sábado, novembro 15, 2008

EDGAR ALLAN POE NO CINEMA

Regressa à actividade o blogue "Meia Noite Fantástica" com temas dedicados à literatura e ao cinema fantásticos. Preparando um ciclo cinematográfico que o Famafest 2009 irá dedicar ao extraordinário escritor, neste meu outro blogue se irão reunindo textos consagrados a Poe e às adaptações que conheceu ao longo de toda a história do Cinema. Aqui fica o inicio do texto agora publicado no aludido blogue.



NOTAS SOBRE EDGAR ALLAN POE
NO CINEMA
Ao analisar de forma muito rápida e sucinta a filmografia extraída de obras de Edgar Allan Poe, cumpre desde logo fazer ressaltar algumas ideias chaves. A primeira é a de que, apesar deste escritor ser um dos expoentes máximos da literatura fantástica e um dos mestres da literatura mundial, mais ainda um dos iniciadores da literatura moderna, um poeta admirável, um contista exemplar, um precursor do romance policial, poucos foram os grandes mestres da História do Cinema que dele se aproximaram buscando inspiração para obras suas. Há casos, certamente, Griffith e Fellini são dois exemplos possíveis, mas nem os filmes daí resultantes foram dos mais conseguidos, nem dois ou três títulos em mais de duas centenas de filmes são marca significativa.
Vejamos então quem se tem interessado pela obra de Edgar Allan Poe no campo do cinema. Não erraremos muito se os juntarmos em três grupos: alguns, não muitos, vanguardistas europeus e norte-americanos, ligados a escolas surrealistas ou expressionistas (Jean Epstein, Robert Florey, Edgar G. Ulmer, etc.), alguns mestres de série B, que representam o que de melhor a inspiração de Poe nos legou no cinema (nomeadamente Roger Corman, Gordon Hessler, ) e um grupo vasto de artesãos de série Z, mais interessados no negócio do que em arte, mas que não deixa de ser significativo preferirem Poe em tantas ocasiões, umas por oportunismo, servindo-se do nome e do prestígio do escritor, outras por sincero interesse literário, nem sempre devidamente vertido em imagens, é certo!.
Outro aspecto curioso a sublinhar: as obras de Edgar Allan Poe raras vezes são adaptadas de forma muito fiel à intriga e ao esquema dramático das mesmas, preferindo-se-lhes uma adaptação ao espírito, à atmosfera, às obsessões do escritor. Nem por isso, no entanto, muitas das adaptações não serão conseguidas, sobretudo na forma como continuam ou prolongam o clima gótico de uma indisfarçável estranheza e mistério.
O texto segue em "Meia Noite Fantástica". Para aceder basta clicar na ligação, ou no link colocado na coluna esquerda deste blogue.

