segunda-feira, agosto 28, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (19)

“UM AMOR ATREVIDO”


Blog belíssimo, muito cinematográfico na sua inspiração, muito literário na sua concepção, muito erótico na sua textura. "Um Amor Atrevido", é o nome. Quem o escreve não sei, mas gostava bastante de saber (as coisas boas são para se conhecerem, e o autor/autora atrevido/a bem merece a celebridade). Acontece que graficamente é de uma austeridade notável, de um rigor imaculado (nada desvia o autor/a dos seus propósitos), os textos são muito bonitos, alguns muito sensuais, e por todos passa uma sombra cinéfila que só fica bem, quer perla justeza das referências, quer pela subtileza das mesmas. Não percam.
Eis quatro exemplos “quentes” deste Agosto:

Domingo, Agosto 27, 2006
Já era tempo. O Amor não é como nos filmes, não se alimenta de ausências nem sobrevive do pingue pongue de toques inventados por imaginações carentes de adêene desconhecido. O Amor não é um grande plano de olhos fechados e de bocas entreabertas, com um magnífico pôr-do-sol de permeio e um piano piroso de fundo. Já era tempo, sabes. O Amor é uma janela que se fecha devagar para que não te constipes, é guardares-me a última colher de mousse e partilharmos a escova de dentes e o tédio das segundas à noite; é o riso cúmplice no velório de um primo distante e o depilar-me com a gilete com que te barbeias. Não, seguramente, esta estúpida nostalgia de violinos que se dispersa pelas minhas veias saudosas como veneno de cobra, a cada vez que me lembro de seguir um roteiro de palavras que não me pertencem porque já me esqueceram. Já era tempo de não tentar seguir-te o trilho, de perder a esperança de te encontrar as pegadas, às voltas, de volta, na minha direcção. Já era tempo de abrir os olhos, de virar-te a cara e cerrar-te os lábios (e que a noite caísse por fim entre nós). Seguir em frente. Sim. Já era tempo de seguir em frente.


(east of eden)
escrito por a. at 2:38 AM

Domingo, Agosto 20, 2006
Gosto da imoralidade inquieta com que investes entre as minhas pernas e depois emerges dos teus trabalhos de língua como uma enguia cansada, para logo a seguir me prenderes com os pés as bochechas, tendo eu de te engolir inteiro antes que da minha cara faças banco desdobrável. Não te reges por quaisquer princípios quando me abres na tua trave como ginasta olímpica e rodas sobre mim, fazendo-me eixo fixo do teu gozo obsceno e arrogando-te a leveza de um ponteiro dos segundos. Não me deixas, sequer, espaço dentro da boca para poder passar o riso que sempre me invade quando nos vejo assim trocados, invertendo todos os códigos da importância dos carinhos: eu, a amar perdidamente um dedo do teu pé e tu, a namorares o meu tornozelo magro, que chupas como a última ostra. Mas do que eu mais gosto é quando um de nós se vira por fim no escuro, ambos ainda confusos, em busca de pontos de referência, do hálito cansado do outro. E do prazer de te esperar, cá em baixo, no fim da viagem, depois das curvas, das derrapagens, dos cruzamentos às cegas e inversões de marcha. O sexo é a melhor metáfora de nós: o sítio onde exageramos a vida e a esquecemos, enterrando a cabeça um no outro como avestruzes cobardes.


(basic instinct)

escrito por a. at 10:02 PM

Segunda-feira, Agosto 14, 2006
Chegaste-me pelas costas e o teu sorriso miúdo a acertar em cheio as minhas omoplatas desprevenidas. Tempos depois, o sol num determinado ângulo, a ensombrar o pára arranca da brisa marinha. e pela bonomia estival irrompe a lembrança dos teus olhos gulosos, arredondando as minhas medidas e sufragando os meus gestos. Por entre línguas da sogra e gelados olá, reconstituo a tua boca de lamentos diabéticos com a precisão de um restauro de capela: recordo-a abandonada aos meus segredos de mulher fácil, oferecida como uma amostra grátis, e lá se me vão as certezas dianteiras e os traços contínuos, na leva da quadragésima sétima onda. Um ligeiro açoite da memória, e o teu cheiro a sobrepor-se à citronela na varanda e a intrometer-se na roda de amigos. Por entre as gargalhadas e as traças que esvoaçam no cheio da noite, faltas-me qualquer coisa, como se uma cadeira vazia em frente a um prato cheio, numa mesa posta. Finjo que tenho muito para te mostrar mas, na verdade, sou um livro em branco à espera que me preenchas com a caligrafia paciente de um monge copista, e assim talvez que da nossa história ainda surja uma iluminura (como as que dantes contavam dos desvarios feitos por Amor e da tolice de lhes chamarem milagres).


(breaking the waves)

escrito por a. at 2:07 AM


Segunda-feira, Agosto 07, 2006
Não sei em que momento o teu tronco perfeito, alinhado por deuses gentis, passou de bênção sorridente a cruz às costas. Nem imagino o que te terei feito ao certo, para que me obrigues a carregar-te pela moínha dos anos como uma penitência azeda. Nós dois, de mãos dadas num paraíso de folheto, assimétricos como bainhas cosidas à mão, cedendo cada vez mais ao conforto morno da redundância e do silêncio. E os contornos molhados desta ilha em que resolvemos resolver-nos, acentuam ainda mais os rasgões da solidão sibilina na nossa carne triste. Não há oceano índico que nos enxagúe as mágoas, nem sol costureiro que nos vire os forros da alma magoada pelo avesso e no-la sacuda para o chão, a ver se sai o lixo e as sobras que não prestam. Em frente, um nativo de rosto gasto como as conversas em vão, toca música velha de namorados e sorri, ao teu gesto cuidadoso de casaco sobre os meus ombros arrepiados. Sabemos ambos (aliás, sabemos todos, até a senhora da agência) que o roteiro de um inclui o outro a diário, como visita guiada de turista enfadado. Mas eu duvido (sinceramente, duvido) que alguma vez volte a oferecer-te o meu corpo com o abandono dos crentes.


(once upon a time in america)
escrito por a. at 8:28 PM

sábado, agosto 26, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (18)

“HÁ SEMPRE UM LIVRO...à nossa espera!"



É um “Blog sobre todos os livros que eu conseguir ler! Aqui, podem procurar um livro, ler a minha opinião ou, se quiserem, deixar apenas a vossa opinião sobre algum destes livros que já tenham lido. Podem, simplesmente, sugerir um livro para que eu o leia! Fico à espera das V. sugestões e comentários! Agradeço a V. estimada visita. Boas leituras!”Ora quem é esta “eu” que lê livrios e escreve sobre eles? Vamos ver o que diz o “About Me” e descobrimos que se trata de Claudia Sousa Dias, de Famalicão, Norte, Portugal, “ Bibliomaníaca e melómana. O resto terão de descobrir por vocês!” Ora eu conheço um pouco mais desta Cláudia, frequentadora assídua do Famafest, ou não fosse este um festival sobre “Cinema e Literatura” que eu dirijo há oito anos precisamente em Famalicão. Conheci-a precisamente no barzinho de paredes vermelhas da Casa das Artes. Falámos sobre Cinema e Literatura, já há uns anos, e voltámos a falar regularmente, todos os anos, por volta de meados de Março, sempre que o festival regressa (já regressou em Maio, por força das circunstâncias, como no ano passado). A Cláudia é uma mulher que gosta de livros (entre outros gostos, é claro!). Gosta de os ler e de escrever sobre eles. Duas boas actividades.
Ultimamente leu e escreveu sobre:
* “Contos do Mal Errante” de Maria Gabriela Llansol (Assírio e& Alvim)
* “O Cego de Sevilha” de Robert Wilson (Dom Quixote)
* “Crónica de uma Morte anunciada” de Gabriel García Márquez (Dom Quixote)
* “As Sobredotadas” de Luísa Monteiro (Guizos)
* “O Horto da minha Amada” de Alfredo Bryce Echenique (Dom Quixote)
* “Uma Mulher Nua” de Lola Beccaria (Teorema)
* “O Crime do Padre Amaro” de Eça de Queirós (Planeta DeAgostini)
* “O Aroma da Goiaba” de Plinio Apuleyo Mendoza e Gabriel García Márquez (Dom Quixote)
* “A Amêndoa” de Nedjma (ASA)
* “A Montanha da Água Lilás” de Pepetela (Dom Quixote)
Tudo boas escolhas, que deram origem a extensos textos cuidados, documentados, apaixonados, sobre as obras e os autores. Falta-lhe por vezes um grão de loucura na escrita, um pouco menos de tom professoral, mas a Cláudia é séria (quando não se ri) e só lhe digo isto porque sou muito amigo dela e já lhe dei outros conselhos (cujas consequências espero que se mantenham). Sim, por que também sou óptimo conselheiro sentimental. Um beijo, Cláudia, e aqui fica um trecho da sua análise a um livro admirável, que daqui também aconselho vivamente (vai sem ilustração, porque o Blog da Cláudia assim o impõe):

