domingo, janeiro 06, 2008

ÀS VEZES SURREALISTA...

MORREU O LUÍS PACHECO
Eu gostava do Luiz Pacheco. Sei de muita gente que não o tolerava e de alguns outros que o mitificaram. Eu estimava o ar irreverente deste "enfant terrible" e dei-me sempre muito bem com ele. Durante uns tempos víamo-nos com regularidade, sobretudo na época de um saudoso “E Etc.”, do suplemento do “Jornal do Fundão”, da direcção o Victor Silva Tavares. Nalguns dos seus livros sou (sempre) simpaticamente citado, como naquele em que ele relembra uma ida minha e da Lia Gama ao hospital ver como ele estava de saúde e levar-lhe uns livros, ao que me recorda.
Nunca fui de lhe passar para as unhas mais do que uma nota de cem. Não o comprei, que ele não era de ser comprado, aceitava a nota e continua a dizer mal, cara a cara, se fosse caso disso. Ou à socapa. Com um sorriso de puto reguila, que achava que todos o deviam aceitar tal como ele era. As nossas relações foram sempre cordiais, tenho a quase totalidade das suas edições, muitas dedicadas com carinho, por este homem que de lambe botas nada tinha.
Cada vez mais são precisos (e preciosos) homens como o Luiz Pacheco. Com o seu quê de frontal, com o seu quê de ratice sábia, com o seu quê de "filhadeputice" crónica. Estamos a ficar todos muito "politicamente correctos", muito higienizados, muito CE, empacotados em celofane, muito hipócritas, muito diz mal de tudo porque é moda. Pacheco não era nada disso. Não criticava por criticar, não bajulava, mas atirava os tijolos (muitos injustos, mas quem é perfeito?) a quem os julgava dignos de os receber. Vão faltando Pachecos nesta terra.
Adeus, Luiz, até um dia, numa qualquer “comunidade” em Braga, onde “o Libertino Passeia a Idolátrica, o Seu Esplendor”.
Nota sobre o Luiz Pacheco, retirada da Wikipédia
Luíz José Gomes Machado Guerreiro Pacheco (Lisboa, 7 de Maio de 1925 — Montijo, 5 de Janeiro de 2008) foi um escritor, editor, polemista, epistológrafo e crítico de literatura português.
Nasceu no seio de uma família da classe média, de origem alentejana, com alguns antepassados militares. O pai era funcionário público e músico amador. Na juventude, Luiz Pacheco teve alguns envolvimentos amorosos com raparigas menores como ele, que haveriam de o levar por duas vezes à prisão [1].
Desde cedo manifestou enorme talento para a escrita. Chegou a frequentar o primeiro ano do curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa, onde foi óptimo aluno, [2] mas optou por abandonar os estudos. A partir de 1946 trabalhou como agente fiscal da Inspecção Geral dos Espectáculos, acabando um dia por se demitir dessas funções, por se ter fartado do emprego. Desde então teve uma vida atribulada, sem meio de subsistência regular e seguro para sustentar a família crescente (oito filhos de várias mulheres), chegando por vezes a viver na maior das misérias, à custa de esmolas e donativos, hospedando-se em quartos alugados e albergues. (Esse período difícil da vida inspirou-lhe o conto Comunidade, considerado por muitos a sua obra-prima.) Nos anos 60 e 70, por vezes viveu fora de Lisboa, nas Caldas da Rainha e em Setúbal.
Começa a publicar a partir de 1945 diversos artigos em vários jornais e revistas, como O Globo, Bloco, Afinidades, O Volante, Diário Ilustrado, Diário Popular e Seara Nova. Em 1950, funda a editora Contraponto, onde publica escritores como Raul Leal, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Natália Correia, Herberto Hélder, etc., tendo sido amigo de muitos deles [3]. Dedicou-se à crítica literária e cultural, tornando-se famoso (e temido) pelas suas críticas sarcásticas, irreverentes e polémicas. Denunciou a desonestidade intelectual e a censura imposta pelo regime salazarista [4].
A sua obra literária tem um forte pendor autobiográfico e libertino, inserindo-se naquilo a que ele próprio chamou de corrente "neo-abjeccionista".
Alto [5], magro e escanzelado, calvo, usando óculos com lentes muito grossas devido a uma forte miopia, vestindo roupas muitas vezes andrajosas e abaixo do seu tamanho, hipersensível ao álcool, hipocondríaco sempre à beira da morte, cínico impenitente, é sem dúvida, como pícaro personagem literário, um digno herdeiro de Luiz de Camões, Bocage, Gomes Leal ou Fernando Pessoa.
Debilitado fisicamente e quase cego devido às cataratas, mas ainda a dar entrevistas aos jornais, nos últimos anos passou por três lares de idosos, tendo mudado para casa do seu filho Paulo Pacheco [1] em 2006 e daí para um lar, no Montijo, onde viria a falecer.
Um ano após a morte de Mário Cesariny, a 26 de Novembro de 2007, Comunidade foi editada em serigrafia/texto com pinturas de Cruzeiro Seixas. Nessa efeméride, Luiz Pacheco foi entrevistado pela RTP, encontrando-se num lar do Montijo. Morreu a 5 de Janeiro de 2008.
Notas
1,0 1,1 Entrevista ao Correio da Manhã
Vitorino Nemésio, na sua cadeira, atribuiu-lhe 18 valores (de 0 a 20).
Luiz Pacheco foi um compagnon de route dos surrealistas portugueses e o seu primeiro e apaixonado editor ("sacristão do surrealismo", chamou-lhe o crítico João Gaspar Simões). Foi amigo íntimo de António Maria Lisboa e de Mário Cesariny, tendo este cortado definitivamente relações com Pacheco, devido a desavenças intelectuais e pessoais (vd. Pacheco versus Cesariny, de Luiz Pacheco e Diário do Gato, de Mário Cesariny).
Depois do 25 de Abril de 1974, Pacheco tornou-se militante do Partido Comunista Português.
1,77 m, cf. bilhete de identidade.