sexta-feira, novembro 14, 2008

ENCONTRO DE BLOGUES

Hoje, às 15 horas, na Universidade Católica:
UMA NOVA FORMA DE CULTURA:
A BLOGOSFERA NA PRIMEIRA PESSOA DO SINGULAR
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Quando gostosamente aceitei participar neste Encontro Sobre Blogues, em particular no painel “Blogues Culturais e Educação”, fi-lo pensando apostar essencialmente na minha experiência pessoal, quer como bloguer, ou como frequentador de blogues, quer ainda como defensor de uma nova comunicação que irá ter – já tem, neste momento – os blogues como um dos centros nevrálgicos desse percurso inter-pessoal.
Gostaria, pois, de falar em nome pessoal, isto é, na primeira pessoa do singular, por várias razões:
1 - porque os blogues são uma forma de escrita, ou de outro tipo de comunicação mais diversificada, essencialmente, individual;
2 - porque os blogues, lidos num computador, são uma forma de leitura, ou de comunicação mais vasta, igualmente individual;
3 - porque os blogues pressupõem uma forma de responsabilização pessoal específica, do autor do blogue;
Mas porquê este interesse especial no “eu”, numa altura em que tudo parece canalizar-se para o “nós”? Qual o significado sociológico deste “eu” numa matriz cultural contemporânea?
Pois bem, desde o alvorecer do mundo até à actualidade a história da comunicação social partiu do “eu” para chegar ao “nós”, com assinaláveis progressos e resultados práticos. Na pré-história comunicava-se por sinais e figurinhas incrustadas nas paredes, depois começou-se a falar e a transmitir-se a informação, o conhecimento, a emoção, a fantasia ou a realidade através da palavra, contaram-se histórias de um para um, ou de um para um grupo restrito, que se foi alargando até chegar a multidões, quando se iniciou a impressão de jornais, revistas e livros. Depois veio a rádio, que voltou a impor a comunicação oral do “um”, mas agora para muitos, para massas humanas, para essas multidões que foram arrastadas, de forma exemplar, pela fabulosa manipulação extraterrestre de Orson Welles, que inventou, com a ajuda de Herbert George Wells, marcianos a aterrar em território norte-americano. Da rádio passou-se à televisão, do “nós” para o “nós”, entrou-se abertamente na globalização, na sociedade da informação, na comunicação omnipresente, na demasiada informação e comunicação que é já ruído que se sobrepõe à compreensão da mensagem.
Hoje estamos aqui, numa sociedade onde quase nada se ouve, porque múltiplos são os estímulos e estrondosos de ruído. Jornais, revistas, livros, rádios, televisões, satélites, cabos, computadores tudo serve para veicular a informação, o comentário, a opinião, tudo parece servir para adormecer o agente receptor e deixá-lo estupefacto. Tudo muito rápido, muito ritmado, legendas por cima de imagens, com locução off, imagens sobrepostas, ilusões sobre fantasia, realidade trabalhada, manipulada como virtualidade, virtualidade oferecida como coisa tangível, “segunda vida”, apoteose do gótico gongórico, não dando ao leitor-ouvinte-espectador qualquer hipótese de pensar, de analisar criticamente, de usufruir de uma emoção, de se sentir projectado na notícia. Vertigem em lugar de análise ou fruição.
Na voragem do tempo, perderam-se vários valores, encontraram-se outros. Nada de saudosismos descabidos. Os tempos são os tempos que temos e vivemos. É neles que teremos de encontrar a nossa felicidade e de procurar interagir com a dos outros. Em busca do que de melhor há nele, nesse nosso tempo novo. As maravilhas da tecnologia impuseram-se em toda a linha, hoje os periódicos são “full colours”, os canais de televisão são às centenas, vindos de todo o lado e para todos os gostos, temáticos e generalistas, cinema, desporto e porno, soft e hard, mas começaram quase todos a serem iguais uns aos outros e a disputarem os mesmos públicos. E a serem disputados pelos mesmos poderes controladores. A multiplicidade de informação não diferencia as mensagens, já que por detrás da grande maioria dos grupos de comunicação se encontram grupos económicos que alinham todos pelo mesmo diapasão. Diferenciações políticas? Divergências ideológicas? Nada disso: uniformização económica e financeira. A globalização ao serviço do lucro, e se possível do lucro fácil. Não esperes por amanhã para lucrares com o que podes ganhar hoje.
A crise da comunicação é visível. Não falemos dos grandes periódicos que perdem terreno dia a dia. Fiquemo-nos por algo mais comezinho. A crise levou ao desaparecimento de muitos jornais de província, e à completa reformulação de muitos outros. Os semanários regionalistas, onde se sabia do obituário da cidade ou da vila, onde se publicitavam casamentos e baptizados, onde se escrevia em palavra de forma o diz-se diz-se das vizinhas que, ao fim da tarde, se sentavam na soleira das portas das casas da aldeia e punham em dia as (raras) novidades do dia, esses semanários regionalistas desapareceram ou snobizaram-se. Já não dão conta do casamento da prima, do falecimento do sogro, do baptizado da afilhada, nem sequer publicitam o fim de curso de fulano de tal, recém regressado de Coimbra, com o canudo debaixo do braço.
Neste universo sem tempo para o tempo, o computador veio trazer mudanças complexas na estrutura das sociedades. A troca de emails e as conversas em chats em tempo real foram um meio de ligar continentes, famílias, amigos, profissões, assim como de compensar solidões, de extravasar a timidez de uns tantos (deles mas, sobretudo, delas), de psicanalisar sem divã nem psicanalista pago à hora. Num mundo com rostos ou sem rostos, com nomes próprios ou disfarçadas em nicknames, as pessoas foram-se entendendo e/ ou desentendendo profissionalmente, criando amizades ou inimizades, namorando ou inventando o sexo virtual, ou simplesmente matando o tempo com um ou uma desconhecida com quem se discorre ao longo de uma noite. Foi uma caixa de Pandora que se abriu, com o fascínio do proibido sob disfarce e o perigo que resulta do anonimato sem escrúpulos. Foi um tempo que não passou, mas que cedeu lugar à coqueluche o momento, os blogues e a blogosfera.
O que são os blogues?
São poisos individuais a que cada um dá o seu serviço. Em Londres, no Hide Park, havia (não sei se caiu totalmente em desuso, nos últimos dois ou três anos, agora com os blogues), o cantinho do orador (the Speaker’s Corner). Antigamente era uma área de certo prestígio, onde se discutiam questões prementes da sociedade inglesa. Depois foi-se resumindo a um centro de peregrinação de turistas em busca do exotismo exibicionista local, isto é o sítio onde se podiam ouvir loucos varridos pregar no deserto, para gáudio de públicos sem pudor. Mas o princípio, nos seus melhores tempo, era o mesmo do dos blogues de agora: dar a voz a quem quer que seja que a queira tomar, para a usar da forma que pretender. Muito democrático, na aparência. Tal como os blogues. Estes com uma vantagem, ou desvantagem, consoante o prisma: podem ser anónimos.
Construir um blogue é facílimo; alimentá-lo depende do engenho e das intenções de quem o criou. Por isso “existe” e “não existe” “uma” blogosfera. Claro que existe uma blogosfera global, no interior da qual tudo é possível, uma blogosfera anárquica, pirata, onde se pilham fotos e textos como qualquer pilha-galinhas de outrora. Diga-se que não me atormenta muito essa majestosa nave de piratas, navegando no espaço etéreo, que se vai alimentando de uma enormíssima comunidade de dadores-consumidores que constantemente se renova.
Fazendo apenas um pequeno parêntesis: outras questões me atormentam e algumas de sentido contraditório. O que me preocupa é que se regularize, se regulamente, se normalize, se transforme numa plataforma do “politicamente correcto”, este armazém de energias diversas onde se sente palpitar a vida. Por outro lado, o que me põe fora de mim é algo diametralmente oposto: é o uso do anonimato e da cobardia para se transformar a blogosfera numa selva de ofensas públicas e privadas, de arruaça mesquinha, de vingança pessoal. Por isso espero que a liberdade continue a ser integral, mas a responsabilidade que o seja por igual total. Aplaudo de cada vez que um energúmeno sem nome nem rosto é descoberto e levado a julgamento e condenado, se se provar que agiu de má fé e deu mau uso á liberdade de opinião. A liberdade total só existe na total responsabilidade. Quem não tem unhas para tocar guitarra, ou quem não tem cara para apanhar um bom par de estaladas, como nos velhos tempos de Eça e Ramalho, não se deve meter onde não é chamado. Quem quer usufruir de direitos (e a liberdade é um dos mais sagrados) terá de responder com deveres (e a responsabilidade sobre o que se diz e se faz é um dos mais elementares).
Fechado o parêntesis, que me parece essencial, volto à comunidade de dadores-consumidores da Blogosfera.
Que se pode esperar dela? Tudo, e quase tudo será bem-vindo. O blogue é um espaço vazio que será preenchido pela essência de cada um. O blogue é um retrato de quem o cria. Há blogues para todos os gostos e feitios, e em quase todos encontro razões para por eles me interessar num momento ou noutro da minha viagem pela blogosfera.
Há o diarista, que conta o que o seu autor faz hora a hora, ou dia a dia; há o ensaísta, em que rigorosamente só se escreve sobre um tema predilecto (e devo dizer-vos que sobre cinema há muitos e muito interessantes, por vezes muito mais estimulantes do que a escrita institucional dos críticos encartados da comunicação social); há o rebelde, que passa da confidência pessoal, do registo de factos, à escrita opinativa, ao ensaio, ao lembrete (de certa forma confesso incluir-me neste campo); há os amorosos e românticos, que curtem paixões passadas à espera de novas oportunidades; há os de engate, mais ou menos claros, os ostensivos e os tímidos, que falam de poesia ou de filosofia, à espera que lhes apareça o “príncipe encantado” nos “comentários” do dia; há os ofensivos, irados, grosseiros, que não hesitam frente a nada, e que normalmente são anónimos, como está bem de ver; há os marginais, alternativos, uma imagem a preto e branco, uma frase entrecortada, uma referência muito intelectual apenas entrevista, para os super-dotados descobrirem e se sentirem super-dotados, tal como o autor do blogue se sente quando os evoca; há os diligentes, que se querem de “serviço público”, onde se lêem livros, vêem filmes, anotam estreias, inaugurações, lançamentos de livros, e se põe a circular uma autêntica agenda cultural de valor incontestável; há os poético-sornas, que transcrevem simplesmente poemas de outros e imagens de flores de jarras vizinhas; há os snobs, literariamente bem burilados, com estilo, pompa e circunstância; há os políticos, que tudo contestam, porque na contestação é que está o ganho, e há os outros políticos que defendem a ordem estabelecida, qualquer que ela seja, ou se ela está de acordo com a sua filiação partidária; há as franjas dos fanáticos de sado-masoquismo, do nazismo, das ditaduras, da Ku Klux Klan, do terrorismo, das bombas caseiras; há os desportivos, com o emblema que tem sempre razão encimando os comentários semanais a mais uma jogatana, injustamente perdida por causa de interposto árbitro; há os blogues de professores, os que organizam aulas e oferecem matérias de reflexão aos alunos e os que manifestam a sua repulsa pelo Ministério, qualquer que este seja; há os científicos, onde se trocam ideias e conceitos; há os literários, de “escrita criativa”, como agora se chama a essa disciplina que pode ser ensinada (para deixar de ser criativa); há os confessionais, congregando lamúrias sobre a vida e os infortúnios dos amores, choramingando baba e ranho a cada post; há os vitalistas, que se levantam cheios de energia e, antes de saírem para “a mágica manhã luminosa”, ainda conseguem tempo para anotar um pensamento positivo para o dia lhes correr bem; há... a variedade possível da infinita diversidade do ser humano.
Não se conhecem muitas vezes os rostos, não se sabe normalmente se há ou não batota na identificação do sexo, da idade, da profissão, e, todavia, na sua extrema fragilidade são seres humanos que procuram exprimir-se, falar de si, fazerem-se ouvir, mal ou bem, com erros gramáticas ou não. Professores universitários ou empregadinhas de caixa de supermercado, políticos ou estudantes em busca de veia literária, todos dispõem de um sítio onde se expressam. Realmente muito democrático, tanto mais que depois cada blogue ganha o crédito da sua própria qualidade e do seu poder de intervenção. Tudo muito relativo, até: quem me diz que o blogue do político muito mediático com 3000 visitas diárias tem mais importância real do que o blogue de uma ignorada cidadã que com um comentário certeiro salva o dia de alguém desesperado ou alimenta um sorriso num rosto desconhecido?