Friday, July 28, 2006
"A Sombra do Vento" de Carlos Ruiz de Zafón (Dom Quixote)
“Uma história de livros malditos, do homem que os escreveu, de uma personagem que se escapou das páginas de um romance para o queimar, de uma traição e de uma amizade perdida (...) amor, ódio e sonhos que vivem na sombra do vento”. - Carlos Ruiz de Zafón in A Sombra do Vento
Este é um dos raros casos em que o sucesso editorial e a rendição incondicional do público a um autor pouco conhecido em Portugal pelo grande público, coincide com a opinião favorável da crítica especializada e dos gourmets da palavra.
Romance vencedor do prémio “Correntes da Escrita” para o ano de 2005 - evento realizado anualmente na Póvoa de Varzim - A Sombra do Vento é um livro cuja qualidade foi aclamada unanimemente pela crítica especializada, à escala nacional e internacional.
Um dos principais atractivos do referido romance é o facto de a trama remeter para vários outros autores, clássicos e contemporâneos.
Trata-se de um enredo que envolve uma complexa e absorvente teoria da conspiração, em pleno governo do Ditador Franco, onde se misturam os ingredientes que, invariavelmente, conferem ao romance a compulsividade obsessiva necessária para prender o leitor como um íman até ao último parágrafo: amor, ódio, paixão, traição e vingança.
Tudo isto com a bela, imponente e brumosa Barcelona de há sessenta anos atrás como cenário.
A arquitectura da trama envolve um grupo restrito de coleccionadores de livros raros e um autor-mistério, cujas obras parecem ser alvo de um perseguidor anónimo, encarregue de as fazer desaparecer.
O autor perseguido tem o sugestivo nome de Julián Carax e a sua última obra é especialmente visada pelo vingador desconhecido cujo título é...
...A Sombra do Vento.
Mais: o romance de Carlos Ruiz de Zafón debruça-se, nem mais nem menos, sobre a magia que os livros exercem na alma humana, aludindo a toda uma plêiade de autores mais do que consagrados. Por exemplo, por um lado lado, a biblioteca chamada de “o cemitério dos livros esquecidos” remete para Arturo Pérez-Reverte e o seu best-seller intitulado de O Cemitério dos Barcos sem Nome; há, por outro lado, uma intertextualidade com Umberto Eco em O Nome da Rosa, devido à labiríntica configuração da biblioteca descrita na Abadia - onde William Baskerville vai, em plena época medieval, desempenhar o papel de Sherlock Holmes – e a de Barcelona, cujo guardião Isaac faz lembrar vagamente o antigo bibliotecário do romance do autor piemontês.
Em ambos os casos, é na biblioteca que se encontra a chave mestra que possibilita o desvendar da trama.
A influência de Alexandre Dumas também está presente na construção de uma teoria da conspiração que em nada fica a dever à de O Conde de Monte Cristo. O mesmo se pode dizer em relação a Gaston Leroux e Michael Ondaatje pela semelhança de Laín Coubert - o perseguidor de A Sombra do Vento de Carax - cuja movimentação na sombra e deformidade física trazem, respectivamente, reminiscências de O Fantasma da Ópera e O Paciente Inglês. (…)

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (17)

“paixões & desejos”

Chama-se “paixões & desejos” é um belíssimo blog sobre cinema, “as paixões e os desejos” e tem como definição “O Universo do Cinema e a sua História. Os Cineastas, os Astros e as Estrelas da 7ªArte, do Cinema Mudo até à Vanguarda do século XXI. Os Teóricos e a Cinéfilia. Os Livros, a Net e as Publicações de Cinema. A Paixão e o Desejo das Imagens.”

Nos últimos posts, um muito bem documentado sobre
“BERTOLT BRECHT E O CINEMA”,
“O PROCESSO DO FILME A ÓPERA DE TRÊS VINTÉNS
UMA EXPERIÊNCIA SOCIOLÓGICA”
(O CINEMA NOS LIVROS),

que transcrevo com a devida vénia e a vontade que este texto despolete o desejo de frequentar com regularidade este blog de Rui Luís Lima.

O cinema nos livros é uma das formas de descobrirmos através de “terceiros” uma outra forma de olhar a 7ª Arte, mas também de confrontar ideias no Universo Cinematográfico. Quantos filmes e cineastas, actores e produtores fomos descobrir após a leitura do cinema nos livros, fruto de especialistas e de simples amantes do Cinema? A resposta seria infinita para o mais comum dos cinéfilos, por isso vamos directos ao livro em questão: “O Processo do Filme «A Ópera de Três Vinténs» Uma Experiência Sociológica” da autoria de Bertolt Brecht.
Antes de mais, temos de realçar a fabulosa introdução de João Barrento, assim como as suas longas notas, oferecendo uma visão da Alemanha dos anos vinte e a complexidade das relações de então entre o poder do autor da peça e do realizador do filme, ou seja Brecht e Pabst. Brecht não necessita de apresentações, mas Georg-Wilhelm Pabst, merece aqui uma pequena introdução para o situarmos no contexto da questão.
Pabst é o autor de filmes como “Rua sem Sol”/”Die Freudlose Gasse”, “O Amor de Jeanne Ney””/”Die Liebe der Jeanne Ney” ou “A Boceta de Pandora”/”Die Buchse der Pandora” e, como muitos dos cineastas alemães da época, iniciou-se no teatro como actor em Berlim, Zurique e Salzburgo; após o fim da primeira Guerra Mundial tornou-se o director da “Neue Wiene Buhne” de Viena, que na época defendia o teatro de vanguarda no seu reportório. Depois tornou-se realizador, mas fazendo o percurso na sua totalidade ou seja primeiro argumentista e depois assistente de realização. No célebre “Rua Sem Sol” dois nomes femininos iriam marcar a História do Cinema… uma protagonista chamada Greta Garbo… e uma figurante de seu nome Marlene Dietrich.
Regressando ao tema que nos interessa…”A Ópera de Três Vinténs”…os seus autores como todos sabemos são Bertolt Brecht e Kurt Weil mas, curiosamente, quando ela foi apresentada Brecht foi acusado de plágio…mas isso é outra história….adiante…Quando a produtora Nero decidiu levar o texto ao grande écran indicou Pabst como realizador e entregou a feitura do argumento a Bela Balazs que, mais tarde, viria a ser mais que famoso, com os seus textos de teoria e história do cinema. Mas Bertolt Brecht não gostou do resultado final e processou a produtora do filme, a qual antes de o caso chegar a tribunal ainda ofereceu uma soma elevada a Brecht para este retirar a queixa. Mas o Brecht de então era o mais radical possível, como refere João Barrento na introdução e como podemos constatar ao longo da leitura do livro. Brecht acabaria por perder o processo e o filme foi exibido. Curiosamente hoje em dia a película é vista por muitos como um dos grandes contributos de Brecht para a História do Cinema.
O livro trata de todo o processo de “A Ópera dos Três Vinténs” e da sua adaptação ao cinema… a forma como o dramaturgo se refere a Bela Balazs… é demonstrativo do radicalismo da altura… radicalismo esse que a passagem do tempo iria tornar mais maleável e moderado. E o percurso destes três grandes nomes… Brecht, Pabst e Balazs foi de certa forma perfeitamente diferenciado.
Brecht quando viu que o poder do Terceiro Reich iria tentar destruir o mundo, refugiou-se na Dinamarca, partindo depois para os Estados Unidos, ligando-se aí aos círculos socialistas do Cinema e a esse figura chamada Upton Sinclair. Foi um refugiado e um lutador no verdadeiro sentido da palavra, escreveu argumentos atrás de argumentos para o cinema, mas as portas dos Estúdios sempre lhe foram fechadas na cara. E tal como sucedeu a esse grande génio chamado Eisenstein… Hollywood nada quis com ele… e quando foi chamado a depor perante uma comissão acerca das suas ideias políticas, esqueceu-se do seu radicalismo, porque tinha bilhete para partir/fugir do Novo Mundo.
Já Balazs refugiou-se na Rússia e os seus textos continuam a ser fundamentais e a sua grandeza como Teórico e Historiador é reconhecida por todos. Quanto a Pabst, que entretanto tinha realizado um dos grandes manifestos socialistas “A Tragédia da Mina”/”Die Dreigroschenger Kameradschaft), partiu para França quando os nazis chegaram ao poder… mas depois, apesar dos seus ideais socialistas e perante a surpresa de todos, regressa à Alemanha em 1940 e oferece os seus serviços a Goebbels… (recordemos que quando Goebbels convidou Fritz Lang para assumir a direcção da UFA, nesse mesmo dia Lang fugiu de comboio da Alemanha) … quando a Guerra acabou passou o resto da vida a retratar-se, mas nunca conseguiu aliciar a sua amiga Greta Garbo, para esse tal filme que o poderia tirar do Limbo Cinematográfico em que vivia.
Este livro da editora “Campo de Letras” deve ser lido por todos, não só pelas palavras/escrita de Bertolt Brecht, mas também pela excelente introdução de João Barrento que nos transporta para a época de uma forma mais que perfeita. O referido volume tanto pode ser encontrado nas livrarias na secção de cinema, como na de teatro como já constatámos… a sua leitura é uma perfeita aventura… e já agora, como acompanhamento, recomendamos a visão de “A Ópera dos Três Vinténs” da qual muitas das canções são conhecidas de muitos…mas se não a encontrarem em dvd… e se desejarem mergulhar nesse anos sombrios, vejam essa obra realizada por Ingmar Bergman intitulada “O Ovo da Serpente”.

