CAROL
O
que distingue um belíssimo melodrama de um mau melodrama, eis uma questão
curiosa, de uma difícil resposta. Creio que se trata tudo de uma questão de
sensibilidade, de quem realiza a obra e de quem a observa. Na verdade, vi em
dois dias sucessivos duas obras que rondam o melodramático. “Brooklyn” foi uma
desilusão, “Carol” uma luminosa certeza. O filme de Todd Haynes prolonga
harmoniosamente o que o cineasta já havia feito anteriormente, “Velvet
Goldmine” ou “Longe do Paraíso”, por exemplo, mantendo algumas das suas
constantes obsessões: o gosto pelo melodrama, e a inspiração de Douglas Sirk, o
fascínio pelos anos 50 do século passado (o que se liga ao melodrama e a Sirk)
e um interesse manifesto pela homossexualidade como comportamento sexual não
respeitado pela sociedade.
“Carol”
parte de um romance de Patricia Highsmith, escrito em 1952, usando o pseudónimo
de Claire Morgan. A obra chamava-se então “The Price of Salt” e só mais de
trinta anos depois é que a autora o reivindicou em nome pessoal, com o novo
título, “Carol”. Tudo porque Patricia Highsmith era lésbica e o romance era de
certa forma autobiográfico, narrando uma história de amor ocorrida entre a
escritora, então jovem empregada de balcão numa grande loja de brinquedos em
Nova Iorque, pouco antes do Natal de 1948, e uma elegante e sofisticada loura
que comprou brinquedos para a filha e convidou depois a empregada para
encontros que redundaram numa apaixonante aventura emocional e sexual. Por essa
altura uma história destas era altamente censurável pela sociedade
bem-pensante, e quando lançou “Carol”, já na década de 80, Patricia Highsmith
terminaria o seu epílogo com uma frase elucidativa: “Alegra-me pensar que este
livro tenha dado a milhares de pessoas, solitárias e assustadas, algo a que se
apoiarem”.
Adaptado
ao cinema por Phyllis Nagy, “Carol” foi rodado, em Cincinnati, Ohio, EUA, entre
12 de Março e 25 de Abril de 2014, mas a ideia era passar por Nova Iorque no
ano de 1952. A recriação dos anos 50 é excelente, não só de um ponto de vista
decorativo, mas igualmente psicológico, ambiental e comportamental. Algo que já
se havia notado como preocupação dominante no brilhante “Longe do Paraíso”. A
recuperação da época não funciona só como cenário, mas como caracterização de
um período. Magnífica é a fotografia e a banda sonora. Mas, sobretudo, fabulosa
é a representação de Cate Blanchett e Rooney Mara, de uma sensibilidade,
discrição, elegância, intensidade emotiva, e, no caso de Cate Blanchett, de uma
provocante sedução que só uma actriz absolutamente notável consegue sugerir com
olhares, pequenos gestos, palavras dúbias, presença absorvente. Depois, a
realização de Todd Haynes é igualmente admirável na conjugação de todos estes
elementos e na criação de um clima envolvente, mantido em suspense até final,
com uma subtileza e elegância raras e uma intensidade emotiva invulgar. Grande filme
de autor e de actrizes.
CAROL
Título
original: Carol
Realização: Todd Haynes
(EUA, Inglaterra, 2015); Argumento: Phyllis Nagy, segundo romance de Patricia
Highsmith; Produção: Dorothy Berwin, Gwen Bialic, Cate Blanchett, Elizabeth
Karlsen, Danny Perkins, Tessa Ross, Thorsten Schumacher, Andrew Upton,
Christine Vachon, Bob Weinstein, Harvey Weinstein, Stephen Woolley; Música:
Carter Burwell; Fotografia (cor): Edward Lachman; Montagem: Affonso Gonçalves;
Casting: Laura Rosenthal; Design de produção: Judy Becker; Direcção artística:
Jesse Rosenthal; Decoração: Heather Loeffler; Guarda-roupa: Sandy Powell;
Maquilhagem: John Jack Curtin, Jerry DeCarlo, Ashley Flannery, Patricia Regan;
Direcção de Produção: Gwen Bialic, Luciano Silighini Garagnani, Gretchen
McGowan, Karri O'Reilly; Assistentes de realização: Kyle LeMire, Jesse Nye,
Derek Rimelspach; Departamento de arte: Francis Link Boysie, Eric Johns,
Meredith Lippincott, Paul Peabody, Bob Smith; Som: Geoff Maxwell, Nigel
Maxwell, James David Redding III; Efeitos visuais: Ed Chapman, Chris Haney;
Companhias de produção: Number 9 Films, Film4, Killer Films; Intérpretes: Cate Blanchett (Carol
Aird), Rooney Mara (Therese Belivet), Kyle Chandler (Harge Aird), Jake Lacy
(Richard Semco), Sarah Paulson (Abby Gerhard), John Magaro (Dannie McElroy),
Cory Michael Smith (Tommy Tucker), Kevin Crowley (Fred Haymes), Nik Pajic (Phil
McElroy), Carrie Brownstein (Genevieve Cantrell), Trent Rowland (Jack Taft),
Sadie Heim (Rindy Aird), Kk Heim (Rindy Aird), Amy Warner (Jennifer Aird),
Michael Haney (John Aird), Wendy Lardin (Jeanette Harrison), Pamela Evans
Haynes, Greg Violand, Michael Joseph Thomas Ward, Kay Geiger, Christine Dye,
Deb G. Girdler, Douglas Scott Sorenson, Ken Strunk, Mike Dennis, Ann Reskin,
etc. Duração: 118 minutos;
Distribuição em Portugal: NOS Audiovisuais; Classificação etária: M/ 12 anos;
Data de estreia em Portugal: 4 de Fevereiro de 2016.