Bibliografia
História antiga e conhecida in Bloco (vários autores). Reeditado em Crítica de circunstância e em 2002 com o nome "Os doutores, a salvação e o menino Jesus" (1946)
Caca, cuspo & Ramela (1958?)(com Natália Correia e Manuel de Lima)
Carta-Sincera a José Gomes Ferreira (1958)
O Teodolito (1962)
Surrealismo/Abjeccionismo (antol.org: Mário Cesariny, c/versão abreviada d'O Teodolito (1963)
Comunidade (1964)
Crítica de Circunstância (1966)
Textos Locais (1967)
O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor (1970; 1992)
Exercícios de Estilo (1971)
Literatura Comestível (1972)
Pacheco versus Cesariny (1974)
Carta a Gonelha (1977)
Textos de Circunstância (1977)
Textos Malditos (1977)
Textos de Guerrilha 1 (1979)
Textos de Guerrilha 2 (1981)
Textos do Barro (1984)
O Caso das Criancinhas Desaparecidas (1986)
Textos Sadinos (1991)
O Uivo do Coiote (1992)
Carta a Fátima (1992)
Memorando, Mirabolando (1995)
Cartas na Mesa (1996)
Prazo de Validade (1998)
Isto de estar vivo (2000)
Uma Admirável Droga (2001)
Os doutores, a salvação e o menino Jesus - Conto de Natal (2002)
Mano Forte (2002)
Raio de Luar (2003)
Figuras, Figurantes e Figurões (2004)
Diário Remendado 1971-1975 (2005)
Cartas ao Léu (2005)

A caricatura é de André Carrilho, a foto não sei de quem.

sábado, janeiro 05, 2008

FUMAR OU NÃO FUMAR



A "Operação Antitabagista" foi um sucesso.
Dia 4 de Janeiro de 2008.
Pouco antes das onze da noite,
na esplanada do Café Vavá,
onze pessoas fumavam.
Em pé ou sentadas em mesas.
No interior do café havia um único freguês, sentado.
Entrei, tomei o meu café ao balcão e voltei a sair
(deixei de fumar espontaneamente ha cinco anos).
Vai morrer muito menos gente por fumar em Portugal.
Já não há "fumadores passivos".
Esta operação foi um sucesso.
Agora vem aí a nova “Operação”
– evitar a morte por pneumonia e gripes.
Ou optar por outra via:
deixar morrer de frio os fumadores activos.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

CINEMA: PEÕES EM JOGO

PEÕES EM JOGO

"Lions for Lambs", sétima longa-metragem de Robert Redford como realizador, é um título que parte de uma consideração elogioso de um general alemão, durante a II Guerra Mundial, que afirmou “raras vezes ter visto tal combatividade de leão como a dos soldados ingleses, quando os seus chefes militares se mostravam tão cordeiros” (citado de memória). Partindo desta premissa, calcula-se facilmente onde queria chegar o liberal e democrata Robert Redford ao realizar este filme, de colaboração com Tom Cruise (aqui também produtor), Meryl Streep e Matthew Michael Carnahan, argumentista (que já assinara “Reino dos Céus”).
O filme não lembra nada do que por ai se vê ao nível da produção de Hollywood. Em vez de acção a rodos temos diálogo, em lugar de figuras estereotipadas temos personagens, densas e de uma humanidade gritante, em lugar de uma superprodução cheia de efeitos especiais, uma câmara atenta aos actores e ao que eles dizem. Em lugar de fácil manipulação de gostos e de ideologias, um ping pong de ideias. Não é muito vulgar no cinema actual, mas sabe bem regressar a este cinema que se quer consciência de uma nação que atravessa hoje um dos piores momentos da sua História. É Meryl Streep, no papel de uma jornalista de televisão, quem o afirma: “A seguir ao 11 de Novembro de 2001, tínhamos quase todo o mundo connosco; seis anos depois, atravessamos a pior crise desde há muito.”
Pois bem, é sobre isso que “Peões em Jogo” se joga. Durante 88 minutos, uma montagem em paralelo acompanha, em tempo real, três centros de decisões: em Wasginton, um senador republicano, Jasper Irving (Tom Cruise), que afiança que não se quer candidatar no futuro à presidência, oferece a Janine Roth (Meryl Streep), uma jornalista democrata e liberal, um furo jornalístico, apresentando-lhe como nova uma estafada estratégia militar para ganhar a guerra do Afeganistão; enquanto tal, no terreno, essa operação inicia-se, com baixas, nas altas montanhas geladas do Afeganistão; finalmente, numa universidade de Los Angeles, um professor, o Dr. Malley (Robert Redford), tenta convencer Todd, um seu actual aluno (Andrew Garfield), que ele julga poder vir a ser brilhante, a não hipotecar essas possibilidades, confrontando-o com o caso de dois antigos alunos seus, Arian (Derek Luke) e Ernest (Michael Peña), que desistiram de estudar para se oferecerem como voluntários para combater no Afeganistão. Todd, que estuda politica, está desiludido com os políticos e a sua actividade e acha tudo uma trampa sem sentido, parecendo preferir afastar-se e alhear-se do que enfrentar o que julga errado.
Não direi que cinematograficamente o filme seja perfeito. Este tipo de montagem em paralelo chega a incomodar por vezes. O diálogo é excessivo, nalguns momentos, concordo. Mas de um modo geral a análise da política norte-americana da era Bush é brilhantemente dissecada, apresentando argumentos de vários quadrantes, deixando as respostas em aberto (nunca se saberá qual a resolução do aluno, se irá perseguir o A, ou satisfazer-se com o B), mostrando como se estabelecem estratégias, como se conquista tempo de antena nos canais de televisão, como se exerce a coacção psicológica, como o poder se impõe perante as consciências, como se nivelam por baixo as esperanças e aspirações dos cidadãos.
