sábado, junho 30, 2007

PINTURA:GRACINDA CANDEIAS


GRACINDA CANDEIAS CONVIDA....
Gracinda Candeias convida o público a visitar o seu atelier.
Abre a porta para apreciação plena da obra da artista
no seu ambiente de trabalho, com preços ex-works.

28 e 29 de Junho, das 19h00 às 00h00
30 de Junho e 1 de Julho, das 15h00 às 00h00
Rua Alberto Oliveira - Coruchéus - Atelier 29(1º andar)1700-019 Lisboa
Tel 217 970 225 . Tlm 917 527 771

Lá estarei hoje, sábado, ainda não sei a que horasAs obras prometem.
Fica aqui uma "Dama da Noite" para abrir o apetite.
Para saber mais, viaje até Gracinda Candeias AQUI.

CORRENTES E NOMEAÇÕES

O blogue Trionfo ao Grand nomeou este meu blogue para as "7 Maravilhas da Blogsfera". Escreveu o seguinte texto que muito me desvanece, que agradeço, que não mereço. Muito obrigado. Antes "Maravilha" que "Grelo" ou mesmo "Tomate". Mas realmente não vou dar continuidade a esta corrente. Não gosto de correntes. Nem ao pescoço, nem em emails, nem em blogues.

Não levem a mal os que me nomearam. Apenas não me apetece pactuar com esta feira de vaidades. Agora já é mesmo mais "mercado de verdura."

LAURO ANTÓNIO Que têm um comboio de Blogues, mas o que eu visito é o um. Teve sempre a atenção de colocar-me ao corrente de alguns eventos que participa, e que acha que são
importantes para mim. Um expert na matéria de cinema.Mas com toda a certeza não estou a dar alguma novidade! Foi um bom anfitrião na minha chegada a este mundo dos Blogs.
LAURO ANTÓNIO APRESENTA / http://www.lauroantonioapresenta.blogspot.com

TEATRO: QUANDO O INVERNO CHEGAR

QUANDO O INVERNO CHEGAR
(com agradecimentos à minha querida amiga Yvette Centeno,
que me alertou para o espectáculo e traduz primorosamente Goethe).

Sala cheia (ou quase), muito público jovem, grande entusiasmo no final. No Teatro São Luíz, últimas representações de “Quando o Inverno Chegar”, de José Luís Peixoto.
O pano sobe sobre uma floresta, onde se encontram três homens, três tuberculosos, que vivem num sanatório perdido no interior dessa floresta. São três náufragos, três desterrados, três destroços que encontram no sanatório mais do que um local de tratamento, um refúgio. Como fala Marco Martins, o encenador, são personagens que criaram uma inércia de paragem. Encontram-se no sanatório "sob pretexto de estarem em recuperação de doenças respiratórias", explica o escritor, mas "vamo-nos apercebendo de que têm dificuldade em lidar com o mundo exterior e inventam todas as desculpas para não encarar a realidade". Um dia, passeando pela floresta, encontram a “menina Lena” que está prestes a suicidar-se, enforcando-se no tronco de uma árvore. Mas eles vão desviá-la desse desígnio. Percebem depois que Lena fora empregada numa casa abastada e que o herdeiro da mansão, Lucas de seu nome, a havia engravidado e fugido depois. Lena procura Lucas e procura sobretudo uma razão para continuar a viver. Coisas que todos procuram, é certo, mas de formas diferentes. Uns estão para sempre aprisionados nas suas próprias armadilhas. Como se verá.
A peça, da autoria de José Luis Peixoto é, todavia, uma criação colectiva, deste e ainda de Marco Martins, Nuno Lopes, Beatriz Batarda, Dinarte Branco e Gonçalo Waddington. "Eu fui o filtro. Fui sempre aproveitando as sugestões, sobretudo a partir da improvisação dos actores. Só depois se foi para a caracterização mais detalhada de cada personagem, as cenas foram muito discutidas", disse José Luís Peixoto, que foi assistindo a todos os ensaios entre Novembro e Dezembro, tendo concluído o texto no fim do ano.
Diga-se que é um excelente texto, literariamente muito bem escrito, sugestivo, apelativo, trágico nalgumas das suas consequências, mas cozinhado com humor e ironia, muito bem trabalhada por toda a equipa. Há muito tempo que não via em palcos nacionais um espectáculo português (digamos que quase 100 % português) tão completo, tão bem
conseguido, tão perfeito na forma como se apresenta ao público. Faz lembrar, aqui e ali, “À Espera de Godot” ou algumas outras peças de Samuel Beckett (não esquecendo Tchekov). José Luís Peixoto afirma que teve "duas influências literárias assumidas" para a construção deste texto: a ideia do sanatório surgiu a partir de "A Montanha Mágica" de Thomas Mann, e a figura feminina, Lena, inspirou-se numa personagem com o mesmo nome de "Luz em Agosto", de William Faulkner." É uma peça sobre a inércia, sobre a cobardia, o medo, a auto-ilusão", resumiu o escritor.
A encenação de Marco Martins é excelente, o cenário de João Mendes Ribeiro é brilhante, o desenho de luz, de Nuno Meira, rigoroso e inventivo, bem como os figurinos de Adriana Molder, a música original de Pedro Moreira ajustadíssima, e as interpretações de Beatriz Batarda, Dinarte Branco, Gonçalo Waddington e Nuno Lopes notáveis.
Marco Martins que se estreara no cinema de ficção com a longa-metragem "Alice", e que dera óptimas referências neste trabalho, mostra-se igualmente um encenador talentoso e a não perder de vista. No elenco de “Quando o Inverno Chegar”, figuram, aliás, três dos actores que já tinham aparecido em "Alice", Beatriz Batarda, Nuno Lopes e Gonçalo Waddington.
A não perder sob pretexto algum. Tanto mais que só resta uma representação: hoje, sábado, dia 30 de Junho, pelas 21,00. No São Luiz.

TEATRO: O CASO RIVOLI

O CASO RIVOLI: 1500 CONTOS POR DIA?
O Teatro Rivoli no Porto continua a dar muito que falar e, sobretudo, a desenvolver uma histeria a todos os níveis que ninguém percebe muito bem ao que vêm. Mão amiga fez-me chegar uma revista da Câmara Municipal do Porto, “Porto Reformar, para Servir Melhor”, “Informação aos Munícipes”, de Novembro de 2006, onde se levantam algumas curiosas questões que era bom ver elucidadas. Mas a histeria das manifestações tudo encobre e o jornalismo de investigação nada investiga. Por exemplo, saber-se se é verdade, ou não, o que aqui se transcreve, seria algo muito interessante. Saber se o Rivoli gastava 1500 contos por dia do erário público para acolher peças de companhias que não eram produzidas sequer com essas verbas seria um bom princípio para uma próxima discussão sobre o futuro do Rivoli.
Já agora uma contribuição pessoal para o debate. Durante dezenas de anos fui professor no Porto, deslocava-me semanalmente a esta cidade que eu amo, vi magníficos espectáculos em muitos dos seus palcos. Raros os bons que vi no Rivoli, onde o Fantasporto, esse sim, marcou lugar destacado, nos últimos anos. Para ser sincero, para lá de ciclos de cinema, concertos, um ou outro espectáculo curioso, pouco me recordo mais. Mas não esqueço algumas memoráveis chatices de um pretensiosismo intelectual de bradar aos céus. Com muitos votos de pobreza franciscana que a “burguesa” sala do Rivoli acolhia.
***
Vejamos então o texto da tal revista. Agradeço informação detalhada de quem de direito. Se houver “quem de direito” nesta questão toda. O pior será se tudo isto não passar de uma defesa de interesses económicos rasteiros.

Tentar promover a cultura de forma racional e sem demagogia

Com a responsabilidade da animação da cidade e a gestão do Teatro Rivoli, a Culturporto era a estrutura mais criticada de toda a Câmara do Porto. Acusada de não promover a animação, de ter muitos funcionários e de não conseguir chamar a cidade ao Rivoli, a Culturporto estava numa situação realmente insustentável.
Nos últimos 4 anos, a Câmara transferiu 11 milhões de Euros para o Rivoli ou seja, cerca de 1.500 contos por dia. O dobro do que gastou na requalificação de escolas e quase o dobro do que gastou com a acção social ou com a manutenção e utilização de todos os seus equipamentos desportivos. Enquanto isso, as receitas de bilheteira apenas cobriram 6% da despes. O resto, 94%, foram pagos pelo erário público.
Por isso transferimos a animação da cidade para a "PortoLazer", e vamos passar a gestão do Rivoli para uma entidade privada com contratos de 4 anos, por forma a que os próximos executivos tenham a liberdade de fazer uma opção diferente se assim o entenderem.
Com esta reforma a Câmara vai poupar maias de 2 milhões de Euros por ano que poderá investir em sectores decisivos para aquele que é o nosso principal objectivo: a política de integração e equilíbrio social.

Li nalguns blogues que este texto é mera manipulação camarária mas nenhum me explicava porquê. Já agora um pouco de esforço: os 1500 contos eram gastos em quê, por dia, se não serviam sequer para montar espectáculos e eram consumidos unicamente na manutenção da sala?

quinta-feira, junho 28, 2007

AS MULHERES NO CINEMA

Um amigo nosso, o Germano Campos, enviou à M. um link que ela colocou no seu blogue "Detesto Sopa". Fiquei tão invejosos que nao resisti, e coloquei também aqui. Obrigado ao Germano e à M. Obrigado a todas as mulheres do cinema. Elas são rigorosamente uma das razões de tantas paixões pelo cinema e pela "mulher".

