domingo, setembro 30, 2007

MÊS CHAPLIN EM PENICHE


Município de Peniche promove
OUTUBRO - MÊS DE CHARLOT

À semelhança da iniciativa desenvolvida em Outubro do ano passado, “Amália para Sempre”, cuja personalidade em destaque foi Amália Rodrigues, as actividades deste ano terão como objectivo central a divulgação das obras de Charlie Chaplin (1889 – 1977), um dos génios e personalidades mais criativas da era do cinema mudo. O “Mês de Charlot” será dinamizado um pouco por todo o concelho de Peniche de modo a que, todos aqueles que normalmente não têm acesso a este tipo de eventos culturais, possam deliciar-se e divertir-se com a personagem mítica e singular criada por Charlie Chaplin – o Charlot.
Do cartaz de iniciativas previsto para o “Mês de Charlot”, destaca-se a exposição “Viva Charlot”, que irá estar patente ao público entre os dias 1 e 28 de Outubro no Edifício Cultural da Câmara Municipal de Peniche.
O “Mês de Charlot" será também uma oportunidade para ver ou rever algumas das grandes obras de Charlie Chaplin, estando programada a projecção dos filmes “A Quimera do Ouro” (The Gold Rush – 1925), “O Garoto de Charlot” (The Kid – 1921), “O Circo” (The Circus – 1928) e “Tempos Modernos” (Modern Times - 1936).
No dia 1 de Outubro, pelas 21,30, haverá colóquio, a cargo de Lauro António e Mário Jorge Torres, apresentando a obra e a personalidade de Chaplin.
Clique AQUI e veja as normas do concurso de curtas-metragens - "Mês do Charlot" (pdf)
A vida e os filmes de Charles Chaplin por Lauro António (pdf)
Evocação de Chaplin por Lauro António (pdf)

HOMENAGEM A MARCEL MARCEAU

NO DIA EM QUE PAREI UMA
ACTUAÇÃO DE MARCEL MARCEAU

Desde muito novo que sou um admirador confesso de Marcel Marceau. Não sou o que se possa dizer um entusiasta da mímica, mas Marcel Marceau era muito mais do que um mimo. Era um poeta do gesto, um escritor em movimento, uma asa de pomba solta à deriva do tempo, num palco quase sem adereços, onde a sua arte refulgia. De pouco precisava para empolgar uma audiência. Sempre que pude vi-o ao vivo, uma vez em Paris, outra no Casino do Estoril, outra ainda (a primeira!) no Maria Matos, acho que integrado num festival de teatro que então ali decorria.
Sala apinhada, eu e o meu filho Frederico, que teria por essa altura oito-dez anos, instalados numa coxia a meio da plateia. O espectáculo inicia-se, o mimo entra em palco, rosto pintado de branco, sobrancelhas, olhos e boca sublinhadas com risco de pintura escura, estrondosa salva de palmas a saudar a entrada do génio, e este inicia o seu programa, composto por curtos episódios que se iam sucedendo perante o olhar maravilhado de uma plateia rendida, onde imperava um silêncio total.
Súbito, o estrondo, uma cadeira já muito usada que dá de si, um pesado corpo que acompanha a descida do decrépito assento até bater no chão. Sim, era a minha cadeira, sim era eu a enterrar-me nela, até bater no chão, os olhos à altura dos braços de madeira, a sala a precipitar o olhar para o local da violenta vibração. O Frederico a olhar para mim e a perguntar baixinho, no espanto da sua vergonha, “Pai, estás bem? Que aconteceu?”. Eu continuei enfiado na cadeira sem assento, a ver se ninguém mais dava por mim, Marcel Marceau no palco, imóvel, olhando de lá o meio da plateia onde uma cadeira abatera. Um intervalo interminável. O silêncio prolongado, o que não seria estranho num espectáculo de mímica, não fora o mimo estar não só silencioso, como igualmente imóvel, olhos parados longe. Quando tudo pareceu serenar levantei-me e vim para o fundo da plateia, encostado à parede, assistir ao resto do espectáculo. Marcel Marceau, profissional sem mácula, recuou no palco, ganhou de novo o silêncio e a atenção do público, e recomeçou o episódio que fora interrompido. Recomeçou do início, para que o conjunto mantivesse a unidade e o crescendo de emoção requeridos.
Nessa noite eu tinha interrompido, ainda que involuntariamente, uma actuação de Marcel Marceau e tinha obrigado o mimo a recomeçar um dos seus “sketches”. Nessa noite fui, ainda que de forma não deliberada, companheiro de actuação de Marceau Marceau. Um pouco o “encenador” de uma falha. Uma falha que só veio demonstrar o profissionalismo e a grandeza do dono do espectáculo.
MARCEL MARCEAU TINHA 84 ANOS
E MAIS DE MEIO SÉCULO DE CARREIRA

