Casimiro e Carolina, de Odon von Horvath
“Casimiro e Carolina”, peça escrita por Odon von Horvath, em 1931, foi apresentada em Portugal, ao que creio pela primeira vez, em 1976, pelo Teatro da Cornucópia, numa excelente encenação de Luís Miguel Cintra, Cristina Reis e Jorge Silva Melo. A versão agora vista, com encenação de Emmanuel Demarcy-Mota (filho da actriz portuguesa Teresa Mota e do dramaturgo e encenador francês Richard Demarcy, e actualmente director de um dos mais prestigiados espaços teatrais europeus, o Théâtre de la Ville, em Paris), é bastante diferente, mas igualmente muito estimulante.
A peça, escrita entre 1931 e 1932, oferece um retrato da época conturbada que então se vivia, resultado da grande crise económica de 1929 (o que acaba por ser uma mais valia para a sua muito actual revisitação). O cenário é uma feira da cerveja, na Alemanha, numa altura em a austeridade era já uma realidade e Hitler se perfilava no horizonte. A louca euforia é ainda a dos anos 20, mas a angústia apossa-se já de todos, o desemprego e a degradação dos valores, a corrupção e a violência começam a explodir, pouco falta para o II Reich impor as suas regras a uma sociedade manietada pela impotência em transformar democraticamente a ordem estabelecida. O “ovo da serpente” era acalentado diariamente por disputas e agressões. Os jovens divertiam-se, bebiam e procuravam esquecer a dureza da jornada, enquanto alguns conspiravam na sombra para instaurar uma das mais brutais ditaduras da história da humanidade. Collette Godard, crítica teatral, fala de uma “lucidez gelada” da parte de Horvath, que “põe em cena um zoo humano prestes a mergulhar na inconsciência e na irresponsabilidade, antes de se deixar submergir pelo nazismo que, dois anos mais tarde, conquista o poder.”
Casimiro e Carolina são dois jovens que se amam e que a agrura da vida separa. Emmanuel Demarcy-Mota fala da “sinceridade deste amor que se desmorona” na barafunda geral, nos protestos inconsequentes, na violência que é despoletada com intuitos muito precisos. É esta humanidade à deriva, por irresponsabilidade própria, e por manipulações diversas, que irá dar origem à nova ordem que aí vem e que muitos saúdam sem pressentirem (ou sabendo muito bem) o que daí adviria.
Imaginativa, criativa, misturando a frivolidade e a inconsciência, cheia de momentos magníficos de inspirada encenação e cenografia (desde logo o início, com a estrutura metálica de uma bancada a descer da teia do teatro e colocando em palco o elenco, desenhado em sombras na parede de fundo, passando por muitas outras, intercalando números musicais e cenas de um dramatismo intenso, a cervejaria, o cavalo de ferro, etc.), “Casimiro e Carolina” justifica bem o interesse do muito público que aplaudiu de pé as representações, bem defendidas por um grupo de actores maioritariamente jovem, mas eficaz.
Odon von Horvath, que nasceu em 1901, em território do império austro-húngaro (agora croata) e morreu em Paris em 1938, é um dos mais importantes dramaturgos de língua alemã do século XX. Autor de numerosas peças de teatro e de vários romances, von Horvath viveu em Berlim a partir de 1922 e, em 1931, com “Contos da floresta de Viena”, ganhou o prestigiado Prémio Kleist. Em 1933, com a chegada ao poder dos nazis, foi para Viena e, depois, para vários locais da Europa. Em 1938, a 26 de Maio, chegou a Paris, onde se instalou. Mas acabou por morrer tragicamente alguns dias depois – com efeito, a 1 de Junho, e quando passeava nos Champs Elysées, uma tempestade derrubou um castanheiro que caiu sobre ele, mesmo em frente ao Théâtre Marigny, e matou-o. A cultura popular, a política e a história são os temas centrais da sua obra. Escreveu, ainda, entre outras, “Meurtre dans la rue des Maures » (1923), « Le funiculaire » (1928), « Sladek, soldat de l’Armée Noire » (1929), « Foi, amour, espérance » (une petite danse de la mort) e « Don Juan retourne de guerre » (1935).