VEJA AQUI: MULHERES NO CINEMA

80 anos de retratos de mulher no cinema

Apresentando em ordem Mary Pickford, Lillian Gish, Gloria Swanson, Marlene Dietrich, Norma Shearer, Ruth Chatterton, Jean Harlow, Katharine Hepburn, Carole Lombard, Bette Davis, Greta Garbo, Barbara Stanwyck, Vivien Leigh, Greer Garson, Hedy Lamarr, Rita Hayworth, Gene Tierney, Olivia de Havilland, Ingrid Bergman, Joan Crawford, Ginger Rogers, Loretta Young, Deborah Kerr, Judy Garland, Anne Baxter, Lauren Bacall, Susan Hayward, Ava Gardner, Marilyn Monroe, Grace Kelly, Lana Turner, Elizabeth Taylor, Kim Novak, Audrey Hepburn, Joanne Woodward, Shirley MacLaine, Natalie Wood, Angie Dickinson, Janet Leigh, Brigitte Bardot, Sophia Loren, Ann-Margret, Julie Andrews, Raquel Welch, Tuesday Weld, Jane Fonda, Julie Christie, Faye Dunaway, Catherine Deneuve, Jacqueline Bisset, Candice Bergen, Isabella Rossellini, Diane Keaton, Goldie Hawn, Meryl Streep, Susan Sarandon, Jessica Lange, Michelle Pfeiffer, Sigourney Weaver, Kathleen Turner, Holly Hunter, Jodie Foster, Melanie Griffith, Sharon Stone, Meg Ryan, Demi Moore, Julia Roberts, Uma Thurman, Sandra Bullock, Julianne Moore, Diane Lane, Nicole Kidman, Catherine Zeta-Jones, Angelina Jolie, Charlize Theron, Reese Witherspoon, Gwyneth Paltrow

terça-feira, junho 26, 2007

CINEMA:OS INIMIGOS DO IMPÉRIO

OS INIMIGOS DO IMPÉRIO
“Ye Yan” (Os Inimigos do Império), do chinês Feng Xiaogang, parte de uma adaptação livre da tragédia “Hamlet”, de William Shakespeare, transpondo-a para os tempos caóticos do século X (entre 907 e 960), na China, num período da Dinastia Tang em que existiam Cinco Dinastias e Dez Reinos. Para quem viu “A Maldição da Flor Dourada”, de Zhang Yimou, as semelhanças não passarão despercebidas. Trata-se de novo de um conflito familiar que envolve uma luta pelo poder, desta feita protagonizada por um Imperador que assassinara o irmão para assim conseguir chegar ao poder, uma Imperatriz que está apaixonada pelo Príncipe, filho do seu ex marido, mas não seu, e que aceita casar com o cunhado para se salvar e poupar o legítimo herdeiro, e ainda por um numeroso séquito de ardilosos conspiradores e inocentes amantes. Ministros, generais, filhos e filhas de ministros, todos os seus destinos se entrelaçam neste jogo mortal que tem como fito o trono do Império.

Um dia, depois de muitas armadilhas e traiçoeiras ciladas, com muitos duelos de uma olímpica beleza e proverbial agilidade, com os guerreiros a esgrimir na terra e no ar, evoluindo por entre espadas, lanças e punhais que se cruzam e descruzam e vão provocando rios de sangue-vermelho-vivo, o Imperador resolve oferecer um banquete, num dia que o Camareiro-mor não acha o mais auspicioso para semelhante ocorrência. Mas como as vontades do Imperador são para cumprir, assim seja. E assim foi que num espaço de um palco frente ao trono do Império, se sucederam as mortes, com um compasso feroz, marcado pela cobiça dos homens e executado através de múltiplos expedientes, salpicados por fatalidades e equívocos sem retorno. A Imperatriz tenta envenenar uns, mas acaba por ver desviada a taça, e a partir daí o morticínio é total. No palco desse jogo de poder nefasto, jazem corpos que tombam num bailado fúnebre.
O filme é basicamente mais uma meditação sobre a febre do poder que tudo corrói e corrompe. O talento de Feng Xiaogang é inequívoco, ainda que uns pontos abaixo da genialidade de Zhang Yimou. Será aliás curioso comparar como dois filmes tão semelhantes quanto ao seu argumento, podem ser tão diferentes, mesmo contraditórios, quanto à estética, ao ritmo, ao estilo de ambos os cineastas. Numa escola de cinema, mostrar “A Maldição da Flor Dourada” e “Os Inimigos do Império” um a seguir ao outro, é uma boa maneira de “explicar” o que é um estilo, um tom pessoal, um olhar diferente. Feng Xiaogang é mais denso, mais soturno, mais nocturno nas suas imagens. Mais lento na forma como conduz a obra. Mais “intelectualizado”, mais “artístico”, sem que nada disso sejam virtudes só por si. Como já dissemos, preferimos a limpidez kurosaweana (e fordeana) de Zhang Yimou. Não é por querer ser mais “intelectual” que se é melhor.
Mas é evidente igualmente que este é um filme fascinante, inclusive por essa necessidade de se afirmar mais reflexivo. Desde as primeiras imagens que Feng Xiaogang aproxima a sua narrativa do palco teatral. O seu Príncipe, angustiado pelo que vai no palácio, afasta-se para longe da corte e vai aprender arte de representação, utilizando máscaras e túnicas brancas que tornam todos os actores iguais. Explica-se mesmo que representar com máscara é que é a autêntica forma de representar, pois se torna mais difícil mostrar as emoções. É ai que os primeiros enviados do Imperador usurpador o vão tentar assassinar pela primeira vez. Aí se vai iniciar o bailado bélico que acompanha toda a obra. Aí principia igualmente a “representação” ostensiva desta tragédia que se envolve num melodrama passional de umas proporções de tal forma excessivas que chega a surpreender. Feng Xiaogang não recusa um plano mais extenso (o longo travelling acompanhando o caminhar da Imperatriz, de costas!) ou uma fixidez de uma duração insuspeita (vários exemplos ao longo do filme). Mas a estes seguem-se cenas de um ritmo avassalador, verdadeiros ballets organizados em função de lutas corpo a corpo, onde a beleza, a brutalidade, a elegância e a violência se cruzam (há muito de “O Tigre e o Dragão” nesta obra que é produzida por um dos responsáveis pela coreografia do filme de Ang Lee).
O que mais impressiona nesta obra é objectivamente a forma como o realizador cria uma atmosfera quase doentia, patológica, através de ambientes pesados e sombrios, jogos de luzes e sombras, cores densas e magoadas, cenários sumptuosos que oprimem, e uma “encenação” (os franceses chamam-lhe “mise-en-scène” com muito rigor) que vai buscar influência ao teatro e o transporta com eficácia e rigor para a narrativa cinematográfica que, não descolando do estilo “wuxia”, não deixa de ser uma obra de grande beleza e severidade estética.
Conhecido internacionalmente como “The Banquet” esta obra de Xiaogang Feng, que conta com interpretações de Ziyi Zhang (excelente, e continua a ser uma das mais belas presenças do cinema asiático) e Daniel Wu, possui uma admirável fotografia que ajuda a criar esse clima poético de viciada decadência moral, sendo ainda o todo muito ajudado pela direcção artística e o guarda roupa de uma qualidade estética invulgar.
OS INIMIGOS DO IMPÉRIO
Título original: Ye Yan ou Banquet
Realizador: Feng Xiaogang (China, 2006); Argumento: Chiu-Tai An-Ping, Sheng Heyu; Música: Tan Dun; Fotografia (cor): Zhang Li; Director de cenas de acção: Yuen Woo Ping; Montagem: Miaomiao Liu; Direcção artística: Timmy Yip; Guarda-roupa: Timmy Yip; Coreografia: Wang Yuanyuan; Departamento de arte: Li Ji Qing; Som: Danrong Wang; Efeitos visuais: Phil Jones, Tracy Lefler, Persis Reynolds, Sarah Wormsbecher; Produção: John Chong, Zhonglei Wang, Woo-ping Yuen; Companhias de produção: Huayi Brothers & Taihe Film Investment Co.
Intérpretes: Ziyi Zhang (Imperatriz Wan), Daniel Wu (Principe Wu Luan), Xun Zhou (Qing Nu), You Ge (Imperador Li), Jingwu Ma (Ministro), Xiaoming Huang (Filho do Ministro), etc.
Duração: 131 minutos; Distribuição em Portugal: Vitória Filmes; Classificação etária: M/ 12 anos; Filmagens: Setembro de 2005 até Fevereiro de 2006, em Beijing, Montanhas de Altay, Xinjiang; "Mar de Bamboo", Zhejiang; Orçamento: 20 milhões de dólares.

Feng Xiaogang é um dos mais cotados realizadores chineses da actualidade. Nascido em Beijing, em 1958, Xiaogang é filho de um professor de um colégio do Partido Comunista e de uma enfermeira. A sua formação cinematográfica foi adquirida na televisão. Primeiro como assistente de produção, omo argumentista, como pintor de cenários num grupo teatral, etc. Em 1991 adaptou a televisão um romance popular sobre emigração chinesa nos EUA, de que resultou uma série de TV muito popular, "Beijingers in New York", estreada na China em 1992. Rapidamente surgiu o sucesso, e outras séries que estabelecem um novo género de teledramáticos na China "Hesui Pian (贺岁片)" ("New Year Celebration Movies"): “Dream Factory” (Jiafang yifang, 1997), “Be There or Be Square” (Bujian busan, 1998), “Sorry, Baby” (Meiwan meiliao, 1999) ou "A Sigh” (Yisheng tanxi, 2000). No cinema o seu reconhecimento dá-se com “Big Shot's Funeral”, “A Sigh” e, sobretudo, “Cell Phone”, afirmando um cineasta um pouco diferente de camaradas como Chen Kaige ou Zhang Yimou. Feng Xiaogang é casado com a actriz chinesa Xu Fan. Nos seus filmes Ge You é a sua actriz fetiche.

segunda-feira, junho 25, 2007

MURALHAS DE CACELA-A-VELHA

Recebi, via terceiros, um mail que julgo merecer ser do conhecimento público (tanto mais que dirijo em Portel um festival sobre castelos, "O Castelo em Imagens"). O texto de "Os Amigos dos Castelos" reza assim, e assim aqui fica, apesar de um pouco confuso e de não se perceber muito bem o que está a acontecer, como e porquê. Calculo que estejam a tentar destruir a muralha em nome de interesses particulares. Quem souber mais e melhor, é favor acrescentar dados. Mas a verdade é que o nosso património histórico e cultural não pode estar à mercê de um quaqluer interesse particular.

