“Green Zone” prolonga a trajectória de Paul Greengrass e fá-lo de forma muito inteligente, sem perder o brilho de um filme de acção bem conduzido. Inglês que apareceu na longa-metragem em inícios da década de 90, Greengrass começou a dar que falar, sobretudo, a partir de 2002, com “Domingo Sangrento” (Bloody Sunday), a que se seguiram três obras que o impuseram internacionalmente. “Voo 93” (2006), sobre o célebre voo do United 93, um dos aviões sequestrados no fatídico 11 de Setembro de 2001, que se despenhou junto de Shanksville, na Pensilvânia, depois de abortadas as intenções dos terroristas pelo corajoso empenhamento dos passageiros, e “Supremacia” (The Bourne Supremacy, 2004) e “Ultimato” (The Bourne Ultimatum, 2007), ambos incluídos na trilogia de Jason Bourne, partindo de romances de espionagem de Robert Ludlum. Encontra-se nesta altura em fase de pré-produção o seu próximo trabalho, “They Marched Into Sunlight”, cuja estreia está prevista para 2013. O argumento parte de um premiado romance de David Maraniss, que descreve a batalha de Ong Thanh, ocorrida em 17 de Outubro de 1967, durante a Guerra do Vietname, na qual os soldados do 2º Batalhão da 28ª Infantaria dos EUA foram emboscados e dizimados pelo exército vietcongue.
Como se pode ver, Paul Greengrass tem uma carreira particularmente coerente, desenvolvendo um tipo de projectos que conciliam o cinema político, de discussão de ideias e de factos directamente relacionados com a realidade política, e um cinema espectáculo, de acção envolvente e de garantido “suspense”. Os resultados até agora têm sido bastante positivos, agradando ao grande público e não criando bolsas de resistência entre as plateias mais exigentes, que se sentem estimuladas por este cinema simultaneamente popular e de inteligente debate.
“Green Zone” é isso mesmo. Continuação de “Voo 93”, agora em território do Iraque invadido por Bush depois de 11 de Setembro, e das intrigas de espionagem internacional de Jason Bourne (até o protagonista é o mesmo, Matt Damon).
Iniciada a invasão do Iraque para deposição do regime de Saddam Hussein, sob o pretexto de que este detinha no seu território “armas de destruição maciça”, as forças armadas norte-americanas percorrem o Iraque em busca das tão apregoadas armas, nada encontrando. Há mesmo uma unidade especial, destacada com esse fim, de que faz parte o sargento Roy Miller (Matt Damon), que, depois de, por diversas vezes, pôr em risco os efectivos da sua unidade, sem qualquer utilidade prática, resolve investigar por conta própria o que realmente se passou e que terá levado a esta situação absolutamente traumatizante para a consciência colectiva de um povo e criminosa para a população do Iraque e para as próprias tropas dos EUA.
De indício em indício, Roy Miller descobre que o Pentágono sempre esteve particularmente interessado em invadir o Iraque e depor o ditador, e tinha encontrado um pretexto no 11 de Setembro. Um político mais arrivista e um “yes man” de Bush, Clark Poundstone (Greg Kinnear), fará parte do jogo sujo inicial, encontrando-se com o general Al Rawi, um oficial iraquiano do governo de Hussein (precisamente “a terceira carta” do baralho que então circulava), a quem terá perguntado sobre a existência de armas de destruição em massa. Este terá negado essa realidade, mas o que se propagou pela imprensa norte-americana e internacional foi precisamente o contrário. Isto é, a versão enganosa e manipulada, que lançava a ameaça de armas nucleares e bacteriológicas. Uma jornalista, Lawrie Dayne (Amy Ryan), que teve acesso às engendradas e infundadas informações fornecidas por Poundstone, resolve publicá-las sem anteriormente se ter certificado da sua veracidade e intoxica assim a opinião pública. Esta jornalista, que, apesar de tudo, começa a ter problemas de consciência e se preocupa em repor a verdade, não andará muito longe do retrato de uma outra jornalista, esta não de ficção, mas bem real, e premiada com o Pulitzer pelo seu trabalho sujo, Judith Miller, do “New York Times”. Jornalista que enfrentou vários casos “estranhos” e foi acusada de ser veículo privilegiado da direita dita falcão e do grupo de George W. Bush, Condoleezza Rice, Dick Cheney, Colin Powell e Donald Rumsfeld.
Mas o filme vai mais longe e mostra também como os EUA tentam colocar no poder no Iraque um homem da sua confiança, mas de total desconfiança dos iraquianos, desenvolvendo discretas aproximações a este tema, bem assim como à presença do petróleo no Iraque, na verdade a grande causa da guerra. Esta referência quase não é dita, mas fica explícita quando, no final do filme, Roy Miller, regressando a casa, passa por refinarias que vai deixando para trás, e que afinal terão sido a grande razão para mais esta aventura norte-americana. Muito curiosa é ainda a introdução de um iraquiano que coopera com americanos, não como traidor ao seu povo, mas como alguém que luta por um ideal de libertação do seu país. Curiosamente, quase no final do filme, ele dirá: “Não são os americanos que vêm ao nosso país dizer o que nós, iraquianos, devemos fazer.”