Todos podem ter uma função e ai de quem duvidar dessa possibilidade. Esta parece-me a grande revolução que irá desencadear uma profunda transformação cultural. Não mais existe o conselho redactorial ou a “agenda” do jornal ou do canal de TV. Não mais a censura do editor chefe que faz os cortes que entende em nome do espaço e do interesse que julga a notícia ou o comentário possuire. No blogue escreve-se o que entendemos, como entendemos. Escreve-se todos os dias, todas as semanas, mas sobretudo quando apetece. Escreve-se muito ou pouco e espera-se apenas que quem tiver interesse leia ou olhe: ninguém obriga ninguém a consumir. O produto está ali, à espera de quem o desfrute, mas não há drama se não aparecer clientela, nesse dia ou no outro.
Mais: uma das características dos blogues é que quase todos são construídos com enorme devoção e o saber e a intuição própria de cada um. Há os sóbrios e os góticos, há os das florinhas e os dos fundos brancos, há os que explodem de cor e os beges discretos, há os que levam aos seus proprietários horas a escolher uma imagem e os que publicam a que primeiro aparece na pesquisa do google; há os que escrevem uma frase burilada ao longo de um dia de pensamento e os que redigem testamentos sobre um tema que os assalta de momento. Há principalmente a diversidade que urge respeitar, porque é dessa diversidade que nasce o fascínio desta nova cultura, profundamente democrática, se bem entendida (e lá volta a maior liberdade para a maior responsabilidade).
Tal como na sociedade onde vivemos o nosso dia a dia, casa, automóvel, emprego, casa, televisão, computador, nesta nova sociedade dita “virtual” (porém “real”, bem “real”, pois nada mais é do que o reflexo mais profundo, mais íntimo e mais significativo de uma “consciência colectiva” que é o somatório de todas as consciências individuais) há de tudo. Navegar na Internet, surfar pelos blogues impõe uma mentalidade nova e um rigor cada vez maior. A ingenuidade não é mais possível e essa é uma das características para que urge alertar o consumidor passivo destas novas ferramentas tecnológicas. Sabe-se como jornais e canais de televisão podem manipular abertamente para atingirem os seus fins, quer sejam políticos, económicos, ou culturais. Podem até manipular apenas por ignorância, que é cada vez maior, ou por maldade, que sempre foi congénita ao ser humano. Há provedores dos leitores, dos ouvintes, dos telespectadores, há conselhos de redacção, há entidades reguladoras, há um manancial de entidades que procuram corrigir os erros, os lapsos, as mais grosseiras falcatruas, e, todavia, elas perssitem, cada vez mais subtis, mais maliciosas, mais traiçoeiras.
Na blogosfera não há nenhuma dessas ajudas, nenhum desses zeladores pelo bem público e a causa democrática. A blogosfera é terra de ninguém, terreno de pacatos cidadãos e de desordeiros flibusteiros. É importante ter muita atenção com o que se lê e no que se acredita. Há os blogues inofensivos. Que podem ou não ser anónimos. Nada me move contra um senhor ou uma senhora que queira compartilhar anonimamente o seu desgosto de amor, a sua propensão lírica, o seu gosto pela culinária, os cães e os gatos, as suas fantasias eróticas ou as suas meditações religiosas ou estéticas. O anonimato só é obsceno quando alguém se serve dele para atingir a dignidade de outro.
Por isso já me preocupo, e muito, com a escrita torpe, a manipulação das consciências e das boas fés, a defesa do indefensável, a apologia da devassidão entre jovens impreparados, o grotesco espectáculo do que há de mais infame no ser humano. A blogosfera, que vem dos homens, reflecte tudo o que há neles, do sublime ao maremoto da ignomínia. Eu que não acredito em censuras, acredito na educação, acredito na experiência, acredito que ao longo dos tempos sempre venceu o que há de melhor no Homem, nessa luta titânica e diária contra o Mal. Se assim não tivesse sido, há muito que a existência do Homem teria desaparecido da face da Terra. Mas, para meia dúzia de energúmenos que vão aperfeiçoando as armas do crime, há sempre batalhões de gente de bem que oferece o seu corpo às balas de toda a espécie para defender a dignidade, a liberdade, a justiça, o progresso.
Na blogosfera assim será. Sem optimismos desmedidos, mas tendo a noção de que se fala muito do Mal porque se conta pouco do Bem, que não é notícia, acredito que a blogosfera será um passo imenso no futuro da comunicação social. Cada um escrevendo como quer o que quer, cada um assumindo a responsabilidade do que coloca no ar, cada um procurando um outro que o leia e partilhe informações, conhecimentos, ideias, procurando um outro ou outra e com ele ou ela dividir a solidão, com ele ou ela comungar uma nova amizade, com ele ou ela descobrir um novo amor. Com ele ou ela, com eles ou elas construir projectos comuns, defender causas colectivas, impor rupturas na sociedade. Cada vez mais os políticos apelam à comunicação virtual, e significativamente são os que têm causas e valores a defender que a utilizam com maior empenho e melhores resultados.
Mas também com ele ou ela do outro lado da blogosfera cada um de nós continua a descobrir-se a si próprio. Descobrir-se a si próprio, eis o que penso ser um dos pontos essenciais da blogosfera. Não é acaso que o ecrã do computador, em atmosferas menos iluminadas, mais escuras, mais íntimas, reflecte o nosso rosto, o rosto de quem bate as teclas e olha o monitor, para ler o que acabou de escrever. Ao escrever o que pensa e ao publicá-lo no seu blogue, o bloguer está a dar-se a conhecer ao mundo (ao “mundo”, vasto ou diminuto, que o adopta, que o aceita, que o procura) e está a receber de volta essa imagem. Mais do que num jornal ou num livro ele reflecte-se ali por inteiro, e interage com outros “mundos” que o comentam, o adicionam às suas listas de links, o ignoram, o tentam seduzir, o contradizem, ou simplesmente o lêem em silêncio. Cada um de nós deve aprender que, na blogosfera, se aprende, e sobretudo se aprende a ler, olhar, respeitar, compreender, amar o outro, o igual a nós mas também o diferente, o que nos lê e compreende e o que nos lê e não nos aceita porque é diverso de nós.
A blogosfera por vezes irrita (irrita-me) quando a sedução mesquinha do comentário “amigalhaço” impera. Não devemos agenciar a unanimidade, sobretudo quando ela é apenas tradução de hipocrisia ou delicadeza de ocasião e nada representa de sincero e autêntico. A blogosfera é um terreno ímpar para se conhecer o que pensa o nosso vizinho do lado, mas também o desconhecido da Índia, dos EUA, do Afeganistão ou da China. Muitas vezes basta lê-los, deixar um comentário, se for caso disso. Trocam-se pontos de vista, em português, com a nossa amiga do Rio ou de Goiás, com o companheiro de trabalho que vive em Angola, com a Presidente da Câmara da cidade caboverdiana. E assim se sabe da saúde, da família, dos problemas, das ideias, do futuro, olhando o blogue. Perceber a sensibilidade tão distinta que se reflecte num blogue de uma brasileira extrovertida ou de uma snobérrima e recatada francesa são momentos importantes, ajudam-nos a compreender o mundo na sua diversidade e a aceitá-lo como tal, da mesma forma que outros nos aceitam a nós. A blogosfera tem de tender a ser essa terra de respeito mútuo, de construção colectiva, de utopia possível.
Numa altura em que quase todas as utopias ruíram, em que os valores se afundam, em que o materialismo guerreiro se tenta instalar com os resultados que todos vemos, é importante reinventar novas utopias, que sendo utopias todos sabemos não cumpridas a cem por cento no futuro, mas prováveis de concretizar em larga medida. Procuremos levar para a blogosfera a nossa diferença, o nosso contributo, descobrir dentro de nós a grandeza que cada homem e cada mulher comportam dentro de si.
A blogosfera é, por definição, dádiva. Haverá certamente, por vezes e em muitos casos, muito de humanamente mesquinho no acto de arquitectar um blogue. Não tenho ilusões que em muitos casos são sentimentos ruins que estão por detrás desse comportamento. Mas, na maioria dos casos, é de dádiva que se trata – é o caso de alguém que escreve, que cria, que movimenta ideias, palavras, imagens e sons para oferecer a um outro qualquer que, também maioritariamente, não conhece. É uma oferta ao desconhecido que fica a vogar da éterosesfera, em busca de um leitor possível para um texto que se escreveu dolorosamente, à procura de um ouvinte para uma área musical que se ama, para uma imagem que nos diz muito.
Delicadamente, discretamente, amorosamente alguém pesquisou uma área de uma ópera e a colocou no seu blogue. Acto aparentemente de pouco alcance, é certo. Acto de uma total gratuitidade. De uma enorme generosidade também. Quando clico no link e saltam do nada da noite as primeiras notas, percebo que é alguém de um ponto perdido no universo que me oferece uma mão e me toca com o seu carinho. Não me digam que evoluo num mundo de príncipes e fadas, porque não é verdade. Se há alguém causticado nalgumas intempéries da vida eu não deixarei de ser um deles. Mas é urgente não desbaratar esse potencial de generosidade que permanece no interior de cada um de nós e que transforma a blogosfera num universo de oportunidades invulgares.
Tudo o que é possível está à nossa frente. Tudo depende de uma opção nossa. Tudo provém da nossa liberdade de escolha. Eu sei que a liberdade deve ser dos valores mais difíceis de se viverem. A imposição de uma opção que se habita hora a hora, minuto a minuto, que remete para o mais profundo de nós, cansa e por vezes dói. Mas é essa liberdade que nos distingue e faz de nós seres diferentes. Porque entre o que se acha correcto e o que se sabe ignóbil vai a distância da nossa escolha. A blogosfera, porque se concebe apenas no confronto de mim comigo, é um território altamente pessoal, individual, de opção secreta e íntima. Aliciante, mas difícil. Não há chefe de redacção nem director, nem estagiário, nem livro de estilo, nem compêndio de ética que nos salve nos momentos de crise. Somos nós perante nós próprios. Um perigo. Um desafio.
Finalmente, o lado sumamente gratificante de escrever e ver publicado o que se compôs. Quando era miúdo vivi durante anos paredes-meias com dois jornais regionais, onde passava grande parte do meu tempo dito livre. Escrevia notícias, fazia pequenas entrevistas, apanhava sobretudo o bichinho da escrita e da leitura, bem assim como o vício de “fazer” jornais. Em casa escrevia-os à mão, dobrava-os e mostrava-os aos meus pais. Na tipografia dos hebdomadários, escrevia primeiro a notícia, quase sempre sobre cinema e as actrizes que já nessa altura me apaixonavam, e os realizadores que me emocionavam, e depois tentava compô-la, em caracteres de chumbo, para depois a ver impressa. Era uma autêntica alegria que, não tendo seguido eu a carreira de tipógrafo, julgava para sempre ter desaparecido do meu horizonte. Ledo engano. Muitos anos depois, volto a escrever, a compor, a paginar, a ilustrar, a musicar se assim o entender, e a publicar de imediato o que, com maior ou menor engenho, gerei. É uma alegria intensa, que vale o esforço, que compensa as horas despendidas.
Depois sente-se a liberdade do voo da ave.
Não se fica à espera da remuneração devida, ou de qualquer medalha por serviços prestados à comunidade, mas aguarda-se que alguém, secretamente, leia, abane com a cabeça, que sim ou que não e que comente ou não (mas por favor não comentem apenas porque sim, porque faz parte das regras da etiqueta, porque manda a sedução da praxe comentar aqui para receber a paga no blogue que deixa a marca). Comentar não se ensina. Comenta-se o que se acha que se deve comentar. E é perfeitamente legitimo comentar com um olá um amigo ou amiga que não vemos há tempos. Mas esvoaçar diariamente de blogue em blogue para deixar a marca da sua passagem, para receber horas depois a paga no seu espaço, não me parece muito sincero, e abomino hipocrisias. Mas se calhar, neste enorme divã de psiquiatra, esta é uma forma reconfortante de adormecer diariamente, imaginando os quantos amigos se tem, espalhados pelo mundo. A mim irrita-me, devo confessá-lo, mas quem sou eu para julgar estas miudezas sem especial significado?
E assim tenho de chegar ao fim deste depoimento pessoal que tempo não abunda e há mais contribuições a ouvir, já a seguir.
Muito obrigado pela atenção e uma última informação: ao fim da tarde, ao princípio da noite de hoje, já estará, em letra de forma, este texto disponível no meu blogue. Sirvam-se, se fazem favor.
Lauro António / 14 de Outubro de 2008
fotos do blogue Indústrias Culturais, de Rogério Santos, onde se pode colher muita informação sobre o "Encontro"