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (16)

"PASMOS FILTRADOS"
É Francisco Mendes quem assina o blog “Pasmos Filtrados”. Uma outra boa aposta num blog de cinéfilo.
Nesta minha opção de referir “Um blog por dia” a ideia não será salientar blogs que pensam e sintam como eu. Há muitos anos que sou professor e a minha objéctivo nunca foi criar réplicas, mas ajudar a afirmar-se cada aluno como um personalidade única e diferente, desenvolvendo as potencialidades que cada um trás dentro de si. Só assim entendo a actividade de professor. Nunca como a de alguns outros que ensinam a ser como eles são ou gostariam de ter sido.
Ao salientar blogs que estimo nada mais faço do que, de uma forma totalmente aleatória, à medida que vou vendo blogs que me agradam, por uma razão ou por outra, sublinhar esse facto e salientar aspectos que julgo de sobressair. Não refiro, pois, só blogs que pensem como eu. Podem até pensar o contrário, mas desde que o façam com boa argumentação, podem convencer-me, não a mudar a minha opinião, mas a aceitar a deles. É o que tenho feito até aqui, é o que faço com “Pasmos Filtrados”, que julgo um blog de um jovem, com as escolhas óbvias de um jovem cinéfilo, adepto do cinema de autor, do fantástico, do filme de culto, dos clássicos. Tudo boas opções. Um blog que procura rigor e paixão, e que se inicia com um prefácio à laia de guia de intenções. Um bom princípio também. Aqui fica o bom princípio, dois textos actuais, e o convite para visitaram “Pasmos Filtrados”.

Segunda-feira, Maio 16, 2005
Prefácio

O dramaturgo William Shakespeare proferia que “o objectivo da Arte é dar forma à vida”. O brilhante poeta Edgar Allan Poe proclamava que “a Arte é a reprodução do que os Sentidos apreendem da Natureza, filtrado através da Alma”. O pintor espanhol Pablo Picasso expressava que “a Arte varre da Alma o pó do quotidiano”. Durante a minha vida calcorreei trilhos que convergiam para a contemplação de diversas formas de Arte. É através da arte que conseguimos flutuar bem acima da nossa consistência física e alcançar admiráveis pontos de vista existenciais. Perspectivas essas que se encontram ocultas aos nossos sentidos, graças ao torpor gerado pelo quotidiano do nosso sórdido globo. Adoro pintura, deslumbro-me com fotografia, absorvo literatura, flutuo com música e venero cinema. Graças ao cinema não perecemos contemplando um mundo singular (o nosso), mas divagámos por múltiplos e diversos mundos de talentosos artistas. No auge dos filmes de ficção científica, os críticos falavam de “Sense of Wonder”. Uma superior Obra-Prima perdura graças ao vórtice que escancara diante de nossos olhos, atordoando e sugando deleitosamente os nossos sentidos. Nós não vemos personagens directamente nos olhos, nós vemos através dos seus olhos. Neste espaço difundirei principalmente as emoções provocadas em mim pela Sétima Arte. Fui recentemente apresentado à arte de criar blogs e os meus conhecimentos são limitadíssimos. Criarei inicialmente algo simples e tentarei arranjar tempo e aprofundar conhecimentos para actualizar este espaço.
posted by Francisco Mendes at 5/16/2005 09:07:00 PM

Sábado, Agosto 26, 2006
"O" final

The Last Waltz, de Jo Yeong-wook (“OldBoy”)

Existe um filme que coabita na minha essência há mais de um ano. Não… não se encontra somente alojado numa ramificação da minha memória. Revolve-me o âmago, amotina-me num patamar intangível, fraccionando o real do místico. “OldBoy” de Park Chan-wook, foca-se num poderoso ensaio sobre a vingança, imbuindo repressões psicológicas no pano de fundo de uma sociedade coreana (e porque não universal) iníqua. Examinando a raiz do pecado ao ritmo de uma Tragédia Grega ou Shakespeareana, o virtuosismo de Park aprofunda a ambiguidade do espírito humano e respectiva fragilidade quando corrompido pelos danos inerentes ao sentimento de perda e subsequente desejo de vingança, numa peculiar mescla de mel e fel, de beleza e abominação, de amor e horror. É uma Obra de Arte que explora de forma vibrante a condição humana.
Elevando a sua poderosa vertente ambígua para um patamar olímpico, encontra-se a magistral conclusão do filme. A partir do momento em que Dae-su abre a caixa misteriosa, o filme explode em ondas de simbolismo. Após a fatídica revelação, a sua revolta é exclusivamente montada com planos de vidros estilhaçados, numa exímia alusão à dissolvência da sua alma. Ao longo do filme existe um mantra ao qual Dae-su recorre nos momentos de desespero: «Ri… e o mundo rirá contigo. Chora… e chorarás sozinho». Se existem imagens que valem mais que mil palavras, a imagem final de “OldBoy” é um dos exemplos supremos. Matizada numa beleza assoladora, o retrato ressoa os conflitos emocionais de Dae-su, através da ambiguidade espelhada no seu rosto. «Amo-te… Oh Dae-su…», sussurra Mi-do aninhando-se nos braços de Dae-su. Escutamos a faixa The Last Waltz de Jo Yeong-wook irrompendo em ondas melodiosas que enlevam o momento dramático, enquanto visionamos algo a ser accionado na consciência de Dae-su. O sorriso inicial como resposta emocional à declaração de Mi-do, depressa se transforma num carpido silenciosamente angustiante. É nestes trilhos humanos que Park Chan-wook nos transporta, numa expedição aos becos escuros da condição humana, enquanto nos provoca comoção veemente, riso genuíno e choro sentido. Sob a hipnótica camada barroca de Park, jazem poderosos receptáculos emocionais.
posted by Francisco Mendes at 8/26/2006 08:23:00 AM

Sexta-feira, Agosto 25, 2006
"INLAND EMPIRE" – primeiras imagens


Finalmente algo!
O Cinempire conseguiu colocar alguma luz (por muito ténue que seja) sobre o novo filme de David Lynch, "INLAND EMPIRE". Lynch decidiu manter segredo sobre o enredo, mas sabe-se que o filme é ambientado nos subúrbios de Los Angeles, sobre uma mulher obrigada a enfrentar um grande perigo. A primeira incursão de Lynch no uso do vídeo de alta definição aguarda-se tão sensacional quanto o seu trabalho com o filme em 35 mm e o longo período de gestação da sua nova produção (gravada com algumas interrupções, no decorrer de dois anos), permitiu-lhe concentração intensiva nas suas preocupações primárias: a exploração das jovens mulheres, as mudanças de identidade e a alma omnívora de Hollywood. “INLAND EMPIRE” irá ser projectado em Veneza (fora de competição) e David Lynch irá receber um Leão de Ouro pela sua brilhante carreira, sendo o mais jovem realizador a receber tal distinção.
posted by Francisco Mendes at 8/25/2006 08:51:00 AM

sexta-feira, agosto 25, 2006

UMA "BAIXA" DOLOROSA

EDUARDO BENFICA



Recebi um email triste, muito triste. O meu amigo goiano Eduardo Benfica (sim, chamava-se assim porque o pai era um adepto ferrenho do SLBenfica!) tinha morrido. Ainda em Junho, durante o Festival Internacional de Cinema Ambiental de Goiás estivera com ele, num apertado abraço, e brincando sempre com ele com o meu Sporting.
Agora desapareceu o Eduardo Benfica e, se voltar a Goiás, vou sentir a sua falta, a sua boa disposição e o seu amor ao cinema. Conheci-o como colega de Júri Internacional do FICA há uns anos atrás, e daí para cá as nossas relações foram as melhores.
Ais a notícia que me chegou às mãos:

O Cinema em Goiás está de luto

Faleceu em Goiânia, vítima de parada cardíaca, um dos seus maiores incentivadores, o documentarista e cineclubista e pesquisador de cinema Eduardo Benfica. O corpo dele só foi encontrado hoje, em sua residência, provavelmente três ou quatro após o falecimento. Nascido em Lajes (RN), em 28 de Setembro de 1945, Benfica veio para Goiás em 1949, tendo voltado para Natal na virada dos anos 1950/60, quando participou das actividades do Cineclube Tirol. Voltou para Goiânia em 1966, participando então activamente do movimento cineclubista através do Centro de Cultura Cinematográfica (o CCC), o primeiro cineclube de Goiânia. Sempre actuando na vanguarda do cinema em Goiás, trabalhou em "O Popular", onde integrou a equipe de comentaristas da primeira página fixa dedicada ao cinema em um jornal diário de Goiânia. Actualmente exercia a função de Director do Museu Pedro Ludovico, unidade da Agência Goiana de Cultura. Foi Presidente da Associação Brasileira de Documentaristas-Secção Goiás (ABD-GO), de 2000 a 2002, período em integrou também a directoria da ABD Nacional, na gestão de Leopoldo Nunes. Coordenador do júri de selecção do primeiro FICA, em sua segunda edição foi membro do Júri Internacional. Coordenou também a mostra de cinema do terceiro e quarto Fórum Goiano sobre Cultura, promovido pela Assembleia Legislativa de Goiás e fez a curadoria da Mostra Goiana no terceiro, quarto e sexto FICA, tendo sido ainda curador do primeiro, segundo e terceiro Goiânia Mostra Curtas. Como membro do júri, participou do décimo Festival de Cinema de Natal. Ex-membro efectivo do Conselho Estadual de Cultura, exerceu também a função de júri de selecção do programa de Desenvolvimento de Roteiros do Ministério da Cultura, em 2003. Em 1992, Eduardo Benfica co-dirigiu o vídeo "Goiânia: do baptismo a modernidade", trabalho comemorativo dos cinquenta anos da fundação de Goiânia. Em 1996, foi co-autor do livro "Goiás no Século do Cinema", em parceria com Beto Leão, em cuja segunda edição estava trabalhando, com lançamento previsto para novembro próximo. Foi também produtor executivo da curta-metragem em 16 mm "Terra de Gigantes: Um conto sobre Bernardo Saião", além de ter trabalhado como actor em diversos filmes goianos. No momento exercia a função de Secretário suplente na recém eleita Diretoria do Conselho Nacional de Cineclubes, como representante do Cineclube Cenarte. A morte de Benfica representa uma perda irreparável para o audiovisual goiano e brasileiro. E que lá do alto ele continue nos enviando energias positivas.
BETO LEÃO, Presidente da ABD-GO, Director de Comunicação do CNC.

quarta-feira, agosto 23, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (15)

“hoje há conquilhas, amanhã não sabemos"

hoje há conquilhas, amanhã não sabemos” é um blog de Tomás Vasques, sobretudo de anotações politicas, sociais, culturais.
Tomás Vasques foi durante anos o braço direito de João Soares na CML
(equipa que, hoje em dia, já deixou seguramente boas recordações).
É um blog de boa informação (e formação), chamando a atenção para muita coisa que passa desapercebida na comunicação social. As suas sugestões são sempre de ter em conta, e o facto de ter escolhido um texto meu para assinalar não deixa de me orgulhar. Devo, aliás, reconhecer que foi durante a época de João Soares, na Cultura da CML, que se efectuou uma grande retrospectiva da obra de Lauro Corado, meu pai, no Palácio das Galveias.
A que esteve obviamente associado Tomás Vasques.
Facto que, apesar de inteiramente justo, não esqueço.
Foi também com a dupla João Soares /Tomás Vasques que iniciei a dinamização do Padrão dos Descobrimentos, do Teatro de São Luiz, do Fórum Lisboa (antigo Cinema Roma), sempre com a “Festa do Cinema”, ainda que em diferentes projectos adaptados aos espaços em questão. Enfim projectos que serviram para dinamizar, mas cedo foram abandonados em nome de outros valores. Mas se a mágoa se mantém pela obra incompleta, a amizade também.
Por isso saúdo este blog que é de leitura obrigatória para quem quer estar atento a uma das importantes sensibilidades do PS.
Duas curtas transcrições para dar uma ideia deste blog directo, irónico por vezes, bem informado e bem documentado, inclusive com muito boas sugestões culturais. Um grande abraço para si.

A grande farra ou pequenas precipitações?
1. Como se faz opinião em Portugal, João Morgado Fernandes (french kissin' )
2. Pedido de esclarecimento a JMF, João Villalobos (Corta-fitas).
3. PERGUNTA DO DIA, Jorge Ferreira (Tomar Partido).
4. Pedido de desculpas a JMF, João Villalobos (Corta-fitas).
5. Errar, João Morgado Fernandes (french kissin' ).
(Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos)
posted by tomasvasques at 12:15:00 AM

Este episódio só se desfruta plenamente, indo ao blog e klicando.

posted by tomasvasques at 12:15:00 AM
Agosto 22, 2006
Até amanhã.



(Lucian Freud).

posted by tomasvasques at 11:45:00 PM
Coisas que nunca te disse.


«Como podes viver com todo isto nas tuas paredes: Motherwell, de Kooning, Still, Pollock, Kline?» - Franz Kline durante uma festa na casa de uma amiga, em Janeiro de 1962.
posted by tomasvasques at 11:55:00 AM
Relatório da Amnistia Internacional. (Actualizado)
«A Amnistia Internacional acusa Israel de crimes de guerra, afirmando que o país
quebrou leis internacionais ao destruir deliberadamente infra-estruturas civis
durante a sua ofensiva contra o Hezbollah.»
Resposta a dois e-mail recebidos: há quem não questione a imparcialidade dos
Relatórios da Amnistia Internacional quando estes se referem aos presos políticos em Cuba, na Coreia do Norte ou no Irão, por exemplo, ou a situações de maus tratos a presos de
delito comum nas cadeias de países europeus, Portugal incluído.
Mas, agora, este relatório sobre os crimes de guerra de Israel, é considerado “tendencioso”. Este argumento serve às mil maravilhas a “defesa” dos dirigentes cubanos, coreanos ou iranianos em relação às violações dos direitos humanos nestes países.

CINEMA


“OS AMANTES REGULARES”


Nos quadros de estrelas de alguns jornais portugueses, aparece classificado “Les Amants Réguliers” com uma bola preta (“de fugir”, de Eurico de Barros) ou 5 estrelas (“Excepcional”, de João Lopes). Mais uma vez o leitor desprevenido se interroga como é possível a discrepância, mas este filme de Philippe Garrel explica bem como é possível. Este é o tipo de filme que ou se ama ou se ignora. Ia a escrever odeia, mas julgo que é impossível, em boa fé, odiar este filme. Por isso não compreendo de forma alguma o comentário de Eurico de Barros (“Ainda há por aí quem faça filmes nostálgicos–“autoristas” sobre o Maio de 68 e os estados de alma das criaturas que o perpetraram. Depois do risível “Os Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci, eis agora o trombudo “Os Amantes Regulares”, de Philippe Garrel, rodado a preto e branco e interpretado, pelo menos, por metade da família, com o filho Louis à frente. Uma verdadeira múmia paralítica.”), por muito que possa compreender e aceitar a sua bola preta. Na verdade julgo que qualquer espectador “normal” pode até passar por fases de amar e de ignorar o filme durante a sua projecção. São três horas de uma obra densa, rodada num preto e branco magnífico, sem qualquer tipo de concessão ao espectador, muito pelo contrário, provocando a sua atenção e a sua disponibilidade. A mim aconteceu-me tão depressa ficar deslumbrado com um plano, como sentir de uma forma física, daí a pouco, o “tempo” desse plano. Mas no final, ponderadas todas as questões, inclino-me mais para as 5 estrelas do que para a bola negra. “Os Amantes Regulares” é uma proposta ambiciosa, sobretudo para ser concebida com os meios de que Garrel dispunha. Mas Garrel não queria outros meios, nunca terá pensado numa superprodução com reconstituições de multidões. O seu cinema é este: quase artesanal, feito mais de sugestão do que realismo. Por isso reconstituir a época de Maio de 68, em Paris, só poderia ser para ele reconstituir uma certa ambiência humana e intelectual. Um pouco de auto-biografia, pessoal e colectiva, que se estenderia depois pelo “desarmar da feira”, esses tempos de decepção e desilusão que se seguiram à grande libertação. Portanto a ideia era conciliar duas vertentes: uma história de amor, nascida durante a revolução de Maio 68, e a própria evocação desses tempos. A mim soa-me familiar esta ideia, por que também a tentei num filme meu, com resultados que parece não terem sido os melhores, mas com intenções muito semelhantes: uma história de amor fracassada, no interior de uma revolução frustrada, ou seja, personagens sem estofo para as aventuras, colectivas ou individuais, exteriores ou interiores, em que se envolvem. O filme chama-se “O Vestido Cor de Fogo”, para quem tiver curiosidade em saber.