Caros Associados
Os Amigos dos Castelos tiveram informação, em Maio passado, de uma situação deveras preocupante sobre o nosso património monumental fortificado. Em causa está a manutenção física da muralha da cerca da vila de Cacela-a-Velha no concelho de Vila Real de St.º António. Esta é um importante vestígio da ocupação Islâmica de uma das mais emblemáticas localidades do Sotavento Algarvio. Acrescente-se que esta construção está inserida na área classificada de Cacela e, como tal, constitui um monumento classificado. A existência deste elemento é essencial para compreendermos, apreendermos e divulgarmos o nosso património histórico.
Os Amigos dos Castelos fizeram já várias diligências junto das entidades responsáveis, quer centrais (IGESPAR) quer locais (Câmara Municipal de Vila Real de Santo António) para tentar salvar a Muralha Islâmica da cerca do Povoado de Cacela. As últimas informações recebidas aumentam as nossas preocupações no que se refere às medidas que o IGESPAR tem que tomar para emendar erros cometidos por pessoas que estão identificadas, num processo que é pouco claro.
Não nos parece aceitável que a prática do facto consumado continue a ser uma solução considerada razoável. A Muralha está numa zona classificada e à face da lei não pode ser demolida. Não nos parece correcto manter como bom o argumento de que um despacho de uma entidade pública se possa sobrepor à lei e continuar a satisfazer os interesses dos promotores das obras novas com manifesto prejuízo do Interesse Público.
Temos sido prudentes e dialogantes porque as questões do Património são muito delicadas e devem ser resolvidas por consenso, mas este caso passa os limites. Gostaríamos que fosse encontrada uma solução razoável urgentemente. Pedimos a colaboração de todos os associados para uma intervenção rápida no sentido de impedir a destruição deste elemento. Se formos activos conseguiremos mobilizar as atenções e as vontades políticas. Contamos com a ajuda de todos! Com amizade
Francisco Sousa Lobo, Eng. (Presidente)

Associação Portuguesa dos Amigos dos Castelos
Rua Barros Queirós, 20, 2º 1100-077 Lisboa
t 218885381 f 218885342
www.amigosdoscastelos.org.pt
fsousalobo@amigosdoscastelos.org.pt

fotos retiradas, com a devida vénia, do blogue “Local & Blogal”, de António Baeta Oliveira

domingo, junho 24, 2007

MARIA DO CÉU GUERRA VAVA.DIANDO

VÁ.VÁ.DIANDO
7 º J A N T A R D A T E R T Ú L I A

27.06’07: 20H
R E S T A U R A N T E - C A F É V Á V Á

CONVIDADO ESPECIAL:
MARIA DO CÉU GUERRA
ACTRIZ

DEPOIS DE RAUL SOLNADO, FERNANDO DACOSTA, NUNO JÚDICE, TEOLINDA GERSÃO, IVA DELGADO e LIDIA JORGE CONTINUAM OS NOSSOS ENCONTROS, REATANDO UMA TRADIÇÃO DE TERTÚLIA DO CAFÉ-RESTAURANTE VÁVÁ.

MARIA DO CÉU GUERRA, ACTRIZ, UM DOS VULTOS DA CULTURA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA, ESTARÁ NO CENTRO DE MAIS UMA TERTÙLIA.

TODOS ESTÃO CONVIDADOS MEDIANTE O PAGAMENTO DE UMA SIMBÓLICA QUANTIA: 12,5 EUROS POR PESSOA.
COM DIREITO A SOPA, UM PRATO DO DIA, PEIXE OU CARNE, SOBREMESA, BEBIDA (VINHO É O DA CASA!) E CAFÉ. EXTRAS POR CONTA DO FREGUÊS.

RECUPEREM O BOM GOSTO DE UM SABOROSO JANTAR E DE UMA RECONFORTANTE CONVERSA À RODA DA MESA.
[ LOTAÇÃO LIMITADA A 45 CADEIRAS. ACEITAM-SE INSCRIÇÕES NO BALCÃO DO VÁVÁ. ]

Para informações e marcações de lugares:
LAURO ANTÓNIO / [ Blogue Va.Va.diando (http://vava-diando.blogspot.com/ ] [ mail: laproducine@gmail.com ]

RESTAURANTE - CAFÉ VÁVÁ
AV. EUA, Nº 100 - 1700-179 – LISBOA (TELF 21.7966761)
Agradecia a confirmação (por mail ou nos comments)
dos autores de blogues interessados.
Com brevidade: Há poucas vagas.

sábado, junho 23, 2007

DE REGRESSO

E assim foi. Chegámos. Ao aeroporto da Portela, em Lisboa. Com quatro horas de atraso sobre o horário previsto. Controladores aéreos em greve de zelo, no Rio, por todo o Brasil. O Rio contínua lindo… Goiás é terra mágica. Sabe sempre bem entrar em Terras de Vera Cruz por São Paulo. Vou dando notícias. Um abraço aos leitores/leitoras.

sexta-feira, junho 22, 2007

O CAFÉ COMO TERTÚLIA


O café, enquanto local, e não só chávena, e não só bebida, refere duas realidades, ambas de agradável evocação: a bica, que se toma, e a tertúlia de amigos com quem se fala, enquanto se bebe a primeira.
Muitos escritores têm relembrado, em saborosos textos, tertúlias célebres ao longo das décadas. Não vem ao caso historiar, mas Lisboa esteve bem provida destes locais de referência obrigatória, e não há certamente quem ignore o papel do Martinho da Arcada, da Brasileira do Chiado, do Nicola, do Café Gelo, do Monte Carlo, do Ribadouro, de tantos e tantos outros. Escritores e pintores deixaram marca num local, actores e encenadores eram habituais noutros, os cinéfilos reuniam-se sobretudo no antigo VáVá, mesas pegadas com cançonetistas e baladistas dos idos de 60, e, antes do 25 de Abril, políticos e "gente do reviralho", como então eram chamados os opositores ao regime, apareciam um pouco por todo o lado, acumulando funções na maioria dos casos.
Os cafés eram locais de encontro, logo depois do almoço, e antes de se entrar no trabalho, ou a seguir ao jantar, prolongando-se então a cavaqueira pela noite dentro, até que as portas do café fechassem, e muitas vezes até para lá do seu encerramento. Nunca antes das duas ou três da matina. Muitos artigos se escreveram, muitos romances e poemas se pensaram, muitos espectáculos se montaram, muitos filmes se idealizaram, muitos quadros adquiriram ali cores e formas, muitos governos cairam e muitos outros se formaram à mesa de um café de Lisboa, do Porto, de qualquer cidade do interior de Portugal.
Não havia ainda televisão em doses industriais, para agarrar audiências pelos processos mais singulares; não havia as drogas pesadas a influir negativamente nos horários dos donos dos cafés, que se querem ver livres de tão ingratos clientes, e fecham muito mais cedo; não havia a ameaça da violência urbana que apesar de tudo pesa sobre o comportamento de muita gente que prefere a segurança do lar à incerteza das ruas; nem havia, sobretudo, estes mercantis balcões de agora, onde as pessoas tomam apressadamente café, enquanto outras comem sofregamente uma sopa e pastelinhos de bacalhau, bifanas ou mesmo "pratinhos" de feijoada à transmontana, antes de regressarem ao seu balcão no centro comercial, ou ao escritório.
Dos meus tempos de Universidade, relembro cafés inesquecíveis. Desde logo, o bar da Faculdade de Letras, onde se estudava a vida, quando se faltava às aulas, para se discutir um filme, uma peça de teatro ou um livro, onde se tentava mudar o mundo à medida dos nossos sonhos, ou simplesmente se namorava uma colega, quando o tempo não estava de molde a poder-se sair com ela até ao verde do estádio universitário.
Depois, à tarde e à noite, estudavam-se as matérias, em mesas de outros cafés, por apontamentos emprestados por quem assistira ao verbo do Professor. Por mim, que morava então em casa de meus pais, na Av. EUA, os mais utilizados eram o Nova Iorque, hoje transformado em banco, e a Grãfina. Mas muitas noites as passava também entre o Monte Carlo e o Monumental, espreitando actores e actrizes com quem se procurava meter conversa, ou sendo lentamente prefilhado por tertúlias de escritores, jornalistas, pintores e excentricos avulso.
Pouco a pouco, fui subindo avenida acima, até ao VáVá, que então tinha bilhares e cave, e não era ainda metade banco e metade pastelaria. Ali se reunia o grupo de cinéfilos, que observava de longe, e o dos cantores, que ouvia na rádio e muito pouco na tv estatal. Com breves incursões pela Suprema, pela Sul-América e pelo Luanda, adoptei o Vává como segunda casa, ali fiz amizades e vi partir amigos, ali conheci amores e desamores, ali escrevi e li, ali pensei guiões e filmes, dali parti com equipas de filmagem para a serra da Estrela, para Sintra, para o Alentejo, ali filmei mesmo uma sequência de um deles, ali vi rodar alguns outros, ali me despedi do 24 e ali saudei o 25, há quem diga que ele é a minha sala de jantar (quanto muito seria a de almoçar, quando não está em obras), e o meu escritório.
O Vává foi mudando com os anos, deixando sempre saudades do velho Vává, de maples de cabedal castanho encostados às paredes, de luz difusa e discreta, de acolhedor conforto. Ali conheci o Manuel Guimarães, que seria meu padrinho de casamento e padrinho cinematográfico, cedendo-me umas bobines de película virgem do seu derradeiro "Cântico Final" para eu realizar uma das minhas primeiras curtas metragens; ali conheci melhor o Manuel de Azevedo, o Villas-Boas, o Rafael, o Pinto Bandeira, o Manuel Costa e Silva, o Sam, o Pedro Bandeira Freire, o João Maria Tudela, o Fernando Tordo, o Paulo de Carvalho, o Carlos Mendes, o Fernando Silva, o Mário Damas Nunes, a Acácia Thiele, o Camacho Costa; ali continuo a encontrar a Mary, a Isabel Lajinhas, a Manuela Pinheiro, o Fanan, o Mário, o Rangel, e tantos outros, alguns deles agora já acompanhados das respetivas e respectivos, com a prole a gatinhar por entre mesas e cadeiras, ganhando já, se calhar, o mesmo "vício" de ali se encontrarem no futuro; por ali passam também personagens bizonhas de tristes recordações, ali ficam suspensas memórias efémeras ou persistentes, ali se discute o presente do cinema, do xadrês, da televisão e da canção portuguêses, ali se dabate o futuro da TAP, ali se comentam, à segunda-feira, os "roubos" dos árbitros, invariavelmente a prejudicarem o Sporting e a beneficiarem quem se sabe, por lá passa ja feito homem o Frederico, que antigamente vinha do colégio, e aqui tomava a Cola e comia o bolo da praxe,e que agora volta para a sua casa, ali continuo a descer com a Eduarda para tomar o café, antes de ir para o cinema ou de regressar a casa, para um serão televisivo.
Os cafés de Lisboa tendem a desaparecer, e os que restam são já sombras de um passado que procuramos apesar de tudo manter vivo, contra a arremetida das leis inexoráveis do comércio, da cobiça dos bancos, do poder da televisão, da proliferação de bares e discotecas. São alias, os bares e as discotecas que, de certa forma, vieram a ocupar o lugar desempenhado pelos cafés, reunindo tertúlias de amigos, agora ao som da música de momento. Até esta tranferência é significativa da mudança dos tempos. Em lugar do café, bebe-se wishky ou vodka; em vez do esperguiçar do pensamento em redor da bica bem quente, gritam-se frases rápidas por entre dois compassos mais trepidantes. Nem melhor, nem pior.