MANIFESTAÇÕES

Quem disse que há crise de ensino?
Quem disse que os alunos não aprendem?
Quem disse que os professores não ensinam?
Quem disse que os bons exemplos não devem ser seguidos?

terça-feira, novembro 11, 2008

MAIS INFORMAÇÕES SOBRE O ENCONTRO

comunicado da organização:
IV ENCONTRO DE BLOGUES
14 e 15 de Novembro de 2008
Universidade Católica Portuguesa
É já esta sexta-feira, dia 14 de Novembro, que tem início o IV Encontro de Blogues, um acontecimento que conta com a presença de inúmeros conferencistas, entre os quais se destaca José Luís Orihuela, um dos mais antigos e conceituados autores de blogues. O encontro realiza-se na Universidade Católica (Lisboa) e estende-se até ao próximo sábado, dia 15 de Novembro, com diversos ateliers de formação em Photoshop e Ferramentas de Web 2.0.
Desde 2003, que os blogues se assumiram como um novo meio de comunicação presente no quotidiano. Ferramenta da internet fácil de construir, tornou-se um meio de expressão de muitas pessoas, até aí sem possibilidades de expressão pública. Inicialmente, os blogues tinham apenas disponível a ferramenta de escrita de textos. No entanto, mais recentemente, existem blogues que usam a imagem (fixa, em movimento, em slide) e som, o que os torna num meio multimédia, com grandes potencialidades de edição.
No primeiro dia do IV Encontro, 14 de Novembro, será focada em especial a questão dos blogues de cultura, segundo três painéis: blogues e segmentação da blogosfera, blogues culturais e educação e blogues e negócio. O dia 15 de Novembro, é totalmente dedicado à formação e conta com ateliers de Photoshop e Ferramentas de Web 2.0.
O IV Encontro de Blogues conta com a presença de José Luís Orihuela (Universidade de Navarra), um dos mais antigos e conceituados autores de blogues e com bibliografia publicada, nomeadamente La revolución de los blogs (2006).

Prazos e preços
Inscrições no Encontro – até dois dias antes da sua realização;
Encontro
· Estudantes UCP – gratuito;
· Estudantes de outras instituições – 10 euros;
· Outros – 20 euros.

Atelier (cada um)
· Estudante UCP – 20 euros;
· Outros – 30 euros.

Para além da conferência inicial, que conta com a participação de José Luís Orihuela, o programa integra ainda os seguintes conferencistas:
1º Painel – Blogues e segmentação da blogosfera
11:00-13:00
Moderador: Prof. Fernando Ilharco
1) Portal Sapo
2) Mariana Pinto e Sara Bica (UCP), A Interacção entre os Adolescentes e a Blogosfera – Estudo comparativo entre Oeiras e Caldas da Rainha
3) Pedro Andrade (CECL, UNL), O discurso da wikipedia sobre a blogosfera
4) Carla Cerqueira e Luísa Teresa Ribeiro (Un. Minho), Os bloggers têm sexo?
Contributo para o mapeamento da participação feminina na blogosfera
5) Ana Paula Lemos (Associação Europa Viva), O blogue como instrumento de comunicação cultural e associativo

2º Painel – Blogues culturais e educação
14:30-16:30
Moderadora: Mestre Carla Ganito
1) Nuno Galopim ou João Lopes (Sound+Vision)
2) Mário Pires (Retorta), Para uma cultura da colaboração em rede
3) Lauro António, “Uma Nova Forma de Cultura: a Blogosfera na Primeira Pessoa do Singular”
4) Dora Santos Silva (UNL), A “e-Biblioteca de babel”. Contributos dos blogues culturais para uma ampliação da definição e política do jornalismo cultural
5) Rogério Santos (UCP), Blogues, responsabilidade social e comunicação pública

3º Painel – Blogues, cultura e negócio
17:00/18:30
Moderador: Prof. Rogério Santos
1) Paulo Querido
2) Booktailors, Blogues profissionais: a blogosfera como plataforma de comunicação (caso Blogtailors)
3) Ricardo Tomé (RTP), Os blogues no processo de produção de televisão e rádio
4) Elisabete Barbosa (Un. Minho), As agências de comunicação portuguesas na blogosfera: temáticas e propósitos
5) Pedro Lains (ICS), Blogues e cultura económica

Mais informações disponíveis nos sites



segunda-feira, novembro 10, 2008

MANIFESTAÇÕES

AS MANIFESTAÇÕES DOS PROFESSORES
E A EX-MINISTRA DA EDUCAÇÃO

Se há coisa que eu goste de ver é a Senhora Dr.ª Manuela Ferreira Leite e os sindicalistas do PC (com os seus “compagnons de route”) a encabeçarem unitariamente as manifs dos professores. Eu sei que os professores têm razão nalguns aspectos, mas também sei que os sindicatos se têm aproveitado desse descontentamento para fazerem arruaça politica e tentarem a golpada de rua para descompensar o governo. O que acho de um flagrante oportunismo politico e espanta-me como uma classe que se diz tão esclarecida se deixa levar por manifs, como as de 75, ou recuando mais uns anos, como as da época do salazarismo (autocarros, demagogia, vitimização e etc.). Ora se os professores têm razão nalguns aspectos e eu compreendo muitas das suas reclamações, porque não sentam à mesa com a Ministra ou os seus representantes e apresentam projectos de avaliação alternativos e tudo o mais que os preocupa?
Calculo que os sindicatos e os partidos na oposição não querem por nada desta vida o diálogo, sobretudo em vésperas de eleições (vejam-se os discursos, os slogans, as professoras com os óculos pintados a dizerem “não voto PS!”). Mas será que há 120.000 professores míopes ou andam todos com os óculos pintados? Será que gostam de ser manipulados como marionetas desta forma tão escandalosamente óbvia?
Há muita coisa que não concordo com a actuação deste governo, há muita coisa em que compreendo e apoio os protestos dos professores. Há, sobretudo, uma classe que até agora tenho respeitado acima de todas: os professores. Os (bons) professores não recebem quanto deviam, os (bons) professores dão aulas, preparam-nas, fazem e corrigem testes, trabalham nas secretarias e reúnem (muito reúnem os professores, minha nossa!), e enfrentam uma profissão de risco. De risco cada vez maior, se não se impuser alguma disciplina e ordem nas escolas. Se não se acabar com essa ideia peregrina, herdado do pós 25 de Abril, de que “estudar é divertido”, estudar “é um jogo”, “os meninos brincam e passam o ano” (quando estudar é trabalhar no duro, e aprender que se tem de trabalhar na vida!). Ser professor é também optar por uma carreira (que se julga fácil, e é fácil para os medíocres e os pouco exigentes!) quando não se tem jeito para mais nada (e para ser professor também não!).
Depois da escola da reguada, castradora, puritana e dogmática do salazarismo, tivemos a escola à balda, tudo ao molho e fé na Revolução (qualquer que ela seja, desde que dê para a balda), a escola do panfleto, da passagem administrativa, das reuniões gerais, parciais, grupais, das reuniões de dois ou de cem, das manifs por dá cá aquela palha. Compreensivo até certo ponto esta viragem de 180 graus, mas, que diabo!, somos adultos e vacinados, dá para perceber que não se pode caminhar mais nesse sentido, senão o abismo é irremediável. O ensino em Portugal estava (e ainda está) uma miséria. Os alunos não sabem escrever, não sabem ler, não sabem pensar. Chegam à Universidade (os que chegam, a grande maioria dos que vou apanhando nas minhas aulas) com gravíssimas lacunas. Os (bons) professores devem ser os primeiros a exigir um melhor e mais exigente ensino. Devem procurar valorizar os (bons) professores e obrigar os maus e os medíocres a melhorarem ou a então a escolherem outras profissões (por exemplo: banqueiro. Ganha-se muito bem, não se faz muito, e se nos enganarmos, e se trapacearmos o necessário para se fazer fortuna, somos nacionalizados e acabam por pagar todos pelos nossos erros e falcatruas!). Mas o corporativismo nas escolas é aberrante. Por um lado existem as invejas e as promiscuidades que são o pão nosso de cada dia, as sacanices entre colegas são o que mais se apregoa, mas também a corrupção na divisão das regalias, o assédio na promoção, e sobretudo o compadrio e a “defesa da classe”, quando se sentem ameaçadas nalguns privilégios.
Mas, sobretudo, quando os professores se misturam com os políticos, ficam muito mal na fotografia. Porque os políticos sabem-na toda, começaram a ler todos pela mesma cartilha, e os professores deixam-se levar naquilo que (se calhar) têm de mais puro: uma certa ingenuidade. Quero acreditar que assim seja. Mas já só é ingénuo quem quer, quando se vê a Senhora Dr.ª Manuela Ferreira Leite, ilustríssima e adoradíssima ex-Ministra da Educação deste País, colocar-se ao lado dos sindicatos na véspera de uma manif e todos juntos saírem à rua, com “a revolta” da boca. Quem não se lembra das manifestações, à beira do seu Ministério, certamente de apoio á sua política, semana sim, semana não, promovidas pelos mesmo sindicatos com que agora sai à rua de braço dado? (falo em sentido figurado, obviamente. A Senhora ex-Ministra manda sair, não se mistura com a gentalha). Alguém não tem vergonha nenhuma, e não sou eu de certeza.