François (Louis Garrel), jovem poeta, é um dos arruaceiros de Maio de 68. Está nas barricadas, nos distúrbios de rua, no lançamento de pedras e cocktails Molotov, é dos que a polícia persegue, é dos que sofre com o matraquear dos bastões e dos que é preso e julgado sumariamente. Para Garrel tudo se passa no filme como se Maio de 68 fosse uma noite de que se acorda na manhã seguinte, estremunhado e desiludido, carpindo as mágoas no colo da mãe. Mas com uma namorada e um amor louco nas mãos. Lilie (Clotilde Hesme), a estudante de escultura, que trabalha no atelier de um pintor a quem serve de modelo nas horas vagas, será a sua paixão, a que se entrega com o mesmo fervor com que se ofertara à revolução. Garrel não é particularmente simpático para com estes jovens (ele próprio e a sua geração) que perderam a hipótese de transformar o mundo, porque não estavam preparados para o fazer. Existe uma certa ternura no olhar, mas também uma visão crítica e agressiva, nalguns aspectos. Muito mais anarquistas e libertários do que comunistas (há conversas no filme que denunciam este afastamento do PCF: “não precisamos de ser dirigidos, primeiro tomamos o poder, depois organizamo-nos”; e mais adiante: “tomar o poder para o proletariado, contra o próprio proletariado”, que Garrel acusa de só querer mais dinheiro e de se ter aburguesado), muitos deles filhos de família cheios de dinheiro, que entravam na revolução mais por excitação de aventura do que por convicção profunda, são seres frágeis na sua deliberação de violência, que depois de voltarem para casa, se entregam a exercícios individualistas de sexo e drogas (o ópio circula livremente por entre estes “artistas” individualistas e solitários que se colocam à margem da sociedade e que aceitam viver numa parasitagem tolerada). Garrel tinha a idade do protagonista (interpretado pelo seu filho Louis) em Maio de 68. Fala do que sabe. Sem nostalgias e sem amargura pelas esperanças perdidas. Mas o conhecimento directo dos factos e, sobretudo, da atmosfera permite-lhe criar, num plano único, de uma duração invulgar, todo o clima de fim do mundo das ruas de Paris nessas noites de pesadelo e euforia. A reconstituição de Paris, Maio, 68, é absolutamente deslumbrante: um plano quase fixo, três jovens de costas, um cenário suburbano, meia dúzia de carros virados, a arder, uma fogueira volumosa à direita do ecrã, vultos que atravessam o campo, atirando pedras, cadeiras, projécteis incendiários, e com tão pouco se cria um ambiente que roça a tragédia. A fotografia, a preto e branco, de William Lubtchanski, contribui em muito para este resultado, como a música de Jean-Claude Vannier, e o tratamento sonoro de Alain Villeval. Mas o talento de Garrel é indiscutível. E mostra-se em muitas sequências brilhantes: um pequeno-almoço com os pais, uma busca da polícia para cobrar uma multa, a audiência, as reuniões políticas, os encontros em casa de Antoine, as cenas de amor entre Louis e Lilie. Sobretudo de referir a subtileza com que trata essa desilusão de revolta e de amor, uma sobrepondo-se à outra, uma derivando da outra, ambas resultando em processos de amadurecimento e perca de inocência, ambas mostrando que as boas intenções e os bons sentimentos dificilmente vingam num mundo de oportunismo e de domínio opressivo de quem detém o poder. “Os Amantes Regulares” mantém com "The Dreamers" de Bernardo Bertolucci algumas semelhanças (a começar desde logo pela presença de Louis Garrel entre os intérpretes), mas globalmente os projectos afastam-se, ainda que abordando realidades semelhantes. O seu cinema coloca-se muito mais na linha de um Rivette ou Jean Eustache de “La Maman et la Putain”.

Garrel, o filho
Garrel, o pai

OS AMANTES REGULARES (Les Amants Reguliers), de Philippe Garrel (França, 2005), com Louis Garrel, Clotilde Hesme, Julien Lucas, Mathieu Genet, Marc Barbe, etc. 184 min; M/ 12 anos.

terça-feira, agosto 22, 2006

Lauro Corado/ SCP

Carta a meu pai,
ainda por causa do SCP

auto retrato de Lauro Corado
(Museu de Aveiro)

Íamos lado a lado, Campo Grande fora, até ao estádio. Eram tardes de domingo. Domingos de sol ou acinzentados de Outono, domingos pingados de chuva miudinha. Levavas contigo uma daquelas almofadas de plástico, acolchoadas, verdes, pois claro, dobrada ao meio, que servia para te atenuar o frio do cimento da bancada. Falávamos de futebol. Do jogo que se adivinhava, do anterior que ainda se digeria. Às vezes, mal: o árbitro que errara, a equipa que jogara mal ou não tivera a sorte do jogo do seu lado (sim, porque há dias em que, por muito bem que se jogue, a bola nunca entra, bate nas pernas, na trave, no poste, vai para fora ou o guarda-redes contrário faz a exibição da sua vida!). Pelas bermas da avenida iam ficando os carros, arrumados à pressa. Mais perto do estádio, os comes e bebes, os coiratos e as cervejolas, as tendas com “souvenirs”, as bandeiras e os cachecóis, os gorros e os portas chaves, uma animação semanal que atravessávamos, curiosos, parando aqui e ali. Depois o jogo, sentados lado a lado, dois companheiros, que ali se uniam ainda mais pela mesma cor, a mesma bandeira, o mesmo emblema, os mesmos ídolos que faziam de homens feitos meninos coleccionadores de cromos da bola. Gritávamos, protestavas com veemência, vivias o jogo com intensidade, sem remorsos. Longe estava ainda o tempo das claques telecomandadas da grosseria colectiva. Naquela altura ofendia-se lealmente o árbitro, de homem para homem, com a inspiração do momento. Lembras-te daquele jogo decisivo em que ficamos literalmente com os pés no ar, comprimidos numa das entradas da bancada, até ao apito final que nos fez campeões? Foi o último campeonato ganho, antes do jejum de 18 anos. Tu, infelizmente, já não já sofreste com essa contrariedade. Mas todas as semanas não esqueço a nossa viagem. Por isso, até domingo, pai. Vamos ganhar! Este ano é que voltamos a ganhar o campeonato!

o filho de Lauro Corado, em dois quadros do pintor
(Museu de Aveiro)

Lauro Corado

"O MENINO DO COBERTOR"

Um dos quadros de meu pai, Lauro Corado, "O Menino do Cobertor", encontrava-se exposto no Museu Gão Vasco, em Viseu. Sempre que visitei o museu, da portaria até à sala onde o quadro se encontrava exposto, toda a gente me ia falando da obra, uma das mais populares do acervo do museu, muitos recordavam que o menino era eu, muitos amigos me contavam que quando lá iam os guias indicavam que "o menino do quadro é o Lauro António, filho do pintor". Havia uns postais à venda na portaria que tinham muita saida.
Entretanto, o Museu foi para obras e, quando reabriu, "O Menino do Cobertor" desapareceu do Museu. Alguém me sabe dizer por que?


segunda-feira, agosto 21, 2006

SCP

O "CANTINHO" DO SCP

LUIS FIGO

"Sportinguista até à morte"



SCP PARA 2006

Toda a nosas confiança em Paulo Bento e na bela equipa que conseguiu reunir.



SCP forever!


MÚSICA

WANDA STUART
NO ARENA LOUNGE,
NO CASINO DE LISBOA



No Casino Lisboa, na Alameda dos Oceanos, no Parque das Nações, há hipótese de passar uma boa noite assistindo a um espectáculo diversificado, sem gastar um tuste. Não fique com problemas de consciência: outros pagarão por si esta oportunidade de ver de borla um bom espectáculo. Mas se preferir, sente-se com a família, no Arena Lounge, tome um café, uma coca-cola, um chá “arena lounge” (recomendo vivamente!) ou algo muito mais sofisticado. Pode comer, e há várias alternativas (entre as quais um bom restaurante no terceiro andar com um cardápio “de autor”). A verdade é que não me pagam para publicidades destas, bem pelo contrário (sempre que tento a sorte nas Cleópatras, já sei que venho para casa mais “leve”).
Mas o espectáculo que por lá mora até fim de Agosto, vale mesmo a pena. Ao nível do chamado “Novo Circo” dois números merecem destaque, especialmente o duo Varey, ucranianos em jogos de força e destreza, e ainda 3D Laserman, manipulação de laser. Depois há vários cantores, stand up comedians (Aldo Lima sobretudo), várias cantoras e finalmente, à meia-noite, Wanda Stuart, num espectáculo intimista, cantando canções de amor, francesas, brasileiras, americanas, alemãs, ou então uma antologia de obras de musicais célebres (depende da noite).
Acontece que Wanda Stuart tem uma estaleca de fazer inveja a uma ginasta experimentada e uma voz surpreende que trabalha cada vez melhor. Depois é uma mulher simpatiquíssima (apesar de um dia ter dito que queria o PSL na CML e no MC, enfim, ó rapariga, cura-te!). Gosto da Wanda. Aprendi a gostar dela numa série de evocações de musicais que o meu bom amigo João Pereira Bastos concebeu no São Luiz. A partir daí esta “história de amor” por essa mulher de cabelo azul mantém-se. Gostava de a dirigir numa peça de teatro ou num musical. Vamos lá ver se consigo. Tenho um projecto a pensar nela. Já tive outro, que falhou.
Entretanto, quem goste de musicais, de Marlene, Kurt Weil, Liza Minnelli ou Kate Bush, MPB ou clássicos da canção francesa e alemã tem uma boa oportunidade de matar saudades, numa voz magnifica, acompanhada ao piano pelo maestro Mário Rui.
Enquanto a mãe canta na Arena Lounge, a filha de dez meses espera-a nos bastidores. E, diz a Wanda, já vai cantalorando algumas melodias. “Aquecendo a garganta…”
Diz a promoção da artista: “Wanda Stuart nasceu em Lisboa no dia 6 de Janeiro de 1968. Começou a cantar em bares, onde ganhava para pagar aulas de canto. Revelou-se no musical ‘Maldita Cocaína’, de La Feria. Antes de pintar o cabelo de azul, experimentou “todas as cores do arco-íris”. É considerada por muitos a Liza Minnelli portuguesa. Em 2004, gravou “Animais Nocturnos” e o espectáculo homónimo foi estrado no Casino Estoril.”
(Wanda actua só aos domingos, 2ªs, 3ªs, 4ªs das Oh10 à 1h).