O filme documenta igualmente como os EUA se envolveram num conflito sem saída aparente, e como o orgulho humilhado de alguns pode por em risco o curso da História. Na verdade, nesta altura, depois de terem invadido o Afeganistão e o Iraque, olhando de soslaio para o Irão, que se interpõe entre ambos os países (ou que serve mesmo de passagem e ligação entre guerrilheiros muçulmanos, vindos de um lado e do outro), sair e ficar são soluções que, qualquer delas, comporta riscos altíssimos, não só para os EUA, como para os respectivos países ocupados, como ainda para todo o mundo. Neste aparente dilema, Robert Redford diz-nos que é preciso fazer qualquer coisa, e para isso mobiliza consciências. Consciências que não se deixem dobrar tão facilmente como a jornalista de 57 anos, que aceita por no ar o que acha notícia de duvidosa credibilidade, mas que tem sobre a cabeça a ameaça de despedimento e uma carreira cortada, numa idade em que mais ninguém a iria contratar.
Se o principal mérito deste filme de Robert Redford é tratar o espectador como pessoas adultas, e não apenas como adolescentes acéfalos, os maiores obreiros deste projecto são os actores. Meryl Streep convoca a desilusão, a amargura, o cansaço dos velhos combatentes de um jornalismo digno, que se vão perdendo, um a um; Tom Cruise consegue ser convincente na personagem de um senador, tu cá, tu lá com Dick Cheney, Bush ou Condoleezza Rice, cínico e sagaz; Robert Redford é o idealista, cansado já, é certo, mas que não se entrega e procura que os seus alunos, em lugar de robots industrializados para profissões bem pagas, sejam homens autênticos que não deixem morrer em si o élan da humanidade. Vê-los representar sem pressas, ouvi-los falar, é um prazer. Tom Cruise, depois de ter sido despedido pela Paramount, começa aqui uma nova carreira, desta feita como patrão da United Artists, um estúdio fundado em 1919, por Charlie Chaplin, Mary Pickford, Douglas Fairbanks e D.W. Griffith, depois comprado pela MGM em 1980, finalmente quase abandonado e agora revitalizado.
Quanto a Robert Redford, o seu papel no cinema americano e internacional não esmorece. Depois de um conjunto de dezenas e dezenas de actuações inesquecíveis, como actor; depois de vários filmes por si dirigidos e igualmente memoráveis, convocando temas que vão desde a intervenção cívica, ao empenhamento pela liberdade de imprensa, pela defesa do ambiente, pela dignidade humana (desde “Gente Vulgar” (Ordinary People), 1981, Revolta em Milagro (The Milagro Beanfield War), 1988, “Duas Vidas e o Rio” (A River Runs Through It), 1992, “Quiz Show”, 1994, “O Encantador de Cavalos” (The Horse Whisperer), 1998), “A Lenda de Bagger Vance” (The Legend of Bagger Vance), 2000, até este “Peões em Jogo” (Lions for Lambs), 2007); depois de ter lançado o Sundance Festival, onde se têm revelado tantos e tantos jovens realizadores independentes, continua uma personalidade sedutora e um incentivador de talentos. Este filme só demonstra que não é jovem quem quer, mas quem efectivamente sempre o soube ser. Mesmo com rugas na cara.
PEÕES EM JOGO
Título original: Lions for Lambs
Realização: Robert Redford (EUA, 2007); Argumento: Matthew Michael Carnahan; Música: Mark Isham; Fotografia (cor): Philippe Rousselot; Montagem: Joe Hutshing; Casting: Avy Kaufman; Design de produção: Jan Roelfs; Direcção artística: François Audouy; Decoração: Leslie A. Pope; Guarda-roupa: Mary Zophres; Maquilhagem: Mustaque M. Ashrafi, Leo Corey Castellano, Gabriel De Cunto, J. Roy Helland, Dennis Liddiard; Bunny Parker; Director de produção: Will Weiske, Lila Yacoub; Assisten tes de realização: Jenny Nolan, Adam Somner, Ian Stone, Mike Topoozian; Departamento de arte: Eddie Grisco, Jourdan Henderson, P.K. MacCarthy, Clint Schultz, Mark Robert Taylor; Som: Frank E. Eulner, Richard Hymns; Efeitos Especiais: Steve Cremin, Durk Tyndall; Efeitos visuais: Evrim Akyilmaz, Erik Behar, Daniel Cavey, Grady Cofer, Anna Fields, Mark Freund, Andrew Gardner, Joseph Grossberg, Scott Liedtka, Courtney Ward, Eric Withee; Produção: Matthew Michael Carnahan, Tom Cruise, Tracy Falco, Andrew Hauptman, Bill Holderman, Daniel Lupi, Robert Redford, Paula Wagner; Companhias de produção: Andell Entertainment, Brat Na Pont Productions, Cruise/Wagner Productions, United Artists, Wildwood Enterprises, Metro-Goldwyn-Mayer.
Intérpretes: Robert Redford (Professor Stephen Malley), Meryl Streep (Janine Roth), Tom Cruise (Senador Jasper Irving), Michael Peña (Ernest Rodriguez), Andrew Garfield (Todd Hayes), Peter Berg (Ten. Col. Falco), Kevin Dunn (Howard), Derek Luke (Ten. Arian Finch), Larry Bates, Christopher May, David Pease, Heidi Janson, Christopher Carley, George Back, Kristy Wu, Bo Brown, Josh Zuckerman, Samantha Carro, Christopher Jordan, Angela Stefanelli, John Brently Reynolds, Paula Rhodes, Muna Otaru, Clay Wilcox, Sarayu Rao, Amanda Loncar, Richard Burns, Kevin Collins, Candace Moon, Chris Hoffman, Louise Linton, Jennifer Sommerfield, Wynonna Smith, Babar Peerzada, Wade Harlan, Rick Margaritov,
Duração: 88 minutos, Classificação etária: M/ 12 anos; Distribuição em Portugal: Filmes Castello Lopes; Data de Estreia: 1 de Novembro de 2007 (EUA); Locais de filmagem: Claremont, Los Angeles, Ren-Mar Studios, Los Angeles, (estúdio), Rocky Peak Park, Simi Valley, Califónia (EUA);