Marcel Marceau, o mímico francês que era o maior da sua arte, conhecido particularmente pela criação do personagem Bip, que ele próprio confessara ser inspirado em Charlie Chaplin, morreu no dia 23 de Setembro de 2007, com 84 anos. Foi sepultado no cemitério parisiense Pére Lachaise.
Nascido em Estrasburgo em 22 de Março de 1923, tornou-se um dos artistas franceses mais conhecidos no mundo, em especial nos Estados Unidos onde o seu movimento da "marcha contra o vento" marcou uma revolução na cena teatral, que inspirou por exemplo "Moonwalk", de Michael Jackson.
O seu nome de família original era Mangel, mas Marceu alterou o apelido para escapar durante a Segunda Guerra Mundial à perseguição aos judeus pelos nazis, que em 1944 assassinaram o seu pai, deportado para o campo de concentração de Auschwitz.
Desde pequeno que admirava os "artistas silenciosos" do cinema mudo como Charlie Chaplin, Buster Keaton, Harry Langdon ou a dupla Laurel e Hardy, os quais se esforçou por imitar, inspirando-se ainda nos actores/palhaços da Commedia dell'Arte dos séculos XVII e XVIII, e nos gestos estilizados da representação teatral chinesa. A personagem Bip - com calças às riscas pretas e brancas, colete encarnado e uma rosa vermelha no chapéu – advém dessa sua admiração pelos grandes magos do burlesco na época muda do cinema.
Ingressou na escola de arte dramática Charles Dullin, em 1946, onde travou uma relação especial com o professor Etienne Decroux e um ano mais tarde criou o personagem Bip, um ser marcado pela sensibilidade e pela poesia que lhe permitiu explorar a sociedade moderna concentrando-se na sua dimensão trágica.
Estreou-se em 1947, no Thêatre de Poche, e fundou a sua companhia teatral em 1948, em Paris, mas apenas em 1951, no Festival de Berlim, conheceu o reconhecimento internacional. Esta participação no Festival de Berlim marcou o início de um relacionamento com Bertolt Brecht e o Berliner Ensemble, e também a rodagem dos seus primeiros filmes para a DEFA (Organização cinematográfica da República Democrática Alemã), instituição estatal de Berlim-Leste.
No cinema ocidental trabalhou com Roger Vadim, em "Barbarella" (1968), e com Mel Brooks, em "A Última Loucura" (1976), duas obras que ainda contribuíram mais para a sua fama internacional. Nesta última, toda ela muda (apesar de datar de 1976), o único que dizia uma palavra (“Não!”) era o próprio Marcel Marceau que, nos seus espectáculos, nunca utilizava a palavra, e que afirmava que "a palavra não é necessária para exprimir o que se sente no coração".
Reconhecido pela sua versatilidade teatral, o artista foi nomeado Embaixador da Boa Vontade das Nações Unidas para o Envelhecimento. Em 2005, aos 82 anos, Marceau fez uma digressão de despedida pela América Latina, passando por Cuba, Colômbia, Chile e Brasil.
No final de Dezembro de 2003, Marceal Marceau apresentou quatro espectáculos no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, onde exibiu um conjunto de actuações a solo intituladas "A Arte do Silêncio", com as mais recentes criações do seu repertório. Nesse ano anunciou o abandono dos palcos, após mais de 13 mil actuações.

sábado, setembro 29, 2007

DESORDEM?

DESORDEM?
OU UMA ORDEM MUITO PARTICULAR?

Aqui há dias a Ida do “Sulburbio”, mostrava uma foto de meia dúzia de livros seus, desarrumados, e falava de desordem.
Não sabe do que fala a "piquena"!
Querida Ida, aqui vai um exemplo de desordem “organizada” só para tu veres (ou pressentires).
Com o carinho já outonal desta Lisboa que eu amo...

terça-feira, setembro 25, 2007

TERTÚLIA COM ROGÈRIO SAMORA

VÁ.VÁ.DIANDO
11 º J A N T A R D A T E R T Ú L I A
ABERTURA DE NOVA TEMPORADA


26.09’07: 20H
R E S T A U R A N T E - C A F É V Á V Á

CONVIDADO ESPECIAL:
ROGÉRIO SAMORA
Profissão: ACTOR


DEPOIS DE RAÚL SOLNADO, FERNANDO DACOSTA, NUNO JÚDICE, TEOLINDA GERSÃO, IVA DELGADO, LÍDIA JORGE, MARIA DO CÉU GUERRA, EURICO GONÇALVES, PAULO PORTAS e LAURO ANTÓNIO, CONTINUAM OS JANTARES-ENCONTROS NA MELHOR TRADIÇÃO DAS TERTÚLIA DO CAFÉ-RESTAURANTE VÁVÁ.

ROGÉRIO SAMORA: ACTOR, TEATRO; CINEMA, TELEVISÃO.
PRÓXIMO CONVIDADO (EM OUTUBRO): CARLOS DO CARMO

TODOS ESTÃO CONVIDADOS MEDIANTE O PAGAMENTO DE UMA SIMBÓLICA QUANTIA: 12,5 EUROS POR PESSOA. COM DIREITO A SOPA, UM PRATO DO DIA, PEIXE (bolinhos de bacalhau com salada russa) OU CARNE (arroz de pato), SOBREMESA, BEBIDA (VINHO É O DA CASA!) E CAFÉ. EXTRAS POR CONTA DO FREGUÊS.

RECUPEREM O BOM GOSTO DE UM SABOROSO JANTAR E DE UMA RECONFORTANTE CONVERSA À RODA DA MESA.
LOTAÇÃO LIMITADA A 50 CADEIRAS.

ACEITAM-SE INSCRIÇÕES NO BALCÃO DO VÁVÁ.

6 VAGAS AINDA

RESTAURANTE - CAFÉ VÁVÁ AV. EUA, Nº 100 - 1700-179 – LISBOA (TELF 21.7966761)

APRESENTAÇÃO OFICIAL

Cine'Eco 2007
Festival Internacional de
Cinema de Ambiente de Seia
apresenta-se em Lisboa
A organização do Cine'Eco vai promover no próximo dia 26 de Setembro (Quarta-feira), pelas 15 horas nas instalações da EDP, Praça Marquês de Pombal, nº 12, em Lisboa, uma conferência de imprensa de apresentação do XIII Festival Internacional de Cinema de Ambiente de Seia.O Cine'Eco, que é o único festival de cinema dedicado à temática ambiental em Portugal, decorrerá em Seia (Serra da Estrela) de 22 a 27 de Outubro e para além da secção competitiva, com mais de meia centena de filmes de todo o mundo, conta com um vasto programa de iniciativas paralelas que na ocasião serão apresentadas.O festival realiza-se em Seia desde 1995, por iniciativa do município local e tem como director técnico o realizador e crítico de cinema Lauro António.
(comunicado da organização).
Leitores do blogue: estão desde já todos convidados a aparecerem, se puderem (e quiserem, claro!)