domingo, agosto 20, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (14)

“A a Z”

Nestas minhas deambulações por blogs alheios não tenho referido os de nomes muito conhecidos, dado que muitos deles são suficientemente saudados para necessitarem de outras menções. Mas não posso passar por cima de alguns, daqueles que me enchem de prazer quando planeio na blogosfera. Alguns são de amigos queridos, outros de velhos colegas de faculdade, outros de personalidades que admiro, ás vezes à distância, outras vezes na confraternização regular de ocasionais encontros. Um desses blogs imprescindíveis, que já citei aqui algumas vezes, é o “A a Z”, o Nuno Júdice, que devia ser considerado “monumento nacional” e “serviço público” com direito a entrada directa no registo dos raros benfeitores da Humanidade. Um homem que escreve como o Nuno Júdice e que põe á disposição do público, gratuitamente, essas dádivas, merece mais do que palavras de louvores: uma reforma condigna, pelo menos.
O Nuno Júdice, companheiro de universidade, de lutas e de (algumas) paixões (a poesia, por exemplo), é sem dúvida um dos maiores poetas do amor que Portugal conheceu, e não ficará atrás de Camões, David Mourão Ferreira ou Herberto Hélder, para citar apenas uns. Mas não haverá muitos mais.
Visitar o seu blog é obrigação nossa de todos os dias. Aqui ficam claros exemplos de uma inspiração sem mácula (já agora, onde é que vais desencantar tantas e tão esplendorosas ilustrações? A poesia é dom, já sabemos, mas a escolha das ilustrações é primorosa).

Segunda-feira, Maio 29, 2006
Trânsito


Ao voltar a casa, com o rádio do carro
aberto, lembrei-me de ti, com o cabelo apanhado,
o alfinete de dama a prender-te o vestido,
que podia ser uma farda, e o teu rosto
dividido: de um lado, a luz da vida,
do outro, a obscuridade que o flash do
fotógrafo não conseguiu resolver. Posso
dizer-te que amo os teus olhos, e que
muitas vezes os atravessei para descobrir
o outro lado da alma, onde se esconde
o que os teus lábios não revelam. Um
dia, porém, perguntar-te-ei: quem és?
E talvez saias da sombra, abrindo-me
um sorriso que me empurrará para
a outra margem que não conheço. Servir-me-ás
de guia? Ou voltarás para o teu canto,
desapertando o alfinete de dama que
sempre te incomodou. O rádio do carro
continua aberto, com as notícias do dia;
mas o que quero saber é o que tens
para me contar, e o tempo apagou.

posted by Nuno Júdice @ 21:35


Quinta-feira, Maio 18, 2006
Laranja

Félix Valloton

Ocasionalmente, uma laranja descasca-se
por si só. Arranco-a da árvore, e parte da casca
fica presa ao ramo. Vejo o sumo a escorrer
pelos rasgões; e tiro lentamente cada pedaço
até ficar, por fim, com os gomos na mão. Não me
custou nada; e ia levá-los à boca se o homem
do pomar não me tivesse prevenido: «Cuidado
com a calda contra os insectos.» Poderia dizer-lhe: «Mas
não vou comer a pele, só me interessa o sumo»; e
ele não me ouviria. A sua função é evitar
que a laranja seja comida antes de tempo. Então,
resta-me esperar que ele se volte, e vou para trás
da árvore, onde mato a sede.

posted by Nuno Júdice @ 23:40


Quinta-feira, Julho 13, 2006
FIM


AMOR

Desfolho a rosa furtiva, com
os veios corroídos pela seiva
de um relâmpago frio.

Amo a lentidão imprevista
do instante que os teus seios
elaboram.

E ouso o rio de púrpura
exangue que irrompe no leito
do teu sexo.


Maio a Julho de 2006

posted by Nuno Júdice @ 20:41



Sexta-feira, Agosto 18, 2006
Elegia


Se a manhã nascesse da tua ausência,
a névoa se dissipasse entre os teus dedos,
o frio orvalho secasse nos teus olhos,
a noite passasse sobre os teus ombros;

se a tua voz fosse mais do que memória,
as tuas palavras rompessem este silêncio,
um vento te sacudisse os cabelos,
os teus braços fossem um fim de viagem;

se um pássaro cantasse no teu rosto,
o céu se abrisse nos teus lábios,
as tuas mãos colhessem o sonho

em que o teu corpo se vestiu de música:
um sulco de sol afastaria a sombra,
um eco de vida encheria o vazio.

posted by Nuno Júdice @ 22:28

(Nuno: este não sabes, mas foi uma bela prenda de anos!)

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (13)

un petit prince pas comme les autres

Lou tem sete anos. É cego de nascença. Um, em dez milhões de seres, é atacado pelo sindroma da displasia septo-óptica. Lou foi esse mesmo. Para lá de ser cego, o cérebro também foi afectado. Lou vive e os pais acompanham a sua doença, e a sua vida nessas condições. O pai de Lou iniciou um blog há uns anos para ir contado a vida de Lou, para que essa vida sirva de exemplo a outras crianças e a outros pais, e também para que esta experiência dolorosa, mas vivida igualmente de forma tão exaltante e intensa.
Os blogs servem para tanta coisa, comunica-se de tanta forma, com intenções tão diversas. Este é seguramente um blog muito especial que impõe um respeito e uma admiração invulgares.
Proponho uma visita ao Blog do Lou (há versão em francês e inglês) e uma palavra amiga quer o leve a sentir que em Portugal (sabes onde fica, Lou?) há pais, irmãos, filhos, avós e demais familiares que torcem por ele e por todos os que, como ele, são apenas diferentes, mas sofrem com essa diferença.

Je suggère une visite au Blog du Lou (il y a une version en Français et une autre en Anglais) pour y laisser un mot ami que lui fasse savoir qu'au Portugal (tu sais où c’est, Lou ?) il y a des parents, des frères, des fils, des grands-parents et des familles entières qui désirent le meilleur pour lui et pour tous ceux qui, comme lui, sont seulement différents, mais qui souffrent à cause de cette différence.

Vejam algumas notas da homepage:

Blog Lou
Bonjour, je m'appelle Lou.
Je suis un petit garçon qui ne voit bien qu'avec le coeur, ce qui rend la vie de mes parents et mon éducation épiques !
Je suis donc aveugle et différent dans ma petite tête blonde, raison pour laquelle c'est mon papa qui écrit pour moi ce journal. J'en suis bien incapable à ce jour.

Qu'ai-je ? (Les handicaps de Lou)
(Extrait du film "Lettre à Lou")
Il nous a pas fallu plus de trois semaines après ta naissance pour comprendre que quelque chose n'allait pas.
Il faudra trois mois pour qu'enfin tombe le résultat d'un énième examen, une résonance magnétique :
"Votre fils est atteint du syndrome de dysplasie septo-optique. C'est une malformation congénitale très rare, 1 cas sur dix millions. ...une maladie orpheline.
Je vous explique : votre fils est aveugle. "
(On s'en doutait).
"Il n'a pas les nerfs optiques atrophiés et pas de septum... "
(De quoi ?)
"De septum : c'est une membrane qui sépare les deux hémisphères du cerveau. "
(Et ça sert à quoi ?)
"On ne le sait pas encore. Des enfants naissent sans septum et ont une vie tout à fait normale, mais il y a par contre des cas d'handicaps mentaux plus ou moins sévères."
(...Merci la vie).
"Ah oui, j'oubliais, on a aussi une explication quant au fait qu'il ait toujours soif : Lou a une hypophyse sous développée. C'est fréquent avec ce syndrome."
(Pardon ?)
"C'est une glande à l'arrière du cerveau qui régule tout le système hormonal. Dans le cas de Lou, il ne retient pas l'eau, mais cela se compense par la prise régulière de médicaments."
(putain de vie).

Ca n'arrive qu'aux autres...
Une naissance sur dix milles, mais avec le cumul et le degré d'handicap qui est le mien, on parle d'un cas sur dix millions ! Je suis donc le seul cas de mon espèce recensé en Belgique en 1998.
235 cas naissent chaque année aux Etats-Unis. C'est dire le rareté de mon handicap...
On appelle cela, un maladie orpheline. Mais moi, je ne le suis pas du tout !
Tant qu'à choisir, j'ai choisi de naître chez eux... Ils m'avaient l'air sympa !
Je suis né le 12/08/1998.

Bonjour,
je m'appelle Lou. J'ai 7 ans (5 ans au début de ce récit). Je suis aveugle de naissance, et différent dans ma tête....
Mon papa a décidé de réaliser ce site pour vous faire partager l'expérience un peu folle qu'est mon apprentissage de la vie.
Lou

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (12)

"A CASA ENCANTADA"

"A Casa Encantada" é um filme de Alfred Hitchcock, mas é também um curioso blog de cinema, assinado por Jorge Mourinha, e que vai acompanhando os filmes que ele vai vendo (e vê muitos, por semana).

Os comentários são rápidos e sucintos, mas são eficazes, sensatos, informados, sensiveis e são uma boa referência para quem lê o blog. Mas o último post data de 26 de Junho de 2006, e, ou o autor aufere de umas dilatadas férias, ou então... temo que o blog tenha sido abandonado. O que seria uma pena.