Restam-nos, igualmente, as tertúlias recuperadas por tanto lado (como sabem também no Vává) e as novas tertúlias inventadas na blogosfera. "Tudo é feito de mudança", como dizia o poeta. "A nostalgia não é deste mundo", como explicava Signoret. E as bicas bem quentes continuam a incendiar a imaginação dos poetas.

MARIA DO CEU GUERRA

dia 27

no VÁVÁ.DIANDO

Não esquecer: a próxima tertúlia é dia 27 de Junho, jantar às 20,00, com Maria do Céu Guerra.

NOTA: Durante os últimos dias foram surgindo aqui textos que previamente deixei prontos para postar, mas eu andei por terras de Vera Cruz, pelo que não respondi a ninguém. A partir de dia 23 voltarei (se os aviões e as greves de controladores nos aeroportos brasileiros o permitiorem). Beijos e abraços, conforme os casos.

quarta-feira, junho 20, 2007

A MINHA LISBOA EM CINEMA


Aqui há uns anos atrás, o Manuel Costa e Silva organizou um livro, por altura de "Lisboa Capital Cultural da Europa" (1994), onde vários realizadores falavam da "sua" Lisboa, nos "seus" filmes. Agora que se preparam eleições para esta cidade magnífica, ultimamente tão maltratada, apetece-me recordar o meu depoimento de então:



LISBOA QUE EU JÁ FILMEI / LISBOA QUE EU NÃO FILMEI AINDA...


Sou lisboeta, nascido nesta cidade vai para cima de cinquenta anos. E, com a excepção de um intervalo de oito anos de adolescência, nunca deixei Lisboa. Nem mesmo quando viajo por fora, por metrópoles mais cosmopolitas e apetecíveis para muitos, nem mesmo nessas alturas Lisboa me sai do pensamento e do coração. Nestes casos, porém, sair é duplamente vantajoso: primeiro, porque se sai; a seguir, porque duas semanas depois já sabe bem voltar. Os poetas chamam a este sentimento a "saudade" tão portuguesa. Será?
Sei, isso sim, que Lisboa é uma cidade que gostaria de ter filmado muito mais do que o fiz até hoje, por cinscunstâncias várias, mas sobretudo porque não tenho muito jeito para pôr a andar projectos. Falta de talento, sei que não é, e a conclusão não encerra nenhuma valorização especial. Verifico apenas que outros, menos dotados, o conseguem. Donde... Mas também creio que nesta democracia de sucesso, o triunfo sorri aos que fazem pela vida. E que o sabem fazer.
Mas, apesar de tudo, Lisboa tem estado presente no meu cinema, logo desde o primeiro filme, uma curta metragem que entrelaçava o meu amor pelo cinema e por Lisboa: "Vamos ao Nimas", uma curta metragem de 1974, testemunhando o desaparecimento dos "cinemas de bairro", ou de "reprise", e homenageando-os ao mesmo tempo. Aí procurei visitar os poucos onde ainda se podia ouvir o doce ruído de um projector de cinema, e todos os outros que se haviam transfigurado já em bancos, armazéns, igrejas...
Mais tarde, em 1983, dirigi para a RTP, uma série de filmes em 16 milímetros, onde se encontra "Paisagem sem Barcos", sobre um belissimo e angustiante conto de Maria Judite de Carvalho. Para protagonista fui repescar Isabel Ruth, actriz de quem muito havia gostado em "Os Verdes Anos", e, através dela e das imagens de Lisboa, procurei retomar, vinte anos depois, as avenidas novas onde decorria o filme de Paulo Rocha. Mais uma homenagem cruzada, a Lisboa e a um filme que marcou uma geração...
"O Vestido Cor de Fogo", segundo José Régio, é uma notável novela que aprendi a amar, desde o tempo em que o escritor foi meu professor de português e francês, no liceu de Portalegre, e frequente visita de casa de meus pais. O subsídio que então tive para adaptar o filme, não deu para a necessária reconstituíção de época, mas dava para uma dupla adaptação: da novela a cinema, por um lado; de Portalegre, anos 40, para Lisboa, na actualidade. Sendo uma obra que eu procurei que fosse essencialmente de interiores, como intímos eram os conflitos, Lisboa não aparece muito, mas ainda assim surgem algumas sequências onde a cidade é cenário privilegiado, desde o Jardim Botânico ao Cais do Sodré, passando por Campo de Ourique.
Lisboa nunca deixou depois de estar presente, numa série como "A Paródia" (1986/7), num "Conto de Natal"(1988), numa outra série de poesia, "Cantando Espalharei..."(1989), todas para a RTP, mesmo num filme de publicidade que me deu um enorme prazer realizar; "Bocage- Café Nicola". Mas a Lisboa de inicíos do século XX poderia estar bem documentado num projecto abortado, "Florbela", ficcionando a vida de Florbela Espanca.
Curiosamente, sem que os espectadores o saibam, Lisboa está também na "Manhã Submersa" (1980), pois todos os interiores do seminário do Fundão foram rodados numa das velhas dependências da Casa Pia de Lisboa, ali para Xabregas, e mesmo um ou outro plano de exteriores é de Lisboa a fazer-se passar por província. O que dá razão a quem diz que o cinema é a arte de tornar verdade a mentira...
Também por altura de inícios da década de 80, principiei a rodagem de uma série para a RTP que procurava reunir e preservar alguns usos e costumes em risco de extinção na capital do reino. Chamara-lhe "Os Arquivos de Lisboa". Ainda filmei material para um episódio sobre "Os Quiosques" e outro sobre "A Feira Popular", mas entretanto o preto e branco caiu em desuso na RTP, o material nunca chegou a ser montado, a série ficou por aí...
E, já agora, na pré história da minha filmografia, situa-se um filme de cujas imagens tenho boas recordações e que falava de Lisboa, essa "Grande, Grande era a Cidade" que fui buscar a um fado de Amália. Mas, como de tudo o mais tenho péssimas recordações, o melhor é não desenterrar defuntos e deixar essa Lisboa apenas guardada na memória.
Lamento, no entanto, que Lisboa, senhora de motivos mais do que suficientes para apaixonar os cineastas portugueses, o não tenha logrado em larga escala até hoje. Não muitos foram os que conseguiram dar a luz da cidade, essa luz simultâneamente vigorosa e doce, que recorta as manchas de cor, mas as envolve com a suavidade de uma carícia; raros foram os que se deixaram embrenhar pelas ruas estreitas, becos e vielas de outrora e os restituiram na écran com a fidelidade necessária; e quem já deu de Lisboa essa multiplicidade de formas, de cores e de luz que se desbobra pelos diferentes degraus das suas sete colinas? Muito poucos. Por isso Lisboa merece mais e melhor atenção dos cineastas portugueses, apesar de muitos filmes nacionais (e também muitos estrangeiros, quem não recorda "A Cidade Branca", de Alain Tanner, para só citar um exemplo?) a terem escolhido por cenário.

Foto: Marek Sawicki

terça-feira, junho 19, 2007

CURIOSIDADES PESSOAIS


Andava à procura de textos antigos, e encontrei estas


RESPOSTAS A UM INQUÉRITO DA "TV GUIA"
sobre "Confidências"

Não tenho as perguntas, mas as respostas são suficientes.
Responderia hoje igual, passados treze anos.

-Se calhar, fui muito melhor comportado em miúdo, do que em graúdo. Por isso, não tenho grandes tropelias a contar desses tempos... Pelo menos que me recorde...

-Fui um jovem muito mais inquieto do que irrequieto. Continuo a parecer, e a ser, muito mais pacato por fora do que por dentro.

-Quando somos miúdos todos temos diminutivos divertidos que dão para nos gozarmos uns aos outros. Mas, nada de grave. De resto, gosto do nome que tenho. Mais a mais, tem-me dado muito trabalho a construí-lo e a mantê-lo.

-Criou-se a lenda de que em criança ia às cavalitas de meu pai ao cinema. Não é verdade. Ia ao colo. Quanto a saudades, tenho muito mais do colo do pai do que dos filmes dessa época. O colo, perdi-o para sempre. Os filmes, lá os vou revendo quando posso...

-Todos os primeiros amores deixam marcas. Todos os últimos amores deixam marcas. Todos os amores deixam marcas. Senão não eram amores.

-Gostava de ser o Joseph Von Sternberg de Marléne. Ainda pergunta porquê?

-Fiel ao Vává? Sim. Mas não fiel ao mesmo prato, porque gosto de variar. Nada pior do que a rotina. Por vezes aceito as sugestões do Zé Manel, do Costa ou do Quintas - eles já me conhecem bem!

-Gosto de cozinhar e gosto de estar na cozinha. Acho a cozinha extremamente excitante - pode ser criativa, sensual, repousante, imprevista. Não gosto é de lavar a louça. E dizem que eu sujo muita, quando me dá a veia culinária. Mas detestava ter de cozinhar todos os dias.

-Só acredito no poder afrodisíaco do próprio amor. Os condimentos não são necessários, quando se vive um grande amor.

-No amor, se sou "intensamente fogoso" ou "ternamente sedutor", não sou eu quem deve responder. É perguntar a quem de direito... Mas gostava de ser recordado como um misto de tudo isso.

-Gosto de inventar os meus próprios filmes. Levar para o cinema cenas de amor que se viveram pode ser interessante. Copiar as cenas de amor dos filmes, revela, além de tudo o mais, falta de imaginação. E não dá jeito nenhum.