A REVISTA HISTÓRIA ACABA?


UMA "HISTÓRIA" À BEIRA DO FIM?

A revista "História", única no género em Portugal, deixou de contar com alguns apoios oficiais (porte pago, apoio do IPLB, etc), e deu por terminada a publicação no nº 100 desta nova série. Fernando Rosas despediu-se de director em cargo, mas Luís Farinha, que dirigia a revista há muito, na prática, procura meios para retomar a publicação.
Apoios de qualquer género precisam-se: mecenato de um banco, de uma empresa, de uma fundação, anúncios, recolha de assinantes, apoios estatais, etc. Com cerca de mais 10.000 euros / ano, a revista volta às bancas. É algo de irrisório. Não se pode deixar morrer uma publicação de tem mais de 30 anos de história. Uma publicação que era / é mais publicada pela carolice de alguns (Entre os quais este vosso amigo, colaborador da "História" há muitos anos).

PETIÇÃO
Assinem a petição, no link que aí vai por baixo, divulguem, protestem. Se estiverem de acordo com o movimento.
http://www.petitiononline.com/mod_perl/signed.cgi?magazin

site da revista:

quinta-feira, setembro 20, 2007

LIVROS E LIVROS


LIVROS QUE NÃO
MUDARAM A MINHA VIDA?


O Eduardo Pitta, do blogue “Da Literatura” (dia 3 de Setembro) incluiu-me (peço desculpa pela demora a responder, mas só vi a referência muito recentemente, pois tenho andado muito ocupado com outros assuntos, e tenho viajado pouco pelos blogues, mesmo pelos que mais gosto de ler), numa lista de cinco possíveis inquiridos sobre um novo repto que circula pela blogosfera: “escolher dez livros que não mudaram a minha vida”.
Pois bem. Livros que não mudaram a minha vida? Não há muitos, se é que os há. E vou tentar ser o mais franco possível. Por exemplo: os livros que, à partida, menos teriam mudado a minha vida terão sido os que não li.
Verdade de La Palisse? Não. Nunca li, de fio a pavio, uma das muitas edições da “Bíblia” que possuo, nem a do “Alcorão”, e, todavia, não haverá livros que tenham mudado mais a vida de todos nós (a minha incluída).
Nunca li integralmente o “Ulysses”, de James Joyce, nem os volumes todos de “À Procura do Tempo Perdido”, de Marcel Proust, e, no entanto, raras foram as obras que mudaram tanto o rumo da História da Literatura no século XX. Se assim foi, como não terão mudado, e de que maneira, a minha vida?
Tantos e tantos, milhares!, de livros que li com enfado, outros com uma intima diversão, centenas colocados de lado depois das primeiras 20 ou 30 páginas que não me prenderam. Não mudaram a minha vida? Que sei eu. Sei de alguns que, sendo menorissimos, sem mérito algum literário, mudaram completamente a minha vida. Um exemplo: num alfarrabista, há trinta anos, peguei num opúsculo sobre a vida de Florbela Espanca. O livro não era de reter sobre nenhum ponto de vista, nem literário nem histórico, e, todavia, aguçou de tal forma a minha curiosidade sobre aquela mulher que passei anos a investigá-la e a escrever um argumento para um filme sobre Florbela (que nunca chegou a ser rodado).
O que muda nas nossas vidas é algo de tão imperceptível, que não vejo hipótese de responder a tal questão. Para mim, qualquer livro me muda a vida. Diariamente. Entrar numa livraria, pegar num livro, acariciar a capa, passar a mão pela lombada, abri-lo devagarinho, folheá-lo, comprá-lo, trazê-lo para casa, colocá-lo em cima de uma resma de milhares de outros (onde já vão as prateleiras?), perdê-lo de vista, procurá-lo, achá-lo, não o encontrar, vociferar por não saber onde está, lê-lo, não o ler, tê-lo ali, não o ter, adormecer agarrado a ele, acordar e pegar nele, abri-lo, manuseá-lo, lê-lo religiosamente ou na diagonal, gostar ou não gostar, achar que é importantíssimo ou coisa de somenos, perder-me a reler cada linha ou interromper a leitura a páginas tantas… tudo isto muda a minha vida, dia a dia, minuto a minuto.
Não poder andar livremente em minha casa porque há livros, bons, muito bons, maus ou assim-assim, por corredores e salas, em pilhas, em estantes, em cima de mesinhas e mesas de jantar, onde já não se janta, ter duzentos (ou mais!) livros de cabeceira (que já caíram, durante o sono, por cima de mim!), é coisa que muda a vida de qualquer um. Sou incapaz de indicar dez que o não tenham feito. Todos mudam pelo menos o itinerário dos meus passos em casa (e obrigam a mudar os da família). Mas, será que um livro publicado agora na China, nos EUA, no Paquistão ou em Inglaterra não vai mudar a minha vida daqui a nada, sem eu saber sequer o título da obra?
Meu caro Eduardo Pitta: lamento não lhe enviar dez títulos, mas agradeço-lhe a possibilidade da reflexão. Estes reptos, quando são inteligentes e abordam questões fundamentais, acabam sempre por fazer efeito e mudar a nossa vida: há duas noites que acordo a pensar nesta questão dos livros que mudaram a minha vida. Hoje levantei-me às 6 para vir responder. Não é nada normal. Espero retomar o meu horário habitual de sono, agora que arrumei (arrumei mesmo?) a questão.
Com a mais viva consideração.


