidade vem de dentro de si e o olhar da mulher amada, para quem nem Sol, nem Lua conseguem interferir: "A partir desse momento, o sol, a Lua e as estrelas podem continuar a brilhar, sem que eu dê por isso. Já não sei se é dia ou noite; o universo inteiro já não existe mim.", assim escreve Johann Wolfgang von Goethe, em "Os Sofrimentos do Jovem Werther".
Terceira vertente da Lua no cinema: o fantástico. “Cada um de nós é uma Lua e tem um lado escuro que nunca mostra a ninguém”. Cito de novo Mark Twain. Na verdade assim é, e o cinema tem-no demonstrado bem. A Lua tem duas faces, o homem, qualquer homem, qualquer mulher tem sempre algo encoberto, o lado obscuro, secreto, o outro lado que não se vê, que não se expõe tão facilmente à vista de todos. O invisível, o indizível. Muitas vezes o pecaminoso.
O fantástico expressa-o de forma simbólica, com uma força telúrica, por vezes ameaçadora, por vezes sedutora. É Drácula que de noite sai da sua cripta onde hiberna para mostrar os seus sensuais caninos que penetram pescoços inocentes e desejados. Os maiores cineastas da história do cinema cultivaram este erotismo brutal ou esse desejo envolvente que leva as vítimas a entregarem-se à volúpia desse beijo sangrento. Dreyer, Murnau, Tod Browning, Terence Fisher, Coppola, Abel Ferrara e dezenas de outros percorreram os caminhos desses seres nocturnos.
Mas se Drácula e todos os outros vampiros são seres da noite, apenas iluminados pela Lua, o Lobisomem acorda, revela-se, em noites de Lua Cheia e o Médico e o Monstro (Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde, de Robert Louis Stevenson) desdobra-se entre o que há de mais nobre e o que há de mais perverso na condição humana, ambos por obra e graça da Lua ou na noite. Tal como intervém poderosamente na natureza e nas marés, a Lua interfere obviamente no comportamento do homem, despertando nele a ternura romântica que dissimula o desejo, ou os instintos mais primitivos que, nesse caso, podem ou não camuflar o amor. Mistérios que a Lua põe a descoberto, mas não esclarece. Esse o lado mais simpático e fascinante deste único satélite natural da Terra que se situa a uma distância de cerca de 340.000 km do nosso planeta, e que é um substantivo, proveniente do latim “luna”.
Termine-se com um poeta: “É noite. A Lua, ardente e terna, Verte na solidão sombria A sua imensa, a sua eterna Melancolia... / Dormem as sombras na alameda Ao longo do ermo Piabanha. / E dele um ruído vem de seda Que se amarfanha... - Manuel Bandeira
Ou de um escritor português, Nobel, aqui bem inspirado: “"Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas são também os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu" - José Saramago.
Lauro António, Porto, 26 de Março de 2009