terça-feira, janeiro 01, 2008

CINEMA: CALL GIRL


CALL GIRL

“Call Girl”, de António Pedro Vasconcelos (o realizador de “Oxalá”, “Aqui D’ El Rey”, "O Lugar do Morto", “Jaime" ou “Os Imortais”, estes últimos alguns dos maiores sucessos do cinema português), volta a demonstrar o que já se sabia sobre o autor: bom director de actores e contador de histórias, homem apostado num cinema de fácil contacto com o público, pouco preocupado em questões de autoria ou de singularidades de um cinema ou de um autor. Critico radical e interveniente, de formação “cahierista” dos anos de capa amarela, APV não se converteu num realizador “autor”, mas sim num interessante “contador de histórias”, aparentemente mais ligado a aspirações de uma produção comercial continua do que a uma visão pessoal do cinema. “Call Girl” confirma-o. Não será, porém, preciso pugnar por um cinema de autor para se fazerem filmes de autor. Howard Hawks, Nicholas Ray, Jacques Tourneur, para só citar alguns nomes, nunca pensaram estarem a realizar “filmes de autor” quando rodavam “Ter ou não Ter”, “Party Girl” ou “Out of the Past” respectivamente. Acontece que tinham uma visão pessoal, única e inconfundível do mundo e do cinema e isso mesmo ficava à mostra nos seus filmes. Era não só cinema do melhor, denso, marcante, como obras carregadas de obsessões e fantasma de colheita própria.
Infelizmente ou não, o mesmo não se passa com APV. O seu cinema é eficaz, escorreito, tecnicamente correcto, mas pouco o distingue de uma qualquer produção televisiva de série B. Não falamos de “24”, “Ficheiros Secretos”, “CSI” ou “Prison Breack”. Falamos de banais séries americanas que conta uma história que se acompanha com algum suspense e pouco mais. É o caso de “Call Girl”.
Uma história aceitável: Carlos Meireles (Nicolau Breyner), presidente de uma autarquia alentejana, é homem incorruptível, tem lá pela terra uns sobreiros cobiçados por construtores de campos de “golf”, mas não cede ao interesse dos privados, em defesa do que sente ser o interesse público. Mas um empresário estrangeiro (Anton Skrzypiciel) não desarma enquanto o seu peão de brega, Mouros (Joaquim de Almeida), de conluio com o Ministro da Saúde (Virgílio Castelo), não lhe atira ao caminho uma prostituta de luxo, Maria (Soraia Chaves), que o deixa verdadeiramente obcecado. Entretanto, Madeira (Ivo Canelas) e Neves (José Raposo), polícias da Judiciária, cheiram no ar os fumos da corrupção e atiram-se ao assunto.
A investigação é do que consta o filme, bem condimentado com cenas de escaldante sedução por parte da “call girl”, que torna Meireles um sexodependente, e com diálogos recheados de vernáculos palavrões por parte da dupla de polícias, mas igualmente bem acompanhados por toda a gente que os rodeia. Entre seduções brejeiras em quartos de hotel e tonitruantes peixeiradas o filme conta a sua história e avança. Nada mau para um cinema que a pouco mais aspira.
Mas “Call Girl” merece atenção especial num outro aspecto, esse sim verdadeiramente fora de série. Refiro-me à interpretação, onde se destacam trabalhos notáveis de alguns actores. Desde logo o brilhante Nicolau Breyner, que chega a ser comovente, depois a fulgurante composição de Raúl Solnado, num trabalho genial, depois a dupla Ivo Canelas e José Raposo, que são igualmente notáveis na dupla de agentes da PJ. Joaquim de Almeida compõe com ironia e desenvoltura um mafioso gay que ilustra com especial sublinhado a sua filmografia. Virgílio Castelo destaca-se igualmente com um trabalho de composição divertido e saboroso. José Eduardo (Gomes), Maria João Abreu (Amália), Custódia Galego (Odete), Ana Padrão (Inês) e Luís Mascarenhas (Matos), entre muitos outros, cumprem com segurança o que lhes era pedido.
Falta uma última palavra para Soraia Chaves que, depois de ter dado nas vistas em "O Crime do Padre Amaro", voltar a sobressair nesta “Call Girl” escrita à sua medida. Digamos que neste tipo de trabalhos, onde expõe mais o corpo do que a alma, chega a ser convincente (sobretudo neste filme, onde APV a dirige muito bem). Resta saber o que se pode esperar mais desta bela e sensual mulher, quando for chamada a revelar mais a sua interioridade e menos a volptuosa aparência. Mas haverá muitos entre vós que me perguntam: e que interessa isso se o que hoje se vê é mais do que suficiente? Pois bem, interessa pouco para quem assim pensa, e “Call Girl” merece inteiramente uma visita, não tanto pela denúncia da corrupção (que se tornou um lugar comum que procura explicar tudo!), mas pelos actores brilhantes que lhe dão corpo. E pelo corpo que lhe dá corrupção.
Parece, pois, que depois de “Corrupção” e de “Call Girl”, o negócio da corrupção não vai tão cedo desaparecer do cinema nacional. Após a exploração dos “faits divers” no “vende-vende” dos jornais e na televisão, chegou a vez do cinema. A ameaça de uma longa fornada está eminente.

in "Conversas de Café"

A JUSTIÇA, REVISTA À PORTUGUESA

segunda-feira, dezembro 31, 2007

UM ÓPTIMO 2008


TCHIM!, TCHIM!
Aos Familiares e Amigos
(e a todos os outros!)
Um ANO NOVO
cheio de coisas boas!
Que 2008 traga Paz (é difícil, eu sei!),
Amor (há que guardar bem quem o sente!),
Amizade (da autêntica!),
Saúde (que melhore e não vá para pior!),
Felicidade (hip, hip, hurra!)
e uns Euritos para se gastarem
(no que nos der a real gana!)!

sábado, dezembro 29, 2007

16ª VAVADIANDO


Clique na imagem para ampliar e ler em pormenor.

8 RAZÕES PARA VISITAR A WEST COAST










Aqui estão 8 razões para visitar uma terra chamada "West Coast".
Alguém acredita que alguém se desloca a Portugal
porque o Cristianao Ronaldo e o Mourinho são portugueses?
Alguém sabe (fora de portas) quem são a Joana Vasconcelos,
o Miguel Câncio Martins e a Maria do Carmo Fonseca
(que para nós são glórias nacionais, não discuto)
para lá de meia dúzia de interessados nas suas carreiras?
Alguém sabe para que serve esta campanha?
Ninguém sabe, no Turismo de Portugal,
que o que vende o nosso País lá fora
são as questões patrimoniais,
a saber, monumentos, paisagens, gastronomia, arte, cultura,
desporto, a simpatia dos autóctones, etc.?
Alguém me explica porque é que um senhor chamado Nick Knight
tirou estas fotos (que são jeitosas, sim senhor!)
e não um qualquer mediano fotógrafo português?
(pelo que se vê nem era preciso um dos melhores!)
Alguém me consegue explicar a razão desta snobeira nacional
e deste provincianismo que já cheira mal?
Parece que há por aí uns senhores que se sentem mal
neste País com História, Geografia, Cultura, Tradição, Arte, Etnografia próprias...
Querem um Pais "moderno", muito "West Coast",
muito "light", muito "tecno", muito...
Um País com uma bandeira diferente, menos "berrante",
com um hino diferente, menos estridente,
com pessoas diferentes, menos "populares",
com paisagem californianas, se calhar...
Se há uns "meninos" que se sentem mal neste País, porque não se vão embora?
Porque não vão fazer "coisas" destas para outras bandas?
Se calhar, porque lá, nessas outras bandas,
eles não conseguiam sequer fazer uns graffittis na rua...
Mas nós temos de aturar estes "novos ricos" da publicidade e do turismo
e pagar-lhes, e bem!, ainda por cima!

quinta-feira, dezembro 27, 2007

SÓ COM UM PANO ENCHARCADO!