Vou passar o repto à M. (Detesto Sopa) e ao Fred (Não há Nada Como o Realmente), porque são da família, e tropeçam nos livros (os meus), e ainda à Ana (Música do Acaso), à S. (Nonblog), à Rosário (Divas e Contrabaixo), à Rosário (Bandida), à Sony Hary (Gola Alta), à Ourico (Branco e Azul), à Ida (Sulburdio), à Sara (Uma Devastação Inteligente) e à Isabel (Caderno de Campo). Por pura maldade. Esta resposta é um tormento, eu sei.

segunda-feira, setembro 17, 2007

CINE ECO 2007

Para ver toda a programação a concurso
e também as secçõers e as actividades paralelas:

domingo, setembro 16, 2007

UTOPIA E REALIDADE

A minha amiga Ana Paula, do "Música do Acaso", publicou um post sobre "Sonho Versus realidade" , sobre o qual escrevi um comentário que lá deixei, mas o qual gostaria de colocar também aqui, pois julgo tratar-se de um tema de extrema actualidade a merecer reflexão. Também aqui o óptimo me parece inimigo do bom, também aqui a busca do absoluto anula não só a acção, como a progressão.


Cara Ana, não vale a pena ser pessimista. Há que ser realista. O mundo não vai piorando, acredita. Vai, dia a dia, melhorando. Quem estuda História sabe disso. O que acontece, hoje em dia, é que a informação, à escola global, é total e por vezes deliberadamente desmoralizante. Antes não se sabia o que acontecia a 10 quilómetros de nós. Hoje sabe-se tudo, em todo o lado, e o efeito desse conhecimento é deliberadamente amplificado pela comunicação social, para vender, unicamente para vender mais. Quantos biliões de Maddies não desapareceram no mundo desde que este é o que é? Quantos milhões não desapareceram em circunstâncias muito mais horrorosas do que as que aconteceram a esta infeliz Maddie (qualquer que seja o seu caso)? E, no entanto, esta atingiu proporções nunca vistas. Por ser um caso "diferente"? Não. Apenas por haver mais meios para colher e difundir a noticia e vendê-la pelo mundo. O que em si é mau, mas também terá os seus efeitos positivos, de vez em quando.
O importante é não embarcar em histerias que só são contraproducentes e olhar cada facto com a nossa experiência, a nossa sensibilidade, a nossa perspectiva crítica. Cada vez mais temos de ser menos ingénuos, é verdade. Mas o mundo não é um local tão tenebroso assim – Por cada caso Maddie quantos milhões de pessoas não tratam os filhos com cada vez maior atenção, desvelo e amor? Por cada crime, quanta boa acção ignorada, executada apenas porque se é bem constituído moralmente, apenas porque se procura o melhor para a Humanidade? Por cada acidente de carro, acidental ou criminoso, imagina os milhões que, minuto a minuto, se evitam somente porque as pessoas não são assassinos loucos deixados à solta das estradas.
A utopia pode ser muito realista: basta ir-se acrescentando, sempre que possível, um acto digno, um olhar de amor, um gesto, uma frase ao nosso quotidiano. Sem pensar no que se faz, sem olhar às consequências: apenas porque somos assim, e assim gostamos de continuar a ser.
O mundo é “humano”, não é perfeito, nunca o será, mas podemos ir contribuindo para o fazer cada vez mais habitável. Aqui onde vivemos, um país magnifico, de pessoas normalmente boas, belas paisagens, bem estar acima da média mundial, que vai devagarinho melhorando, mas também um pouco por todo o lado. Com acções, com palavras, com o combate diária ao egoísmo, ao fanatismo, ao terrorismo verbal, à continua maledicência. A utopia está ai: ao alcance da nossa mão. Não se faça da utopia algo inalcançável, porque só estaremos a contribuir para o desespero. A utopia ganha-se. É só acreditar e lutar por ela. Não fazer dela algo impossível de realizar, por assim a utopia só serve para nos tornar infelizes ou atar-nos de mãos e pés (se é inalcançável não vale a pena fazer nada!), mas olhá-la como algo que se vai atingido, minuto a minuto. E que, dia a dia, vai transformando o mundo. Beijos.

sexta-feira, setembro 14, 2007

AINDA O CASO MADDIE


Em Maio deste ano escrevi sobre o desaparecimento de Madie e sobre o que pensava sobre um determinado comportamento dos seus pais. Aqui. Houve quem não gostasse. Nessa altura a histeria era de sinal positivo e ninguém podia sequer apontar um descuido aos pais.

Apontei, e apontarei, qualquer que seja o desfecho desta história.

Agora a histeria é de sinal contrário, e, tendo em conta dois importantes sintomas (o Vaticano e o governo inglês, que sorrateiramente se afastaram do caso, eles que devem saber muito mais do que nós!), tudo leva a crer que não há fumo sem fogo neste caso.

Pois continuo a protestar, mas agora com sinal contrário: nada de crucificar sem provas insofismáveis.

Há um filme admirável que marcou e moldou a minha vida: "Doze Homens em Fúria". Vejam e meditem. Sem provas inequivocas, a Humanidade prefere manter em liberdade um possivel criminoso, do que enjaular, ou tirar a vida, a um inocente injustiçado. "Johnny Guitar" e a histeria macchartista, é outro bom exemplo. Há muitos mais.

Tenho muitas, mas mesmo muitas dúvidas sobre o que não queria ter nenhuma. Mas mesmo assim, respeitem-se as regras que a civilização criou: sem verdades absolutas, não há condenações absolutas.

Claro que há factos provados que não deixam dúvidas. No dia em que foi dada como desaparecida cerca das 22 horas, Madie e os irmãos foram recolhidos da creche do aldeamento onde passavam férias pelas 18 horas. É um dado objectivo que vem em todas as cronologias dos jornais. Às 18 horas, os pais foram buscar os três filhos à creche para os levarem para casa, onde certamente lhes deram banho e a seguir o jantar e os puseram a dormir até ao dia seguinte.

Depois saíram e foram jantar.

Portanto quando é que aqueles pais estavam com os filhos em férias? À tarde colocavam-nos na creche. À noite punham-nos a dormir, com ou sem soporiferos. Sabe-se o que faziam com eles de manhã?