Partindo de uma obra de Rajiv Chandrasekaran (“Imperial Life in the Emerald City: Inside Iraq’s Green Zone”), o argumento de Brian Helgeland (que escreveu igualmente o recente “Robin Hood”, 2010, mas já nos dera inúmeros trabalhos muito interessantes, entre os quais justo será destacar “Homem em Fúria”, 2004, “Mystic River”, 2003, “Teoria da Conspiração”, 1997, ou “Los Angeles Confidencial”, 1997), é bastante bem desenvolvido, nunca deixando de ter em conta que é um filme de acção e “suspense”, que tem de prender os espectadores ao seu desenrolar, mas jamais permitindo igualmente que o lado espectacular ponha em causa a sua credibilidade política e as ideias que defende e procura expor, debater e tornar perceptíveis. Matt Damon é muito bom, na sua sobriedade e vigor contido, e Brendan Gleeson, no papel de um tradicional e desconfiado agente da CIA, que trabalha segundo uma linha de eficácia que o leva a aceitar colaborar com um antigo coronel de Saddam Hussein, mas não aceita os métodos dos tecnocratas que não olham a meios para conseguirem os fins, é igualmente excelente. O próprio Greg Kinnear, no odioso Clark Poundstone, nos surpreende pela pouca visibilidade que tem tido nos últimos anos, ele que é um actor de tão bons recursos. Excelente é também Khalid Abdalla, um estropiado Freddy, que simboliza todo um povo.
Barry Ackroyd, que já havia assinado a fotografia de “Estrado de Guerra”, de Kathryn Bigelow, volta a arrancar uma imagem densa e suja, excelente retrato de uma guerra de mentiras e ciladas, que a obscuridade e as sombras fomentam. A utilização da câmara à mão, de que Greengrass tanto gosta, permite um estilo livre e espontâneo que se acerca da acção que entontece sem, todavia, funcionar como um factor narcotizante para o público. Outro aspecto a referir é a plausibilidade dos cenários naturais que tudo leva a crer serem filmados nos locais assinalados e, no entanto, o foram em Marrocos, em Espanha ou Inglaterra.
GREEN ZONE, COMBATE PELA VERDADE
Título original: Green Zone
Realização: Paul Greengrass (EUA, França, Inglaterra, Espanha, 2010); Argumento: Brian Helgeland, segundo obra de Rajiv Chandrasekaran ("Imperial Life in the Emerald City: Inside Iraq's Green Zone"); Produção: Mairi Bett, Tim Bevan, Michael Bronner, Jo Burn, Liza Chasin, Eric Fellner, Paul Greengrass, Debra Hayward, Lloyd Levin, Alvaro Ron, Christopher Rouse, Kate Solomon, Tadeo Villalba hijo; Música: John Powell; Fotografia (cor): Barry Ackroyd; Montagem: Christopher Rouse; Casting: Daniel Hubbard, John Hubbard, Amanda Mackey Johnson, Cathy Sandrich; Design de produção: Dominic Watkins; Decoração: Lee Sandales; Guarda-roupa: Sammy Sheldon; Maquilhagem: Francesco Alberico, Helen Barrett, Zineb Bendoula, Tricia Cameron, Julie Dartnell, Kay Georgiou, Loulia Sheppard, Direcção de Produção: Yousaf Bokhari, David Campbell-Bell, Sasha Harris, Mark Mostyn, Nerea Orce, Michael Solinger, Michelle Wright; Assistentes de realização: Chris Forster, Carlos Gil, Robert Grayson, Amine Louadni, Mounir Saguia, etc. Departamento de arte: Mark Bartholomew, Laura Dishington, Sarah Robinson, Mark Swain; Som: James Boyle, Xavier Horan, Eddy Joseph, Oliver Tarney, Mark Taylor, etc. Efeitos especiais: Michael Dawson, Paul Anthony Dimmer, Jess Lewington, Joss Williams; Efeitos visuais: Mikael Brosset, Peter Chiang, Antonella Ferrari, Federico Frassinelli, Peter Olliff, Rob Shears; Companhias de produção: Universal Pictures, Studio Canal, Relativity Media, Working Title Films, Antena 3 Films; Intérpretes: Matt Damon (Miller), Greg Kinnear (Clark Poundstone), Brendan Gleeson (Martin Brown), Amy Ryan (Lawrie Dayne), Khalid Abdalla (Freddy), Yigal Naor (General Al Rawi), Said Faraj, Faycal Attougui, Aymen Hamdouchi, Nicoye Banks, Jerry Della Salla, Sean Huze, Michael J. Dwyer, Edouard H.R. Gluck, Brian Siefkes, Adam Wendling, Abdul Henderson, Paul Karsko, Robert Miller, Eugene Cherry, Alexander Drum, Brian VanRiper, Matthew Knott, Nathan Lewis, John Roberson, Troy Brown, Raad Rawi, Bijan Daneshmand, Bryan Reents, Michael Judge, Michael O'Neill, Patrick St. Esprit, Allen Vaught, Paul Rieckhoff, Martin McDougall, Antoni Corone, Timothy Ahern, Ben Sliney, Whitley Bruner, Intishal Al Timimi, Driss Roukhe, Mohamed Kafi, George W. Bush (imagem de arquivo), etc. Duração: 115 min minutos; Distribuição em Portugal: Zon Lusomundo; Classificação etária: M/ 12 anos; Estreia em Portugal: 8 de Abril de 2010; Locais de filmagem: Academia San Javier, Fuente Álamo, Los Alcázares, Murcia, (exteriores de Iraque), Albacete, Castilla-La Mancha; Ciudad de la Luz, Alicante, Comunidad Valenciana, todos em Espanha; Freemason's Hall, Great Queen Street, Covent Garden, Londres, Longcross Studios, Chobham Lane, Longcross, Surrey, Sandown Park Racecourse, Esher, Surrey, Longcross, Surrey, Updown Court, Windlesham, Surrey, Millenium Mills, London Docklands, Renaissance London Heathrow Hotel, Hounslow, todos em Inglaterra; Kenitra, Rabat, Sale, todos Marrocos.