Emmanuel Demarcy-Mota, que nasceu nos arredores de Paris em 1970, é filho da actriz portuguesa Teresa Mota e do dramaturgo e encenador francês Richard Demarcy. Iniciou a sua actividade teatral em 1989, criando um grupo de teatro no Liceu Rodin, em Paris, onde teve oportunidade de criar espectáculos de autores como Luigi Pirandello, Frank Wedekind e Nicolai Erdman. Depois de ter feito estudos de filosofia e teatro, fez o seu primeiro trabalho profissional no Théâtre de La Commune d’Aubervilliers, em 1992 – “A história do soldado, de Stravinski-Ramuz”. Em 1999, recebeu o Prémio Revelação do Sindicato Francês da Crítica.
Em 2001 foi nomeado director da Comédie de Reims, que dirigiu até 2007, altura em que passou a dirigir um dos mais importantes teatros de Paris – o Théâtre de la Ville. Em 2003, a apresentação de “Seis personagens à procura de um autor”, de Pirandello, com encenação de Emmanuel Demarcy-Mota, constituiu um dos momentos altos do Festival de Almada desse ano. Em 2007 encenou em Portugal, no Teatro Nacional D. Maria II, a peça “Peines d’amour perdues”, de Shakespeare, em co-produção com a Comédie de Reims e com actores portugueses e franceses.
Casimiro e Carolina, de Odon von Horvath
Tradução: François Regnault; Encenação: de Emmanuel Demarcy – Mota; Théâtre de La Ville, Paris; Intérpretes: Alain Libolt, Ana das Chagas, Céline Carrère, Charles-Roger Bour, Constance Luzzati, Cyril Anrep, Elodie Bouchez, Gaëlle Guillou, Gerald Maillet, Hugues Quester, Jauris Casanova, Olivier Le Borgne, Pascal Vuillemot, Sandra Faure, Sarah Karbasnikoff, Stéphane Krähenbühl, Thomas Durand, Walter N’Guyen ; Assist. de encenação: Christophe Lemaire; Cenografia e luz: Yves Collet; Ambiente sonoro: Jefferson Lembeye; Figurinos: Corinne Baudelot; Caracterização: Catherine Nicolas; Adereços: Clémentine Aguettant; Vídeo: Mathieu Mullot; Trabalho vocal: Maryse Martines; Escultura: Anne Leray; Teatro Nacional D. Maria II – Lisboa Sala Garrett; Duração: 1H40; Classificação: M/ 12.
A peça, escrita entre 1931 e 1932, oferece um retrato da época conturbada que então se vivia, resultado da grande crise económica de 1929 (o que acaba por ser uma mais valia para a sua muito actual revisitação). O cenário é uma feira da cerveja, na Alemanha, numa altura em a austeridade era já uma realidade e Hitler se perfilava no horizonte. A louca euforia é ainda a dos anos 20, mas a angústia apossa-se já de todos, o desemprego e a degradação dos valores, a corrupção e a violência começam a explodir, pouco falta para o II Reich impor as suas regras a uma sociedade manietada pela impotência em transformar democraticamente a ordem estabelecida. O “ovo da serpente” era acalentado diariamente por disputas e agressões. Os jovens divertiam-se, bebiam e procuravam esquecer a dureza da jornada, enquanto alguns conspiravam na sombra para instaurar uma das mais brutais ditaduras da história da humanidade. Collette Godard, crítica teatral, fala de uma “lucidez gelada” da parte de Horvath, que “põe em cena um zoo humano prestes a mergulhar na inconsciência e na irresponsabilidade, antes de se deixar submergir pelo nazismo que, dois anos mais tarde, conquista o poder.”
Casimiro e Carolina são dois jovens que se amam e que a agrura da vida separa. Emmanuel Demarcy-Mota fala da “sinceridade deste amor que se desmorona” na barafunda geral, nos protestos inconsequentes, na violência que é despoletada com intuitos muito precisos. É esta humanidade à deriva, por irresponsabilidade própria, e por manipulações diversas, que irá dar origem à nova ordem que aí vem e que muitos saúdam sem pressentirem (ou sabendo muito bem) o que daí adviria.