Que são uns pais muito sui generis, são. Não tenho dúvidas.

O MUNDO DE TIM BURTON




São todas imagens de filmes de Tim Burton, excepto uma.
Veja as diferenças e as semelhanças.
A que pertence a imagem que (aparentemente)
não pertence ao universo de Tim Burton?
A chave está no "Correio da Manhã", de ontem,
donde retirei a foto, com a devida vénia.
Veja o que é filme e o que é realidade.
Descubra a aparência do cenário e o cenário da aparência.
Ou será tudo realidade?
Ou será tudo aparência?

CONVERSAS DE CAFÉ E JANTAR COM CHÍCHARO


CONVERSAS DE CAFÉ

Esta história tem um percurso. Há dias, António Manuel Pinho, director de uma publicação que eu desconhecia, mas que tem bem graça, um quinzenário gratuito, de nome “Conversas de Café”, telefonou para uma conversa sobre as tertúlias do Vavá, para aparecer no número de “rentrée” (a 28 de Setembro). O jornal tem 50.000 exemplares e é distribuído por cafés, nos distritos de Lisboa, Setúbal, Leiria, Santarém, Faro, Aveiro, Porto e Braga. Tem uma apresentação curiosa, quer ser um “jornal positivo e de lazer, onde as histórias más não são notícia”. Graficamente é cuidado, em 16 páginas a cores. Que seja bem-vindo, as 19 edições que tive oportunidade de folhear algumas, merecem-no.
Nessa conversa no Vavá, o António Manuel Pinho explicou-me que vai fazer sair um suplemento dedicado a um estranho Festival: o Festival do Chícharo. Decorre em Alvaiázere, uma vila ali para os lados de Leiria, nos dias 5, 6 e 7 de Outubro. Ora o que é o Chícharo? Uma leguminosa que fica a meio caminho entre o tremoço, o feijão e a lentilha, que se dá bem em terrenos arenosos, que os populares cozem com abóbora, couve miudinha e broa, para acompanhar com peixe ou carne, sardinhas, carapaus, entrecosto ou umas pataniscas de bacalhau. O chícharo "tem um sabor macio e desenfastiante", garante Piedade Marques, que não dispensa o pitéu nos seus cozinhados. Li numa reportagem do JN.

ALVAIÁZERE
A cultura do chícharo tem vindo a ser desenvolvida no concelho de Alvaiázere, que se proclama a "capital do chícharo". A Câmara apoia, Álvaro Pinto Simões, o presidente da aludida, fala "em milhares de visitantes", registados nos últimos festivais, e salienta a importância deste tipo de iniciativas para a economia e turismo do concelho, explicando que o festival "é um incentivo para os agricultores do concelho, para que estes comecem a produzir mais chícharo". Segundo a mesma fonte, que de chícharo nada sabia até ontem à noite, a divulgação deste produto "tem sido muita" e, por isso, "a procura tem aumentado". Nos restaurantes do concelho, segundo o autarca, "já existem ementas com o chícharo", leguminosas que "há muitos anos atrás servia de alimento a pessoas com mais necessidades".
“Tem um sabor muito bom. Para o cozinhar tem de se pôr de molho na véspera, como se faz com o feijão, e depois é só cozer. Se juntar com umas couvinhas e temperar, fica muito bom", diz quem sabe. Em termos de marketing turístico, “Para além de divulgar o chícharo, esta iniciativa permite uma visita ao concelho e dar também a conhecer os nossos produtos, como artesanato, o mel, os enchidos, o azeite e o vinho, entre outros. Tudo produzido aqui". O presidente da Região de Turismo do Centro afina pelo mesmo diapasão: “Esta iniciativa é muito interessante porque suscita a adesão da população. É importante para se afirmar do ponto de vista turístico, podendo ser uma bandeira do concelho".

O CHÍCHARO
Ora por simpatia do director de “Conversas de Café” ontem houve um lançamento do Festival e do Chicharo no restaurante da Fábrica da Pólvora, ali para Barcarena, para o qual fui convidado. O chefe culinário da casa prometeu dois pratos com chícharo, inventados para o efeito, e desde Otelo Saraiva de Carvalho a Arlindo de Carvalho ou a Isaltino de Morais, de Pedro Barroso a Paulo de Carvalho ou Manuela Bravo, de Manuel Cavaco a Silvestre Fonseca (mestre de guitarra clássica, que abriu o sarau com algumas interpretações de evidente virtuosismo) todos nos sentámos à volta da arredondada mesa, qual cavaleiros da Távola, para a criação feliz da Confraria do Chícharo, como bem inventou e logo anunciou o Chícharo-Mor, Pedro Barroso, homem da ideia ali mesmo solenemente ovacionada.
O Chícharo é interessante, sim senhor. Mas o mais interessante e esta criação de um movimento a partir de um produto local e, levado por esse impulso, falar de uma terra pouco conhecida. Chama-se a isto “criar eventos”, com a prata da casa. Inventar o que há e o que não há, para que passe a haver mais e melhor. Logo, Viva a Confraria! Eu que nunca fui a Alvaiázere, já estou com vontade de lá ir. Quanto ao chícharo, “é uma espécie de tremoço, mas com outro sabor”, como ontem me explicaram e eu passo a citar. Na verdade, o chícharo é chícharo.