-Sou leão de signo, além de leão de camisola. Deve ser por isso que me levam melhor com uma palavra de carinho, ou uma ternura no momento certo, do que com promessas de impérios. Já podem ter tentado o assédio sexual, mas sem resultado. Sou muito orgulhoso para permitir a promiscuidade entre os sentimentos e o capital ou o poder. Neste campo, nem compra, nem venda - só dádiva.

-Nunca usei aliança, porque me incomoda. Também não uso aneis de qualquer espécie. Pode dar a interpretação psicanalítica que quiser.

-Cada vez é mais dificil acontecerem "coisas estranhas". Já é tudo possível - basta ler os jornais.

-Os vícios privados estão para as virtudes públicas, como os vícios públicos para as virtudes privadas. O importante na vida é a coerência. Detesto a hipocrisia.

-Gosto de jogar pelo prazer do desafio e pelo prazer do convívio com amigos. Jogar na Bolsa não me dá gozo, e com o jeito que tenho para os negócios, ia á bancarrota pela certa.

-Quando estou doente, primeiro tomo os comprimidos todos que encontro. Se não passa a mazela, lá chamo os "anjos da noite" ou o "médico da família".

-Não sou homem para pantufas.

-Sonho sobretudo com os filmes que gostaria de fazer. E são tantos. E o tempo tão pouco.

-Gostava, acima de tudo, que o meu filho Frederico seguisse os seus próprios passos. Se os seus passos forem atrás dos meus, sentir-me-ei feliz. Quem procura transmitir uma paixão aos outros, tem de sentir-se feliz, se o consegue. Sobretudo a um filho. (22.Janeiro. 1994)

segunda-feira, junho 18, 2007

"AINDA HÁ PASTORES" GANHA GRANDE PRÉMIO NO FICA (BRASIL)

"AINDA HÁ PASTORES" TRIUNFA NO BRASIL

Depois de ter conquistado o Grande Prémio de Lusofonia em Seia, no Cine Eco 2006, "Ainda Há Pastores", de Jorge Pelicano, arrecadou já diversas distinções, mas nenhuma tão importante e significativo como o Grande Prémio do FICA (Festival Internacional de Cinema do Ambiente, de Goiás, Brasil), um dos mais cotados certames de cinema da América do Sul e resolutamente um dos mais cobiçados em termos de cinema ambiental (o prémio sobe até aos 50.000 reais, soma muito pouco comum em qualquer festival de cinema, algo como 20.000 euros!). Brevemente falarei mais detalhadamente do grande sucesso do cinema português no FICA (uma das mais altas recompesas conseguida por uma obra de cinema portuguesa em festivais internacionais). Para já fica a anotação. E um grande abraço para o Jorge Pelicano e o seu companheiro de jornada, o pastor Hermínio, que esteve com ele em Goiás. Ah estas brasileiras!

CINCO FILMES DO CORAÇÃO


Em Julho de 1993, a "TV Mais" perguntou-se quais os cinco filmes que me ocupavam o coração. Respondi então:

Cinco filmes do coração? O meu coração tem muitos mais, mas a título de exemplo de preferências pessoais, aqui seguem cinco "filmes do coração":
"O Mundo a Seus Pés", de Orson Welles, porque prova que o génio existe;
"Sentimento", de Luchino Visconti, fabulosa incursão melodramática pelos terrenos da História, do amor e da ópera;
"400 Golpes", de François Truffaut, uma referência à liberdade e espontaneidade dos sentimentos;
"Serenata à Chuva", de Gene Kelly e Stanley Donen, porque demonstra que a felicidade é possível;
"Manhã Submersa", porque fazer cinema pode ser um supremo prazer.






Ainda dizem que não sou fiel. Hoje em dia pouco mudaria, se é que algo mudava.

sábado, junho 16, 2007

OS 10 MELHORES DOCUMENTÁRIOS DE SEMPRE



Todas as listagens de preferências são algo arbitrárias e quase sempre injustas. Esta também o será, sobretudo num campo onde o conhecimento das obras não é tão amplo quanto seria desejável. Escolhi os meus "10 preferidos" tendo em conta obviamente preferências pessoais, passe a redundância, mas também o papel de cada um deles na história do cinema, como marcos representativos de épocas, escolas e correntes, sem me preocupar muito em saber se são curtas, médias ou longas metragens. Depois de dolorosos cortes, o remanescente aí vai, sem qualquer ordem de preferência:


NANOOK, O ESQUIMÓ, de Robert Flaherty (1922)
KINO-EYE, de Dziga Vertov (1924)
BERLIN, SINFONIA DE UMA CIDADE, de Walter Ruthman (1927)
LES HURDES, de Luis Buñuel (1932)
NIGHTMAIL, de Basil Wright (1936)
OLYMPIA, de Leni Riefenstahl (1936)
WHY WE FIGHT?, série dirigida por Frank Capra (1942)
NUIT ET BOUILLARD, de Alain Resnais (1955)
WE ARE THE LAMBERT BOYS, de Karel Reisz (1958)
LE CHAGRIN ET LA PITIÉ, de Marcel Ophuls (1970)
KOYAANISQATSY, de Godfrey Reggio (1983)

sexta-feira, junho 15, 2007

111 ANOS DE CINEMA


Em 1996, o cinema fazia 100 anos. Já passaram mais 11 sobre essa data.


Cem anos de cinema, cem anos de sombras invadindo salas escuras e dando corpo a sonhos e secretos desejos, cem anos de fantasmas, de irreais pesadelos, de visões e quimeras que se perseguem, cem anos de risos e sorrisos, de gargalhadas de crianças e de adultos que souberam perservar a inocência, cem anos de dramas e melodrama, de amores confessados, de rostos esquívos e corpos entrelaçados, cem anos de justiça e injustiça, de terror e de sangue, de guerras e horrores argamassados nos olhos de quem vê. Cem anos de imagens que apelam aos sentimentos, que pregam a solidariedade e a paz, ao lado de outros cem anos que invectivam e propagandeiam o ódio e a discórdia. Sempre no interior de salas escuras, rasgadas por um sulco de luz branca, ou multicolor, que leva consigo a mais fascinante torrente de criações da história da Humanidade. Cem anos de sons que corroboram as imagens ou delas se afastam, cem anos de música e de gritos, de sussurros e de lágrimas, de palavras ciciadas. Cem anos que mudaram o mundo.
Cem anos que viram nascer os tempos modernos de Charlot e a locomotiva de Buster Keaton, a pecaminosa inocênia de Marilyn, o inquietante mistério de Marléne ou a distante sensualidade de Greta Garbo, os olhos puros de Gary Cooper, a firmeza de John Wayne, a elegância de Fred Astaire e Gene Kelly dançando à chuva, cem anos atravessados pelas lianas de Johnny Weissmuller, me Tarzan, you Jane, o incêndio de Atlanta ao fundo, no vermelho do horizonte, com Clark Gable e Scarlet O'Hara jurando amor eterno, cem anos de Gabin e Stroheim, em A Grande Ilusão, de Renoir, cem anos de Roma, Cidade Aberta, de Ladrões de Bicicletas, da escadaria de Odessa, por onde desliza sem tino um carro de bébe, cem anos de Bogart e Bacall, de Tracy e Hepburn, de Godard e Anna Karina, de Fellini e de Gelsomina, do Anjo Azul de Sternberg, de Rossellini e Ingrid, viajando por Itália, da modernidade torrencial de Citizen Kane e de Gilda, a dama de Xanghai.
Cem anos de solidão acompanhados pelo abraço fraternal de Capra, de Mr. Deed e Mr. Smith, das Vinhas de Ira e da Stagecoach de Ford, de Rio Bravo de Hawks e dos Roaring Twenties de Walsh, da poesia de Prévert e Carné, dos corredores de Marienbad e dos Beijos Roubados, de uma cão andaluz numa idade de ouro que Buñuel imaginou, de um ET perdido entre nós, da Joana d' Arc, de Dreyer, da morte jogando xadrês numa paisagem de Bergman, dos samurais de Kurosawa e da Lua Vaga de Mizoguchi, de Ozu e Oshima, da India de Satyajit Ray e do António das Mortes de Glauber Rocha. Play it again, Sam, em 2001. Uma janela indiscreta sobre um deserto vermelho, com Metropolis e Manhattan ao fundo.
Cem anos de zero em comportamento, de dentadinhas de Drácula e das puras flores de Franskenstein, de Nosferatu e do médico e do monstro, do fantasma da Ópera e de Elm Street, cem anos de esplendores na relva e de fúrias de viver, de Kazan e Marlon Brando, de Ray e James Dean, de one from the heart de Coppola, cem anos de recordações, de memórias, de visões que enchem de vida a vida. Cem anos de Freaks e de O Falcão de malta, de Laura, de Sentimento e de Johnny Guitar, cem anos que fizeram a felicidade de milhões em milhares de salas um pouco por todo o lado. Cem anos de Lumiére e Méliès, de Edison e David Griffith, cem anos também falados em português, A Canção de Lisboa e Aniki Bóbó. Cem anos de cinema e de magia, cem anos de uma nova liturgia de esperança que, apesar de tudo, ou por causa de tudo, mereceram a pena ser vividos. No interior de uma sala escura, caverna de Platão dos nossos dias, onde se transfigura a imagem e se reinventam milagres a cada nova volta de manivela. Cem anos de cinema, cem anos de futuro à nossa frente...

quinta-feira, junho 14, 2007

TEMPO DE LICEU EM PORTALEGRE


Isto de andar a vasculhar "nas arcas" (agora é nos arquivos dos PCs) é o que dá. Aparecem sempre coisas que achamos interessantes. Por exemplo, um entrevista concedida ao jornal da Escola Secundária Mouzinho da Silveira, de Portalegre, onde fiz os primeiros anos de Liceu, em finais da década de 50. Quase quarenta anos depois faziam-me a entrevista e eu respondi assim:

1. Conhece a Escola Secundária Mouzinho da Silveira como ela é actualmente? O que mudou?
- Conheço-a mal. Apenas lá estive, creio que por duas vezes, para colóquios com professores e alunos, o que não deu para ter uma ideia completa da Escola, mas, mesmo assim, posso dizer que mudou muita coisa, a começar desde logo pelo edifício. Eu ainda andei no velho liceu que ficava defronte do antigo mercado, edificio onde hoje é, segundo julgo, a Escola Superior de Educação. As mudanças são profundas, já lá vão mais de 35 anos desde que deixei Portalegre. Espero, isso sim, que o que mudou tenha sido para melhor.
2. Em que é que esta escola o influênciou?
- Creio que não foi só a Escola que me marcou para todo o sempre, mas o Alentejo, e particularmente Portalegre. Vivi nesta cidade entre os meus 7 e 15 anos, uma época muito importante na definição da personalidade de qualquer pessoa. Depois, o que mais me marcou na escola, foi o factor humano, os professores que tive, entre os quais é óbvio que tenho de destacar José Régio, mas também muitos outros, que, de uma maneira ou de outra, positiva ou negativamente, me ajudaram a definir como pessoa, nos meus gostos e apetências. O que veio a conjugar-se com o lado familiar, essencial também, como se deve calcular.
3. Como é que relembra a escola?
- Um casarão enorme, que hoje sei não ser assim tão enorme, para onde se ia diariamente com um misto de prazer e de terror. Muita coisa, boa e má, por lá se passou, das amizades aos primeiros amores, das torturas provocadas por certos professores aos ensinamentos que outros nos ofereciam com generosidade. O recreio, que ficava lá para trás, era o momento de relaxe por que se ansiava...
4. Qual a sua recordação mais querida?
- Lamento dizer, ou talvez não o lamente, que as melhores recordações do liceu foram os primeiros amores. Duas ou três raparigas por quem me fui sucessivamente apaixonando, uma delas que a meio do curso deixou Portalegre e me ia destruindo de dor. Devia ter para aí 14 anos, mas esses namoriscos de meninice são fatais. A descoberta do amor ficará em mim para sempre ligada áquela velha casa. Não há recordação mais querida, como se deve calcular.
5. Como era a relação professor / aluno?
- Falo dos anos 50, precisamente entre 1950 e 1958, e, nessa altura, como hoje, havia de tudo, professores que eram companheiros mais velhos e mais sabedores, e carrascos que faziam valer o seu poder para literalmente aterrorizarem quem lhe passava por perto. E havia ainda uma massa de professores e alunos mais ou menos indiferentes, que não recordo, nem pela positiva, nem pela negativa. Mas, apesar de tudo, o balanço é favorável.
6. E a relação aluno /escola?
- A escola, por aquele tempo, era "o sítio onde se ia ter aulas". E ter aulas, por aquele tempo, não era algo que a escola transformasse numa actividade excitante. Dependia radicalmente dos professores, do seu saber e da sua generosidade. Ou da ausência de tudo isso. Gostava que hoje a escola fosse um local para onde os alunos fossem com vontade de irem aprender, conviver com os colegas e ouvir os amigos mais velhos ensinarem-lhes coisas importantes para a sua vida. Mas será que já mudou tanto? Essa, de Portalegre, e todas as outras, em Portugal?
7. Conte-nos algo que se tenha passado na escola, que o tenha marcado?
- Um sinistro interrogatório, verdadeiramene inquisitorial, que um professor de moral um dia me fez, depois de me fechar à chave numa sala de aula. É uma recordação que ainda hoje não esqueço, e que um dia, anos mais tarde, revi num filme de Fellini, creio que em Amarcord. Nesse dia aprendi o que era o terror.
8. Quando concluiu o liceu, o que sentiu?
- Primeiramente, alívio. Anos depois, algumas saudades do que de bom por lá fui vivendo. Mas acabei o liceu, já em Lisboa, no Pedro Nunes. Em Portalegre, no Mouzinho da Silveira, andei até concluir o 4º ano. Já fiz o 5º ano em Lisboa, no Gil Viente, e o 6º e o 7º, no Pedro Nunes. Mas o alívio tinha apenas a ver com uma étapa já ultrapassada. Do Pedro Nunes transitei depois para a Faculdade de Letras de Lisboa, onde fiz o Curso de História, e na Faculdade senti já o sabor da liberdade e o gosto de aprender matérias e conceitos que escolhera e de que gostava.
9. Gostaria de rever algo ou alguém do tempo em que esteve na Escola Secundária Mouzinho da Silveira? Quem ? O quê?
- Tanta gente, a começar pelo meu pai (agora também a minha mãe), e pelos tempos que com ele vivi em Portalegre - acompanhei-o tantas vezes, quando ele ia de cavalete e tintas, pintar para o campo -, continuando por tantos amigos, e tantas coisas que me deram um real prazer em passar esses anos da minha vida em Portalegre. Os jornais, A Rabeca e o Distrito, onde comecei a rabiscar uns escritos e a compô-los em chumbo, sob os olhares amigos do Sr. Casaca e do cónego Anacleto, os filmes vistos no velho Teatro Portalegrense e no Cine Parque, a inauguração do Crisfal, as idas ao futebol, torcer pelo Portalegrense e pelo Estrela (eu torcia por Portalegre), os passeios pelos arredores, as festas populares, nas capelinhas que havia à volta da cidade e em São Mamede, o Café Alentejano e o Central, onde ia tantas vezes com os meus pais, os passeios pelas alamedas que partiam do Platana até lá cima, o jardim da Corredora e os versos de José Duro, os bailes na Casa Amarela, a Páscoa na Sé e a visita pascal anunciada por um sininho que descia a rua de Elvas, a casa de José Régio, que visitava com regularidade com os meus pais, enfim tanta coisa... tanta gente e tanta coisa que afinal revejo na memória agora mesmo, enquanto estou a escrever estas linhas.
10. Gostaria de transmitir alguma mensagem aos alunos da actual Escola Secundária Mouzinho da Silveira?
- Ajudem a preparar uma escola melhor para vocês e para os vossos filhos. Uma escola é um edifício, mas é sobretudo um encontro de pessoas, uma comunhão de vidas, onde alunos e professores aprendem uns com os outros a viver melhor. Serão os alunos e os professores que obrigarão os Ministérios da Educação a governarem melhor. Agora e no futuro. Por isso, coragem! A escola precisa de ti, não és só tu que precisas dela. (25 de Maio 1995).

POLITICAMENTE INCORRECTO

Saí de casa pela manhãzinha e logo ao pôr o pé no passeio dou de caras com um anúncio de todo o tamanho a informar: “Atenção! Andar na rua Mata!”, especificando mais abaixo, em letra miudinha, que “respirar é um perigo, dada a fortíssima poluição ambiente, e atravessar a rua pode matar, pela alarmante frequência de condutores assassinos”, continuando a lista de hipóteses fatais por aí fora. Desisti de ler até ao fim. As letras apareciam a negro, debruadas por uma discreta moldura, muito simples e enxuta, toda negra.
Confesso que hesitei antes de dar um passo na rua, mas tinha de ir ao supermercado, fazer compras inadiáveis. Atravessei a rua e sobrevivi. Assassino ao volante não fora desta que se cruzara comigo, mas sentia a garganta apertada pelo peso da poluição. Uma caravana de carros a alta velocidade, precedida e fechada por batedores da GNR, ia-me apanhando desprevenido, mas ainda consegui ver na porta de um dos carros um novo anúncio que me era obviamente destinado: ”!Atenção! Ministros a alta velocidade Matam!”.
Já do outro lado da rua, entrei no quiosque que frequento todos os dias e ao longo de todas as estantes, escaparates e palanques, anúncios idênticos, com letras negras, ocupando metade de cada artigo: “Atenção! os jornais mentem, manipulam, desvirtuam a verdade, são tendenciosos, um ou outro até diz mal do governo!”, e assim por diante, terminando: “Se comprar, não leia; se ler, tenha cuidado, pode Matar!” Ao lado, as caixas de fósforos e isqueiros mal se viam : “Atenção! Fósforos, isqueiros, detonadores, granadas da guerra das colónias, barris de pólvora, bidões de gasolina ou petróleo, etc. causam incêndios! Proteja-se a si e ao próximo.” As cassetes e os DVDs com filmes não escapavam: “Atenção! Ver muitos filmes na TV causa cegueira!” Quanto aos livros: “Atenção: Poupe a sua vista, não leia!.”
Na secção das pastilhas, rebuçados e brinquedos para crianças, o anúncio não era mais tranquilizante: “Atenção com quem compra: pastilhas, rebuçados e brinquedos e produtos afins podem causar actos de pedofília.” E, em letras pequeninas, continuava: “Se lhe quiserem oferecer algum destes produtos recuse. Atrás de um rebuçado ou pastilha elástica há um pedófilo.” (entre parentesis dizia-se: “Cuidado! Se leu isto pode cegar!”).
Recuei, preocupado e esbarrei num senhor de meia idade que ia a passar. Pedi desculpa pelo encontrão, mas o cavalheiro colocou o dedo indicador junto ao nariz e exigiu silêncio. Encolhi os ombros. Ele virou-me as costas, de forma desabrida, mas, colado na sua pasta de couro negro, lia-se um anúncio em letras bem grandes: “Atenção! Não fales com desconhecidos!” (em letras mais pequeninas, em rodapé, acrescentavam: “Também não é conveniente falar com o pai, o tio, o padrinho, a mãe, a tia, a madrinha, e todos os que te ofereçam rebuçados, pastilhas elásticas, brinquedos ou 50 mil reis” Em letras mínimas, daquelas que dão direito directo à cegueira instantânea, também se lia: “Não fales com a Catherine Deneuve!” Estranhei.
Entrei no supermercado e foi uma sensação de horror que me invadiu. Um cemitério, ou a página de anúncios da necrologia de um jornal da província bem interior, não seria mais aterrador: “Atenção!” “A Carne de Vaca Mata!” (olha as vacas loucas!), “A Carne de Porco Mata!” (olha a triquinose!), “A Carne de Frango Mata” (olha os nitrofuranos!), “O Peixe Mata!” (atenção ao mercúrio!), “Os Vegetais Matam!”, “O Vinho Mata!”, “A Cola Cola Mata!” (caganitas de rata na tampa, não perdoam!), “O Café Mata”, “O Açúcar causa a Diabetes e Mata!”, “O Sal Mata!” quando usado sem Conta, Peso e Medida”, mas “A Conta Mata!”, “O Peso Mata!”, “A Medida Mata!”. “Comer Mata!”, informa o Governo, “Não Comer Mata!,” divulga a Oposição.
Preparei-me para sair do supermercado, num silêncio tumular, sem nada comprar. Na caixa registadora, uma loira gira alentou-me a alma, antes de ver, preso na mini saia, o fatídico “O Sexo Mata!” (e lá vinha por baixo a lista de doenças, venéreas ou não, a começar pela SIDA!). Desviei o olhar... Mas, não resisti, e voltei a procurar os belos olhos da garota. Reparei então que, por cima da caixa registadora, um placard bem visível não deixava margem para dúvidas: “Não lhe dissemos já que fornicar Mata!?” (“além de ser pecado”, percebia-se em letras mais miudinhas). Paciência, pensei. Ainda aparecem por aí as quatro (4) santas mulheres de Bragança, com mais um abaixo assinado. Não é que tenha medo de morrer de apoplexia enterrado num corpo daqueles, mas as 4 (quatro) mulheres de Bragança é que não, por favor, livrai-me das mulheres de Bragança! Não há um anúncio a avisar: “Cuidado! As 4 Mulheres de Bragança Matam pelo Ridículo!” ? Não há?
Emigrar? Na agência de viagens, eram mais os anúncios da tarja preta, do que as indicações dos destinos turísticos: “Andar de Avião Mata!”, “Andar de Comboio Mata!”, “Andar de Barco Mata!”, “Andar de Carro Mata!”, “Atravessar Pontes em Portugal, Mata!”, “Passar por baixo de Viadutos, Mata!”, “Estar Parado Mata!”...
Que fazer? À saída da agência de viagens, um enorme cartaz colado na parede dava alguma esperança. Afinal nem tudo é mau. O rosto de George Bush, com a mão na nossa direcção e o dedo indicador apontando para mim, gritava-me: “Vive a Vida! Inscreve-te na GNR e viaja até ao Iraque!” Em segundo plano, em contraluz, percebia-se a silhueta de Durão Barroso.
Regressei a casa, sem nada ter comprado, nem sequer o maço de tabaco que também pretendia adquirir. Apenas me restava um cigarro, contei. Entrei no elevador, mas atras de mim, precipitadamente, entrou um indivíduo que nunca tinha visto antes e que, mal a porta correu, e nos encontrámos fechados no estreito cubículo, puxou de um revólver, e gritou: “A Bolsa ou a Vida!”. Os tempos são rigorosos, e a bolsa está vazia. Foi o que lhe fiz ver, esvaziando os bolsos. Apenas sobrava um cigarro no maço amarfanhado. Agarrou nele, acendeu-o, tocou no botão de parar, saiu do elevador, e deixou-me seguir caminho até ao oitavo andar. Entrei em casa, ainda sobressaltado e pensei: “Um cigarro salvou-me a vida!”.

