sexta-feira, abril 25, 2008

50 ANOS DAS ELEIÇÕES DE HUMBERTO DELGADO

História: 50 anos da campanha de Humberto Delgado
assinalados com livro e com uma estátua
Lisboa, 28 Abr (Lusa) - As comemorações dos 50 anos da campanha eleitoral em que Humberto Delgado desafiou Salazar com a frase "Obviamente demito-o" começam a 7 de Maio com o lançamento da primeira biografia do general, na Assembleia da República.
tamanho da letra
A obra, com mais de 1300 páginas, é da autoria de Frederico Delgado Rosa, neto do "general sem medo" e resulta de um trabalho de sete anos."Humberto Delgado - Biografia do General Sem Medo" é o título do livro, editado pela Esfera dos Livros, que será apresentado por Judite de Sousa e Pezarat Correia. No lançamento, a actriz Alexandra Lencastre vai ler excertos do livro relativos à violência policial da campanha eleitoral.
No Porto, será inaugurada a 14 de Maio uma estátua de bronze de Humberto Delgado, na Praça Carlos Alberto, exactamente no dia em que passam 50 anos sobre a sua chegada à cidade, onde seria recebido por uma multidão.A estátua é da autoria do escultor José Rodrigues, revelou a Fundação Humberto Delgado, que divulgou o programa das comemorações.
A 16 de Maio, a homenagem a Delgado será em Lisboa, com o descerramento de uma lápide com a efígie do general na estação de Santa Apolónia e uma evocação da violência exercida pela polícia por ocasião da campanha eleitoral.
A 10 de Maio, a RTP exibe um documentário realizado por Lauro António intitulado "Obviamente demito-o".
No âmbito destas comemorações, a Câmara Municipal de Lisboa promove um ciclo de conferências no Museu da República e Resistência e visitas guiadas seguindo o roteiro da campanha das presidenciais na capital.
A 20 de Maio, realiza-se no ISCTE (Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa) um colóquio intitulado "Humberto Delgado 50 anos depois".
A companhia teatral A Barraca estreia a 30 de Abril uma peça com texto e encenação de Helder Costa também centrada na figura de Humberto Delgado.
"Obviamente demito-o" é o título do espectáculo, inspirado na célebre frase do general proferida numa conferência de imprensa a 10 de Maio de 1958.
Humberto Delgado foi assassinado pela PIDE a 13 de Fevereiro de 1965.
EO. Lusa/Fim

LIBERDADE, LIBERDADE!





Elementos recolhidos, com emoção, na internet.

O cartaz em baixo é uma homenagem ao Pedro Bandeira Freire.

Nota: perguntam-me o porquê deste cartaz estar dedicado ao Pedro Bandeira Freire? Pois aqui fica a resposta: o "puto" do cravo é o Diogo, filho do Pedro, e a foto é do Sérgio Guimarães. Um abraço ao Diogo.

terça-feira, abril 22, 2008

VAVADIANDO COM NICOLAU BREYNER


Esgotado
(à última hora pode haver alguma desistência)

sábado, abril 19, 2008

OS TUDORS CONTRA ATACAM


OS TUDORS – SEGUNDA TEMPORADA

Começou a emitir-se na América a segunda temporada da série “The Tudors” e estamos na posse de elementos que nos permitem dizer que vai haver muitas novidades. Para lá da aparição de Peter O’ Toole na figura de um Papa, surge a personagem de um tal Count António, de Portugal (ver imagem, e repare-se no anacronismo dos óculos e na falta de acento no António!), que se apaixona pela Rainha Virgem, Elizabeth, de quem, apesar do cognome, tem três filhos, acabando por se divorciar da monarca inglesa que, por causa disso, professa e vem para o Convento do Beato em Lisboa. Aqui chegada é desviada para a noite lisboeta, iniciando uma carreira de fadista que culmina com a edição de um vinil, “Count Antonio, my Perdition” (outra vez a falta de acento!). Na Grande Noite do Fado de 1532 consegue o galardão de “Revelação”, o que comove de tal forma o Count António que este a volta a querer de volta para dar uma volta na Volta a Portugal em Bicicleta que se anunciava para dai a uma semana, com partida da Quinta da Marinha.
Posto isto…. (alguém quer continuar esta saga? É só comentar com a leveza de espírito e a imaginação dos argumentistas da série)

TELEVISÃO: OS TUDORS RE-INVENTADOS


Teria D. João III sido assassinado pela mulher e nós não sabermos?
OS TUDORS E A PSEUDO-HISTÓRIA

Uma série sem nenhum rigor histórico e muito aberta a outras motivações.


“Os Tudors” é uma série de televisão que, produzida por canadianos e irlandeses (Peace Arch Entertainment / Showtime, Reveille Eire), e apresentada em Portugal pela RTP-2, no Outono passado, viu agora ser colocada no mercado a sua primeira série. À partida gosto de séries históricas e há que reconhecer que a BBC e alguns canais ingleses se têm notabilizado por certos bons empreendimentos. Se esteticamente podem ser por vezes demasiado convencionais, costumam ter algum rigor histórico e as liberdades ficcionais nunca ultrapassam o compreensível
Fui ver “The Tudors” com redobrado interesse, e acabei de os ver com redobrada irritação. Ainda podia compreender a flagrante transformação do reinado de Henrique VIII numa “quente” historieta de “Playboy”, com muita cena de sexo privilegiada em detrimento de uma análise histórica mais séria e rigorosa. Mas chegou uma altura em que a historieta descambou em palhaçada e não se percebe muito bem como em Portugal quase ninguém se revoltou publicamente com esta versão imbecil da História. Como é que a RTP-2 compra e exibe uma tal monstruosidade, não se percebe. Como historiadores, e portugueses em geral, não verberam esta versão televisiva de factos que têm a ver com Portugal e deturpam a verdade histórica de forma tão vil e deselegante, enfim, não compreendo.
Dos factos atraiçoados apenas comento um que julgo suficiente para mostrar o “rigor” desta série: em determinado momento, uma tal Margarida, irmã de Henrique VIII, é casada pelo rei, muito contra sua vontade, com um monarca português. Mandada para Lisboa, aqui descobre que o monarca tem avançada idade, nunca é tratado pelo nome, é esquelético e horroroso, escorre espuma libidinosa pelos olhos e a boca, atira-se à jovem rainha numa fornicação contínua, que lhe provoca um nojo convulsivo, até que, numa noite em que o rei se encontrava dormitando como um porco no seu real leito, a já rainha de Portugal e ainda Margarida de Inglaterra resolve abafar o esposo com uma pesada almofada até ao estertor final. Morto o rei de Portugal, a dita Margarida entrega-se ao abraço viril de um nobre inglês que tinha vindo de Inglaterra com o fito de a “auxiliar em tudo quanto a dama precise”. Ok, percebe-se.
Visto isto, eu que me formei em História, desconhecia por completo a existência deste rei português assassinado por uma malvada inglesa. Mas, tudo bem, deixa ver que rei será, fui vasculhar a cronologia e apenas D. João III poderia enquadrar-se na época. Cognominado O Piedoso ou O Pio pela sua devoção religiosa, nasceu 6 de Junho de 1502 e viria a falecer a 11 de Junho de 1557, tendo reinado desde 13 de Dezembro de 1521. Casado com Catarina da Áustria, infanta de Espanha (1507 - 1578), irmã mais nova do imperador Carlos V, dela teve nove filhos, tendo falecido todos. Este não foi de certeza. Teria sido o pai, e haveria um erro de datas? Dom Manuel I, nascido em Alcochete, a 31 de Maio de 1469, e falecido em Lisboa a 13 de Dezembro de 1521? Este foi mais casadoiro. Do primeiro matrimónio, com Isabel de Aragão, infanta de Espanha, teve um filho; do segundo casamento, com a sua cunhada Maria de Aragão, infanta de Espanha, teve dez filhos; do terceiro matrimónio, com Leonor da Áustria, igualmente infanta de Espanha, irmã do imperador Carlos V, teve mais dois filhos. Não consta que tenha sido casado com inglesa e menos ainda que tivesse sido assassinado. Chamavam-lhe O Venturoso, O Bem-Aventurado ou O Afortunado, pelos eventos felizes que ocorreram no seu reinado, designadamente a descoberta do caminho marítimo para a Índia e a do Brasil.
Ou seja, despudoradamente, inventam uma Margarida inglesa, irmã de Henrique VIII (existiram duas irmãs, uma era realmente Margarida, mas casou com um rei escocês) e inventam um rei Português e um assassinato que nunca existiu. E com base nestas invenções tratam Portugal como um reino de fim do mundo, bárbaro e mesquinho, troglodita na sua corte, com um rei idiota e etc. Não bastam já os reis idiotas que existiram em Portugal e Inglaterra, não bastam já os assassinatos que por essa altura se multiplicam pelas cortes europeias, era ainda preciso inventar?
Vergonhoso e indigno de ser visto numa qualquer série televisiva de um país civilizado em pleno século XXI. Não fossem estes (e outros) erros grosseiros, a série até era visível, boa fotografia, guarda-roupa e direcção artística aceitáveis, interpretações boas (com especial relevo para Sam Neill (Cardeal Wolsey) e Jonathan Rhys Meyers (Henrique VIII). O pendor sensacionalista e de apelo fortemente erótico não ajudava muito, mas ainda se poderia “compreender”, como “liberdade” poética que a ficção desculpa. Mas numa série que tem por base a História (e que por isso mesmo se chama “The Tudors”!), por favor, poupem-nos! É demais.