ACABARAM AS FÉRIAS NA PRAIA





Acabadas as retemperadoras férias na praia, com ar puro e longe do strees citadino, aqui estou cheio de energia para um novo ano. Foi bom poder disfrutar destes momentos de lazer, na companhia de tão magnifica vizinhança. Vêem aquela boia amarela, lá ao fundo? Sou eu... Queimado. Muito queimado.

domingo, setembro 09, 2007

Datas Históricas

PARABÉNS!
O Mário é um miúdo muito observador e interessado. Há dias foi até Londres e conseguiu duas “especializações” em áreas muito do seu agrado: múmias egípcias e dinossauros. Talvez por isso, e olhando para as fotografias da Rainha que abundam um pouco por todo o lado, perguntou à mãe:
- “Eles (os ingleses) “usam” esta rainha até ao fim?”
É verdade, Mário, usam-na mesmo até ao fim. É a exploração capitalista desenfreada e a aludida Senhora nem sequer tem um sindicato que lhe valha.
De há uns dias para cá, o Mário vive um dilema. Sabe que faz anos no dia 9 de Setembro, mas surgiu-lhe uma profunda dúvida existencial: “E se chegado o dia, não faz anos?” A mãe já lhe explicou que fazer anos é assim mesmo: chega-se ao dia e não há nada a fazer, senão fazer anos. Ás vezes até pode apetecer não os fazer, mas fazem-se. Já era assim com os dinossauros, as múmias do Egipto também passaram pelo mesmo, e até a Rainha faz anos até ao finzinho. Os anos “fazem-se”, quer se queira, quer não, e devem-se “fazer” com muita alegria para se ser o mais feliz possível enquanto se andar por cá a estudar os dinossauros e as múmias passadas. Há mais: quando se fazem anos, a malta à volta, canta os parabéns a você. Por isso Parabéns.
Como viste, fazem-se sempre anos quando se chega ao dia certo. Um beijo de parabéns!

segunda-feira, setembro 03, 2007

VAVA.DIANDIANDO COM ROGÉRIO SAMORA

VÁ.VÁ.DIANDO
11 º J A N T A R D A T E R T Ú L I A
ABERTURA DE NOVA TEMPORADA

26.09’07: 20H
R E S T A U R A N T E - C A F É V Á V Á

CONVIDADO ESPECIAL:
ROGÉRIO SAMORA
Profissão: ACTOR

DEPOIS DE RAÚL SOLNADO, FERNANDO DACOSTA, NUNO JÚDICE, TEOLINDA GERSÃO, IVA DELGADO, LÍDIA JORGE, MARIA DO CÉU GUERRA, EURICO GONÇALVES, PAULO PORTAS e LAURO ANTÓNIO, CONTINUAM OS JANTARES-ENCONTROS NA MEHOR TRADIÇÃO DAS TERTÚLIA DO CAFÉ-RESTAURANTE VÁVÁ.

ROGÉRIO SAMORA - ACTOR: TEATRO, CINEMA, TELEVISÃO

TODOS ESTÃO CONVIDADOS MEDIANTE O PAGAMENTO DE UMA SIMBÓLICA QUANTIA: 12,5 EUROS POR PESSOA. COM DIREITO A SOPA, UM PRATO DO DIA, PEIXE OU CARNE, SOBREMESA, BEBIDA (VINHO É O DA CASA!) E CAFÉ. EXTRAS POR CONTA DO FREGUÊS.

RECUPEREM O BOM GOSTO DE UM SABOROSO JANTAR E DE UMA RECONFORTANTE CONVERSA À RODA DA MESA.
[ LOTAÇÃO LIMITADA A 50 CADEIRAS. ACEITAM-SE INSCRIÇÕES NO BALCÃO DO VÁVÁ. ]

Para informações e marcações de lugares:
LAURO ANTÓNIO / [Blogue Va.Va.diando (http://vava-diando.blogspot.com/ ] [ mail: laproducine@gmail.com ]

RESTAURANTE - CAFÉ VÁVÁ AV. EUA, Nº 100 - 1700-179 – LISBOA (TELF 21.7966761)
Próximo Convidado:
CARLOS DO CARMO
(17 de Outubro de 2007, a confirmar a data)

sábado, setembro 01, 2007

TOURADAS

À LAS CINCO EN PUNTO DE LA TARDE...

Tinha para aí eu seis ou sete anos, segundo me contavam os meus pais, quando fui a Madrid pela primeira vez. O meu pai fora convidado a expor por lá alguns quadros seus, e, numa tarde quente de verão, fomos aos touros, na principal praça do país. Devereria ser Las Ventas. Casa cheia, isso lembro-me bem. E touros de morte, me disseram depois. Entrado e lidado o primeiro, chegou o momento da verdade, e lá foi o animal tirado da praça já cadáver, arrastado por cavalos. Recordavam os pais que o meu choro foi mais que muito, apiedado da sorte do negro, mas tudo se aquietou com a entrada de um novo animal, preto e reluzente como o anterior. “Vês?, não lhe aconteceu nada de especial, apenas foi até lá fora e já regressou.” Pois, está bem, não fiquei muito convencido mal lá passou, até que, em vez do negro, volta um castanho que nada tem a ver com o anterior. Aí tiveram e contar-me a verdade e eu de a assumir.
A verdade é que as touradas me dividem. Ainda hoje. É um espectáculo bárbaro, é! É um espectáculo fascinante, é! Ver cavalo, cavaleiro e touro a dançarem entre si, na solidão da arena, uma dança que pode ser de morte, nesse agressivo jogo de esconde e descobre que não permite um segundo de distracção; ver o touro investir para o forcado que o cita de cabeça levantada, numa demonstração de coragem perfeitamente gratuita, é certo, que se esgota ali mesmo, no momento da vitória ou do derrube; ver o matador, de simples capa na mão, olhar o animal enfurecido, avançar com a capa docemente, oferecê-la à investida, relancear capa e corpo e rasurarem ambos, touro e toureiro, por segundos, que se prolongam no ar cortante da tarde de calor ou da noite tépida; olhar o colorido dos brocados dos fatos, o branco das calças acetinadas, olhar os cavalos naquela nervosa elegância altiva com que entram na praça e se colocam à espera da saída do touro, frente ao curro negro, quinhentos e tal, seiscentos quilos de carne, músculos, ossos e cornos afiados que se soltam à desfilada ou deslizam suavemente para a claridade da arena…Estes são momentos únicos de um espectáculo bárbaro que nos coloca nos extremos da nossa própria humanidade.