O texto que se (devia) ler no fundo verde é:
“Agora já não precisas de estar em casa para poderes assistir aos teus programas favoritos, sejam eles novelas, noticiários, programas de música, futebol, reality shows, séries ou filmes. Entra no Portal Optimus Zone e selecciona Mobile TV. Os programas da seca têm os seus dias contados.
1º Mês Grátis no Pacote Plus.”
Vista a imagem e lido o texto, apetece perguntar:
E não há ninguém que corra com um pano encharcado na cara os administradores das empresas promotoras que aceitaram o anúncio, os publicitários que conceberam este aborto e os responsáveis nacionais que permitem que um anúncio destes circule? Já não há vergonha na cara?


domingo, dezembro 23, 2007

NATAL DE 2007



NATAL DE 2007

Quando eu era pequeno, “fazer o presépio” era participar de um conto de fadas, aprender um passe de magia, ouvir uma lição de amor e humildade que nos poderia inspirar pela vida fora.
Era sobretudo uma festa e uma festa com um mistério muito especial. Arrancava-se o musgo das pedras da paisagem para levar para casa e cobrir o chão, imaginando-se montanhas e vales, e rios de prata azulada. Construía-se a cabana com troncos e palhinhas, colocava-se com delicadeza o menino de barro na improvisada manjedoura, São José e Maria eram a projecção do amor de pai e mãe que ali se arrumavam para velarem por nós. E vinha ainda lá do fim dos tempos o calor da vaca e do burrinho, e os Reis Magos que chegavam conduzidos pela Estrela que anunciava a Boa Nova. E surgiam, como por encanto, figurinhas de populares, com ofertas simples, pastores com ovelhas, a samaritana com o cântaro à cabeça, ao lado do poço da água gelada daquela noite de Dezembro…
Era assim o presépio quando eu era pequeno. Uma excitação que nos arregalava os olhos de magia. Algo que não se compreendia bem, que estava para lá do nosso entendimento, mas que nos aquecia o coração, que se prolongava pelos dias, até chegar a tal noite onde, em redor da camilha, com uma braseira aos pés, se comia a consoada e se esperavam algumas prendas. Livros, sobretudo livros, era a minha esperança, sempre concretizada.
Fui feliz, muito feliz, envolvido pelo calor do pai e da mãe, alguns anos depois também ao lado da irmã. Era uma família aquecida da noite fria. Havia problemas como em todo o lado, mas era feliz. Coisa bonita de se dizer, mas sobretudo de se sentir.
Nunca soube, nem sei, se haverá algo de divino neste entremez, anualmente repetido, mas do que não duvido é da sua poderosa força magnética. O Natal fazia-me sentir bem. Quando eu era pequeno. Era frio e era quente, era gelado e tórrido, uma mistura magnifica que nunca esquecei.
Fui mantendo a tradição abnegadamente. Sem esforço. Com prazer. Ano após ano. O presépio nunca deixou de estar presente, ali no canto da sala, e sempre amorosamente retocado. A árvore de Natal, o Pai Natal, as filhozes, os bilharacos (sempre com a receita do pai), a consoada, o sacrificado peru, e o bacalhau da tradição… As crianças fazem-se homens, os filhos fazem-se pais, os pais vão ficando pelo caminho, mas o Natal continua marcando a esperança em algo de imutável. Será assim?
O olhar dos homens vai mudando. A magia vai cedendo a insinuações cada vez mais constantes. E torpes. Arrancam-nos a inocência dia a dia. É preciso desconfiar de tudo.
Olha-se agora o presépio e percebe-se que as figurinhas foram compradas numa loja de 300, já não feitas à mão, mas reproduzidas em moldes made in China. As decorações foram mesmo compradas numa outra loja chinesa e são o reflexo de trabalho escravo infantil. Olha-se a cabana em baclite e, lá atrás, dois políticos discutem se aquele é ou não terreno de Israel ou da Palestina. Como não conseguem chegar a um acordo, ameaçam, e cumprem a ameaça, com bombas que reinvidicam o território. E assassinam milhares.
Os três Reis Magos entregam ouro, incenso e mirra, mas nenhum deles chegou desinteressadamente por montes e vales, conduzidos por uma estrela. Todos vieram em jactos particulares e saíram das suas tendas oficiais há coisa de minutos. Os camelos são o exotismo que vende. É tudo uma montagem, uma encenação para impressionar os espectadores das dezenas de cadeias de televisão que cobrem o acontecimento.
Uma delas tentou o exclusivo, ofereceu milhares de dólares, euros ou rublos, mas não conseguiu. Aliás, esta cimeira destina-se a incrementar sobretudo os negócios. São homens de negócio que acodem ao chamamento. Disputam mercados e influências políticas e estratégicas.
O único pastor que por ali anda, balouça na mão direita um leitor de CDs e ouve Quim Barreiros. Um dos Reis, ditos Magos, publicita uma afamada marca de champanhe que se consome muito nesta quadra. O outro, tenta vender com soberba o seu petróleo, e ao terceiro descobriram olhares maliciosos e lúbricos, que levaram alguns a chamar-lhe pedófilo. Disfarçado.
A estrela? Não há estrela nenhuma, mas apenas um cintilante e pouco discreto satélite norte-americano que vai fotografando o evento. A CIA desconfia de armas nucleares.
Um grupo de senhoras, de uma qualquer organização dita moralista, parodia a um canto, sonoramente, o facto de Maria ter concebido sem pecado, e discorrem sobre situações várias, donde, em nenhuma delas, São José sai beneficiado.
A vaca é louca, afirmam as autoridades sanitárias, e o burro é mesmo burro, se não, não se prestaria a tal preparo. Tão burro que dois oficiais das finanças se preparam para o penhorar como veículo de transporte prioritário.
Num letreiro avisa-se: “É proibido fumar.”
Nem o menino está a salvo das iras de um grupo de jovens ecologistas que grita que o milho é trangénico e quer incendiar as palhinhas. Maria socorre-o e ampara-o no seu colo.
Esquecia-me do anjo. Que faz ali pespegado de asas abertas? “O que é um anjo?”, pergunta a criança à mãe que atende o telemóvel? E esta responde: “Alguém que nos guia na vida.” “Assim uma espécie de GPS?”, conclui a miúda.
Afasto de mim esta imagem e persisto no meu Natal de criança. Será ainda possível? Quero a inocência do musgo arrancado das rochas da montanha com uma faca da cozinha levada de casa. Quero o frio e o calor que sabem bem. Quero a minha infância de volta, quero essa idade aberta à esperança. Quero-a para mim e para as outras crianças. Quero que elas não percam a magia que me conduziu até aqui. Quero lá saber que as figurinhas tenham sido compradas numa loja de 300 e já não sejam de barro cozido à mão. O que eu queria sobretudo era acabar com o trabalho infantil escravo. Que existia há 2000 anos e permanece, apesar das prescrições da ASAE. O que eu desejava era que as crianças nascessem livres e iguais em direitos. E deveres. E fossem homens, e fossem velhos (velhos, sim!, não seniores ou da terceira idade) e fossem dignos. Para consigo e para com os outros. E houvesse Natal, todos os anos. E o espírito do Natal se estendesse por todos os dias dos anos. E que o Natal, divino ou não, fosse sobretudo humano.