sexta-feira, novembro 07, 2008

BARACK OBAMA

Comecemos por uma transcrição do meu correio electrónico de ontem:

Barack Obama para eu
Lauro --
I'm about to head to Grant Park to talk to everyone gathered there, but I wanted to write to you first.
We just made history.
And I don't want you to forget how we did it.
You made history every single day during this campaign -- every day you knocked on doors, made a donation, or talked to your family, friends, and neighbors about why you believe it's time for change.
I want to thank all of you who gave your time, talent, and passion to this campaign.
We have a lot of work to do to get our country back on track, and I'll be in touch soon about what comes next.
But I want to be very clear about one thing...
All of this happened because of you.
Thank you,
Barack
Obviamente que sei que não foi Barack Obama quem me escreveu. Mas é curioso o cuidado. Há umas semanas atrás, na emoção da luta eleitoral que se passava nos EUA, mas que dizia respeito a todo o mundo (e continua a dizer, cada vez mais), inscrevi-me no site oficial de Obama, para receber notícias, e, sobretudo, num quixotesco acto de longínquo apoio, que nada queria dizer em termos de votação americana (nem sequer pude contribuir com 15 dólares para a campanha, pois só aceitavam contribuições de americanos!), mas que para mim importava como afirmação. Sei lá, o dactilógrafo ou o informático que lessem o apoio de mais um português, podiam ficar mais motivados. Sei lá! (riso).
Sei que Obama ganhou e tenho a certeza que a Internet desempenhou um papel essencial nesta campanha. A mensagem que recebi diariamente, em nome pessoal, com informações diversas, tornava milhões de seres uma comunidade reunida em redor de um homem e de um projecto. De mudança. Foi muito agradável este convívio virtual, que tornou certamente possível uma vitória e uma mudança.
Não tenham dúvidas: mudança vai haver. Aquele caminho por onde iam os EUA não se poderia continuar a percorrer, sob pena de se cair num abismo internacional. Mas há por aí muito senhor e muita senhora que afirmam não acreditar em “grandes mudanças”, que “esperam para ver”. Não tenham dúvidas também a esse respeito, e espero que ainda bem. Obama é americano, democrata, defensor de um mundo livre, não vai seguramente transformar os EUA numa “república democrática” á moda das de Leste. Se esperam para ver isso, o melhor será não esperarem. Graças a Deus ou à simples vontade dos homens.
O que espero é que haja mais respeito nas relações dos EUA com os outros povos, que os negociantes do petróleo percam poder junto de Washington, que deixem de ser eles a definir a política externa. Espero que se resolva esta crise financeira que é uma tremenda injustiça para os mais fracos, os mais humildes, os que para ela em nada contribuíram. Espero que se controle este capitalismo desenfreado que tudo leva à frente e tudo destrói com o lucro rápido em mira. Espero que se calem esses idiotas do neo-liberalismo que nunca aceitaram o Estado intervencionista, mas que agora andam por ai com o rabinho entre as pernas, ó pai, ó pai, paga-me os prejuízos! Espero que se lute por mais justiça social, por mais liberdade, por mais bem-estar, por melhor saúde, melhor educação, mais e mais cultura. Afinal que se lute por se consolidar aquilo que melhor tem a América que eu sempre admirei, a sua literatura, a sua música, o seu teatro, o seu cinema, a sua generosidade na luta pela democracia e a liberdade. Há quarenta anos na América lutava-se por direitos humanos para os negros. Hoje está um negro na Presidência da República. Com todos os seus defeitos (e são muitos!), não há, porém, muitos outros países assim. É esta América que eu quero que continue a existir e a lutar contra a outra América das trevas e do conservadorismo mais retrógrado. É essa América que nos pode inspirar. E que poderemos inspirar.
Falando de conservadorismo, há mesmo assim que fazer ressalvas. McCain foi um bom candidato republicano, pena foi ter atrás de si aquele indivíduo que manchou para sempre o historial dos elefantes. O comportamento de McCain na campanha, e após a derrota eleitoral, é de saudar. Esteve à altura de alguns republicanos que admiro, e que vão de John Ford a Clint Eastwood.
Posto isto, boa sorte a Barack Obama e obrigado à série televisiva “24” por mostrar que os EUA podiam ter um Presidente negro. Não esquecer que a série era produção Fox, o canal mais republicano dos EUA. Afinal, às vezes, escreve-se direito, por linhas tortas. Tento tentou defender a política Bush que acabou por ajudar a colocar Obama na Presidência.
Palavras de Barack Obama:
«Anunciei que disputaria a eleição por conta daquilo que Martin Luther King definiu como 'a feroz urgência do agora'.
O momento é agora.
Não quero passar os próximos 4, 8 ou 12 anos assistindo às mesmas discussões, travadas da mesma maneira e com a mesma falta de resultados. Não quero opôr os conservadores aos liberais, quero liderar os Estados Unidos da América...(...)
Em cada momento histórico surgiu uma geração capaz de se erguer e imaginar algo de melhor para este país, uma geração disposta a lutar e a se sacrificar pelas próximas gerações. Agora chegou a nossa vez de lutar.Foi por isso que decidi disputar a candidatura. Não só porque eu tenho confiança na minha capacidade de liderar o país, mas porque tenho confiança em vocês...(...)
Confio em que vocês sintam nos vossos corações a necessidade de agir de um modo melhor. Prometo-vos que se decidirem unir a mim, eu garanto: não só venceremos uma eleição mas mudaremos a face deste país.»
Barack Obama

quarta-feira, novembro 05, 2008

MILÚ

Milú (Maria de Lurdes de Almeida Lemos)
(Lisboa, 24 de Abril de 1926 - cascais, 5 de Novembro de 2008)

Foi uma mulher lindíssima, uma actriz cujo talento chegava rápido ao público, uma personalidade encantadora. Hoje, no dia em que o seu corpo deixou de respirar, recordo-a a sentar-me aos seus pés, quando os meus pais a visitavam, tinha eu oito ou dez anos e ela era uma deslumbrante vedeta, uma "star" à proporção portuguesa, e eu a olhava com os olhos do encantamento mágico. Há um ano e uns meses, no São Luiz, foi homenageada e nessa altura escrevi umas palavras que agora recordo. Aqui. Como não deixarei de a recordar nunca, nem eu nem os portugueses que a continuarão a ver e ouvir nos filmes que a imortalizaram.

ANTÓNIO TABORDA

António Taborda no Vavadiando com Irene Pimentel
ANTÓNIO TABORDA
António Taborda no último Vavadiando, ao lado de Alice Vieira
No dia 29 de Outubro, no Vavadiando com Alice Vieira, lá estava ele, atento e interveniente como sempre. António Taborda, professor, era uma das presenças constantes e estimadas destes jantares tertúlias que vão acontecendo há dois anos e tal no Café Vavá. Foi aí que o conheci, foi ai que aprendia a estimá-lo, foi através desse convívio que o convidei a depor no meu documentário sobre Humberto Delgado e as eleições de 1958, onde ele ofereceu um emocionante e comovente testemunho sobre a fraude eleitoral numa assembleia de voto onde se encontrava como representante da oposição. Foi numa dessas tertúlias iniciais que o conheci, foi na última dessas tertúlias que dele me despedi, sem o ter pressentido. Partiu ontem, subitamente. Há amigos que se fazem sem se saber como acontece a amizade. António Taborda era um amigo, de uma vasta cultura, de um generoso convívio, de uma afabilidade que não esquecerei. Um homem que gostava de falar, mas que gostava também de ouvir. Partiu na manhã de ontem. Informaram-me no Vavá, a nossa casa comum.