A segunda série já em exibição promete mais do mesmo.

ELIZABETH, RAINHA EM DOIS TEMPOS

ELIZABETH, A RAINHA VIRGEM
Um autor de origem indiana, Shekhar Kapur, é o realizador de “Elizabeth”, filme inglês que nos fala da gloriosa “idade de ouro” da monarquia britânica, a célebre “era isabelina.”
“Elizabeth” é um painel histórico de fulgurante densidade. Estamos em meados do século XVI, mais precisamente em 1554, e a Inglaterra atravessa um profunda crise política, social, militar e económica. Henrique VIII, o turbulento e despótico monarca que ficou conhecido pelas suas oito mulheres, morrera em 1547. Sucedera-lhe durante um curto lapso de tempo, seu filho Eduardo VI. Este pretendera afastar da hipótese de sucessão as suas duas irmãs, a católica Mary e a protestante Elizabeth, decretando nesse sentido. Mas, os ingleses não gostaram do que viram, e acabaram mesmo por colocar no trono a fraca e atormentada Mary que viria a morrer de cancro cinco anos depois. Cinco anos que bastaram para Mary, católica fanática, deixar o país entregue às lutas religiosas mais terríveis, conhecendo o reino perseguições de uma violência invulgar.
O filme de Shekhar Kapur inicia-se precisamente nesse momento histórico de pesado terror, durante o qual Mary procura terminar com a Reforma e impor o catolicismo como religião oficial. A seu lado, como sombra de emergente significado, o conde de Norfolk, a quem não bastava só fazer triunfar o catolicismo, mas impedir o triunfo do protestantismo num qualquer futuro. Dado que Mary não tinha descendentes, e dada ainda a sua galopante doença, Norfolk conspira igualmente para anular a possível influência da irmã de Mary, Elizabeth, filha da ligação de Henrique VIII com Ana Bolena, que acabaria com a cabeça decepada por ordem do rei, seu marido. O conde de Norfolk tenta reeditar a mesma sorte para Elizabeth, acusando-a de traição, mas esta acaba por ser poupada pela irmã, e por ser coroada rainha.
O filme faz desde as imagens iniciais o contraponto entre o clima de negro terror e despotismo do reinado de Mary, e a existência feliz e despreconceituosa de Elizabeth, uma vida entregue às suas delícias e ao amor do jovem Robert Dudley, passada num exílio dourado. Elizabeth parece ser a imagem da felicidade que o filme restitui em cores doces e sorrisos abertos, depois de ter passado pelos cadafalsos da perseguição e do horror, invulgarmente filmados com a câmara num ângulo “picado” que acompanha as vítimas desta inquisição desde o seu sumário julgamento até à sua imolação pelo fogo numa fogueira de horror.
Dir-se-ia que Elizabeth, ao ser coroada rainha, se transformaria no dócil cordeiro a sacrificar às intrigas da corte e aos interesses do Vaticano, e dos seus fieis servidores. Mas, o centro fulcral da obra de Shekhar Kapur reside precisamente ai, nessa transformação de uma pessoa, que lentamente se apercebe que para reinar tem de abdicar de si própria e da sua vida.
Durante o início do seu reinado as crises sucedem-se, principiando desde logo pela ameaça exterior dos franceses, que atacam a Escócia, passando pelo clima de conspiração constante no interior da sua própria corte. Elizabeth mostra-se um animal político hábil a desarmar os adversários, para o que conta com a sempre leal palavra de Sir Francis Walshingham, inicialmente a sua sombra protectora, e posteriormente o seu conselheiro político e militar. Uma a uma as crises vão sendo vencidas e ultrapassadas com raro tacto político, até ao desarme final dos seus inimigos mais declarados.
A revelação de que Robert Dudley, o seu companheiro de alcova, se casara secretamente, deverá ter igualmente pesado na sua decisão final. Também as palavras de Sir William Cecil deverão ter contribuído para tal. Ele ter-lhe-á dito que “uma rainha não tem vida nem corpo próprios, pois estes pertencem ao povo, e a eles deverão ser consagrados”. Perante tudo isto, e depois de consolidada a paz interna e externa, Elizabeth despoja-se da sua imagem de beleza e sensualidade e impõe uma imagem de austeridade e rigor. Corta os magníficos cabelos ruivos e anula o doce tom róseo da sua pele. A partir daí ela será Elizabeth Tudor, a Rainha Virgem, que reinará durante quarenta anos de progresso social, económico e cultural. Inglaterra irá conhecer sob o seu suave jugo, a sua idade de ouro.
A Shekhar Kapur interessa sobretudo estudar e analisar essa metamorfose - a passagem de Elizabeth de simples mulher a rainha. Uma mutação que não é só psicológica, mas também uma mutação de imagem exterior – a imagem que dela colhem os seus súbditos.
Nesse aspecto, o filme de Shekhar Kapur é uma obra de uma grande inteligência na construção narrativa e na maneira como impõe personagens e situações. A forma como joga com os cenários e a majestade da arquitectura, a subtileza com que integra as figuras nesse mapa de referências são notáveis. Basta referir como exemplo um plano em que Elizabeth sai de uma parede, através de uma porta falsa que se abre no interior de uma tapeçaria, para o percebermos. Aquelas são figuras inscritas num tempo e num espaço histórico.
Shekhar Kapur, indiano por nascimento, mas muito ligado à cultura inglesa, estreia-se no cinema britânico depois de uma promissora carreira como realizador na União Indiana. O seu último filme aí realizado, “A Rainha dos Bandidos”, chamou a atenção para o seu trabalho. Polémico na forma como restitui a figura de uma mulher fora da lei que conduziu a guerrilha na Índia, “A Rainha dos Bandidos” foi considerado um dos 10 melhores filmes do ano nos EUA, e banido dos écrans da União Indiana. A fama de Kapur estava assegurada e o seu triunfo em “Elizabeth” só o confirma como um dos grandes nomes do cinema contemporâneo. Aqui um cinema de raiz histórica, que estuda com rara clarividência a luta pelo poder e os mecanismo que a ele conduzem e o mantêm. “Elizabeth” vai entroncar numa herança barroca que tem em Eisenstein uma referência – “Ivan, o Terrível” ou “Alexandre Nevski” são óbvias influências -, mas também no mais discreto, mas não menos lúcido, Rossellini, “A Tomada de Poder por Luis XIV”.
Entre os intérpretes, há que destacar a fabulosa composição de Cate Blanchett, actriz australiana, que os espectadores já puderam ver em “A Estrada do Paraíso” ou “Oscar e Lucinda”, e que acabou de ganhar, com este seu fulgurante trabalho, o Globo de Ouro para melhor actriz dramática do ano. Boas perspectivas, portanto, se abrem para os Oscars que se adivinham. O seu desempenho é de um rigor e de uma intensidade invulgares. Mas a seu lado, Geoffrey Rush, de “Shining”, é igualmente notável, bem assim como Kathy Burke, Richard Attenborugh, Fanny Ardant, Christopher Eccleston, John Gielgud, e mesmo Eric Cantona, o célebre futebolista francês, aqui na personagem de um enviado especial da monarquia gaulesa que se candidata à mão de Elizabeth.
“Elizabeth” é, pois, um grande filme histórico, e uma grande lição de cinema que vale a pena não perder.