O blog tem arquivos por semana. Por estreias. Cada semana dá contas de todas as estreias, mesmo as que o seu autor não viu, o que funcionaria como uma base de dados interessante, se fosse criteriosa na forma como abarca "todas as estreias". Vamos a ver se "A Casa Encantada" fechou para "férias do pessoal" ou se meteu escritos. Faço votos para que o seu locatário regresse... e em boa forma.

CINEMA

“SUPERMAN – O REGRESSO”

“Superman” é uma criação de “comic books”, ou banda desenhada, da responsabilidade do escritor Jerry Siegel e do desenhador Joe Shuster. Colegas de escola em Cleveland, ambos fervorosos adeptos de ficção científica, começaram mesmo por publicar um “fanzine” chamado “Science Fiction”, onde Joe era artista gráfico e Jerry editor." Em Janeiro de 1933, Siegel escreve “The Reign of the Superman”, que Shuster ilustra. Nesse conto, "Superman" tornava-se um vilão por influência de um sábio louco, na linha do que viria a ser futuramente o seu inimigo figadal, Lex Luthor. Mais tarde, “Superman” iria adquirir os contornos e as características por que hoje o conhecemos. Seria no verão de 1934 que Siegel e Shuster, praticamente numa noite, conceberam e desenharam Clark Kent, Lois Lane e Superman, já com o seu fato, o símbolo no peito, a capa. Estava criada uma das personagens de maior impacto no universo da banda desenhada, estava lançada uma das maiores aventuras de sempre, estava igualmente em marcha uma das locomotivas do mundo dos “comics” norte-americanos, que só tem rival no “Batman” e no “Homem Aranha.” Com uma característica que faz toda a diferença, como o recorda Quentin Tarantino, quando uma personagem sua fala do super-herói: “Batman” e “Homem Aranha” são homens que adquirem super-poderes. “Super-Homem” é um extra-terrestre que se mascara de humano.”

Estávamos em pleno rescaldo da Grande Depressão, a América reconstruía-se com enorme sacrifício, a imagem do Superman dava alento. Não muito tempo depois, iria aparecer em animação, pela mão de Dave e Max Fleischer, uma série de episódios que se inicia com “Superman” (ou “The Mad Scientist”), de Dave Fleischer, estreado na televisão no dia 26 de Setembro de 1941. Estamos em plena II Guerra Mundial, e o super-herói combatia as forças do Mal.
Em plena década de 50, Superman surge na televisão numa série que iria durar vários anos. Serão 104 episódios, que irão ocupar seis temporadas, de 1951 a 1958. O episódio piloto, 'The Unknown People" seria dividido ao meio e apresentado como 25º e 26º episódio da primeira série, com o título “The Unknown People”. A série iniciara-se em Dezembro de 1951, com o primeiro episódio, “Superman and the Mole Men” (67 min).
Em 1978, surge o filme que iria eternizar Superman no cinema. Chamava-se “Superman – the Movie”, com realização de Richard Donner, produção de Ilya Salkind e Pierre Spengler, com argumento baseado obviamente nas aventuras criadas por Jerry Siegel e Joe Shuster, mas guião escrito por Mario Puzo, David Newman, Leslie Newman, Robert Benton e contribuições de Tom Mankiewicz. Christopher Reeve era o Superman/ Clark Kent como nunca mais haverá outro, o pai era Marlon Brando, Margot Kidder era Lois Lane, os vilões Gene Hackman, Ned Beatty, e havia muita coisa brilhante neste filme que se estreou a 15 de Dezembro de 1978. Teve um orçamento de 55,000,000 dólares e teve receitas, nos EUA, de 134,218,018 e de 166,000,000 fora da América, o que deu um resultado bruto de 300,218,018. Histórico.
A este sucedeu-lhe “Superman II” (1980) e “Superman III” (1983), ambos com a assinatura de Richard Lester. O primeiro Lester era igualmente muito bom, o segundo já deixava adivinhar a queda futura: “Superman IV: The Quest For Peace” (1987), de Sidney J. Furie era francamente mau, e já não foi produzido por Salkinds, mas pela dupla Golan-Globus e Cannon Films, ainda que em associação com a Warner Bros.
“Supergirl” é de 1984, com Helen Slater na figura da protagonista, e direcção de Jeannot Szwarc. Uma mediocridade mais a acrescentar à lista. Daí em diante, Superman não parou, ainda que a sua melhor fase cinematográfica tenha ficado para trás. A partir daí são duas séries televisivas que dão cartas e vão mantendo os fãs alerta: “Superboy” (produzida igualmente por Alexander Salkind), “Lois and Clark: The New Adventures of Superman”, “Superman: The Animated Séries”, e a mais badalada das séries, “Smallville”.
Até que chega 2006. Afastado dramaticamente Christopher Reeve da figura de Superman, para regressar ao grande ecrã era necessário encontrar alguém que fosse credível para a personagem, e que se aproximasse da figura legada por Christopher Reeve, hoje em dia referência mítica inquestionável (porque foi um excelente Superman, e por toda a dramática sequência de factos que o envolveu posteriormente, e ajudou a criar a lenda).

O escolhido foi um desconhecido Brandon Routh (que interviera apenas em séries de televisão) que todavia não se comportou mal, apesar de andar muito longe do carisma e da presença de um Christopher Reeve. Mais grave porém foi a escolha de Kate Bosworth para o papel de Lois Lane (muito longe da composição de Margot Kidder), que estabelecia com Reeves alguma faísca, coisa que pouco se sente neste par que agora nos lançam e que tem a sexualidade muito por baixo, muito embora seja neste filme que apareça pela primeira vez consumada uma cena de amor (ou seja, a cena não se vê, mas vê-se o rebento dela gerado, nascido cinco anos antes!). Quanto a actores, havia ainda o caso do vilão. Lex Luthor aprece sob o rosto de Kevin Spacey que introduz algumas nuances. O seu vilão é mais moderno, mais homem de boa cara, menos brutal nas suas maneiras, ainda que o resultado seja idêntico. Para terminar com as referências ao elenco, há ainda que registar Jimmy Olsen, como o estagiário no jornal, Richard White, (James Marsden), como o homem com quem Lois Lane vive e que é sobrinho do editor do jornal Daily Planet, Perry White (Frank Langella), numa convincente e forte composição. Mas quem não gosta de Frank Langella? Portanto, o elenco não deslustra, mas não atinge o nível dos dois primeiros filmes da série Christopher Reeves. Deixar saudades é sempre trágico.

Falemos do realizador. Bryan Singer tornou-se conhecido de um dia para o outro com um filme invulgar, “Os Suspeitos do Costume” (The Usual Suspects, 1995). Antes disso já tinha realizado “Lion's Den” (1988) e “Sob Chantagem” (Apt Pupil, 1998). A sua cotação no mercado americano permitiu-lhe ser contratado para dirigir dois “blockbousters” retirados de bandas desenhadas, “X-Men” (2000) e “X2” (2003), ambos com excelentes resultados de bilheteira, o que lhe deu possibilidade de ser o escolhido para regressar com “Superman Returns” (2006). Como o efeito Bryan Singer não pára de brilhar lá onde os estúdios mais ambicionam, na bilheteira, a sua carreira futura está assegurada. Em produção tem “You Want Me to Kill Him?” e “The Mayor of Castro Street” (ambos para 2007) e uma nova aventura de “Superman” (com estreia prevista para 2009).
Voltando a “Superman – o Regresso” há que dizer que de certa forma o filme retoma o aparecimento do super herói na Terra. Desta feita aparece já crescidinho, depois de uma ausência de cinco anos, durante os quais tentou saber qual o destino do seu planeta natal, Krypton, que descobre completamente arruinado e sem vivalma. Volta então à Terra, a tempo de descobrir que por cá as ameaças continuam, os vilões são desamparam a loja, e, apesar de Lois Lane ganhar um Prémio Pulitzer com um artigo que se intitulava “Não precisamos de Super Homens”, a verdade é que todos precisamos cada vez mais de super-heróis. Tanto mais que Lex Luthor foi libertado antes de tempo e já engendra novas aventuras na área do imobiliário em alta escala, depois de ter visitado a “Fortaleza da Solidão”, fazer-se passar por Superman para ouvir a voz (recuperada) de Marlon Brando e roubar certos cristais que guardavam os ensinamentos de Jor-El. Com eles tenta reproduzir o planeta Krypton na Terra, afundando parte da América e destruindo milhões de vidas humanas. Parker Posey (Kitty Kowalski) é a namorada tonta de Lex Luthor, mas nem por isso deixa de se emocionar com as perspectivas sombrias da Humanidade, e de torcer por ela no momento decisivo.

Nunca atingindo o nível do seu modelo, este regresso de Superman aceita-se como um bom espectáculo, com uma cuidada realização de Bryan Singer que se esmera nalgumas cenas de acção, com efeitos especiais bastante bons, e alguma simbologia bem explorada. Há um aproximar da personagem do Superman da figura de Cristo que é feito de forma discreta, como por exemplo numa cena com o super-herói a flutuar na atmosfera, ouvindo as preces dos humanos que procuram auxílio. Mas as grandes criações cénicas não lhe ficam atrás, como a Fortaleza da Solidão, toda em cristais, ou o cenário onde evolui Lex Luthor, uma enorme e fantástica cidade em miniatura, com comboios e carros, que se desmorona à medida que a verdadeira Metropolis é abalada pela falta de energia.