Imaginativa, criativa, misturando a frivolidade e a inconsciência, cheia de momentos magníficos de inspirada encenação e cenografia (desde logo o início, com a estrutura metálica de uma bancada a descer da teia do teatro e colocando em palco o elenco, desenhado em sombras na parede de fundo, passando por muitas outras, intercalando números musicais e cenas de um dramatismo intenso, a cervejaria, o cavalo de ferro, etc.), “Casimiro e Carolina” justifica bem o interesse do muito público que aplaudiu de pé as representações, bem defendidas por um grupo de actores maioritariamente jovem, mas eficaz.
Odon von Horvath, que nasceu em 1901, em território do império austro-húngaro (agora croata) e morreu em Paris em 1938, é um dos mais importantes dramaturgos de língua alemã do século XX. Autor de numerosas peças de teatro e de vários romances, von Horvath viveu em Berlim a partir de 1922 e, em 1931, com “Contos da floresta de Viena”, ganhou o prestigiado Prémio Kleist. Em 1933, com a chegada ao poder dos nazis, foi para Viena e, depois, para vários locais da Europa. Em 1938, a 26 de Maio, chegou a Paris, onde se instalou. Mas acabou por morrer tragicamente alguns dias depois – com efeito, a 1 de Junho, e quando passeava nos Champs Elysées, uma tempestade derrubou um castanheiro que caiu sobre ele, mesmo em frente ao Théâtre Marigny, e matou-o. A cultura popular, a política e a história são os temas centrais da sua obra. Escreveu, ainda, entre outras, “Meurtre dans la rue des Maures » (1923), « Le funiculaire » (1928), « Sladek, soldat de l’Armée Noire » (1929), « Foi, amour, espérance » (une petite danse de la mort) e « Don Juan retourne de guerre » (1935).
Emmanuel Demarcy-Mota, que nasceu nos arredores de Paris em 1970, é filho da actriz portuguesa Teresa Mota e do dramaturgo e encenador francês Richard Demarcy. Iniciou a sua actividade teatral em 1989, criando um grupo de teatro no Liceu Rodin, em Paris, onde teve oportunidade de criar espectáculos de autores como Luigi Pirandello, Frank Wedekind e Nicolai Erdman. Depois de ter feito estudos de filosofia e teatro, fez o seu primeiro trabalho profissional no Théâtre de La Commune d’Aubervilliers, em 1992 – “A história do soldado, de Stravinski-Ramuz”. Em 1999, recebeu o Prémio Revelação do Sindicato Francês da Crítica.
Em 2001 foi nomeado director da Comédie de Reims, que dirigiu até 2007, altura em que passou a dirigir um dos mais importantes teatros de Paris – o Théâtre de la Ville. Em 2003, a apresentação de “Seis personagens à procura de um autor”, de Pirandello, com encenação de Emmanuel Demarcy-Mota, constituiu um dos momentos altos do Festival de Almada desse ano. Em 2007 encenou em Portugal, no Teatro Nacional D. Maria II, a peça “Peines d’amour perdues”, de Shakespeare, em co-produção com a Comédie de Reims e com actores portugueses e franceses.
Casimiro e Carolina, de Odon von Horvath
Tradução: François Regnault; Encenação: de Emmanuel Demarcy – Mota; Théâtre de La Ville, Paris; Intérpretes: Alain Libolt, Ana das Chagas, Céline Carrère, Charles-Roger Bour, Constance Luzzati, Cyril Anrep, Elodie Bouchez, Gaëlle Guillou, Gerald Maillet, Hugues Quester, Jauris Casanova, Olivier Le Borgne, Pascal Vuillemot, Sandra Faure, Sarah Karbasnikoff, Stéphane Krähenbühl, Thomas Durand, Walter N’Guyen ; Assist. de encenação: Christophe Lemaire; Cenografia e luz: Yves Collet; Ambiente sonoro: Jefferson Lembeye; Figurinos: Corinne Baudelot; Caracterização: Catherine Nicolas; Adereços: Clémentine Aguettant; Vídeo: Mathieu Mullot; Trabalho vocal: Maryse Martines; Escultura: Anne Leray; Teatro Nacional D. Maria II – Lisboa Sala Garrett; Duração: 1H40; Classificação: M/ 12.