Lauro António / Dezembro de 2007

(com votos de um Feliz Natal para os amigos bloguistas

e os leitores que por aqui passarem.)

imagens de Madonas de Tipolo, Perugino, Botticelli e Rafael.

Quero agradecer emocionado as transcrições

da Bandida, Sony Hary, Branco e Azul e Alexandra,

e as palavras que tenho recebido sobre este texto.

Obrigado a todas/os.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

VAVADIANDO DE NATAL

VÁ.VÁ.DIANDO
15 º J A N T A R DA TE R T Ú L I A

O VAVADIANDO DESEJA
UM FELIZ NATAL
E UM ÓPTIMO 2008

22.12’07: 20H
R E S T A U R A N T E - C A F É V Á V Á

CONVIDADOS ESPECIAIS:
OS PARTICIPANTES

DEPOIS DE RAÚL SOLNADO, FERNANDO DACOSTA, NUNO JÚDICE, TEOLINDA GERSÃO, IVA DELGADO, LÍDIA JORGE, MARIA DO CÉU GUERRA, EURICO GONÇALVES, PAULO PORTAS, LAURO ANTÓNIO, ROGÉRIO SAMORA, CARLOS DO CARMO, CELINA PEREIRA E OTELO SARAIVA DE CARVALHO, CONTINUAM OS JANTARES-ENCONTROS NA MELHOR TRADIÇÃO DAS TERTÚLIAS DO CAFÉ-RESTAURANTE VÁVÁ.

UM JANTAR APENAS DE AMIZADE E CONFRATERNIZAÇÃO
SEM PRENDAS. A PRENDA É A PRESENÇA DE CADA UM


TODOS ESTÃO CONVIDADOS MEDIANTE O PAGAMENTO DE UMA SIMBÓLICA QUANTIA: 12,5 EUROS POR PESSOA. COM DIREITO A SOPA, UM PRATO DO DIA, PEIXE OU CARNE, SOBREMESA, BEBIDA (VINHO É O DA CASA!) E CAFÉ. EXTRAS POR CONTA DO FREGUÊS.
PRATOS DO DIA: ARROZ DE TAMBORIL OU BORREGO ESTUFADO COM BATATA
RECUPEREM O BOM GOSTO DE UM SABOROSO JANTAR E DE UMA RECONFORTANTE CONVERSA À RODA DA MESA.
[ LOTAÇÃO LIMITADA A 50 CADEIRAS. ACEITAM-SE INSCRIÇÕES NO BALCÃO DO VÁVÁ. PAGAMENTO ANTECIPADO]

Para informações:
LAURO ANTÓNIO / [Blogue Va.Va.diando (
http://vava-diando.blogspot.com/ ] [ mail: laproducine@gmail.com ]

marcações de lugares:
RESTAURANTE - CAFÉ VÁVÁ AV. EUA, Nº 100 - 1700-179 – LISBOA (TELF 21.7966761)

Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...
Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sitio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira


História Antiga

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

Miguel Torga


É Dia de Natal

Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa

Falavam-me de amor

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,
menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia

VAVA.DIANDO DE NATAL
TRAGA CONSIGO
UM POEMA,
UMA CANÇÂO,
UMA FRASE
A SUA MÃO…

quarta-feira, dezembro 19, 2007

DIA 18.12.2007 - RODAGEM EM PORTALEGRE















DIA DE RODAGEM EM PORTALEGRE
(muito frio, alguma chuva...)

Para despistar, hoje sem cadeira
Quem tinha todas as certezas fica sem elas...
As fotos continuam a ser do Frederico, assistente.
O Carlos Cunha e o João trataram das imagens.
Entrámos em férias...
durante uns dias.
Pausa para assimilar o já rodado.