ELIZABETH, A RAINHA VIRGEM
Título original: Elizabeth
Realização: Shekhar Kapur (Inglaterra, 1998); Argumento: Michael Hirst; Música: David Hirschfelder; Fotografia (cor): Remi Adefarasin; Montagem: Jill Bilcock; Casting: Simone Ireland, Vanessa Pereira; Design de produção: John Myhre; Direcção artística: Lucy Richardson; Cenários: Peter Howitt; Guarda roupa: Alexandra Byrne; Maquilhagem: Jenny Shircore; Assistantes de realização: David Gilchrist, Tommy Gormley, Mark Layton, Ian Madden, Sarah Purser; Som: Mark Auguste, Gerry Bates, Tim Hands, Chris Scallan, David Stephenson, Derek Trigg; Efeitos Especiais: Peter Chiang, Rebecca Farhall, George Gibbs, Clive R. Kay, Stefan Lange; Produção: Tim Bevan, Liza Chasin, Eric Fellner, Debra Hayward, Alison Owen, Mary Richards
Intérpretes: Cate Blanchett (Elizabeth I), Liz Gilles (mulher mártir), Rod Culbertson (Master Ridley), Paul Fox (homem mártir), Terence Rigby (Bispo Stephen Gardiner), Christopher Eccleston (Duque de Norfolk), Peter Stockbridge, Amanda Ryan (Lettice Howard), Kathy Burke (Rainha Mary I ("Bloody Mary"), Valerie Gale (anão de Mary), George Yiasoumi (Rei Filipe II de Espanha), James Frain (Alvaro de la Quadra - Embaixador de Espanha), Jamie Foreman, Edward Hardwicke, Emily Mortimer (Kat Ashley), Joseph Fiennes (Robert Dudley), Kelly MacDonald (Isabel Knollys), Wayne Sleep, Sally Grey, Kate Loustan, Elika Gibbs Sarah Owen, Lily Allen, Joe White, Matt Andrews, Liam Foley, Geoffrey Rush, Ben Frain, Richard Attenborough (Sir William Cecil, Lord Burghley), Mark Lewis Jones, Michael Beint, Angus Deayton, Eric Cantona (Monsieur de Foix (embaixador francês), Kenny Doughty, Hayley Burroughs, Fanny Ardant (Mary of Guise), Joseph O'Connor, Brendan O'Hea, Edward Highmore, Daniel Moynihan, Jeremy Hawk, James Rowe, Donald Pelmear, Tim Bevan. Charles Cartmell, Edward Purver, Vincent Cassel, John Gielgud (Papa Paulo IV), Daniel Craig, Vladimir Veja, Alfie Owen-Allen, Daisy Bevan, Jennifer Lewicki, Viviane Horne, Nick Shallman, James Britton, Jean-Pierre Léaud, Matthew Rhys, Christian Simpson, Benjamin Wright, etc.
Duração: 120 min; Distribuição em Portugal: Filmes Lusomundo; Classificação: M/ 16 anos.
ELIZABETH, A IDADE DE OURO
Se “Elizabeth, a Rainha Virgem” (1997) documentava os anos da “passagem de Elizabeth de simples mulher a rainha”, “Elizabeth: The Golden Age”(2007) fixa-se, como o título indica, no período áureo do seu reinado, tornando mais complexas certas decisões políticas e algumas atitudes particulares (o isolamento emocional de Elizabeth é aqui deixado na penumbra de algumas ligações possíveis, que apenas se esboçam, mas que podem querer indiciar algo mais do que um indicio – referimo-nos à sua ligação com Walter Raleigh, por um lado, e à sua equivoca relação com a sua aia predilecta, igualmente Elizabeth de seu nome, mas conhecido por Bess para se diferenciar da soberana).
Obviamente que, a um olhar mais rápido, se pode inferir que Elizabeth abdicou de uma vida pessoal em detrimento de uma actividade pública intensa, procurando que emoções e sentimentos particulares não influenciassem deliberações de Estado. Ela tem nas mãos o futuro de um País, mas mais do que isso, tem no seu pulso o rumo de uma considerável parte da Humanidade. Ela tem a Espanha a conspirar nas suas costas, tem Mary Stuart, uma prima ambiciosa, presa num castelo da Escócia, pronta a apoiar a revolta católica contra os anglicanos que se encontram no poder, e de que Elizabeth é exemplo e símbolo que urge abater, tem guerras e intrigas a vencer, tem pretendentes à sua mão e conspiradores que lhe cobiçam o pescoço, para o ver trespassado pela guilhotina, tem de combater na terra e no mar, opondo-se a uma “invencível armada” que, afinal, era por demais vencível, como se viu à entrada do estreito de Gibraltar, quando meia dúzia de barcos, incendiados pela estratégia de Drake e Raleigh, conseguiram levar de vencida, com o apoio dos ventos tempestuosos dos deuses que se soltaram para glória da Grã-bretanha, os 30.000 soldados espanhóis que viajavam nalgumas dezenas de barcos que a demagogia do catolicismo mais radical conseguira arregimentar para abater o inimigo religioso (só porque “diferente”).
William Nicholson e Michael Hirst (este último já fora responsável pelo argumento de “Elizabeth” (1998) e foi, posteriormente argumentista da infeliz série televisiva “The Tudors” (2007)), argumentistas, não desdenharam algumas “liberdades”, históricas ou não, mas no conjunto, reflectem com alguma verdade um tempo que ficou na história com o nome da sua personagem central. É a época Isabelina (1558-1603), durante a qual as artes e as ciências, a política e a exploração dos mares e de novos continentes floresceram no reino, como o provam a actividade de personalidades como William Shakespeare, obviamente, o mais conhecido, mas também Francis Bacon, John Dee, Francis Drake, Richard Grenville, Ben Jonson, Christopher Marlowe, Thomas North, Walter Raleigh, Philip Sidney, Edmund Spenser ou Francis Walsingham.
O filme tem qualidades, apesar de se colocar alguns pontos abaixo do seu predecessor, dando uma imagem relativamente fiel do que foram os tempos áureos do reinado da rainha Virgem de Inglaterra. Mas nem sempre o estilo de Shekhar Kapur se mostra à altura do seu anterior trabalho, mastigando a narrativa com alguns rodriguinhos estilísticos a despropósito, escondendo demasiadas vezes a câmara por detrás de elementos do cenário, optando por “picados” verticais sem a grandeza e o significado que tinham no seu primeiro filme dedicado à mesma personagem.
O filme retoma a história da Rainha Elizabeth desde 1585, quando a Espanha é apontada como a mais ambiciosa e poderosa nação europeia e multiplica as guerras santas as todas as potências que não sendo católicas, justificam a ira de Deus, personificada por Filipe II, de Espanha (I de Portugal). Ora sendo a Inglaterra um pais separado de Roma desde Henrique VIII, e tendo uma religião protestante própria, o anglicanismo, a governação de Elizabeth I não podia deixar de sentir na pele do seu território a ânsia expansionista dos espanhóis que não toleravam dissidências e, por causa delas, preparam uma armada que procurava terminar com as veleidades independentistas, em matéria religiosa, dos ingleses. Tudo isto era verdade, mas a verdade era ainda mais complexa: presa, por traição, encontrava-se Mary Stuart (Samantha Morton), rainha da Escócia, que, através de um imaginoso sistema de mensagens cifradas (a que os historiadores deram o nome de “código de Mary”), consegue estabelecer as premissas de uma revolta que iria assassinar a Rainha e colocá-la a ela no trono de Inglaterra, a que julga ter direito por descendência real. O Rei da Espanha (Jordi Mollá) não pensa noutra coisa, para assim afastar Elizabeth do poder. O resto já se sabe.
Cate Blanchet, que voltou a ser nomeada para o Óscar de Melhor Actriz pelo papel para que já fora anteriormente nomeada, tem um desempenho à altura dos seus pergaminhos. Clive Owen é um bem apessoado e romântico Sir Walter Raleigh e Geoffrey Rush volta a ser igualmente um astuto e inquietante conselheiro da Rainha. O filme, ficando embora abaixo uns bons furos do anterior, justifica, portanto, uma visão.

ELIZABETH, A IDADE DE OURO
Título original: Elizabeth: The Golden Age ou Elizabeth - Das goldene Königreich ou Elizabeth - L'Âge d'Or ou The Golden Age
Realização: Shekhar Kapur (Inglaterra, França, Alemanha, 2007); Argumentos: William Nicholson, Michael Hirst; Música: Craig Armstrong, R. Rahman; Fotografia (cor): Remi Adefarasin; Montagem: Jill Bilcock; Casting: Fiona Weir; Design de produção: Guy Dyas; Direcção artística: Christian Huband, Jason Knox-Johnston, Phil Simms, Andy Thomson, Frank Walsh; Decoração: Richard Roberts; Guarda-roupa: Alexandra Byrne; Maquilhagem: Joe Hopker, Katie Lee, Liz Murray, Dorka Nieradzik, Morag Ross, Loulia Sheppard, Jenny Shircore; Direcção de produção: Tania Windsor Blunden, Terry Blyther, Duncan Flower, Tom Forsyth, Mark Mostyn; Assistentes de realização: William Booker, Chloe Chesterton, Tommy Gormley, Richard Graysmark, Mark Layton, Zoe Liang, Alan Stewart; Departamento de arte: David Allday, Alan Cooch; Som: Paul Apted, Mark Auguste; Efeitos Especiais: Michael Dawson, Jason Leinster, Joss Williams; Efeitos Visuais: Nicolas Aithadi, Julian Blom, Michelle Corney, John Lockwood, Richard Stammers, Steve Street; Produção: Tim Bevan, Jonathan Cavendish, Liza Chasin, Chris Emposimato, Eric Fellner, Debra Hayward, Michael Hirst; Companhias de Produção: Motion Picture ZETA Produktionsgesellschaft, Studio Canal, Working Title Films;
Intérpretes: Cate Blanchett (Rainha Elizabeth I), Geoffrey Rush (Sir Francis Walsingham), Clive Owen (Sir Walter Raleigh), Samantha Morton (Mary Stuart), Rhys Ifans (Robert Reston), Jordi Mollà (Rei Filipe II de Espanha), John Shrapnel (Lord Howard), Aimee King (Infanta), Susan Lynch (Annette), Elise McCave, Abbie Cornish, Penelope McGhie, Eddie Redmayne, Stuart McLoughlin, Adrian Scarborough, Robert Styles, William Houston, Coral Beed, Rosalind Halstead, Steven Loton, Martin Baron, David Armand, Steven Robertson, Jeremy Barker, George Innes, Adam Godley, Kirstin Smith, Kelly Hunter, Christian Brassington, Robert Cambrinus, Tom Hollander, Sam Spruell, Tim Preece, Vidal Sancho, David Threlfall, Benjamin May, David Sterne, Kate Fleetwood, Glenn Doherty, Chris Brailsford, Dave Legeno, Antony Carrick, John Atterbury, David Robb, Alex Giannini, Joe Ferrara, Jonathan Bailey, Alexander Barnes, Charles Bruce, Jeremy Cracknell, Benedict Green, Adam Smith, Simon Stratton, Crispin Swayne, Laurence Fox, Hayley Burroughs, Kate Lindesay, etc.
Duração: 114 minutos; Classificação etária: M/12 anos; Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais (cinema); Universal (DVD); Locais de filmagem: Baddesley Clinton, Warwickshire, Inglaterra; Data de estreia: 1 de Novembro de 2007 (Portugal) .