António Taborda preparndo-se para prestar testemunho no documentário "Humberto Delgado: Obviamente, Demito-o!"

terça-feira, novembro 04, 2008

ENCONTRO DE BLOGUES


IV Encontro de blogues

Decorre nos próximos dias 14 e 15 de Novembro de 2008, na Universidade Católica, em Lisboa, o IV Encontro de Blogues, sob o lema “Blogues e Cultura”, com o seguinte programa:

Dia 14
9:00 – Recepção
9:30 – Sessão de abertura
9:35 – Comunicação de José Luis Orihuela (Universidade de Navarra)
11:00 – 1º painel – Blogues e a actual segmentação da blogosfera
14:30 – 2º painel – Blogues culturais e educação
17:00 – 3º painel – Blogues, cultura e negócio
18:30 – Encerramento dos trabalhos do primeiro dia

Dia 15
9:30 – Ateliê de Photoshop – monitor: Dr. Mário Barros
Ateliê de Ferramentas de Web 2:0 – monitor: Dr. Gonçalo Silva

Os painéis de debate previstos para dia 14 compreendem as seguintes participações / intervenções:

1º Painel – Blogues e segmentação da blogosfera
11:00-13:00 - Moderador: Prof. Fernando Ilharco
1) Portal Sapo
2) Mariana Pinto e Sara Bica (UCP), A Interacção entre os Adolescentes e a Blogosfera – Estudo comparativo entre Oeiras e Caldas da Rainha
3) Pedro Andrade (CECL, UNL), O discurso da wikipedia sobre a blogosfera
4) Carla Cerqueira e Luísa Teresa Ribeiro (Un. Minho), Os bloggers têm sexo? Contributo para o mapeamento da participação feminina na blogosfera
5) Ana Paula Lemos (Associação Europa Viva), O blogue como instrumento de comunicação cultural e associativo
6) Catarina Rodrigues (UBI), A informação fragmentada: questões e desafios

2º Painel – Blogues culturais e educação
14:30-16:30 - Moderadora: Mestre Carla Ganito
1) Nuno Galopim ou João Lopes (Sound+Vision)
2) Mário Pires (Retorta), Para uma cultura da colaboração em rede
3) Lauro António
4) Dora Santos Silva (UNL), A “e-Biblioteca de babel”. Contributos dos blogues culturais para uma ampliação da definição e política do jornalismo cultural
5) Rogério Santos (UCP)

3º Painel – Blogues, cultura e negócio
17:00/18:30 - Moderador: Prof. Rogério Santos
1) Paulo Querido
2) Booktailors, Blogues profissionais: a blogosfera como plataforma de comunicação (caso Blogtailors)
3) Ricardo Tomé (RTP), Os blogues no processo de produção de televisão e rádio
4) Elisabete Barbosa (Un. Minho), As agências de comunicação portuguesas na blogosfera: temáticas e propósitos
5) Pedro Lains (ICS), Blogues e cultura económica
6) José Gabriel Andrade (CECC, UCP), Blogues como ferramentas da comunicação organizacional

Pode consultar informações adicionais no blogue especificamente criado a propósito deste evento.

PROFESSORES E SINDICATO

Passei pelo blogue do meu amigo Tomás Vasques, "Hoje há Conquilhas..." e surpreendi uma citação de um outro blogue, "O Voo das Palavras", de António Garcia Barreto, com a qual estou inteiramentre de acordo. Leia-se então também aqui:
«Uma das razões, porventura a mais forte, que contribui para a imagem que se tem hoje dos professores, o desrespeito de que são alvo por parte de alguns alunos e encarregados de educação, sobretudo de gente menos avisada, deve-se às políticas sindicais protagonizadas pelo sindicalista Nogueira, que transformaram uma classe digna em carne para canhão de políticas reivindicativas antigovernamentais. Hoje olha-se para um professor e vemo-lo colocado ao nível de um administrativo ou um auxiliar de educação. É a tendência para o basismo total.»
Eu sei que não é politicamente correcto concordar com esta conclusão, por demais óbvia, mas custa-me ver uma classe que tem dentro de si tanto e tão bom material humano, ser amesquinhada diariamente mercê de uma política sindical de todo em todo mal conduzida.
Os professores - classe a que desde sempre me orgulhei de pertencer! - eram uma das classes mais prestigiadas em Portugal, antes desta inglória polémica, onde ninguém tem a razão absoluta pelo seu lado, mas onde a actividade oratória do sindicalista Nogueira coloca a maioria do lado oposto aos professores. O Ministério da Educação não poderia ter melhor aliado. É que já se sabe sempre, com dias de antecedência, o que a "cassete" vem dizer. O desprestigio da politica é total em casos como este.
Acrescento fora de horas: ver Hoje Há Conquilhas.

quinta-feira, outubro 30, 2008

CARLOS PORTO

Carlos Porto e a mulher, Teresa, numa foto retirada do site do Fitei.

Esta a notícia da Lusa, que passou, de noticiário em noticiário, no dia 29 de Outubro:

Morreu o crítico de teatro e dramaturgo Carlos Porto
Lisboa, 29 Outubro (Lusa) - O crítico de teatro e dramaturgo Carlos Porto morreu hoje aos 78 anos, em Lisboa, vítima de pneumonia, disse à agência Lusa fonte próxima da família.
Carlos Porto, pseudónimo de José Carlos da Silva Castro, nasceu no Porto em 1930 e notabilizou-se sobretudo na crítica de teatro durante quase cinquenta anos, sobretudo no Diário de Lisboa e no Jornal de Letras.
Um dos fundadores da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, Carlos Porto deixou obra como poeta, dramaturgo e tradutor, estando publicados, entre outros, "10 Anos de Teatro e Cinema em Portugal 1974-1984", "O TEP e o teatro em Portugal", "Fábrica Sensível" e "Poesia Cega".
Maria Helena Serôdio, directora da revista Sinais de Cena e amiga do crítico de teatro, recordou hoje à agência Lusa que Carlos Porto "foi um dos grandes fazedores de opinião pública em termos de teatro". "Era um crítico muito respeitado e por vezes muito temido, que provocou algumas polémicas, mas que respondeu sempre com coragem e frontalidade", disse Maria Helena Serôdio, reforçando o papel que Carlos Porto teve na década de 1970 na divulgação do trabalho de Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo.Foi, sobretudo, no Diário de Lisboa que Carlos Porto se destacou, disse Maria Helena Serôdio, "como combatente absolutamente decidido e corajoso sobre a liberdade do teatro, sobre a inovação e sobre o profissionalismo".
O corpo de Carlos Porto estará em câmara ardente a partir das 17:00 na Igreja de Arroios, em Lisboa. O funeral sairá às 15:00 de quinta-feira para o cemitério dos Olivais, em Lisboa.

Morreu o crítico de teatro e dramaturgo Carlos Porto

Será que muitos sabem quem foi? Será que sabem que pertenceu a uma geração brilhante da crítica em Portugal? Será que se calcula a importância que teve ao longo de décadas?

Conheci-o no "Diário de Lisboa", numa época em que este jornal era a cartilha da crítica e da opinião em Portugal, entre finais da década de 60 e meados dos anos 70. Na televisão dominava Mário Castrim, no cinema tínhamos aparecido eu e o Eduardo Prado Coelho, na música, a voz era a do Mário Vieira de Carvalho, no bailado, escrevia Manuela de Azevedo, e havia ainda gente muito interessante nas artes plásticas, ma literatura, até na tauromaquia a crítica era afamada. Havia suplementos culturais e sentia-se que o papel da crítica tinha uma influência decisiva. Tudo muito distante do que acontece hoje em dia, em que a crítica em Portugal quase não tem significado. Carlos Porto foi um dos nomes importantes desse período e um homem que representou um papel particularmente importante no campo do teatro que se encenava e se escrevia entre nós.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Vavadiando com Alice Vieira