domingo, dezembro 16, 2007

CINEMA: PROMESSAS PERIGOSAS

PROMESSAS PERIGOSAS

O cinema de David Cronenberg já se sabe as linhas com que se coze: não dá tréguas ao espectador, é violento, sórdido, poético, penetra nos ambientes mais devastadores, dá-nos da Humanidade um retrato nada optimista no seu geral, mas atravessado sempre por uma linha de redenção e de esperança. Ele é incontestavelmente um dos mestres do cinema fantástico contemporâneo, mas ultimamente nem precisa de sair de um certo realismo de observação do quotidiano para nos surpreender com o mais tremendo “terror”. “Uma História de Violência” e agora este “Promessas Perigosas” são disso bom exemplo. O que quererá dizer que a realidade é de tal forma violenta que não necessita de ser re-inventada para nos sufocar as consciências.
“Eastern Promises” movimenta-se num universo impressionante, o das Mafias de Leste, russas, ucranianas, romenas, chechenas, e por aí fora. Ao pé destas, a Máfia italiana parece coisa religiosa, cheia de rituais e códigos de ética. E não será por acaso que se fala das Máfia Italiana, pois o filme de Cronenberg estabelece com a saga “O Padrinho”, de Francis Ford Coppola, óbvios contactos. Desta feita o cenário não é a Nova Iorque mas sim Londres, e não são emigrantes italianos os protagonistas, mas sim russos.
O filme começa com duas cenas decorrendo em paralelo: de um lado, numa barbearia londrina, um cliente é assassinado barbaramente; numa rua qualquer, Tatiana, uma russa de catorze anos, esvai-se em sangue e desmaia, precipitando um parto que irá terminal de forma fatal para a mãe. O bebé salva-se, é recolhido por uma enfermeira igualmente russa de um hospital de Trafalgar, Anna (Naomi Watts), que descobre entre os pertences de Tatiana um diário escrito em russo que irá tentar decifrar, para conseguir entregar a criança à família. Mas o que encontra é algo de monstruoso que a coloca no seio de uma tenebrosa “família” de russos: Tatiana é apenas uma de muitos milhares de crianças e mulheres de Leste que procuram melhor vida no Ocidente e acabam em regime de perfeita escravatura nas teias de prostituição (e da droga, da venda de armas, do comércio licito e tudo o mais que se possa imaginar e dê lucro imediato), estabelecidas por bandos organizados que as exploram sexualmente e as tratam abaixo de tudo o que é humanamente permitido. Tatiana é um caso mais, mas que traz a assinatura (que o ADN irá provar) de Semyon (Armin Mueller-Stahl), o chefe de uma poderosa “família” que tem no seu filho Kirill (Vincent Cassel) e no motorista da casa, Nikolai (Viggo Mortensen), dois importantes pilares.O ambiente em que decorre o filme é realmente depressivo e angustiante. Tudo nele concorre para este clima absolutamente deprimente, desde a fotografia em tons carregados e asfixiantes, até à direcção artística e à própria interpretação da maioria dos actores, que ronda a impassibilidade total perante a dor nuns casos e a histeria compulsiva noutros. Estamos nos domínios de uma violência que foge a qualquer juízo premeditado. Não há sentimentos, há acção. Disseca-se um cadáver sem um estremecer de olhar. Cortam-se os dedos e esvaziam-se os olhos meticulosamente. Não há nenhuma diferença entre estas acções e os cortes cirúrgicos de um talho. Não há nada de divino, sequer de humano, nestes gestos. Atinge-se o grau zero da neutralidade. O homem passou a ser um fardo que se acarreta, como uma caixa de garrafas, ou como se estabelece o enchimento mecânico de um balão. O que importa são as notas recolhidas no interior de um envelope, euros, dólares ou libras. Esse o motivo, o móbil para agir.
O filme de Cronenberg parte todo ele de uma estrutura e de uma narrativa admiráveis, mas tem momentos particularmente brilhantes. Há que referir a iniciação de Nikolai para “vory v zachone” ou cena passada nos banhos turcos, onde explode uma violência satânica, para oferecer só dois exemplos, mas toda a obra merece citação especial. Passando-se em Londres, fica-se quase por um relato “de câmara”, cingindo-se a um bairro, um diminuto grupo de pessoas, uma tragédia descrita em miniatura, mas que se expande com o fragor de uma bomba atómica. O filme não se atém apenas às actividades das Máfias russas, mas vai mais longe, insinuando de forma inteligência a perenidade do KGB, apenas com outra designação, e indiciando que muito do que se passa no exterior da Rússia lá de dentro é comandado. Algo que nos leva a pensar que o desabar do Muro de Berlim fez explodir uma caixa de Pandora no Leste Europeu de que dificilmente se avaliam as consequências actuais e futuras (ou muito nos enganamos ou toda a recente violência da noite, no Porto, tem causas semelhantes).
Falando dos actores, as personagens são indicadas e interpretadas de forma brilhante, com um exemplar rigor, como é o caso de Viggo Mortensen ou de Armin Mueller-Stahl, ou uma inebriada esquizofrenia, veja-se o trabalho de Vincent Cassell. No intervalo, as figuras mais “normais” de Anna (Naomi Watts), de sua mãe (Sinéad Cusack) e do seu tio (Jerzy Skolimowski), estabelecem confrontos e sugerem esperanças. Em todos os casos citados há uma cuidada linguagem corporal que é desenvolvida até à exaustão.
Esta obra de David Cronenberg não se fica por ser mais um filme de gangsters, melhor ou pior concebido (excepcionalmente concebido, diga-se!). O seu olhar, distante e frio, indica paradoxalmente uma visão ética e empenhada. Uma mundovisão de acentuado cunho trágico. Mais do que um filme de acção sobre Máfias em movimento, “Promessas Perigosas” é uma tragédia do nosso quotidiano. Um grande filme, do melhor Cronenberg, que estará seguramente disputando muitas e justas estatuetas no inicio de 2008.


PROMESSAS PERIGOSAS
Título original. Eastern Promises
Realização: David Cronenberg (Inglaterra, Canadá, EUA, 2007); Argumento: Steven Knight; Música: Howard Shore; Fotografia (cor): Peter Suschitzky; Montagem: Ronald Sanders; Casting: Deirdre Bowen, Nina Gold; Design de produção: Carol Spier; Direcção artística: Rebecca Holmes; Decoração: Judy Farr; Guarda-roupa: Denise Cronenberg; Maquilhagem: Stephan Dupuis, Mary-Lou Green-Benvenuti, Waldo Mason, Paul Mooney; Direcção de produção: Lisa Parker, Bobby Prince, Lori A. Waters; Assistentes de realização: Jeremy Angel, Walter Gasparovic, Ben Howard, Andrew Mannion, Candy Marlowe; Departamento de arte: Robert J. Dugdale, Helen Koutas, Nick Palmer; Som: Christian T. Cooke, Wayne Griffin, Michael O'Farrell; Efeitos especiais: Michael Dawson, Manex Efrem; Efeitos Visuais: Dan Carnegie, Annu Gulati, Victoria Holt, Mai-Ling Lee, Christa Tazzeo, Aaron Weintraub, Fiona Campbell Westgate; Produção: Stephen Garrett, Robert Lantos, Tracey Seaward, Kahli Small, Paul Webster; Companhias de Produção: Serendipity Point Films, BBC Films, Focus Features, Kudos Film and Television, Scion Films Limited.
Intérpretes: Naomi Watts (Anna), Viggo Mortensen (Nikolai), Vincent Cassel (Kirill), Jerzy Skolimowski (Stepan), Armin Mueller-Stahl (Semyon), Josef Altin (Ekrem), Mina E. Mina (Azim), Mia Soteriou (mulher de Azim), Aleksandar Mikic (Soyka), Sarah-Jeanne Labrosse (Tatiana), Tatiana Maslany (voz de Tatiana), Lalita Ahmed, Badi Uzzaman, Doña Croll, Raza Jaffrey (Doutor Aziz), Sinéad Cusack (Helen), Shannon-Fleur Roux (Maria), Lillibet Langley, Radoslaw Kaim, Donald Sumpter (Yuri), Rhodri Wyn Miles, Tereza Srbova (Kirilenko), Elisa Lasowski, Cristina Catalina, Alice Henley, Faton Gerbeshi, David Papava, Tamer Hassan, Gergo Danka, Michael Sarne (Valery), Boris Isarov, Yuri Klimov, Andrzej Borkowski, Olegar Fedoro, etc.
Duração: 100 minutos; Classificação etária: M/16 anos: Distribuição em Portugal: Ecofilmes; Data de estreia: 29 de Novembro de 2007 (Portugal); Locais de filmagem: Broadway Market, Hackney, Londres, Inglaterra.