quarta-feira, abril 16, 2008

PEDRO BANDEIRA FREIRE

PEDRO BANDEIRA FREIRE
(2 de Agosto de 1939-16 de Abril de 2008)
De uma biografia escrita pelo próprio:
"Pedro Bandeira Freire nasceu a 2 de Agosto de 1939. Ou seja, é material robusto e do melhor, fabricado antes da guerra. Com esforço e tenacidade quase terminou o Curso do Colégio Militar. Licenciado em Gestão de Sentimentos, tem o Mestrado de Ralações Públicas e é Doutorado em Filosofia de Vida. Não tendo habilitações para fazer alguma coisa de útil (o mesmo é dizer que não sabia nada de nada), dedicou-se a fazer um pouco de tudo. Uma da suas grandes qualidades - a preguiça! É assim que, depois de colaborar em jornais e revistas, funda a livraria Opinião. Não lhe bastou e, inspiradamente, anos mais tarde dá à luz um cinema - O Quarteto. Numa de poesia, vai publicando: 8 livros e continua a insistir. Dá-lhe para o teatro e publica 12 peças e 1/2, mais 4 do que os filmes do Fellini. Rádio e televisão? Leva muitos quilómetros de programas. Quanto ao cinema teve argumentos e realizou duas metragens (curtas, mas de boa vontade). Foi amestrado, caricaturado, amado e odiado, representado, jurado, letrista, premiado, censurado, enganado e faz os possíveis, embora sem obter resultados, por ser feliz. Espera lá chegar se para tanto tiver engenho e arte. Entretanto vai fazendo pela vida..."

Fez quase sempre o que queria e o que gostava. Há dias fecharam-lhe o Quarteto e telefonou-me para eu lá ir buscar umas bobines de filmers meus que por lá se encontravam. Na despedida, disse-me: "Um dia destes temos de falar de namoradas!" Não falámos. Mais um amigo que parte.
E chegam as notícias necrológicas:
O fundador do Cinema Quarteto, Pedro Bandeira Freire, de 68 anos, morreu , após alguns dias em coma na sequência de um acidente vascular cerebral .
Há cerca de um mês Pedro Bandeira Freire entregou as chaves do Cinema Quarteto, que fundara em 1975, depois de, em Novembro passado, aquele complexo de quatro salas ter sido encerrado pela Inspecção-Geral das Actividades Culturais, que detectou falhas ao nível da segurança.
Fundador da livraria Opinião, Pedro Bandeira Freire foi autor de vários livros de poesia e teatro, tendo publicado em 2007 o volume de memórias "Entrefitas e Entretelas".
Foi ainda letrista, jurado em festivais de cinema nacionais e estrangeiros (como Berlim) e colaborador da imprensa, rádio e televisão, exercendo inclusivamente funções de consultor de cinema na RTP.
Estreou-se na realização com a curta-metragem "Os Lobos" (1978) e foi actor em "A Crónica dos Bons Malandros" (1984), filme realizado por Fernando Lopes com base no livro homónimo do jornalista e escritor Mário Zambujal.
Foi ainda argumentista em "A Balada da Praia dos Cães" (1987), longa-metragem de José Fonseca e Costa a partir do romance com o mesmo nome de José Cardoso Pires.
Entretanto a SPA informou a Agência Lusa:
Lisboa, 16 Abr (Lusa) - Pedro Bandeira Freire, hoje falecido, foi "durante décadas" uma "figura destacada da Lisboa cultural, na qual se impôs pela sua criatividade e apurado sentido de humor", escreve a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) num comunicado.
A cooperativa recorda que Bandeira Freire, dramaturgo, ficcionista, guionista, autor de letras de canções e memorialista, manteve sempre "uma forte ligação à actividade cinematográfica, tanto como exibidor de filmes como pelas interpretações que fez em algumas longas-metragens de realizadores portugueses".
O comunicado evoca ainda a actividade que desenvolveu como "proprietário e programador do Quarteto, espaço emblemático da vida cultural lisboeta" e a sua "participação activa na vida da SPA", de que o seu avô, Pedro Bandeira, foi um dos fundadores em 22 de Maio de 1925.
A quase totalidade da obra dramática de Bandeira Freire foi publicada na colecção de teatro da SPA, com chancela da qual se preparava para lançar uma peça inédita.
O corpo de Bandeira estará em câmara ardente na Galeria Carlos Paredes, no edifício da SPA na Rua Gonçalves Crespo entre as 15:00 do dia 17 e as 11:00 do dia 18, dali partindo para o cemitério dos Olivais, onde será cremado.