CINE ECO 2008

ROSTOS DO CINE ECO 2008

CINE ECO 2008 - AS OBRAS

UMA PANORÂMICA PESSOAL
Passadas as reuniões e tornadas públicas as deliberações dos diferentes júris do CineEco 2008, permito-me agora dar opinião sobre as minhas obras preferidas. Poderei dizer que todas as premidas se encontram entre as minhas eleitas, apesar de muitas das minhas eleitas não se encontrarem entre as premiadas. E mesmo entre estas, a ordem de preferência é, obviamente, diferente. Cada cabeça, sua sentença.
O meu Grande Prémio iria para "Um Sentimento Maravilhoso" (A Sense of Wonder), de Christopher Monger (E.U.A, 2008), que se ficou pelo prémio Camacho Costa. Julgo, porém, que por todas as razões e mais uma, esta era a minha obra preferida. Partindo de uma peça teatral, escrita e interpretada por Kaiulani Lee, que ao longo de dezasseis anos a fez viajar por todos os Estados Unidos e ainda passar por Inglaterra, Itália, Canadá, Japão, etc., “A Sense of Wonder” esboça os anos finais da vida de Rachel Carson, uma bióloga marinha e zoologista norte-americana, que seria rapidamente conhecida como “a patrona do movimento ambientalista”, depois de ter escrito, em 1962, um livro, “The Silent Spring”, onde alertava o mundo para os perigos dos pesticidas então em alarmante difusão. Mas se esta obra provocou as mais desencontradas reacções, algumas das quais levaram a autora a ter de se defender de várias graves acusações que provinham de políticos, industriais, cientistas ou jornalistas, e que depois se provaram falsas, obrigando os detractores a retratarem-se e vários pesticidas, como o DDT, a serem colocados fora do mercado, a veia poética de Rachel Carson assinalava igualmente um momento importante no deslumbramento da vida natural, com um sentimento maravilhoso para com a imensidão do mar e dos seres vivos que habitam o nosso planeta. Nos últimos anos de vida, Rachel Carson sofreu de um cancro que a viria a vitimar, sem no entanto a fazer perder o prazer da vida e o encanto pela natureza. Com base em textos da escritora, Kaiulani Lee baseou a sua peça em duas entrevistas que funcionam como um longo monólogo, onde aborda as peripécias mais marcantes da existência da escritora, e deixa a marca da sua visão poética da vida. A interpretação de Kaiulani Lee é notável, a sua dicção hipnótica, a fotografia de Haskell Wexler digna do mestre que sempre foi. Rodado na casa de campo de Rachel Carson do Maine, "Um Sentimento Maravilhoso" é uma obra magnifica, delicada e sensível por um lado, vibrante e teimosa na sua obstinação, apaixonante e poética no seu declarado amor pela natureza, dolorosa no seu confronto com a morte. Uma verdadeira lição da arte de viver de acordo com a natureza, sem demagogias nem tibiezas. "Em Construção" (Under Construction), do realizador chinês Zhenchen Liu (França, 2008), foi o grande vencedor do Cine'Eco 2008, pois ganhou o Grande Prémio do Júri Internacional e do Júri da Juventude. Unanimidade pois. Nascido em Xangai, em 1976, formado na Escola de Cinema de Xangai, agora freelancer em França e na China, Zhenchen Liu escreve, realiza, fotografa, sonoriza, monta “Under Construction”, dez minutos de prodigioso efeito técnico, um majestoso traveling (que atravessa ruas, edifícios, portas e janelas) sobre as ruínas de uma cidade em transformação: todos os anos, aqueles que planeiam o urbanismo das cidades chinesas decidem arrasar parte da antiga Xangai para renovar a metrópole. Anualmente também mais de cem mil famílias são forçadas a abandonar as suas casas e a mudarem-se para edifícios nos limites da cidade, com tudo o que essa transferência acarreta. O Júri da Lusofonia atribuiu o seu Grande Prémio a "Juruna, O Espírito da Floresta”, de Armando Sampaio Lacerda (Brasil, 2008). Mário Juruna foi, até hoje, o único índio indígena que conquistou o direito de representar seu povo no parlamento brasileiro. Através de uma aproximação desta personagem mítica que morreu não há muito, vítima de diabetes, Armando Lacerda investe, com emoção e sensibilidade, na acidentada história da própria comunidade dos índios Xavante no interior do Brasil, e bem assim de toda a população índia que ainda sobrevive, depois de tormentosos períodos de um quase genocídio anunciado. A longa-metragem, fotografada com a exuberância cromática que o tema requeria, trouxe de novo o cineasta a Seia, onde já havia exibido “Guerra do Contestado”, que fora prémio Campânula de Prata, no CineEco 2000, e “Janela para os Pirinéus”, Menção Honrosa, do Júri da Juventude.
O Júri Internacional atribuiu ainda os seguintes prémios: Prémio Educação Ambiental: "Desertos em Movimento - Europa" (Wüsten im Yormarsch - Europa), de Ingo Herbst, (Alemanha, 2007), uma análise do impacto das alterações climatéricas na paisagem europeia, que ameaça transformar algumas zonas, nomeadamente a Península Ibérica, em desertos que prolongam a geografia africana. “Portugal, Espanha, Itália e Grécia são quatro países da UE tão afectados que aderiram já à Convenção das Nações Unidas para o combate à desertificação. Mas não são só estes países mediterrânicos a sentirem os efeitos. Bulgária, Hungria, Moldávia, Roménia e a Rússia também deram sinais de desertificação e, na Ucrânia, 41% das terras agrícolas estão em risco de erosão. Em 2000, as Nações Unidas publicaram um relatório em que se declarava “as primeiras fases de séria degradação da terra estão a ser assinaladas em várias partes da Europa e 150 milhões de hectares estão em alto risco de erosão. A deterioração atingiu um nível crítico nos países do Mediterrâneo”, afirmam os responsáveis pelo bem documentado filme, que se integra numa série televisiva, da qual se podia ver ainda, no “Panorama Informativo”, “Desertos em Movimento – A Ásia”. O Júri das Extensões atribuiu igualmente o prémio "Cine'Eco em Movimento" a "Desertos em Movimento - Europa". A "Os Olhos Fechados da América Latina" (Los Ojos Cerrados de América Latina), de Miguel Mirra (Argentina, 2007) foi atribuído o prémio “Antropologia Ambiental”. A obra deste argentino resulta num libelo latino-americano contra a pilhagem do continente pelas multinacionais e o capitalismo desenfreado. Trata-se da análise de um modelo económico que devasta as relações sociais e o meio ambiente em vários países da América Latina, juntado para o efeito um coro de vozes representativas de todo o continente, que abordam temas como a mineração a céu aberto, a monocultura da soja, a depredação dos solos e florestas, a construção de barragens, a exploração desordenada do peixe, a produção de pasta de celulose, etc., colocando em evidencia a estreita relação entre o roubo dos recursos naturais, a poluição e o modelo de exploração multinacional. Muito inquietante é igualmente "Cemitérios Digitais" (Digital Cimiteries), de Yorgos Avgeropoulos (Grécia, 2007), que ganhou o prémio “Resíduos”. A sociedade actual está cada vez mais dependente da informática. São milhões os computadores que diariamente se abandonam no lixo. Para onde vão estes desperdícios electrónicos perigosíssimos, que devem ser reciclados obedecendo a especificações rígidas? A maior parte vai parar às mãos desprotegidas de chineses ávidos de trabalho que, por um dólar por dia, desmontam com as mãos nuas estes objectos altamente tóxicos e cancerígenos. Os países desenvolvidos, em vez de gerirem os próprios desperdícios electrónicos, acham que é mais barato exportá-los para as nações mais pobres, levando assim biliões de pessoas a escolher entre o envenenamento e a pobreza, enquanto os mares do planeta, rios, terra e ar vão sendo irreparavelmente contaminados. Mais de 50.000.000 toneladas da nossa “civilização digital” terminam ilegalmente na China, em cidades cemitérios. De computadores e de seres humanos. Quem fala aqui em direitos humanos? “Os chineses são muitos, ganham uma miséria, e estão longe. É com eles!” O prémio "Alerta" do Júri da Juventude foi igualmente para "Cemitérios Digitais", “pela consciencialização de uma problemática desconhecida da maioria da população mundial”. O Prémio Polis, foi para "O Estádio Verde" (Der Prater – Ein Wilde Geschichte), de Manfred Corrine (Áustria, 2007), que coloca um curioso problema: como harmonizar o ambiente natural com as necessidades da sociedade actual. Um dos estádios onde decorreu o Europeu de 2008, na Áustria, foi o Prater, situado no interior dos 6.000.000 m2 do pulmão verde de Viena, uma zona onde outrora se reunia a aristocracia para caçar, e onde hoje se cruzam os motociclistas e os praticantes de jogging, e onde, pelos prados, passeiam texugos, raposas e gamos, enquanto nas águas, os patos (vindos há muito da China para abastecer as caçadas locais) agora acasalam livremente. A vida floresce nos campos do Prater, cheios de boas surpresas, num ecosistema bem defendido. "Desenvolvimento Hidrográfico – Tratamento de Áreas em Sulcos" (Jalagam Vikas – Mitti Ke Bandh) de Pinky Brahma Choudhury, Shobhit Jain (Índia, 2007) triunfou na categoria “Água”, onde havia muitos e ons concorrentes. O filme descreve métodos simples e económicos para resolver o problema da água, que podem facilmente ser usados pela população local, utilizando os recursos naturais para a construção de diques e barragens. Esta abordagem constitui um novo paradigma de desenvolvimento que, não procurando controlar a natureza, surge naturalmente do solo, promovendo a regeneração ambiental, a segurança dos seres vivos e a autonomia dos povos. Excelente, um dos meus preferidos igualmente, que fora este ano Grande Prémio do FICA de Goiás, onde o vi pela primeira vez e onde o convidei para o Cine Eco, é “Jaglavak, Príncipe dos Insectos” (Jaglavak, Prince of Insects), by Jerôme Raynaud (França, 2007), uma obra que viaja até ao norte dos Camarões, às montanhas Mandaras, onde os Mofu vivem uma relação única com os insectos, compartilhando com eles as suas casas e culturas. Ultimamente, uma terrível seca atingiu a região e as térmitas, normalmente preciosos aliados dos Mofu, saíram dos campos e invadiram as cabanas e celeiros. Para se defenderem, os Mofu não têm outra opção senão apelar para Jaglavak, uma feroz formiga combatente com corpo de dragão, protegido por uma carapaça e armado com pinças temíveis que cortam e despedaçam tudo. O mais interessante no filme é essa associação que discretamente se vai estabelecendo entre a organização da vida comunitária de homens e insectos, numa perfeita harmonia e sincretismo. Na categoria “vídeo não profissional”, o Júri Internacional salientou uma obra de escola (Escola de Belas Artes de Genebra), "Não Há Terra para os Pinguins" (No Pinguin's Land), de Barelli Marcel, (Suíça, 2008), uma divertida mescla de animação e imagem real. Vitimas do aquecimento global que “secou” as neves dos pólos os pinguins emigram para terras que o turismo mostra como potenciais cenários de apetecíveis neves, os Alpes suíços. Mas a realidade é desconsoladora. Humor e imaginação, num filme muito engraçado. O Júri Internacional atribuiu ainda Menções Honrosas a dois outros títulos: "Os Profetas do Clima" (Die Wetterpropheten) de Christoph Felder (Alemanha, 2007), e "Correntes – Por Amor à Água" (Flow, for Love of Water) de Irena Salina (EUA, 2008), ambos particularmente interessantes, o primeiro como recolha de testemunhos de alguns chamados “profetas do tempo” que vivem nas montanhas da Suiça e prevêem o tempo através da observação directa de pequenos indícios deixados por animais e plantas. O filme é ainda um trabalho notável de antropologia ambiental, e um rigoroso exercício cinematográfico. Quanto a "Correntes – Por Amor à Água", trata-se de um perturbante inquérito a uma realidade cada vez mais dramática: as fontes dos nossos recursos estão a desaparecer de forma trágica, sendo a avareza a principal causa desta delapidação sem controlo. Para o Júri da Lusofonia houve ainda três Menções Honrosas, todas portuguesas: "A Luz dos Meus Dias", de Anabela Saint-Maurice (Portugal, 2008), retrato intimista e pudico de uma jovem de Santo Aleijo, Alentejo, a Ana Zé, que pesa 150 quilos, e venceu a timidez integrando um grupo de cantares alentejanos. Com o seu enorme físico, Ana Zé é uma pessoa “diferente” numa aldeia do sul de Portugal, marcada pela saudade de um tempo já extinto e pela desconfiança em relação ao futuro. Numa terra essencialmente machista, a mulher marca território e mostra-se afinal muito mais decisiva do que pode parecer inicialmente. Partindo de Ana Zé é uma panorâmica mais vasta a que Anabela Saint-Maurice nos oferece. "dot.com", de Luís Galvão Teles (Portugal, 2007), é uma comédia de cenário ambientalista, que procura, de certa forma, recuperar a tradição do popular humor português dos anos 30 e 40. Numa aldeia do Norte de Portugal, Santa Lúcia, Pedro, um jovem engenheiro de 27 anos, ali desterrado para construir uma estrada, cujo projecto é cancelado, vê-se envolvido numa estranha engrenagem, ao receber uma carta de uma multinacional, intimando-o a fechar o website da aldeia, por infracção à legislação de copyright, sob a ameaça de um pedido de indemnização de 500.00 euros. Mas o website foi criado em nome da Associação da Aldeia e só esta o pode fechar, o que não corresponde á vontade dos seus associados. “Se a multinacional quer o site, que o compre!”, eis a conclusão que vai movimentar os habotantes da aladeia e a comunicação social. Divertido e instrutivo. "A Grande Aventura", de Francisco Manso (Portugal, 2008), é mais um trabalho do autor na linha de outros que tiveram como centro os bacalhoeiros. A pesca do bacalhau é cada vez mais, nos dias de hoje, para os portugueses, uma referência cultural e memorial, tema forte de um certo imaginário português. Francisco Manso vai até á Gronelândia em busca de testemunhos e lembrança de um tempo passado. Um bom trabalho de recolha e inspiração. O Júri da Juventude atribuiu ainda o Prémio "Terra" a "Terras Feridas, Vidas de Dor" (Scarred Lands and Wounded Lives: The Envirommental Impact of War), de Alice T. Day e Lincoln H. Day (EUA, 2007), “pela sensibilização emergente da capacidade auto-destrutiva da natureza humana”. O filme é uma inquietante jornada por algumas das guerra em que ultimamente os norte-americanos se têm envolvido, desde o Vietname até ao Afeganistão ou o Iraque, mostrando a profunda dependência da vida natural e as importantes ameaças a que essa vida está sujeita devido a estas guerras e à sua preparação. Um documento impressionante que vale a pena ponderar devidamente. O Júri da Juventude concedeu igualmente uma Menção Honrosa a "The Women at Clayoquot"- "As Mulheres de Clayoquot" (Canadá, 2008) de Shelley Wine, magnifica reconstituição da luta das mulheres canadianas, nos anos 60, contra o abate da floresta tropical, naquela que ficou conhecida como a maior acção de desobediência civil na história do Canadá. Sem cair na deslocada toada feminista, o filme afirma-se sobretudo como história de um movimento cívico que teve repercussões até aos nossos dias. Finalmente, o Júri das Extensões, ainda concedeu uma Menção Honrosa a "O Fantasma”, de um colectivo de jovens dirigidos por Abi Feijó (Portugal, 2007), uma animação em plasticina que relata a história de um rio do Porto que se encontra entubado e em muito mau estado de conservação.
Revistas as obras premiadas pelos quatro júris do Cine Eco 2008, com as quais me solidarizo incondicionalmente (apesar de as ter colocado, num caso ou noutro, numa ordem diferente), resta ainda referir algumas obras não premiadas, que me parecem muito interessantes e dignas de figurar num dos palmarés (compreende-se porém que os júris não pudessem premiar todas as obras merecedoras de destaque, dado que eram muitas as concorrentes e de altíssimo nível).