quarta-feira, junho 13, 2007

UM CONTO COM UM CIGARRO NOS LÁBIOS



Aqui há anos ainda fumava e escrevi um conto. Há quatro anos deixei de fumar, cigarrilhas e charutos (já não fumava há muito cigarros). Não fiz nem promessa nem sacrifício. Simplesmente dexou de me apetecer fumar. Deixou de me dar prazer. Parei, obviamente, e ainda bem.

Mas a cruzada anti-tabagista, continua, a um ritmo cada vez mais demêncial, entrando nos terrenos da verdadeira loucura. Agora, os filmes americanos onde apareçam fumadores são classificados para "adultos", segundo a nova legislação do "novo Código Hayes". Matar, assassinar, violar, morrer de overdose, traficar, manipular, ir para o Iraque ou o Afeganistão metralhar, prostituir e etc, passa para maiores de 12 anos. Fumar é para adultos. Em Portugal ia-se fazendo algo parecido: fumar incorria em penas mais graves do que injectar-se. Preferivel mesmo vender droga, está visto.

Haja tento na cabeça.

Em homenagem aos tempos em que se fumava no cinema, aqui fica um conto inédito, escrito há mais de oito anos.




O SENHOR Y
O telemóvel tocou e ele estremeceu. Apressou-se a carregar na tecla Yes para que a leve campainha – que ele tivera o cuidado de previamente colocar no mínimo de volume – não fosse ouvida ao longo da casa.
- Esta?
- Sim, senhor...Y?
- Sou. Y ao telefone..
- Consegui o que queria. Posso passar agora por sua casa?
O aludido senhor Y olhou à sua volta e apurou o ouvido. Na cozinha ouvia-se a mulher a acabar os preparativos para o jantar. No quarto, o filho jogava vídeo games no computador. A velha mãe dormitava no sofá da sala.
- Acho que sim. Quanto tempo demora a chegar?
- Daqui a dez minutos estou aí.
- Espero por si à porta de casa. Eu desço...
- Ok, senhor Y...
E a chamada caiu.
O escritório estava em completo desalinho, contrastando com a rigorosa arrumação de todo o resto da casa. O senhor Y tinha à sua frente o computador onde passava o dia escrevendo, e que reunia o scanner, o fax, o vídeo telefone, o net meeting versão 2.003, a mais moderna versão aparecida no mercado. A anterior, do ano passado, era já completissima, mas a nova tornara obsoleta a placa de teclado. Todas as ordens podiam agora ser transmitidas oralmente. A última descoberta de Bill Gtes que assim mantinha e consolidava o seu império informático.
O senhor Y vestiu o casaco. Apesar de estarmos ainda em Setembro, àquela hora do dia, com o sol a descer já no horizonte, devia fazer algum fresco, pensou. O casaco era leve, beje. Y fechou atras de sai porta do escritório e dirigiu-se ao quarto do velho. Espreitou à porta.
- Pai, já consegui chegar ao nível 5...
- Vais ver que consegues. Tu és barra nisso...
Passou pela porta da sala: a mãe ressonava brandamente. Na cozinha, a mulher lutava com tachos e panelas, e cheirava a cozido à portuguesa.
- Vais sair?
- Vou lá baixo comprar... hesitou...Vou lá baixo apanhar um pouco de ar...
- O jantar está quase pronto... Vê lá não te demores...
- Cinco minutos... (olhou o relógio). Cinco minutos e estou de regresso....
Ela olhou para ele desconfiada:
- Que vais fazer?
- Apanhar um pouco de ar, já disse...
- Mesmo?... Vê lá o que fazes... Sentes-te bem?
- Sim, nada de especial... Apenas vontade de dar um passeio e apanhar ar puro na cara...
Y olhou e relógio e partiu. Apressado. Chamou o elevador, aguardou impaciente a descida dos doze andares, pautados pelos sons metalizados das passagens por cada patamar, passou os dedos pelos lábios. Estavam secos. Nervosismo certamente. Há dois dias que Y esperava este momento. Os contactos com o fornecedor estavam a ser cada vez mais difíceis. E mais raros. Tempos houve em que era fácil armazenar o suficiente para todo um mês. Mas agora tudo piorara de forma drástica. As campanhas na televisão tinham sido agressivas. O apelo aos familiares para denunciarem quem prevaricasse, em nome da defesa do ambiente, da saúde pública e mesmo da longevidade dos entes queridos, deu os seus resultados. Y sentia-se cada vez mais culpado, mas aos cinquenta e sete anos era difícil mudar. E não compreendia mesmo a histeria. De inicio brincara com a perseguição. Aceitara de bom grado algumas restrições: afinal a sua liberdade acabava quando começava a liberdade dos outros. Mas depois, lentamente, o clima de perseguição sistemática adensou-se. Começou a dizer que era o fascismo quotidiano, mas ninguém aparentemente o levava a sério. Os amigos iam cada vez mais furtando-se às conversas sobre o tema. Todos pareciam aceitar a proibição em nome do bem público. Mas Y sabia que alguns deles continuavam a ser abastecido pelo mesmo fornecedor.
Y estava já na rua há algum tempo, sem que ninguém aparecesse. Por debaixo do seu prédio havia uma floresta de colunas que lhe permitia esperar sem ser visto. Encostado a uma das colunatas, procurou sobretudo não dar nas vistas. Olhou para as varandas dos prédios que rodeavam a praceta. No nono andar do prédio em frente, vislumbrou uma fugaz chama. Um fósforo aceso? Um isqueiro? Tudo o que conseguia distinguir depois era um vulto de homem (ou seria mulher?) de costas para a rua. As luzes dessa varanda estavam apagadas, apenas penumbra e um vulto imóvel. Era o nono direito, pensou. Quem o habitaria? Pensava nisso quando sentiu um toque nas costas. Alguém lhe passou para as mãos um pequeno embrulho envolto num jornal dobrado em dois. Y levou a mão ao bolso, tirou um envelope e passou-o ao estranho que prosseguiu o seu caminho. Y encaminhou-se rapidamente para a porta do prédio. O elevador ainda se encontrava no rés-do-chão. Entrou, subiu, abriu a porta de casa, atravessou o corredor, ouviu a mulher gritar:
- O jantar está a arrefecer...
Dirigiu-se ao escritório, fechou a porta atrás de si, abriu uma gaveta da secretária, desdobrou o jornal, retirou o pequeno pacote. A curiosidade foi mais forte: que marca seria? Rasgou o papel que envolvia o volume. O filho abriu a porta do escritório e disse:
- Pai, a mãe chamou para jantar... Não vens?
Os olhos do filho centraram-se no pequeno volume que o pai tinha nas mãos. Y olhou o filho, segui-lhe o olhar, voltar a olhar os olhos do filho. Por instantes, ambos aguentaram esse olhar fixo. Depois o filho fechou a porta, Y fechou a gaveta da secretária, e foi jantar. À mesa ninguém abordou o assunto. Era cozido à portuguesa, e estava como sempre: delicioso. Mal acabou o jantar, Y foi ao escritório, regressou, passou pela sala onde todos viam televisão, e disse:
- Vou ao café...
A mulher e o filho entreolharam-se e não disseram nada, a mãe já voltara a cair no sono. Ressonava mesmo. Y saiu apressado. Mal a porta da rua se fechou, o filho levantou-se do sofá onde se encontrava sentado com a mãe e dirigiu-se ao hall. Ouviu o elevador descer. Pelo pequeno controlador de entrada, viu o pai sair do elevador no rés-do-chão e sair do prédio. Já de volta à sala, olhou a mãe, pegou no telefone e marcou o número das urgências do serviço de saúde e de apoio ao cidadão.
- Sim. Era para participar uma grave ocorrência. Um cidadão põe em causa o ambiente e arrisca mesmo a sua saúde... Sim, neste momento... Nas traseiras do edifício “Jardins do Éden”... Sim!...
E desligou.
Y passeava nas traseiras de sua casa, olhando em redor. Ninguém. A onda de violência que assolara a cidade impedia os habitantes de sair à noite. Poucos se afoitavam. Depois, os mais de duzentos canais de televisão disponíveis por cabo, tinham sempre algo de muito sedutor a oferecer ao público. O último grande sucesso de audiências era um concurso, com o sugestivo título de ”Apaga o Cigarro!” Os concorrentes perseguiam fumadores inveterados e “apagar o cigarro” era a finalidade. Cada fumador abatido valia mil pontos e a possibilidade de passar uma semana de verão na “Ilha Virtual” com todos os prazeres do mundo à descrição. O segredo era conseguir o “Capacete de Ouro”. Quem o lograva através do programa dispunha dele durante uma “semana de sonho”, “onde tudo lhe é permitido”. O concurso não tinha horário fixo, podia surgir a qualquer momento, em directo, e com o apoio dos Ministérios do Ambiente e da Tecnologia.
Y sabia o risco que corria, mas acendeu o cigarro.
Um holofote cruzou a noite e incidiu sobre Y. Dois policias vestidos de azul marinho, e de viseiras negras, abriram fogo. Y sentiu que as costas ficavam subitamente geladas, atravessadas por uma dor extrema, e caiu de bruços no chão. O cigarro saltou-lhe da boca. Y teve ainda forças para agarrar nele, levá-lo à boca e dar uma última fumaça. Olhou para as traseiras do décimo segundo andar do edifício “Jardins do Éden” mas não estava ninguém à janela. “Será que estão a ver o “Apaga o Cigarro!”, pensou ainda, numa altura em que sentiu a pesada bota de um dos agentes da ordem pisar o cigarro que tinha entre os dedos. O esmigalhar dos ossos já não o incomodou excessivamente, mas imaginou que a cena seria dada em “pormenor” pelo realizador destacado no canal de televisão de serviço público. O seu derradeiro pensamento, expressou-se em forma de dúvida: “Quem teria nessa noite direito ao “Capacete de Ouro”?