terça-feira, abril 15, 2008

CINEMA: DUAS IRMÃS, UM REI

DUAS IRMÃS, UM REI


“Duas Irmãs, Um Rei” (The Other Boleyn Girl), de Justin Chadwick, retirado de um romance histórico da autoria de Philippa Gregory, Não é efectivamente uma obra-prima da mais recente cinematografia inglesa, mas também anda longe de ser uma obra tão inferior como alguns nos querem fazer crer, sob a designação crítica (de “má critica” entenda-se) do labelo “produção televisiva da BBC”. Ora procurar denegrir uma obra de cinema dizendo que ela tem tudo o que caracteriza a produção corrente da BBC não me parece muito justo, por várias razões. A primeira é que a BBC, apesar de ser televisão, faz muito bons programas, alguns deles estreados inicialmente o cinema e só depois passados no pequeno écran. Depois, porque muitas vezes o que acusam certos filmes de mais não serem do que telefilmes da BBC, depois vão enaltecer alguns produtos da mesma BBC por comparação (neste caso, fala-se muito da série “Os Tudors” que, sim senhor!, é bem interessante, mas nalguns aspectos fica abaixo deste filme de Justin Chadwick, ele próprio um experimentado realizador da BBC que ganhou diversos importantes prémios com séries aí dirigidas).
Ora bem, vejamos atentamente este filme. Desde logo há que sublinhar alguns aspectos verdadeiramente notáveis: o guarda-roupa, com a assinatura de Sandy Powell (que já conta com Oscars e demais prémios no activo), é verdadeiramente assombroso. Raras vezes vimos no cinema um guarda-roupa com tal qualidade e requinte, de uma sumptuosidade e um bom gosto magníficos. Sem ostentação, apenas com a marca de um talento admirável. Para ver este guarda-roupa vale a pena ver o filme, tanto mais que a direcção artística é também toda ela de grande talento, desde os cenários aos adereços. Digamos que a fotografia em HD, recusando o bonitinho e procurando uma densidade de atmosfera que por vezes roça a obscuridade, concorre para o bom desempenho visual da obra. Entra-se então na realização, que é a forma de organizar narrativamente todos estes elementos, e aí haverá que ressaltar uma certa desigualdade de tratamente que por vezes põe em causa o bom desempenho global do filme. O filme procura ter uma certa intencionalidade de escrita, jogando com panorâmicas laterais e enquadramentos á distância (através de portas ou janelas que se entreabrem, ou através de movimentos de câmara que vão descobrindo fragmentos de uma situação), colocando o espectador na posição daquele que descobre algo, que espia ou surpreende algo de intimo ou privado. Digamos que é uma forma de penetrar nos segredos de alcova de um período histórico que, por ser de interesse público (e de que maneira!), deixou de ser privado para se justificar que sobre ele se lance o olhar da História.
Na verdade, e mesmo tendo em conta algumas “liberdades poéticas” que julgo tanto o livro (que não li) como o filme comentem, esta história das irmãs Bolena tem mesmo muito que se lhe diga, sob diversos pontos de vistas. Para os velhos do Restelo que insistem que o mundo vai caminhando para pior, é bom que se lhes recorde episódios edificantes como este que se passou na (dizem!) fleumática Inglaterra, onde um rei, de libido congestionado, e todo poderoso na sua governação, põe em causa o destino de uma nação, para satisfazer caprichos de menino mimado. O rei é Henrique VIII, cuja fama já vem de longe, casado com Catarina de Aragão, rainha que lhe deu vários varões que não sobreviveram, e depois definhou num convento. Entretanto, sob o pretexto da Inglaterra precisar de um herdeiro varão, amantizou-se com Maria Bolena, que era casada, mas que foi oferecida por pai, tio e marido, para a família progredir na vida e subir na hierarquia social. Como a Maria não foi além de uma menina, Henriqe VIII voltou-se para a irmã desta, Ana também Bolena, mulher pragmática e intriguista que não precisou sequer do impulso da família (que lho deu, obviamente, e em coro) para se colocar sob o régio dorso do monarca. Mas com Ana as coisas fiavam mais fino, e ela só se entregou de alma e coração ao prazer do rei, depois deste se ter divorciado de Catarina de Aragão, e de ter casado consigo. Ana era mulher de moralidade irrepresentável: podia passar por cima de legitimas esposas e atraiçoar irmãs a quem pede depois sacrifícios extremos, mas não se entrega nas mãos do amante, a não ser casada. Sai a todos o tiro pela culatra e ninguém fica bem neste retrato de época: Ana e o irmão, que são acusados de cometer incesto, para assegurar um herdeiro a Henrique VIII, acabam de cabeça decepada. O rei não consegue um varão para a sucessão e terá de se contentar com uma mulher, a filha de Maria Bolena, que será coroada Elizabeth, conhecida por “a rainha virgem” (não há fome que não dê em fartura, ou o inverso!), e a família dos Bolena acaba os dias na pior das desditas. Quem tudo quer, tudo perde, e nestes tempos de absolutismo despótico, o rei fazia o que queria e ainda lhe sobrava tempo para cortar relações com Roma e o Papa, por este não lhe dar o divórcio pretendido. Assim passou a Inglaterra ao Protestantismo. È evidente que nem tudo terá sido tão simples quanto o filme deixa antever, há outras razões (recontidas) para a Inglaterra se ter afastado de Roma e criar a sua própria Igreja, mas o filme, apesar de um pouco primária na sua análise romanesca da História, abeira-se de alguns aspectos curiosos que sabe bem recordar. Tanto mais que o argumentista que adaptou ao cinema o romance de Philippa Gregory, chama-se Peter Morgan e assinara um belíssimo argumento real não há muito tempo. Fora ele que escrevera “A Rainha”, de Stephens Frears, sobre a actual Rainha de Inglaterra e as suas relações politicas dom o primeiro-ministro Tony Blair. Excelente retrato da monarquia, com algum olhar de simpatia para com a casa real, o que desta vez não acontece de forma nenhuma – o olhar é do mais radical menosprezo, dada a manipulação, a hipocrisia, a intriga rasteira, a ambição mesquinha, o despotismo feroz que tresanda de toda esta história.
As duas irmãs são interpretadas por duas actrizes em alta: Ana (soberbamente encarnada por Natalie Portman) e Maria (uma Scarlett Johansson algo em baixo de forma, num papel de boa menina que lhe não vai muito bem). Eric Bana mais uma vez não convence, num Henrique VIII um pouco enjoativo. O restante elenco é eficaz. Resumindo: filme desigual, mas interessante como referência para debate posterior, a merecer ser recordado lá para fins de Fevereiro próximo, pois não acredito que lhe fuja a nomeação (nem o Óscar) para melhor guarda-roupa, pelo menos.
DUAS IRMÃS, UM REI
Título original: The Other Boleyn Girl
Realização: Justin Chadwick (Inglaterra, França, Canadá, 2008); Argumento: Peter Morgan, segundo romance de Philippa Gregory; Música: Paul Cantelon; Fotografia (cor): Kieran McGuigan; Montagem: Paul Knight, Carol Littleton; Casting: Karen Lindsay-Stewart; Design de produção: John Paul Kelly; Direcção artística: David Allday, Matthew Gray, Emma MacDevitt; Decoração: Sara Wan; Guarda-roupa: Sandy Powell; Maquilhagem: Paul Gooch, Ivana Primorac, Nikita Era, Heba Thorisdottir; Direcção de produção: Tania Windsor Blunden, Mally Chung, Rachel Neale; Assistentes de realização: Paul Bennett, Paul Mindel, Alex Oakley, Samar Pollitt, Deborah Saban; Departamento de arte: Remo Tozzi; Som: Julian Slater; Efeitos Especiais: Stuart Brisdon, Paul Clancy, Mark Haddenham; Efeitos Visuais: Lucy Ainsworth-Taylor, Angela Barson; Produção: Mark Cooper, Alison Owen, Jane Robertson, Scott Rudin, Faye Ward; Companhias de Produção: BBC Films, Focus Features, Relativity Media, Ruby Films, Scott Rudin Productions;
Intérpretes: Natalie Portman (Anne Boleyn), Scarlett Johansson (Mary Boleyn), Eric Bana (Henry Tudor), Jim Sturgess (George Boleyn), Mark Rylance (Sir Thomas Boleyn), Kristin Scott Thomas (Lady Elizabeth Boleyn), David Morrissey (Thomas Howard - Duke of Norfolk), Benedict Cumberbatch (William Carey), Oliver Coleman (Henry Percy), Ana Torrent (Katherine of Aragon), Eddie Redmayne (William Stafford), Tom Cox, Michael Smiley, Montserrat Roig de Puig, Juno Temple (Jane Parker), Iain Mitchell (Thomas Cromwell), Andrew Garfield (Francis Weston), Lewis Jones, Corinne Galloway (Jane Seymour), Alfie Allen, Tiffany Freisberg, Bill Wallis, Joanna Scanlan, Brodie Judge, Oscar Negus, Maisie Smith, Daisy Doidge-Hill, Kizzy Fassett, Finton Reilly, Emma Noakes, Poppy Hurst, Constance Stride, Rebecca Grant, etc.
Duração: 115 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais (cinema e DVD); Locais de filmagem: Bath, Somerset, England, Inglaterra; Data de estreia: 6 de Março de 2008 (Portugal)

segunda-feira, abril 14, 2008

TAKE (AWAY)

Uma revista sobre cinema, on line, feita por malta nova que me convidou a colaborar. Aí começam as minhas memórias cinematográficas, numa secção chamada "A Grande Ilusão". Neste número 2, "Manhã Submersa" em Hollywood."
Link: http://www.take.com.pt/

Um excerto desse texto para abrir o apetite (o texto integral só na revista):