CINE ECO 2008 - Prémios

CINE ECO 2008
AWARDS


INTERNATIONAL JURY
(The winners will also receive a certificate and a trophy - “Campânula”)

Environmental Great Award (Seia City Council Prize),
Under the value of EUR 3,750, given to the best among all the works presented to
all categories of the competition concerning Environment:
"Em Construção" (Under Construction), by Zhenchen Liu (France, 2008)

“Environmental Education” Award,
under the value of EUR 600, given to the best work concerning the general subject
of the competition, under an educational point of view.
"Desertos em Movimento - Europa"
(Wüsten im Yormarsch - Europa Deserts on the Move – Europe),
by Ingo Herbst, (Germany, 2007);

“Environmental Anthropology” Award,
under the value of EUR 600, given to the best work promoting the subject
of human insertion in its daily way of life.
"Os Olhos Fechados da América Latina" (Los Ojos Cerrados de America Latina
The Closed Eyes of Latin America), by Miguel Mirra (Argentina, 2007);

“The Value of Residues” Award,
under the value of EUR 600, given to the best work concerning
the subject of the utility of waste.
"Cemitérios digitais" (Digital Cimiteries Digital Cimiteries),
by Yorgos Avgeropoulos (Greece, 2007);

“Pólis” Award,
under the value of EUR 600, given to the best work
promoting the subject of urban qualifying and environmental value.
“O Estádio Verde" (Der Prater – Ein Wilde Geschichte The Green Stadium), by Manfred Corrine (Austria, 2007);

“Water” Award,
under the value of EUR 600, given to the best work
concerning the subject of watery resources.
"Desenvolvimento Hidrográfico – Tratamento de Áreas em Sulcos" (Jalagam Vikas – Mitti Ke Bandh Watershed Development – Earthen Dams) by Pinky Brahma Choudhury, Shobhit Jain (India, 2007);

“Natural Life” Award,
under the value of EUR 600, given to the best work
promoting the subject of Nature’s preservation and biodiversity.
“Jaglavak, Príncipe dos Insectos” (Jaglavak, Prince of Insects),
by Jerôme Raynaud (França, 2007)

“Non-professional Video” Award,
under the value of EUR 600, given to
the best non-professional work presented to the competition.
"Não Há Terra para os Pinguins" (No Pinguin's Land No Pinguin's Land),
by Barelli Marcel, (Switzerland, 2008);


“Camacho Costa” Award
under the value of EUR 600, given to the film that best expresses the environmental issues, using the means of humour or poetry.
"Um Sentimento Maravilhoso" (A Sense of Wonder A Sense of Wonder)
by Christopher Monger (USA, 2008);


Honorary Certificates
"Os Profetas do Clima" (Die Wetterpropheten The Weatherprophets)
by Christoph Felder (Germany, 2007);

"Correntes – Por Amor à Água" (Flow, for Love of Water Flow, for Love of Water)
by Irena Salina (USA, 2008);

LUSOFONIA JURY

Special Prize for Lusophony,
under the value of EUR 2,500, given to the best
work produced and directed in a Portuguese speaking Country.
Juruna", (O Espírito da Floresta Juruna, The Spirit of the Forest)
by Armando Sampaio Lacerda (Brazil, 2008);


Honorary Certificate
"A Luz dos Meus Dias" (A Luz dos Meus Dias The Light of my Days)
by Anabela Saint-Maurice (Portugal, 2008);

"dot.com" (dot.com dot.com) by Luís Galvão Teles (Portugal, 2007);

"A Grande Aventura" (A Grande Aventura The Great Adventure)
by Francisco Manso (Portugal, 2008);


YOUTH JURY
(only Certificate)

Youth Great Award
"Under Construction" – "Em Construção" (France, 2008) by Zhenchen Liu.

"Earth" Award
"Scarred Lands and Wounded Lives: The Envirommental Impact of War" –
"Terras Feridas, Vidas de Dor" (USA, 2007) by Alice T. Day e Lincoln H. Day,

"Alert" Award
"Digital Cemiteries" – "Cemitérios Digitais" (Grécia, 2007) by Yorgos Avgeropoulos

Honorary Certificate
"The Women at Clayoquot"- "As Mulheres de Clayoquot" (Canada, 2008) by Shelley Wine.

JURY FOR EXPANSION
(only Certificate)
"Cine'Eco on the Move" Award
"Desertos em Movimento - Europa" (Wüsten im Yormarsch - Europa Deserts on the Move – Europe), (Germany, 2007) by Ingo Herbst;

Honorary Certificate
“The Phantom” - "O Fantasma” (Portugal, 2008), by Colectivo / Abi Feijó
"Under Construction" – "Em Construção" (France, 2008) by Zhenchen Liu