segunda-feira, junho 11, 2007

A CONSTRUÇÃO DO OLHAR, II

Muitas são as formas de olhar e de ver. É conveniente estabelecer desde já uma distinção entre olhar (que pode ser uma forma passiva de assistir a algo) e ver (que pressupõe uma vontade). Pode olhar-se uma paisagem, pode ver-se a mesma paisagem. Pode olhar-se distraidamente para uma paisagem, pode ver-se com atenção a mesma paisagem. Olhar implica somente o sentido da visão (o sujeito desse olhar assiste passivamente). Ver corresponde a um outro nível de comprometimento pessoal. A distinção que vai da recepção de uma sensação à da recolha de uma percepção.
Quando se olha para um quadro, percebe-se o que ele representa. Mas o olhar pode ficar simplesmente pela superfície. Ver representa um acto de vontade, que tende a aprofundar o que se olha. Todos se devem recordar de uma foto célebre - considerada recentemente um dos melhores instantâneos do século que passou - e que se refere à Guerra do Vietname (2). Uma jovem vietnamita corre nua por uma estrada, rodeada por outros miúdos e alguns soldados norte americanos. Ao fundo um céu ameaçador, com o fumo das explosões de napalm a envolver tudo. Olha-se essa imagem e retemos estas informações. Mas se virmos com mais atenção todo o dramatismo da situação ressalta. O rosto da rapariga relembra um quadro de Munk, o pintor expressionista que conseguiu aprisionar numa tela um "grito" perfeitamente audível pelo espectador. A figura desamparada - nua - aparece numa total fragilidade perante a brutalidade de tudo o que a rodeia, simbolizado de forma evidente pelo clima de guerra. O sofrimento das crianças, contrasta com a indiferença de um soldado que acende um cigarro e com as nuvens. Trata-se de um instantâneo de reportagem. Não há encenação "artística" prévia. A encenação existe, mas é a que a própria realidade dos factos impôs. Não há também trabalho de enquadramento especial por parte do fotógrafo. Há apenas o resultado da captação de um momento de vida.
Mais adiante atentemos numa fotografia de publicidade. Qualquer fotografia ou filme de publicidade é um exemplo excelente para se perceber o trabalho que pré-existe: toda a obra publicitária pretende deliberadamente manipular o espectador e levá-lo a ter uma reacção determinada - normalmente adquirir o produto a que se faz menção. Por isso nada é deixado ao acaso. Tudo é previamente planificado, pensado, experimentado. Todos os efeitos causados no espectador devem ser previstos - não se pode correr o risco de fabricar um fotografia ou um filme de resultados contraproducentes. Numa imagem publicitária tudo deve ter um sentido, uma orientação precisa.
Começa-se por saber quem é o público alvo. Estuda-se depois a forma de cativar esse público. E estrutura-se a imagem tendo por base essas premissas. O espectador desprevenido olha, e deixa a mensagem funcionar no seu subconsciente. O espectador atento procura ver o que está a sua frente, e reagir de forma consciente.
Para o conseguir terá de adestrar o olhar. Este adestramento do olhar devia começar a ser feito na escola. Tal como se aprende a ler, deveria aprender-se a olhar. Toda a comunicação se faz através de signos, símbolos. A leitura todos aceitam que se ensine nas escolas. Ninguém nasce a saber ler. Ninguém nasce a saber falar. Ninguém nasce a saber ver. Falar pode aprender-se com a experiência. A criança à força de ouvir a mãe e o pai disseram "mãe" e "pai" associa o som à imagem e tenta reproduzir o som. Aprende a falar, como aprende a andar. É uma aprendizagem rudimentar da utilização dos símbolos. Em lugar da mãe, a criança diz "mãe". A palavra substitui o objecto. O mesmo se passa na escrita. A criança aprende a utilizar segundo regras pré estabelecidas as letras, as palavras, as frases. É a aprendizagem da escrita. O mesmo se deveria passar com o olhar. A sua utilização eficaz deveria ser aprendida na escola. O que acontece é que a aprendizagem faz-se no dia a dia, de forma empírica.
A criança começa a consumir imagens logo que abre os olhos. Antes de associar o som da palavra "pai" á presença da personagem do pai, a criança já sabe, porque vê, que aquela figura que está à sua frente todos os dias é o pai (mesmo que não saiba ainda o que significa pai). Depois, sentada em frente ao écran da televisão vai lentamente descodificando códigos. Haverá uma altura em que, sem o saber de forma consciente, sabe o que significa uma fusão. Quando uma cena de um filme fecha a negro, o espectador percebe que a que lhe sucede dista da anterior algum tempo. Sem saber o que é uma fusão, percebe a função da fusão. Empiricamente vai aceitando os códigos. Não os sabe porém por em causa, porque não conscencializa essa função. Não existe possibilidade de crítica.


A publicidade de forma evidente e deliberada joga com esse desconhecimento. Os políticos, os jornalistas, os artistas, os vendilhões do templo jogam com essa falta de preparação. Os artistas utilizam-na para criar um mundo fantástico e maravilhoso, manipulam em nome de uma nova realidade criada por eles. São os que têm alguma justificação ética para o fazerem. À partida não enganam. Ficcionam. Inventam. Re-criam. O público sabe ao que vai, quando vai ver Matrix, Tudo Sobre a Minha Mãe, Magnólia ou O Sabor da Cereja. Toda a obra de arte é uma manipulação que se aceita enquanto tal.
O público vai ao cinema para ser manipulado. O grande filme é uma sábia conjugação das imagens e dos sons que tende para isso mesmo, para criar a emoção, para acordar as consciências, para apontar erros, para mobilizar o público. Há também filmes, a sua grande maioria, que manipulam em função de outros valores- o lucro fácil, a ideologia que se procura vulgarizar, o apelo aos mais baixos instintos do Homem. Educar o olhar, ensinar a ver, é essencial para distinguir a verdadeira obra de arte, ou o simples e honesto divertimento, da obra de fácil, ou subtil, sedução mal intencionada.
Com a televisão passa-se o mesmo, agravado pela desenfreada corrida às audiências. Utilizam-se muitas vezes técnicas só aceitáveis na ficção, na reportagem, no documentário, agora nos "reality shows" ou nos concursos. O espectador necessita de estar atento, de saber ver, para ultrapassar as ciladas. As novas tecnologias agravam as possibilidades de mistificação. As imagens digitais permitem criar universos virtuais com a mesma força persuasiva dos reais. "Gladiador", de Ridley Scott, é fabuloso a reconstituir Roma antiga e nunca viramos o Coliseu com a força majestática com que esta obra nos apresenta. Mas se é possível reconstituir Roma antiga, também se podem forjar documentos ou anular outros. Toda o público sabe, quando vai ver "Gladiador", que se encontra perante um obra de ficção. Mas, quantos saberão, olhando para uma foto dos anos 40, "retocada" anos depois, que ao lado de Lenine e Estaline se encontrava Trotski, entretanto anulado por razões de Estado?
O olhar educa-se, constrói-se. Protesta-se por a juventude consumir apenas produtos de fácil consumo e de apelo aos mais baixos instintos. Mas os jovens a quem não se der a ouvir ópera, jazz, música clássica, blues, fazem o seu ouvido ao que vão escutando. O mesmo se passa no campo das artes visuais, ou audiovisuais, quer se trate do cinema, da televisão, do vídeo, da fotografia...
Numa civilização que se baseia na comunicação, e fundamentalmente na comunicação audiovisual, esquecer isso é esquecer algo de profundamente essencial. "O pior cego é o que não quer ver", diz a sabedoria popular, que inventou o provérbio numa altura em que não havia ainda audiovisuais. Dramático mesmo é querer ver e não poder, porque não se possuem as ferramentas adequadas. Dramático é impedir os outros de ver plenamente, conscientemente, criticamente a imagem que se lhe coloca à frente.
Ver uma imagem, ler uma obra audiovisual é, hoje em dia, um poder tão grande como ler um livro o era no tempo de "O Nome da Rosa" em que a torre da biblioteca era a local mais bem guardado do mosteiro - o "segredo dos deuses".
(1) - Pierre Fougeyrollas, prefácio a "Lire Une Image"
(2) - "Nick Ut", de Kim Plut, Associated Press, Vietname, 1972

nas imagens: três versões de "As Meninas", de Velasques a Picasso, passando por Whitkin