No aeroporto de Los Angeles, uma “voluntária” do festival espera-me de cartão na mão com o meu nome e a indicação de pertencer ao Filmex. Para reconhecimento recíproco. Leva-me ao hotel que a organização marcou e pelo caminho vou descobrindo, primeiro um amontoado de armazéns dos arredores incaracterísticos de uma cidade sem história, depois uma metrópole estranha, invulgarmente diferente de tudo quanto conhecia na Europa, estendendo-se na horizontal, por milhares de quilómetros, carregada de referências que o cinema há trinta e tal anos me vincava na memória. O hotel é em Sunset Boulevard. Escusado será dizer que procuro (em vão) traços de Gloria Swanson e do seu imperturbável mordomo, que o rosto de Erich Von Stroheim imortalizou Não só eles não aparecem, como são raros os vestígios desse tempo, ainda que William Holden e Billy Wilder ali tenham regressado depois, à procura do tempo perdido e de “Fedora”. Mas o suave aroma do mito, esse lá está. É irresistível.
Numa América que convencionalmente conhecemos pelos seus arranha-céus, Los Angeles é uma cidade que sai desse mapa. Avenidas que chegam a ter mais 50 quilómetros, larguíssimas, moradias de não mais de dois andares, refugiadas atrás de pequenos jardins, o cimento por todo o lado, os desperdícios e o lixo, as luzes a incendiarem a imaginação. É conveniente não esquecer que estamos em 1981. A globalização era algo que se não imaginava ainda, tal como hoje a conhecemos. As distâncias eram uma realidade e as diferenças do modo de vida surpreendiam ainda. No conjunto, a primeira impressão é de uma certa hostilidade. Venho na perseguição de um sonho que a “fabrica” põe a circular há 80 anos e não encontro nada disso. É sempre desconfortante confirmar o que já se sabia, mas se julgava possível continuar a ignorar. Hollywood é aqui nome de “boulevard” e letras brancas a recortarem-se na encosta de uma colina. Tudo o resto vive somente na nossa imaginação. Os pés e as mãos das estrelas embutidos no cimento da entrada do Chinese Theatre são bicadas de um pássaro que ninguém consegue agarrar. E, no entanto, à medida que os dias irão passando, há qualquer coisa no ar que me vai habituando à cidade, que me atrai, que lentamente me fascina e me prende. Irremediavelmente.
Entrar no Chinese Theatre, o mais mítico cinema de todo o mundo, e ali assistir à estreia de “Excalibur”, de John Boorman, com um ecrã monumental, uma qualidade de imagem e de som nunca sequer pressentidos nas salas portuguesas, é uma experiência única. À saída andar alguns quilómetros em passeios atapetados por estrelas onde se encontram os nomes (e as mãos eternizadas no cimento) de todos os grandes actores e actrizes que povoam a nossa memória e aquecem os nossos sonhos desde criança, é algo que eleva até ao sufoco. Foi aqui que se filmou uma sequência célebre de “Serenata à Chuva”, lembram-se? Imaginamos as bancadas, as teenagers, os gritinhos, Gene Kelly. Mas quantas estreias mundiais, quantas entregas de Oscars, quanto da história do cinema e da história do mundo.
O “Grauman's Chinese Theatre” vem dos anos 20, julgo 1927, e foi a concretização de um sonho de um dos grandes homens do espectáculo dos EUA, Sid Grauman. Em 1958 foi ampliado, tornando-se mais confortável, mais amplo e melhor dotado de equipamento técnico, de imagem e som. Em Setembro de 2001 fechou para obras de recuperação e reabriu para os “Academy Awards” de 2004, depois de ali se terem gasto sete milhões de dólares em melhoramentos de vária ordem. Dizem que está um brinquinho. Por mim fico-me pela memória de 80.
O Hyatt on Sunset Hotel fica na parte alta da cidade. É um dos raros edifícios com mais de dois ou três andares. O nosso quarto (meu e da Eduarda) é no décimo primeiro andar, virado para a cidade. Esta estende-se até ao horizonte, para onde quer que me volte, juncada de pontos luminosos. As avenidas principais são fileiras compactas de luzes. Mesmo por debaixo da varanda, um anúncio enorme ao último filme de Jerry Lewis, que acabava de se estrear nos EUA: “Hardly Workíng”. Na Europa, Jerry era considerado um génio, na América, pouco menos que um palhaço.
Estamos em 1981. Voltamos a sublinhar. Em Portugal havia dois canais de televisão. Sento-me com a Eduarda aos pés da cama, uma cama com mais de dois metros de largura, e acendemos o televisor, com capacidade para mais de oitenta canais, apanhando nessa noite a funcionar mais de quarenta, com treze emissores principais, onde se sucedem os filmes, as séries, os concursos, os anúncios, as “news”. Em Hollywood são onze horas da noite. Em Lisboa, porém, são já oito da manhã seguinte. Sobrevivo ainda pela hora de Lisboa, e toda a possível magia do local e o ineditismo da situação não impedem o cansaço de avançar. Adormeço. Em Hollywood.
É difícil apercebermo-nos, à primeira, da configuração da cidade que se conhece por Los Angeles. Esta não é apenas “uma cidade”. É um espaço sem fim que reúne várias cidades. Uma avenida como a Wilshire vai atravessando diversos distritos (ou cidades), corno Downtown, Beverly Hills, Hollywood, Westwood, até ir morrer na praia de Santa Mónica, São, ao que recordo, mais de setenta quilómetros de avenida. Todos estes nomes (e muitos outros) correspondem a pequenas cidades que cresceram e se encontraram, misturando num mesmo tecido as suas veias. Hoje em dia, Los Angeles, com quase cerca de três milhões de habitantes, refere um espaço de metrópole que, em superfície ocupada, é o maior do mundo. Assente sobre uma crosta de forte actividade sísmica, os prédios não crescem na vertical, como em Nova Iorque, por exemplo, mas estendem-se na horizontal, Percebe-se que apesar de ser uma zona caríssima, onde existem as ruas mais valiosas de todo o mundo, não há falta de terreno, que ninguém economiza.
Tudo isto transfigura por completo a fisionomia da cidade, multiplicando as distâncias de forma inacreditável. Já me tinham avisado, ainda em Lisboa, que em Los Angeles quase não se podia andar a pé. Tudo fica longíssimo. Acredito, no entanto, que não há melhor processo de conhecer uma cidade do que percorrê-la a pé, um pouco à deriva. Quis fazer a experiência na primeira manhã passada em Los Angeles. Munido de um pequeno mapa que o Festival facultava aos convidados, com a indicação da localização dos diversos cinemas e hotéis onde se centralizavam pessoas e actos do certame, saí do hotel, em Sunset Boulevard em demanda do Fairfax Theatre, onde, no dia seguinte, iria passar a “Manhã Submersa”. O mapa era de fácil leitura. As ruas e avenidas estendiam-se direitas, cruzando-se numa textura rectilínea. Descia-se Sunset Boulevard até ao cruzamento com a Fairfax, tomava-se por esta abaixo e logo surgiria o cinema. Deixei o hotel por volta das oito e meia da manhã, cerca do meio-dia não tinha avistado ainda o cinema e, como combinara um almoço com a representante do Centro de Turismo de Portugal, telefonei-lhe para casa em busca de auxílio. O cinema escondia-se dois quarteirões a baixo (percorrer cada quarteirão levava cerca de dez minutos), mas descobri então que em Los Angeles não se anda mesmo a pé. Por isso as ruas permanecem quase sem peões, enquanto nas faixas de rodagem, se atropelam os automóveis e carrinhas de toda a espécie e feitio, mas sempre de largas dimensões.
No hotel, quando fizemos o check-in, um empregado da recepção entregara-me uma nota assinada por Warren Beatty e Buck Henry, que pedia para os procurar no secretariado do Festival logo que eu pudesse. Foi, claro, a primeira coisa que fiz. Falei com Buck Henry, nessa altura muito conhecido como argumentista e actor, nomeadamente de filmes de Warren Beatty, que me explicou o porquê da missiva: queria explicar-me algo de estranho que acontecera durante as votações para a eleição dos nomeados para o Óscar de “Melhor Filme de Língua Estrangeira”. Relatou-me então as peripécias e os arranjos políticos que estiveram na base do afastamento de “Manhã Submersa”, de que ambos gostavam muito e defenderam até final. Numa primeira votação, três filmes tinham tido votos que os destacavam dos outros: Kurosawa, Truffaut e Szabo. Depois, para dois lugares, surgiram três filmes com o mesmo número de votos, um espanhol, um soviético e o português. Fizeram-se tantas votações, quantas as necessárias para que o filme português ficasse de fora. Assim foi que um filme português não foi nomeado em 1981. Registei a explicação e as palavras de apreço.

sexta-feira, abril 11, 2008

"CÂMARA CLARA" DISCUTE CULTURA E DINHEIRO



A Blogosfera na rádio

No próximo Domingo, na RDP 1,
entre as 11 e as 12 da manhã,
Pedro Rolo Duarte e eu falamos
de blogues, cinema e televisão.
Para todos os gostos, os nossos gostos.

segunda-feira, abril 07, 2008

ÚLTIMA GRAVAÇÃO


Última gravação de testemunho para "Humberto Delgado: Obviamente, Demito-o!".
Com Mário Soares no jardim da sua Fundação.

PARTIRAM

... E DEIXARAM SAUDADES

Três nomes grandes do cinema norte-americano. Um realizador, Jules Dassin, que se exilou no Grécia, vítima do machartismo, um actor, Richard Widmark, que deixou uma marca pessoal inesquecível, sobretudo no “filme negro”, e outro actor, Charlton Heston, que era uma força da natureza e que se distinguiu sobretudo em superproduções. Para lá disso um cidadão polémico, sindicalista, defensor acérrimo dos Direitos do Homem, e defensor do uso particular de armas. Três imagens de uma América multifacetada.

Richard Widmark, Actor
(Sunrise Township, Minnesota, EUA, 26 de Dezembro de 1914 – Roxbury, Connecticut. EUA, 24 de Março de 2008)

Jules Dassin, Realizador
(Middletown, Connecticut, EUA, 18 de Dezembro de 1911 – Atenas, Grécia, 31 de Março de 2008)

Charlton Heston, Actor
(John Charlton Cárter: Evanston, Illinois, EUA, a 4 de Outubro de 1924 – Beverly Hills, Los Angeles County, California, EUA, a 5 de Abril de 2008)

sábado, abril 05, 2008

MÁXIMA::

"Quando um animal irracional
não tem água para beber,
só sobrevive se for empalhado."