sexta-feira, dezembro 14, 2007

TEATRO: HIP-HOP'ARQUE

VOLTEI AO PARQUE MAYER
Voltei ao Parque, voltei ao Maria Vitória, voltei à Revista. À portuguesa.
Devo dizer que gosto muito de Revista, desde sempre. Durante muitos anos não perdia uma. Eu sei que a música não é Verdi, o bailado não é Pina Bausch, o texto não é Gil Vicente. Quase nunca o foi. Por vezes há mesmo um certo miserabilismo nos cenários, os bailarinos são trôpegos, os actores em fim de estação, as coristas da loja de trezentos, enfim… a revista pode ser uma desgraça, mas é difícil não ter o seu encanto. O encanto de uma devoção a um género que persiste em não morrer. A sedução de algo que consegue ser verdadeiramente popular, numa mistura de luzes e cores que tanto desemboca na alegria hilariante como na dolorosa nostalgia de um certo “fado lusitano”. A Revista raras vezes foi “pimba”, falsamente popular. Era (e continua a ser nalguns casos) artesanato popular autêntico recriado em cima do palco. Bordalo das Caldas, garrido e certeiro na crítica e no manguito. Foi muitas vezes pobrezinha mas honrada. Depois deixou de ser honrada, vendeu-se à pimbalhada do popularucho falso, quis ganhar dinheiro à pressa, e quase matou a galinha dos ovos de oiro. Gritar grosserias e dizer tudo quanto vem à cabeça contra quem quer que seja, culpado ou inocente, só para os papalvos comerem rápido e pagarem célere, não surte efeito. Mas esta época parece estar a desaparecer. Graças!
Caem os prédios à volta dos Teatros, desaparecem restaurantes e cafés, já não se compram livros em segunda mão num carrinho no meio do largo, não há vedetas internacionais em plumas e lantejoulas, já não se anunciam as “águas que dançam” ou outras novidades tecnológicas de arregalar o olho, mas há homens e mulheres que persistem em lutar por um tipo de espectáculo único.
Compreendo quem não aprecie, nem nunca apreciou. Há gostos para tudo. Respeito. A revista tem de ter o “seu” público. Não é diferenciado nem por classes ou idades. É-o por emoção. Há quem a sinta e quem não a sinta. Eu sinto-a desde miúdo. Por ali vi e convivi com grandes actores e actrizes, encenadores e músicos, por ali ri da crítica que me fazia pensar nos males do antigo regime, por ali catrapisquei vedetas que eram lindas e sedutoras, mesmo quando as meias de rede já ostentavam buracos. Sempre me senti bem no Parque Mayer, mesmo quando começou a ruir. Sempre esperei que mais dia, menos dia, aquele espaço readquirisse a dignidade de outras épocas. Por lá filmei muitos dos 16 episódios de uma série para a RTP dedicada a grandes actores de revista e comédia, “A Paródia”. Filmei a Ivone Silva e a Marina Mota, o Carlos Cunha e o Salvador no Maria Vitória na noite anterior ao incêndio que o arrasou. Não esqueço a peregrinação com o Camacho Costa, a Eduarda e o Frederico ao ABC em rescaldo de chamas. O Parque sempre foi fácil de incendiar. Palcos e corações. Eu gosto do Parque, já perceberam. Eu gosto da Revista, já deu para entender.
Por isso voltei ontem ao Parque, ao Maria Vitória e gostei de voltar. ‘Hip Hop’arque’ é o título desta nova produção conjunta de Hélder F. Costa e da actriz, e aqui também encenadora, Marina Mota, que conta no elenco com Carlos Cunha, João Baião e Ana Brito e Cunha (na sua estreia no género).
Começo por dizer que os actores são excelentes. Marina Mota nunca devia ter abandonado a Revista, onde foi Princesa e hoje é Rainha. (Há anos chamei-lhe o Futre da Nova Geração da Revista e cumpriu as esperanças). Carlos Cunha respira a Revista. É a sua casa natural. Movimenta-se com a elegância de Salvador. João Baião adapta-se na perfeição e desdobra-se com talento. Ana Brito e Cunha é uma revelação nesta sua estreia. Rui de Sá excelente. Paulo Vasco divertidíssimo. Os cenários e figurinos de Helena Reis são muito bonitos, por vezes invulgares. A coreografia de Marco de Camillis evita a pobreza franciscana habitual. A música ouve-se bem. O texto tem coisas boas e outras já muito vistas e revistas – é mesmo a pecha maior, que os actores salvam com a sua verve e improvisação (quase sempre muito mais engraçada que o texto original).
Deve dizer-se sobre a maior parte dos textos das Revistas depois de 1974 que estes pioraram muito depois do fim da censura. É dramático dizê-lo, mas é verdade. Antigamente fazia-se crítica velada, codificada, cheia de piscares de olhos. Os autores escreviam para espectadores inteligentes que tinham que compreender as insinuações. Hoje é um fartar vilanagem que não convence ninguém, a não ser os mais primários. Apetece quase solicitar superiormente que se crie uma censurazinha só para a Revista para ver se os autores passam a cuidar mais da forma de criticar. Mas o melhor mesmo, que a Liberdade é preciosa!, é aprenderem a escrever em Liberdade.
Mesmo assim saí muito satisfeito do Maria Vitória. Nos camarins era um corrupio de gente a abraçar os resistentes e muito merecidamente. O regresso da Marina e do Carlos é um sucesso brilhante. Eles fazem falta à Revista. E há “números” para entrarem directamente na História do género. O Arrumado, a Escola do Grito, o Milho Verde mostram um Carlos Cunha em grande. No Calor da Noite, o Dr. House, o cirurgião estético fazem justiça ao talento de João Baião. A Provadora da Revista é uma ideia magnífica que podia ter sido desenvolvida, na linha de um Diácono Remédios, e que Ana Brito e Cunha merecia. O “quadro de rua” tem momentos divertidíssimos, com os Agentes CSIs Galinheiras, Tretas e Tetas. Um Rui de Sá em bom plano, como ajudante. Paulo Vasco é um “Lobo” e um sacristão impagáveis. E Marina Mota não falha uma intervenção, mostra talento de sobra, mesmo quando o texto não a ajuda. Ela representa, canta e leva-nos a todos na sua marchinha.
A uma publicação afirmou: “Não há falta de talento na Revista. Há bons autores, bons actores, bons cantores. Mas é preciso melhores infra-estruturas, ou seja, maiores e melhores espaços, salas bem equipadas e com condições dignas de acolhimento do público. E isso depende da boa vontade dos nossos governantes, que só se lembram do Parque quando é preciso caçar votos”. Concordo e assino por baixo, com um grande abraço para toda a equipa.

DIA 12.12.07 - DIA 5 DE GRAVAÇÃO

5º Dia de gravações
Prolonga-se o mistério... Ou talvez não.
Há quem se aproxime..
Mas continuam a aparecer e a sentarem-se na cadeira.
Novas imagens, sempre inéditas,
da "cadeira"
e dos seus ocupantes.
No dia 12 sentaram-se na cadeira
Maria Barroso
Adriano Moreira
Varela Gomes
Manuel Serra
As fotos continuam a ser do Frederico Corado
Colaborou toda a equipa
A continuar...