Numa crítica de Roger Ebbert a este filme, aparece citado Tom Mankiewicz que descreve Superman como uma peça em três actos: o momento de Krypton é "Shakespeareano", a época de Smallville assemelha-se à obra do pintor americano Andrew Wyeth, e finalmente Metropolis sai das páginas de um “comic book”. Creio que Tom Mankiewicz não se refere a este filme em particular, mas à criação na sua globalidade. Acontece que esta trindade de influências, teatrais, pictóricas e de banda desenhada está muito bem observada, e todas elas se podiam ver nos filmes de Richard Donner e Richard Lester, e se entrevêem neste de Bryan Singer.

quadro de Andrew Wyeth

o realizador Bryan Singer
SUPERMAN - O REGRESSO (Superman Returns), de Bryan Singer (EUA, 2006), com Brandon Routh, Kate Bosworth, Kevin Spacey, James Marsden, Frank Langella, Parker Posey, Sam Huntington, Eva Marie Saint, Kal Penn, David Fabrizio, etc. 154 min: M/ 12 anos.

CINEMA


“ROMANCE E CIGARROS”

John Turturro é sobretudo conhecido como actor (brilhante) de várias obras onde a sua presença marcou (como, sobretudo, em filmes dos irmãos Coen e de Spike Lee, e de alguns mais que aqui se recordam: “She Hates Me” (2004), “Secret Window”, “O Brother, Where Art Thou?” (2000), “Company Man”, “Summer of Sam” (1999), “Cradle Will Rock”, “Rounders” (1998), “The Big Lebowski”, “Girl 6” (1996), “Clockers” (1995), “Quiz Show” (1994), “Jungle Fever” (1991), “Barton Fink”, “State of Grace” (1990), “Miller's Crossing”, “Mo' Better Blues”, Do the Right Thing (1989), “The Sicilian” (1987), “The Color of Money” (1986), “Hannah and Her Sisters” ou “To Live and Die in L.A.” (1985). Mas Turturo também ensaiou até hoje algumas incursões na realização com resultados irregulares, mas sempre interessantes, como são os caso de “Mac” (1992), “Illuminata” (1998) ou deste “Romance & Cigarettes” (2005). Quase todos os filmes que interpreta e realiza não são filmes normalizados. Há sempre um toque de loucura no que faz, o que torna duplamente inquietante e interessante o seu trabalho.

Com “Romance & Cigarettes” volta a acontecer o mesmo. Estamos no domínio do musical dramático, mas de um musical muito especial, de que não há muitos exemplos ao longo da história do cinema, mas de que existem alguns sumamente interessante. Num registo realista, dramático, por vezes trágico, introduzem-se quebras fantásticas, irreais, que têm a ver com a música. O que transforma os filmes assim concebidos numa mistura acre-doce de efeitos muito especiais: quem não se lembra de títulos como “Dinheiro do Céu”, “Moulin Rouge”, “Do Fundo do Coração”, “Dance in the Dark”, ou "É Sempre a Mesma Cantiga"? Que lista! Quase só obras-primas. Ao lado destas, “Romance e Cigarros” faz figura de parente pobre, mas, mesmo assim, revela qualidades.

A história é apenas um pretexto. Escolhendo como cenário, uma América sub urbana, actual e atormentada por pequenas querelas sentimentais, o filme centraliza a atenção num casal, Nick Murder (James Gandolfini) e Kitty (Susan Sarandon), ele, metalúrgico, ela, costureira, com três filhas que integram uma banda pop. Tudo começa no dia em que Kitty descobre que Nick Murder tem uma amante, uma empregada de balcão de uma loja de lingerie que tem tudo para se poder chamar ninfomaníaca. Essa sedutora Tula (Kate Winslet) põe em causa a tranquilidade familiar da célula em que se intromete, mas o efeito é devastador, como no melhor dos melodramas mais intensos. Que não vamos obviamente revelar, mas que, de tão excessivo e puritano, contra o adultério e o consumo do tabaco, só pode ser interpretado como uma sátira algo mordaz.
O próprio Turturo explica: "Quando as personagens não conseguem já exprimir-se por palavras, começam a cantar, sincronizando os seus movimentos de lábios com as canções que habitam o seu subconsciente. É a sua forma de fugir à realidade do seu mundo: sonhar, recordar, ligar-se com outro ser humano."
Com produção dos irmãos Coen, e evocações de canções célebres de Elvis, Tom Jones, James Brown, Nick Cave, Bruce Springsteen, entre muitos outros, “Romance & Cigarettes” é um drama musical que cedo se torna uma comédia e que principia com uma meia hora notável, com “números” musicais brilhantes e um humor feito de ironia e alguma nostalgia. Depois o filme deslassa como a maionese, passa por altos e baixos, continua a manter um tom interessante de acompanhar, mas alguns excessos na caracterização de personagens e uma deficiente estruturação narrativa fazem perder a unidade e perder-se o filme. Infelizmente. “Um pouco mais de azul e era além”. Faltou-lhe o azul e, quando assim é, lamenta-se duplamente. Porque esteve tão próximo de ser, e não foi.
Ficam interpretações excelentes de James Gandolfini, Susan Sarandon, Kate Winslet (notável, depois de “Titanic”), Christopher Walken (surpreendente!), Steve Buscemi, Mary-Louise Parker, Eddie Izzard ou de Cady Huffman (uma pequena cena que termina com uma faca nas entranhas, mas que anuncia uma belíssima e grande actriz).

ROMANCE E CIGARROS (Romance & Cigarettes), de John Turturro (EUA, 2006), com James Gandolfini, Susan Sarandon, Kate Winslet, Christopher Walken, Steve Buscemi, Mandy Moore, Bobby Cannavale, Mary-Louise Parker, Aida Turturro, Eddie Izzard, etc. 115 min; M/12 anos.

quinta-feira, agosto 17, 2006

UM BLOG (POR DIA) PARA VISITAR (11)

"LAPIS EXILIS"

Isto sou eu a supor (esperemos que bem!): Chama-se Maria Sobral Mendonça, assina com o nick “musqueteira”, é de Oeiras, pintora, e assegura um blog chamado “Lapis Exilis” que tem por devisa “Mas sabei que nós estamos todos de acordo, seja o que for que digamos.” (Turba Philosophorum).

O blog é curioso e merece seguramente uma visita: mistura com discrição e bom gosto, obras plásticas (muitas delas da autora, como se documenta acima com dois bosn trabalhos) textos e links musicais. O todo é agradável, não quer dizer que goste de tudo, mas globalmente é um blog de alguém empenhado, criterioso, com boa vontade e sentido crítico.
Dois exemplos de posts:

31.1.06
[...Frame-to-Frame...]
{ Frame-to-Frame... talvez a vida seja exactamente isso. Momentos exactos registados através de bruscas paragens do tempo. Afinal podemos parar o tempo!... Registar o movimento, num pedaço de papel rabiscado com datas e acontecimentos... depois, depois basta aceder à memória das coisas... e alí está ele, o tempo... estáctico à espera de nós mesmos.
Cada momento é isolado de si mesmo... de sons, cheiros, emoções, sensações, luz e contrastes de um todo. E a vida é exactamente isso... o agrupamento múltiplo de vários registos.
A constante procura... talvez quem sabe... não seja esse o mistério da vida... desvendar tantos outros registos herdados genéticamente que coabitam na memória de cada um. Parar o tempo, colar imagens, repor o som, contar uma história... criar personagens, e por fim... por fim, voltar a parar o tempo e recomeçar tudo de novo.
Frame-to-Frame... talvez a vida seja exactamente isso.}
posted by musqueteira at 09:17

16.8.06
[...Nicolais Judelewicz...]
http://www.kenzo.com/kenzo_ah06/index.html
{... as imagens podem ter cor, ou não. Mas a música que as animará num ecrã, pode ou deve transcrever no seu todo, uma só e única sonoridade plástica. Se eu pudesse estar neste preciso momento em Paris... sei bem o que de novo lá faria! Mas, também ainda é cedo para questionar toda a composição sonora da próxima exposição. Afinal de contas, há ainda um ano para criar as imagens que irão mais tarde ser animadas em película. E, só depois disso tudo, é que todos os "acordes" sonoros são realizados. Se eu pudesse estar neste preciso momento em Paris, visitava Nicolais Judelewicz! Sómente se eu pudesse já lá estar... era exactamente o que faria.}
posted by musqueteira at 11:04

Aqui fica a minha escolha de hoje, porque quero que estas sugestões que aqui vou deixando sejam abrangentes, não se confinem a nichos muito específicos, mas sejam representativas do que se faz na blogosfera com qualidade e interesse. A ideia destas indicações é, sobretudo, mostrar como o blog pode ser um instrumento valioso de comunicação, e sobretudo de comunicação na variedade, na diversidade, na complementaridade. Não concordo que se deva estar sempre de acordo, diga-se o que se disser. Mas que tal ouvir o que cada um tem para dizer?