sexta-feira, abril 04, 2008

CINEMA: HAVERÁ SANGUE

HAVERÁ SANGUE
“Haverá Sangue”, de Paul Thomas Anderson, é um filme notável, uma daquelas raras obras que por vezes iluminam uma cinematografia e nos demonstram que as obras-primas continuam a florescer por esse mundo fora, bastando para tanto estar atento para as reconhecer e amar. Baseado no romance “Oil!” (1927) do norte-americano Upton Sinclair, “There Will Be Blood” foi rodado, em 2006, nos cenários impressionantes do Novo México, e de Marfa, no Texas, centrando a sua história numa personagem absolutamente fascinante (e nem sempre por bons motivos), o mineiro Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) que descobre ocasionalmente uma jazida de petróleo, corria o ano de 1898. Homem pobre, mas sagaz, com reduzidas condições, mas uma obstinação e persistência que irá manter (e robustecer) ao longo da vida, Plainview inicia a extracção, cria novas técnicas e novos apetrechos de exploração e , em 1911, é o mais bem sucedido pesquisador de petróleo da Califórnia.
Um dia um dos seus empregados sofre um acidente fatal, e deixa órfão H.W., um miúdo que, a partir daí, Plainview adopta como filho e torna sócio do seu pequeno império em construção. Império que progride de forma desmedida, quando recebe a visita de um jovem, Paul Sinday (Paul Dano) que lhe vem vender uma secreta informação sobre uma propriedade da sua família, em Little Boston, Califórnia, onde afiança que há infinitas e bem abastecidas jazidas desse tão precioso óleo.
Plainview e H.W. fazem-se passar por caçadores e iniciam as negociações para comprar a propriedade, depois de se certificarem da existência de petróleo em abundância, e sem nada dizerem à família dessa confirmação. Mas Paul Sinday tem um irmão gémeo, Eli Sinday (igualmente Paul Diano), que percebe o que se passa e exige um pagamento extra de 10.000 dólares, que reverteriam para a construção da sua própria igreja, a “Igreja da Terceira Revelação”, onde se auto-proclamaria sacerdote. Plainview paga-lhe 5.000 adiantados e promete-lhe outro tanto para mais tarde, e começa por outro lado a comprar as propriedades vizinhas, ficando apenas uma, isolada, a quinta do velho Bandy (Hans Howes), que não cede à investida.
Enquanto Plainview vai reforçando o seu império e ampliando a sua cobiça, Eli funda sua própria igreja, e inicia a pregação. Certo dia um poço de petróleo explode e H.W. deixa de ouvir. Estão criadas as premissas para “There Will Be Blood” descolar, oferecendo um admirável retrato de cobiça e ambição, de esforço e dedicação a uma obra, que não pára perante nada, que não hesita um instante, que não coloca uma questão, uma dúvida, uma interrogação. Social, moral. Pragmatismo total. Tudo se justifica se a obra avança e o capital se multiplica, não importando se a solidão se instala, se a bebida consome, se o crime se institui. Duas obsessões demenciais que se cruzam, se aliam, se amparam, se confrontam, se destroem: o petróleo e a religião. Em nome de um e de outra, ou em nome dos dois em simultâneo, ou em conluio dos dois, a riqueza de um cresce, a exploração de muitos aumenta, enquanto, na igreja ao lado, o sacerdote bendiz, se a comunhão da receita for a dividir. Isto não lembra nada de muito presente, de muito ouvido e repetido em noticiários e lido em jornais? Pois parece que sim e é preciso não só coragem mas uma lucidez invulgar para criara a metáfora e mantê-la bem inteligível para os espectadores.
Na linha de “O Gigante”, de George Stevens, por um lado, na forma como descreve a traços largos o universo dos campos petrolíferos e das sagas familiares que alimentaram impérios à sua custa; no prolongamento de “Elmer Gantry”, de Richard Brooks, na forma como evoca os malabarismos e puritanismos de certas seitas e de sacerdotes que vivem da manipulação e da demagogia barata, perante assembleias de crentes ingénuos; próximo de “Citizen Kane”, de Orson Welles, na maneira como ergue uma personagem “bigger than life”; cruzando com “O Tesouro da Sierra Madre”, de John Huston, no estudo da ambição que conduz à loucura e à perca; perto por esse motivo também de “Greed”, de Erich Von Stroeim, a vertigem da cobiça em estado puro numa paisagem desolada. Obviamente que também vem à memória “Escrito no Vento”, de Douglas Sirk. O petróleo e a avareza, a construção de impérios sobre a perfídia, ostentam uma ilustre filmografia atrás de si.
Não li o romance de Upton Sinclair, “Oil!”, mas, ao que dizem, Paul Thomas Anderson apenas retém o início desta obra de cerca de 700 páginas, que acompanha a vida de uma família, cuja riqueza cresce com os campos de petróleo. No romance, o protagonista é Bunny Ross, e tem obviamente um modelo na realidade americana que inspirou a sua criação, um magnata, Edward Doheny, no palacete de qual foram filmadas as derradeiras sequências do filme. Ironias do destino! O filme, no entanto, não fala de Bunny Ross, mas apenas do pai deste (no romance), J. Arnold Ross, e do dealbar da construção do império.
Há quem surpreenda uma inspiração evidente na figura do vampiro para a construção visual da personagem de Daniel Plainview (que Daniel Day-Lewis cria de uma forma absolutamente magistral, na linguagem, na pronuncia, na contenção, no nervo, na frieza o olhar de caçador por vezes acossado, mas sempre pronto a transformar o caçador em sua vítima). “Nosferatu”, de Murnau, vem realmente à recordação, quando se recorta a silhueta de Daniel Plainview na crista do horizonte, mas sobretudo o que colhe é essa avidez insaciável de se alimentar do sangue da terra e do sangue dos outros.
A realização de Paul Thomas Anderson é admirável de rigor, mas também de criatividade narrativa, de eficácia na forma como recorre a uma simbologia que relembra os maiores cineastas americanos da era do clássico, na dimensão de um lirismo telúrico como cruza panorâmicas verticais e horizontais, acompanhando as torres que se erguem para o céu, ou os oleodutos que escorrem para o mar as entranhas da terra. Há no ar poeira e óleo, o vermelho denso do desejo e o negro trágico da ameaça, numa fotografia esplendorosa de Robert Elswit, mas há, sobretudo, a fabulosa partitura de Johnny Greenwood, o guitarrista dos “Radiohead”, que compõe lamentos de cortar a respiração. Um grande filme que tem as pragas do Egipto, do “Exodus”, como epigrafe que dá o nome e um sentido mais linear à obra.
HAVERÁ SANGUE
Título original: There Will Be Blood
Realização: Paul Thomas Anderson (EUA, 2007); Argumento: Paul Thomas Anderson, segundo romance “Oil”, de Upton Sinclair; Música: Jonny Greenwood; Fotografia (cor): Robert Elswit; Montagem: Dylan Tichenor; Casting: Cassandra Kulukundis; Design de produção: Jack Fisk; Direcção artística: David Crank; Decoração: Jim Erickson; Guarda-roupa: Mark Bridges; Maquilhagem: Kim Ayers, John Blake, Catherine Conrad, Linda D. Flowers, David Larson, Yesim 'Shimmy' Osman; Durecção de produção: Erica Frauman, Jamey Pryde, Will Weiske; Assistentes de realização: Jeff Habberstad, Eric Richard Lasko, Jenny Nolan, Richard Oswald, Adam Somner, Ian Stone; Departamento de arte: Anthony D. Parrillo; Som: Richard King, Christopher Scarabosio; Efeitos especiais: Steve Cremin, Brandon K. McLaughlin; Efeitos visuais: Mark Casey, Grady Cofer, Paul Graff, Erin D. O'Connor, Robert Stromberg; Produção: Paul Thomas Anderson, Daniel Lupi, Scott Rudin, Eric Schlosser, JoAnne Sellar, David Williams; Companhias de produção: Ghoulardi Film Company, Paramount Vantage, Miramax Films.
Intérpretes: Daniel Day-Lewis (Daniel Plainview), Paul Dano (Paul e Eli Sunday), David Willis (Abel Sunday), Kellie Hill (Ruth Sunday), Dillon Freasier (Jovem H.W. Plainview), Sydney McCallister, Christine Olejniczak, Martin Stringer, Kevin J. O'Connor, Jacob Stringer, Matthew Braden Stringer, Ciarán Hinds, Joseph Mussey, Barry Del Sherman, Russell Harvard, Harrison Taylor, Stockton Taylor, Colleen Foy, Paul F. Tompkins, Kevin Breznahan, Jim Meskimen, Erica Sullivan, Randall Carver, Coco Leigh, James Downey, Dan Swallow, Robert Arber, Bob Bell, David Williams, Joy Rawls, Louise Gregg, Amber Roberts, Robert Caroline, John W. Watts, Barry Bruce, Irene G. Hunter, Hope Elizabeth Reeves, John Chitwood, David Warshofsky, Tom Doyle, Colton Woodward, John Burton, Hans Howes, Robert Barge, Ronald Krut, Huey Rhudy, Steven Barr, Robert Hills, Rev. Bob Bock, Vince Froio, Phil Shelly, etc.
Duração: 158 minutos; Classificação etária: M/ 12 anos, Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais; Locais de filmagem: El Mirage Dry Lake, Califórnia; Greystone Park & Mansion - 905 Loma Vista Dr., Beverly Hills, Califórnia; Los Angeles, Califórnia; Marfa, Texas; Santa Clarita, California, EUA; Estreia: 14 de Fevereiro de 2008 (Portugal).