Não vou muito à tourada, é certo, talvez por tentar combater dentro de mim o apelo que não entendo. Uma ou duas vezes por ano o apelo é irresistível, sobretudo se a corrida for promovida pelo Sporting. Ontem lá estive, no Campo Pequeno, bem por detrás do director da dita (por alguma coisa ele tem aquele lugar!), apreciando João Moura Jr., que me pareceu brilhante, assegurando a um nível muito alto o futuro da arte de tourear a cavalo em Portugal, bem assim como outro jovem, João Ribeiro Telles Jr., também ele a dar cartas e a prestigiar a corrida à portuguesa. O terceiro da noite, Joaquim Bastinhas, pareceu-me o cavaleiro em noite mais apagada, mas também optando por um toureio carregado de rodriguinhos que pode agradar a turista mal informado, mas se reconhece algo como mais para inglês ver do que arte de imposição pessoal. Os forcados foram esforçados e nalguns casos brilhante (e, num caso mesmo, calamitosos).

Em jeito de homenagem à tourada, um texto de Luis Fernando Veríssimo, um escritor brasileiro que muito prezo, e que diz das touradas, o que eu não conseguiria dizer. Aqui fica com a devida vénia ao brilhante cronista:

Don Jesús nos leva a visitar Las Ventas, a plaza de toros de Madrid, inaugurada em 1934 e uma das belas construções públicas da cidade. Ela substituiu a Plaza Vieja, inaugurada em 1874, que por sua vez tinha substituído a da Puerra de Alcalá, do século XVIII. Durante muito tempo as touradas de Madrid se realizaram em praças públicas e as mais importantes, feitas em honra à realeza, aconteciam na Plaza Mayor, no centro da cidade. Hoje Las Ventas é considerada a arena mais importante do mundo dos touros. A temporada madrilena começa no segundo domingo de Março e vai até o penúltimo domingo de Outubro, e inclui a famosa Feira de San Isidro, 27 dias consecutivos de corridas durante o mês de Maio e parte de Junho. Como já estamos no final de Outubro, não há actividade em Las Ventas. Caminhamos em volta do imponente edifício deserto, imaginando como seria o movimento de público num dia de grande tourada. O público de Madrid tem fama de ser o mais exigente e crítico da Espanha e tourear na capital é uma prova que todo diestro deseja e teme.
Goya
Na praça em frente à arena há uma estátua curiosa: um toureiro reverencia Alexander Fleming, o inventor da penicilina.
Pequena digressão clínica. Viajei para a Espanha literalmente tomado por uma reacção alérgica a um antibiótico receitado para sinusite. O que começara como uma incómoda comichão no glúteo se alastrara por toda a pele, que parecia queimada pelo sol. Comecei a descascar. Passei todo o tempo em Madrid largando pele, o que - além de certamente intrigar as camareiras do hotel, que encontravam pedaços de papiro nos lugares mais estranhos - causou alguns transtornos. Troquei toda a minha pele. Saí da Espanha outro homem, pelo menos na superfície. Tudo porque não notei o que o antibiótico ingerido continha a invenção do dr. Fleming, à qual sou alérgico. Milhares de toureiros devem sua vida a Fleming. Antes da penicilina, a maior causa de morte entre eles não era a chifrada do touro, mas as bactérias introduzidas no organismo pelo chifre. Só o respeito a essas vidas poupadas me impediu de sair correndo e dar um pontapé na estátua.

O Museu do Touro de Las Ventas também aderiu às homenagens a Goya e exibe cópias das suas gravuras sobre touradas, a série Tauromaquia. Entramos juntos no pequeno museu. Goya não espera eu começar a falar. Se adianta. “Já sei o que você vai dizer. Luz e sombra. Festa e crueldade. Os contrastes da alma espanhola resumidos num terno de luzes sujo de sangue. A tourada como a grande metáfora da nossa ambiguidade nacional. Poupe seu fôlego. as gravuras desta minha série são apenas exercícios de estilo. Amostras do meu domínio técnico sobre o material e o efeito. Exibicionismo, se você preferir”. Lembro que Goya declarou certa vez que tinha toureado na sua juventude, embora não exista nenhuma evidência disso. O ponto de vista das suas gravuras de touradas é sempre no chão. O artista está dentro da arena. Goya, o toureiro frustrado, estaria comparando sua arte com a arte dos toureiros, a sua destreza com a deles. Mas era mais do que isso. A série Tauromaquia é o trabalho mais despojado de Goya. As cenas são de acção, e ao mesmo tempo têm uma certa solenidade estática, uma consciência de que significam mais do que mostram. As gravuras são de lugares identificáveis e factos reais - algumas são recriações de momentos famosos na história das touradas - mas nelas touro e toureiro também estão num universo esparso, retirados da realidade reconhecível e de qualquer artifício para serem símbolos sobre um palco nu. Símbolos de quê? O touro representa a natureza bruta, o que não tem regras, o instinto. O toureiro age dentro de rígidas regras e convenções, com movimentos estudados e razão aplicada. Como o fim desse encontro de opostos é a morte - do toureiro implicitamente, do touro certamente -, ele tem um carácter de definição final, uma forma extrema de despojamento. Num rude desporto popular, repudiado pelas pessoas sensíveis do seu tempo e das suas relações, Goya retratava uma reincidente dramatização da peculiar divisão espanhola entre emoção e controle, paixão e forma. Na tourada o controle e a forma vencem o instinto sempre, a não ser quando permitem que um touro especialmente valente saia vivo da arena e se aposente, mas a questão precisa ser redefinida a cada nova corrida. Noto que a análise desagrada Goya e decido não acrescentar a complicação que me ocorre: o touro representa o feminino e o toureiro, mesmo com todas as luzes da sua roupa apertada, representa o masculino, a civilização que se impõe à natureza selvagem ao mesmo tempo que é ameaçado e fascinado por ela. Não quero provocar o escárnio de um fantasma, no entanto, e deixo a tese para lá.