RIR É O MELHOR REMÉDIO

obrigado à MEC que me enviou este You Tube desopilante

quinta-feira, abril 03, 2008

CINEMA: ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS

ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS
Um caçador que se aventura pelos arredores de uma cidadezinha americana do Rio Grande do Sul, com o deserto ao fundo, descobre um macabro e bizarro achado: carros abandonados, mortos vários, um moribundo que rapidamente passa a cadáver, à falta de água, quantidade de heroína em barda, 2 milhões de dólares numa mala, Tudo pode ser ignorado, excepto a mala que Llewelyn Moss resolve tornar sua. Essa mala, porém, irá desencadear perseguições variadas, entre elas a de um “serial killer” que mata friamente, sem emoção. O humano transformado num autómato do Mal, num “profeta da destruição”, como o xerife da localidade sugere, quando afirma: “Dizem que os olhos são as janelas da alma. Eu cá por mim não sei de que é que os olhos são as janelas e se calhar até prefiro não saber. Mas há uma outra maneira de ver o mundo e outros olhos para o ver e é por esse caminho que nós vamos. Eu próprio o trilhei e conduziu-me a um lugar na minha vida que nunca imaginei chegar a conhecer. Algures por aí anda um profeta da destruição, um profeta genuíno, de carne e osso, e eu não o quero enfrentar.”
Um profeta que, realmente, é melhor não enfrentar. Até porque todos os que o encaram não sobrevivem para contar. Pessoa não será, pelas suposições que de “pessoa” fazemos. Autómato poderia ser, mas que máquina teria esse poder de matar sistematicamente tudo o que se lhe atravessa no caminho? É, pois, algo de completamente desumano, uma máquina de destruição, um robot programado para assassinar, alguém para quem se olha e não se reconhece nele feições de gente. Este é Anton Chigurh que se passeia de mortífero pneumático na mão e uma única ideia na cabeça: matar.
Este é também o retrato de uma América de violência traumatizante, desconhecida, perturbante, que é atravessada primeiro pelas palavras secas e austeras de Cormac McCarthy neste romance, nervoso, agressivo, provocador, estimulante que nos recoloca na melhor tradição da literatura norte-americana. Hemingway, sim, pela aridez dos diálogos, pela poesia dos cenários, Falkneur, sem dúvida, pela descrição das paixões e das paisagens, mas também um pouco da violência ingénua de uns “Ratos e Homens”, mas reciclada para novos continentes de um total desencanto. Depois há quem fale de escritores actuais, como Don Delillo, Philip Roth ou Thomas Pynchon, é possível, sobretudo no retrato de uma sociedade doente, dada num registo sincopado, que mostra as aparências e deixa as chagas soterradas, à espera que o leitor as descubra por si só. Terríveis os tempos que geram obras como esta, de um cinzento pesado, de um ar poluído pelo desespero, de uma humanidade desgarrada e à deriva.
Há personagens absolutamente inesquecíveis, como o assassino Anton Chigurh, ou o ávido e “espertalhão” Llewelyn Moss (“O Tesouro da Sierra Madre”?), ou o desalentado xerife Ed Tom Bell, que conheceu a II Guerra Mundial, e que tem uma ideia do Vietname e dos EUA muito bem condensada nesta frase: “As pessoas dizem que foi o Vietname que pôs este país de rastos. Mas eu nunca acreditei nisso. O país já estava em muito mau estado. O Vietname foi só a cereja em cima do bolo. (…) Não sei o que vai acontecer quando vier a próxima. Não sei mesmo.” Ora a verdade é que a próxima já chegou e o que os escritores (e cineastas) norte-americanos reflectem é esse “não sei mesmo.” A América na encruzilhada, mas mais do que isso, nós todos na mesma encruzilhada.
Magnífico livro. E fiquei à espera de um igualmente magnífico filme. Que veio pela mão dos irmãos Coen. Com Óscar para melhor filme do ano, e ainda Óscar para melhor realização. No final, não tão brilhante como apregoaram, mas um filme muito interessante (nada comparado, é certo, com essa obra-prima de Paul Thomas Anderson, “Haverá Sangue”).
Acompanhando o percurso do livro quase a par e passo, apenas saltando aqui e ali um ou outro episódio e elidindo quase todos os solilóquios do velho xerife (o que acaba por empobrecer o filme, dado que é desse confronto de dois tempos de narrativa que nasce uma das iluminações mais fortes do romance e a ideia de que o homem pode transcender-se e permanecer "humano", apesar da brutalidade que o rodeia), o filme dos Coen é uma adaptação bastante fiel da obra de Cormac McCarthy, recriando a mesma terra seca, o mesmo ar saturado de poeira, a mesma solidão, a mesma violência climática, a mesma psicologia rasteira, a mesma rudeza de comportamento, a mesma agressividade de uns, o mesmo desalento de outros, a frustração de tantos, a desilusão de muitos, os gestos repetidos sem significado de alguns, o desespero, sim o desespero no olhar de quem morre e o olhar vítreo de quem mata. Estamos em que País afinal? Na América pós-Vietname, na América pós-11 de Setembro, na América pós-invasão do Afeganistão e do Iraque, na América dos adolescentes “serial killers”, que dizimam turmas de escolas, na América profunda da opressão, do racismo, do fanatismo, mas também na América da auto-crítica, da má consciência, na América que invariavelmente ergue a voz contra as injustiças, que discute, que recusa, que se insurge, que faz filmes como este ou “Haverá Sangue”.
Actores brilhantes e um Javier Bardem magnífico ajudam à festa. Mas fica a sensação de que o livro é melhor e o filme poderia ter ido um pouco além. Não é o melhor dos Coen, mas não deslustra. Apenas peca por participar de uma injustiça flagrante: “Haverá Sangue” é muito melhor, sob todos os pontos de vista. Na comparação, os Coen saem por baixo, mas foram eles que arrecadaram os Oscars.
ESTE PAÍS NÃO É PARA VELHOS
Título original: No Country for Old Men
Realização: Ethan Coen, Joel Coen (EUA, 2007); Argumento: Joel Coen, Ethan Coen, segundo romance homónimo de Cormac McCarthy; Música: Carter Burwell; Fotografia (cor): Roger Deakins; Montagem: Ethan Coen e Joel Coen (assinando ambos Roderick Jaynes); Casting: Ellen Chenoweth; Design de produção: Jess Gonchor; Direcção artística: John P. Goldsmith; Decoração: Nancy Haigh; Guarda-roupa: Mary Zophres; Maquilhagem: Brian Hillard, Geordie Sheffer, Dave Snyder, Christien Tinsley; Direcção de produção: Karen Ruth Getchell, Robert Graf, Omar Veytia; Assistentes de realização: Bac DeLorme, Peter Dress, Jai James, Betsy Magruder, Donald Murphy, Taylor Phillips; Departamento de arte: Mark Bankins, Sage Emmett Connell, James Fowler, Gregory Hill, Roberta Marquez; Som: Craig Berkey; Efeitos especiais: Peter Chesney, Megan Flagg, Jason Hamer, Diane Woodhouse; Efeitos visuais: Alexandre Cancado, Vincent Cirelli, Valy Lungoccia, Ashok Nayar, Ian Noe; Produção: Ethan Coen, Joel Coen, Scott Rudin, David Diliberto, Robert Graf, Mark Roybal; Companhias de produção: Paramount Vantage, Miramax Films, Scott Rudin Productions, Mike Zoss Productions.
Intérpretes: Tommy Lee Jones (Ed Tom Bell), Javier Bardem (Anton Chigurh), Josh Brolin (Llewelyn Moss), Woody Harrelson (Carson Wells), Kelly Macdonald (Carla Jean Moss), Garret Dillahunt (Wendell), Tess Harper (Loretta Bell), Barry Corbin (Ellis), Stephen Root, Rodger Boyce, Beth Grant, Ana Reeder, Kit Gwin, Zach Hopkins, Chip Love, Eduardo Antonio Garcia, Gene Jones, Myk Watford, Boots Southerland, Kathy Lamkin, Johnnie Hector, Margaret Bowman, Thomas Kopache, Jason Douglas, Doris Hargrave, Rutherford Cravens, Matthew Posey, George Adelo, Mathew Greer, Trent Moore, Marc Miles, Luce Rains, Philip Bentham, Eric Reeves, Josh Meyer, Chris Warner, Brandon Smith, Roland Uribe, Richard Jackson, Josh Blaylock, Caleb Jones, Dorsey Ray, Angel H. Alvarado Jr., David A. Gomez, Milton Hernandez, John Mancha, Scott Flick, Elizabeth Slagsvol, etc.
Duração: 122 minutos; Classificação etária: M/18 anos; Distribuição em Portugal: Lusomundo Audiovisuais; Locais de filmagem: Albuquerque, New Mexico (EUA); Estreia: 28 de Fevereiro de 2008 (Portugal).
***
Julgo que será interessante, e ajuda a compreender quer o livro, quer o filme, conhecer o poema que dá título às duas obras:

Sailing to Byzantium


That is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
- Those dying generations - at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.

An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

O sages standing in God's holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.

William Butler Yeats, The Tower (1928)

Na tradução de José Agostinho Baptista

I

Este país não é para velhos. Jovens
Abraçados, pássaros que nas árvores cantam
- essas gerações moribundas -
Cascatas de salmões, mares de cavalas,
Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão
Tudo quanto se engendra, nasce e morre.
Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam
Os monumentos de intemporal saber.

II

Um velho é coisa sem valor,
Um andrajo apoiado num bordão, a não ser que
A alma aplauda e cante, e cante mais alto
Cada farrapo da sua mortal veste.
Nem há escola de canto somente o estudo
Dos monumentos de seu próprio esplendor;
Por isso cruzei os mares e cheguei
À sagrada cidade de Bizâncio.

III

Oh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus
Qual dourado mosaico sobre um muro,
Vinde desse fogo sagrado, roda que gira,
E sede os mestres do meu canto, da minha alma.
Devorai este meu coração; doente de desejo
E atado a um animal agonizante
Ele não sabe o que é; juntai-me
Ao artifício da eternidade.

IV

Da natureza liberto jamais de natural coisa
Retomarei minha forma, meu corpo,
Mas formas outras como as que o ourives grego
Em ouro forja e esmalta em ouro
Para que o sonolento Imperador não adormeça;
Ou em dourado ramo pousado, cantarei
Para damas e senhores de Bizâncio
Cantarei o que passou, o que passa, ou o que virá