Ernest Hemingway era um apaixonado pela Espanha em geral e pela tourada em particular. Seu livro sobre touradas, “Death in the Afternoon”, foi lançado em 1932, antes da Guerra Civil e da construção de Las Ventas e não muito depois do governo ter decretado que os cavalos usados pelos picadores fossem protegidos das corneadas do touro, para evitar o que a maioria do público não-espanhol considerava a parte mais repugnante do espectáculo: as vísceras do pobre animal despejadas na arena. Os cavalos não morriam mais, mas o sanguinário Hemingway não concordava muito com esses pruridos. No livro ele compara o gosto pela tourada com o gosto pelo vinho. Uma educação na apreciação da tourada se equivale a uma educação em vinhos. Para o iniciante, o que atrai na tourada é o pitoresco e o supérfluo, o que equivale a uma preferência por vinhos doces e suaves. Só com o tempo a pessoa começa a distinguir o essencial da tourada do meramente pictórico, assim como só com tempo se adquire o paladar para um denso e profundo grand cru. O essencial da tourada é a tragédia ritualizada e para que esta fosse completa as vísceras na areia eram necessárias. Hemingway comparava o horror de espectadores com os cavalos eviscerados a uma renitente queda por algum frisante menor. Na Calle Cuchilleros existe um bar que anuncia na frente, com destaque: “Hemingway não comeu aqui”. Não entramos para saber se havia uma mesa específica à qual Hemingway nunca tinha se sentado, quando não ia ao bar. É uma reação ao turismo-lugar-comum, mas duvido que faça muito sentido para os turistas jovens de hoje. Hemingway na Espanha, a Guerra Civil, Por quem os Sinos Dobram, Ingrid Bergman de cabelo cortado no mesmo saco de dormir com Gary Cooper... O que tudo isso significou para uma geração é difícil explicar para outras, quanto mais transmitir. Mas para pessoas de uma certa idade, passear por Madrid é um pouco, passear pelos anseios, os terrores e a literatura de toda uma época. Para uma geração, a Espanha representou o que a plaza de toros representa nas gravuras de Goya, um palco de definições, um lugar onde opostos se engalfinharam e a razão e a barbárie também dançaram o seu balé inconclusivo.
Quando deixamos Las Ventas Goya não está ao meu lado no carro do sr. Jesús. Imagino que tenha ficado no meio da arena, fazendo verónicas para touros imaginários, sob o olhar atento de Manolete, Belmonte, Joselito e outros fantasmas, e ouvindo os olés das arquibancadas vazias. Está certo em não me querer por perto. Essa é uma cerimônia só para espanhóis, por mais que os estrangeiros como Hemingway pensem que a entendem.
A paixão de Hemingway pelas touradas é bem conhecida. Foi tema de “Morte ao entardecer”, de 1932, e voltou a ser fonte de inspiração em 1959, quando retornou à Espanha, contratado pela revista “Life” para escrever um artigo sobre o tema. Claro que toda essa paixão não poderia se resumir a um simples artigo, virou uma grande reportagem sobre a tauromaquia, a arte de tourear. “O verão perigoso”, que está sendo relançado pela Bertrand Brasil, é a crónica de uma temporada excepcional, marcada pela rivalidade de dois mitos: Antonio Ordoñez e Luis Dominguín, na narração vigorosa de um amante da "dança da morte".
Sobre este livro, recentemente lançado no Brasil, e que eu não li, apesar de ser um fervoroso adepto da escrita descarnada e jornalística de Hemingway, e de ter lido quase toda da obra na miha adolecencia, Thaís Tibiriçá escreveu:
“Neste mês, a editora Bertrand Brasil lança um dos seus últimos livros, O verão perigoso, escrito aos 60 anos num momento onde o sentimento da morte estava muito presente em sua vida. Em 1959, Hemingway retorna à Espanha - sua segunda casa - através de um contrato com a revista Life para escrever um artigo sobre touradas. Uma paixão antiga que o fez escrever Morte ao Entardecer, considerado pela crítica uma obra-prima.
O autor relata a temporada de touradas de 1959 de forma semelhante ao que consideramos hoje jornalismo literário. A dança da morte, como denominava, vai destacar os toureiros Antonio Ordónez e Luis Miguel Dominguín, personagens principais desta história que tem como belo pano de fundo as regiões mais famosas da Espanha.
A tauromaquia - arte de tourear - será transcrita com precisão comprovando toda sua experiência jornalística e seu estilo. As descrições causam alguns arrepios, principalmente nos golpes ferozes dos touros, como um na nádega esquerda de Ordónez. O leitor que nada sabe sobre esta arte (aí depende da visão de cada um), conseguirá entender melhor o assunto, que se completa com a introdução do escritor James A. Michener. E com o glossário, que fica no final do livro, com as principais palavras da área - usadas a todo o momento pelo escritor.
O espírito das touradas é a busca constante de Hemingway, que tenta com seus sentimentos aflorados passar um pouco da vida e forma de pensar destes matadores - ou suicidas (como cada um queira).”
Ernest Hemingway: "O sentido da tourada é, para o toureiro, vencer a si mesmo, ao medo da morte. É deixá-la, a morte, se aproximar o mais possível, o mais imaginavelmente possível, e manter os pés fincados no chão, só se desviando no último instante. È portar-se com honra e arte, enquanto aquela potência da natureza, pesando meia tonelada e dotada de chifres capazes de rasgar ao meio uma pessoa e lançá-la nos ares, passa rente a eles".
"Mas o homem não é feito para a derrota. Um homem pode ser destruído mas não derrotado."

Picasso e a mulher, grandes aficcionados

Lorca e Neruda, grandes aficcionados